Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
443/14.2TTVCT.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR
RESOLUÇÃO
PREJUÍZO SÉRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: I - O despedimento traduz-se na ruptura da relação laboral, por acto unilateral do empregador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação da vontade (declaração negocial expressa) ou que possa ser deduzida de actos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem (declaração negocial tácita).
II – Essa declaração tem sempre de ser dotada do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato de trabalho, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário e que, como tal, seja entendida pelo trabalhador.
III – Não pode considerar-se que o despedimento duma trabalhadora se consumou se apenas foi ponderado como hipótese pelo empregador, em simultâneo com a contratação daquela por parte da entidade em que o empregador ia passar a laborar como médico, e, não tendo a trabalhadora aceitado tal solução, o empregador veio a optar pela transferência do local de trabalho, sem perda de garantias, após o que a trabalhadora procedeu à resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, alegando prejuízo sério decorrente da transferência.
IV – A transferência definitiva de local de trabalho confere ao trabalhador a possibilidade de resolver o contrato de trabalho, com direito a compensação, se com a mesma aquele tiver prejuízo sério.
V – Tal prejuízo é aferido em presença das características da transferência, e, bem assim, das condições de vida do trabalhador afectado pela mesma, devendo levar-se em linha de conta factores como a escolha da residência pelo trabalhador, a distância para o novo local de trabalho, o custo de vida, a duração e o horário dos transportes e a vida familiar do trabalhador, não tendo o prejuízo que ser necessariamente patrimonial.
VI – Não se consubstancia prejuízo sério se o novo local de trabalho dista cerca de 4/5 quilómetros do anterior, existem transportes públicos a ligar as respectivas localidades e que levariam a trabalhadora a despender, de sua casa ao novo local de trabalho e vice-versa, cerca de 15/20 minutos por dia, não obstante a mesma tivesse que deixar de prestar apoio familiar à filha menor no horário pós-escolar, a qual se deslocava para o consultório em que antes prestava serviço, o agregado familiar da trabalhadora dispusesse de um veículo automóvel, deslocando-se aquela, em regra, a pé para o consultório referido, e a mesma também prestasse apoio à mãe idosa, o que seria dificultado se fosse para o novo local de trabalho.
Decisão Texto Integral: 1.Relatório

B. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C., pedindo que:
- seja o R. condenado a reconhecer que o contrato de trabalho cessou por extinção do posto de trabalho;
- seja o R. condenado a reconhecer que esse despedimento é ilícito, por falta de fundamento e incumprimento do formalismo legal;
- ou, caso assim não se entenda, seja o R. condenado a reconhecer que a A. procedeu à resolução do seu contrato de trabalho com justa causa;
- seja o R. condenado a pagar à A. a quantia de € 6.132,71;
- seja o R. condenado a pagar os juros vencidos desde a citação até integral e efectivo pagamento.
Alegou, para tanto e em síntese, que foi contratada para exercer a actividade de assistente de consultório, sendo que a exerceu durante 18 anos num consultório do R. sito em …. No início de Janeiro de 2014, o R. informou a A. que por motivos económicos ia encerrar o consultório e proceder à extinção do seu posto de trabalho. O R. propôs-lhe passar a trabalhar numa Clínica em…, mas, face à distância e à necessidade de apoiar a filha menor e a progenitora, a A. não pôde aceitar. O R. acabou por não lhe prestar esclarecimentos que havia solicitado, tendo esta ficado à espera que aquele formalizasse o seu despedimento por extinção do posto de trabalho, conforme lhe havia comunicado verbalmente. Pelo facto de não lhe restar outra alternativa, a A. procedeu à resolução do contrato de trabalho que havia celebrado com o R.. Este não liquidou todos os seus créditos laborais. A A. sofreu desgosto e vergonha por ter de recorrer a familiares para a ajudarem monetariamente.
O R. veio contestar, dizendo, em suma, que face à diminuição progressiva de clientes, à necessidade de realização de obras e aos encargos com o consultório de …, aceitou o convite da Administração do Centro Clínico de… para integrar o corpo clínico desta, com mudança do respectivo consultório para a mesma. A referida mudança do local de trabalho da A. em nada afectaria a subsistência do seu contrato de trabalho, designadamente a categoria profissional, horário de trabalho e salário, como, aliás, lhe fora comunicado pelo R., por escrito. Os motivos que a A. invocou para não aceitar a mudança de local de trabalho não têm suporte legal. Reconhece que a A. tem direito ao recebimento dos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal referentes ao trabalho prestado nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2014 e ainda às férias e subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2014. A A., porque sempre se recusou a receber formação profissional, não tem direito ao recebimento da quantia peticionada a esse título. Finalmente, porque a A. resolveu o contrato de trabalho sem justa causa, encontra-se obrigada a indemnizar o R. nos termos do artigo 401.º, n.º 1, do Código do Trabalho, montante que deve ser compensado.
Proferiu-se despacho saneador, após o que realizou-se a audiência de julgamento, no termo da qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto.
Seguidamente, pelo Mmo. Juiz a quo foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgamos a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar o R. C. a pagar à A. B. a quantia global de Euros 232,71 (duzentos e trinta e dois euros e setenta e um cêntimos) acrescida de juros vencidos e vincendos, como peticionado, à taxa legal.
Custas pelo R. e A., na proporção do respectivo decaimento e sem prejuízo do apoio judiciário.»
A A., inconformada, interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«1 - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou a ação interposta pela A. parcialmente procedente, por provada, e em consequência, condenou o R. a pagar a quantia global de € 232,71 (duzentos e trinta e dois euros e setenta e um cêntimos) acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal.
2- Entendeu o Tribunal a quo, que no caso, é evidente que não houve, por parte do R., qualquer declaração expressa a pôr termo à relação laboral que a unia à A., muito menos com a invocação da extinção do posto de trabalho.
3 - O tribunal a quo, deu ainda como provado, conforme refere no ponto 11. dos factos provados que a seguir se transcreve: 11 - “o R. na sequência desta decisão, ponderou proceder à extinção do posto de trabalho da A. , tendo conversado com esta sobre essa hipótese. (sublinhado nosso)”
4- Salvo o devido respeito, o tribunal a quo não poderia ter dado como provados os pontos 8.º e 11.º da matéria de facto dada como provada, porquanto nenhuma prova foi produzida nesse sentido, e sempre se dirá que os pontos de facto 8. e 11. dados como provados na douta sentença a quo foram incorretamente julgados.
5- Com efeito, do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto.
6- Relativamente ao ponto 8.º, nos depoimentos prestados em sede de julgamento, verifica-se que nenhuma testemunha referiu que no início de 2014, o R. bem como o seu colega de consultório foram convidados para passar a realizar as suas consultas médicas no “Centro Clínico de…”, mediante cedência gratuita do respetivo espaço.
7- A testemunha Dr. Raquel (médica responsável pela entrevista) referiu que fazia todo o sentido convidar a testemunha Dr. António para dar consultas na clínica de… porque necessitavam de um pediatra, pela experiência e pelo nome e carteira de clientes, o que o recorrido já vinha fazendo, não tendo mencionado no seu depoimento que a vinda do Dr. António ocorreria mediante uma cedência gratuita do espaço, tendo isso sim referido que pretendiam que o Dr. António prestasse consultas nas suas instalações, e que iriam entrevistar a recorrente no sentido de a mesma vir a integrar os quadros da clínica!
8- Por outro lado, o depoimento da testemunha António também não poderia ser valorado de forma positiva, até porque a referida testemunha também era entidade patronal da A., e é Réu noutro processo apresentado pela aqui recorrente na sequência dos mesmos factos aqui em discussão, sendo por isso um depoimento parcial, uma vez que também esta testemunha tinha interesse em manter a versão apresentada pelo R.,
9- A testemunha Ana, colega de trabalho da A., e que presta serviço no consultório do Dr. António em …, referiu que o consultório de … fechou, e referiu ainda que sabia que a A. foi a entrevistas por intermédio do Dr. António para trabalhar para a clínica da Correlhã, onde o R. iria prestar consultas juntamente com o Dr. António, e que a ideia seria trabalhar para os donos da clínica de….
10- Com efeito, os concretos meios probatórios constantes do processo, sobre os quais incidem o presente recurso são os seguintes:- Depoimento da testemunha arrolada pelo Réu, Dra Raquel, do dia 23-10-2015 de minutos 11:04:03 a minutos 11:15:31, depoimento da testemunha arrolada pelo Réu, Dr. António, do dia 23-10-2015 de minutos 11:40:52 a minutos 12:09:22, - depoimento da testemunha Ana, do dia 23-10-2015, de minutos 10:22:02 a minutos 10:37:47 e de minutos 10:37:49 a minutos 10:42:28.
11- Acresce ainda que, relativamente ao ponto 11.º, também não ficou provado que tendo o recorrente decidido aceitar esta oferta, que na sequência desta decisão, o R. ponderou proceder à extinção do posto de trabalho da A., tendo conversado com esta sobre essa hipótese. (sublinhado nosso)
12 - A testemunha Dra. Raquel mencionou que sabia que quando convidaram o Dr. António, o mesmo tinha a seu serviço uma funcionária, que queriam dar continuidade e enquadrá-la no corpo de trabalho da clínica de…, até porque estavam a colocar pessoal, tendo efetuado uma proposta de trabalho à A. para ingressar na clínica, e como a A. não respondeu à proposta tiveram de colocar outra pessoa, ficando preenchida a vaga que tinham disponível.
13- Face a tal facto, depreende-se sem margem de dúvidas que a recorrente foi informada que iria ser entrevistada de forma a integrar os quadros da clínica, o que significa obviamente que o que estava em causa era a celebração de um novo contrato de trabalho, ficando devidamente provado que o contrato de trabalho da recorrente se extinguiu, até pelo facto do consultório onde a recorrente prestava a sua atividade ter encerrado, concluindo-se sem margem de dívidas que não se tratava de uma simples transferência geográfica, o que vem demonstrado nas declarações de parte prestadas pela recorrente, e pelo depoimento das testemunhas acima indicadas, verifica-se ter ocorrido de facto uma comunicação à recorrente de que o posto de trabalho se havia extinguido.
14- Da conjugação de toda a prova produzida em sede de julgamento, devia ter o tribunal a quo ter considerado provado que o R. comunicou verbalmente à aqui A. que extinguia o posto de trabalho da A., mas que lhe arranjava trabalho numa clínica na Freguesia de…, onde a entidade patronal já prestava serviços, marcando-lhe uma entrevista com o responsável, onde lhe foi proposto prestar atividade.
15- Por outro lado, e uma vez que a recorrente se recusou a celebrar o contrato de trabalho proposto pela clínica de…, ficou ainda provado que foi transmitido à recorrente que a entidade patronal efetuaria consultas no referido local, apenas às quartas-feiras de tarde e sexta de manha, ficando a A. sem saber a que entidade patronal prestaria o restante horário, e se iriam manter o seu vencimento no valor de € 575,00 (quinhentos e setenta e cinco euros), e que uma vez que a A. não aceitou as propostas apresentadas, aguardou que a entidade patronal formalizasse o seu despedimento por extinção do posto de trabalho, conforme comunicado pela entidade patronal.
16- Ficou ainda cabalmente demonstrado que ao invés de formalizar por escrito o referido despedimento por extinção do posto de trabalho, o Recorrido comunicou verbalmente à recorrente que não poderia suportar o valor da indemnização a que a recorrente teria direito por força da extinção do posto do trabalho e simultaneamente suportar o pagamento do valor do desemprego, conforme foi alias referido pela recorrente no depoimento de parte da A., prestado no dia 9-11-2015 de minutos 09:51:16 a minutos 10:05:14.
17- Na verdade, o tribunal a quo efetuou uma incorreta subsunção dos factos ao direito, porquanto por toda a prova produzida em sede de discussão e julgamento, se verifica que ocorreu no caso concreto uma verdadeira extinção do posto de trabalho, por parte do recorrido.
18- Por tudo quanto se deixou dito, deverá, pois, dar-se como não provada a matéria dos factos provados 8º e 11º da matéria de facto dada como provada, sendo que, outro entendimento constitui uma violação das regras probatórias, designadamente o disposto no artigo 342º do Código Civil, e ao decidir em contrário, à matéria de facto alegada e provada em audiência de julgamento, a sentença violou por erro na apreciação da prova o disposto no artigo 662, n.º 1 do NCPC, ocorrendo erro notório na apreciação da prova a legitimar a modificação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 662.º, do Código de Processo Civil.
19- Por outro lado, o tribunal a quo considerou que não houve por parte do Recorrido uma declaração expressa a pôr termo à relação laboral, apesar do Tribunal a quo referir que face às circunstâncias em causa, a solução da extinção do posto de trabalho seria a mais óbvia do ponto de vista legal, concluiu que a entidade patronal não concretizou aquela intenção.
20- A interpretação dos factos efectuada pelo Tribunal a quo constituiu violação das regras aplicáveis ao despedimento por extinção do posto de trabalho, contidas nos artigos 194 e seguintes e 367º e seguintes, todos do Código do Trabalho, verificando-se que a decisão sobre a matéria de facto contida nos pontos 8.º e 11.º dos factos provados, condicionou a apreciação da questão relacionada com a ilicitude do despedimento, o que não poderia ter sucedido, uma vez que conforme já se referiu, o Tribunal a quo não poderia ter considerado tais factos como provados, porquanto não foi feita a competente prova.
21- Por outro lado e sem prescindir, o Tribunal a quo refere ainda relativamente aos motivos invocados pela recorrente para fundamentar a sua resolução com justa causa que “no que se refere a esta eventual ilicitude da ordem de transferência, que não é de ter em conta aqui a alusão vaga e imprecisa que a A. faz à circunstância de que os termos em que iria prestar a sua actividade profissional nas novas instalações colocariam em causa a sua segurança profissional”
22- Concluindo que “em todo o caso, e mais importante do que tudo, só chegando ao seu novo local de trabalho é que a A. poderia verificar se tinham ou não sido alteradas as condições objetivas em que exercia a sua atividade – e só então, caso tal sucedesse, poderia pôr termo à relação laboral, invocando justa causa.” E referindo ainda que no caso concreto apenas estaria em causa uma situação de deslocação geográfica, quando refere que “no caso sub judice, tratava-se de uma simples deslocação geográfica para cerca de 3 ou 4 quilómetros” – no nosso caso apurou-se a distância de 4/5 quilómetros - do local original, o que não pode ser considerado como uma alteração de tal forma relevante da situação pessoal da A. que de imediato tornasse inviável a manutenção da relação laboral”.
23- Acabando por concluir que “não se está perante uma situação em que ocorresse prejuízo sério para a trabalhadora de forma a legitimar o recurso à resolução do contrato com esse fundamento, o que determina sem mais a improcedência da ação nesta parte, ficando prejudicada a apreciação das demais questões que daqui decorriam”
24- Com efeito, o Tribunal a quo não considerou o facto de que a eventual transferência causava uma prejuízo sério para a trabalhadora, até porque não teve em linha de conta a repercussão no salário da A., conforme ficou provado em sede de audiência de julgamento, porquanto conforme o referido pela recorrente, o salário auferido variava conforme o número de consultas realizadas pela entidade patronal, o que iria diminuir drasticamente, pela redução horária que iria operar-se.
25- Ora, por toda a matéria alegada e provada em sede de julgamento, nomeadamente nos factos 18, 19, 20, 21, 23º, dos factos provados, verifica-se que o tribunal a quo não levou em linha de conta, que de facto a mesma provocaria um prejuízo sério para a trabalhadora, isso mesmo foi referido pela testemunha Ana depoimento do dia 23-10-2015 de minutos 10:22:02 a minutos 10:37:47 e de minutos 10:37:49 a minutos 10:42:28, pela própria A. e ainda pela testemunha Isabel, no seu depoimento do dia 23-10-2015, de minutos 10:42:56 a minutos 10:55:05, e nas declarações de parte da A. prestadas no dia 9-11-2015 de minutos 09:51:16 a minutos 10:05:14.
26- Com efeito, estando devidamente provado que a transferência em causa implicaria um prejuízo sério para a trabalhadora, verifica-se que não se encontra preenchido um dos requisitos para que a mesma seja considerada lícita, sendo por isso válida e fundamentada a resolução do contrato de trabalho com justa causa, operada pela aqui recorrente.
27- A sentença violou assim o disposto nos artigos 194º, n.º 5 do Código do Trabalho, violando de igual modo o disposto no art. 59º n.º1 alínea b) da Constituição da República Portuguesa;
28- Ficou devidamente provado que a referida mudança causaria à recorrente prejuízo sério que lhe confere direito a resolver a relação laboral sob invocação de justa causa, pelo que salvo o devido respeito, entende a aqui recorrente que a sentença recorrida não poderia ter concluído como concluiu, violando assim o artigo 194º, n.º 5 do Código do trabalho.
29- Face ao que se deixou acima exposto, verifica-se que o tribunal a quo deveria ter concluído que são devidos à recorrente os créditos laborais que a mesma invoca, nomeadamente os créditos laborais devidos por força da justa causa de resolução do contrato de trabalho, nomeadamente com direito à consequente compensação, e tendo julgado improcedente a acção nesta parte, o tribunal a quo já não conheceu da questão relativa à determinação dos créditos laborais devidos por força da resolução, nomeadamente para os efeitos do cálculo do montante indemnizatório, pelo que ao decidir em contrário, a sentença recorrida violou o disposto no número 5 do artigo 194º do Código do Trabalho.
30- Em consequência de todo o exposto, deverá pois ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogada a decisão recorrida.»
O R. não apresentou resposta ao recurso da A..
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2.Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes:
- modificação da decisão sobre a matéria de facto;
- se ocorreu despedimento ilícito da A. pelo R.;
- se a A. resolveu o contrato de trabalho com justa causa e direito a compensação.

3. Fundamentação de facto

Os factos que a primeira instância considerou relevantes para a decisão da causa são os seguintes:
1. O R. é médico especialista de otorrinolaringologia, que exerce em diversos consultórios.
2. Em Maio de 1996, a A. foi admitida ao serviço do R. para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer a actividade profissional de assistente de consultório.
3. Desempenhava essas funções na vila de …, num consultório do R., sito na Rua ….
4. A A. foi contratada para auferir um vencimento mensal de Euros 70,00, correspondente a 1/3 do ordenado mínimo nacional à data de 1996, que era de Euros 272,30.
5. Por força das sucessivas actualizações, em Janeiro de 2014 aquele ordenado passou para Euros 170,00.
6. A A. tinha um horário semanal de 40 horas, prestando 1/3 deste período ao serviço do aqui R. e 2/3 ao serviço de outra entidade patronal, o Dr. António, que exercia actividade na especialidade de pediatria também no referido consultório médico.
7. A partir do ano de 2010/2011, o R., bem como o seu colega de consultório, passaram a sentir uma diminuição progressiva de doentes que se deslocavam ao consultório, o qual suportava uma renda mensal de Euros 325,00.
8. No início do ano de 2014, o R., bem como o seu colega de consultório, foram convidados pela Administração do Centro Clínico de…, para integrarem o corpo clínico desta, mediante cedência gratuita do respectivo espaço.
9. A mudança referida em 8) implicava o encerramento do consultório onde a A. prestava a sua actividade profissional.
10. O R. decidiu aceitar a mudança para o Centro Clínico de….
11. O R., na sequência desta decisão, ponderou proceder à extinção do posto de trabalho da A., tendo conversado com a mesma sobre esta hipótese.
12. Na referida conversa, o R. falou à A. na possibilidade de lhe conseguir colocação como funcionária na Clínica de…, marcando-lhe uma entrevista com o responsável.
13. Na referida entrevista foi proposto à A., pelo responsável da Clínica, prestar actividade a tempo parcial, correspondente a 4 horas diárias, e auferir o correspondente vencimento.
14. A A. não aceitou a proposta, designadamente devido à distância que teria de percorrer diariamente. Foi-lhe feita nova proposta, agora correspondente a 5 horas e meia por dia e ao Sábado de manhã, que esta não aceitou.
15. Por carta datada de 3/02/2014, o R. comunicou à A.:
“O Dr. Luís Dias, na qualidade de entidade patronal e nos termos do disposto nos artigos 193 e ss do código do trabalho, vem comunicar a necessidade inadiável de proceder à alteração do local de trabalho onde actualmente presta serviço, concretamente na Rua …em ….
A presente alteração resulta da necessidade de redução dos custos fixos inerentes ao funcionamento do actual consultório, que será fechado, assim como das vantagens inerentes ao futuro desempenho em ambiente médico, capitalizando inúmeras sinergias do ponto de vista económico e clínico, resultantes da integração no centro clínico de…, onde passará a prestar serviço, a partir do dia 3 de Março de 2014.
A alteração agora comunicada em nada altera o vínculo laboral preexistente e reveste o carácter de definitivo, não correspondendo em nosso entender, a qualquer prejuízo sério para V.Exa.
Não obstante, se tal se demonstrar, a entidade patronal assumirá os acréscimos de custos decorrentes de tal alteração.”
16. A A. respondeu a esta missiva através de carta de 5 de Fevereiro de 2014, onde alega não poder aceitar a pretendida mudança do local de trabalho por: ser transferida para uma clínica pertencente a terceiros; ver reduzido o seu horário de trabalho; inexistência de requisitos pelo empregador para tal mudança; prejuízo da sua segurança profissional; prejuízo no apoio à família; configurar a mudança verdadeira extinção de posto de trabalho; garantia da inamovibilidade do trabalhador.
17. O R. respondeu à missiva da A., mediante remessa de comunicação escrita de 17 de Fevereiro de 2014 (cfr. fls. 12, que aqui se dá por integralmente reproduzida), donde consta, além do mais, que “… Como é evidente, manter-se-ão inalteradas todas as demais premissas do seu vínculo laboral, nomeadamente quanto à categoria profissional, horário de trabalho e respectivo salário”.
18. A A. comunicou ao R., por carta de 23 de Fevereiro de 2014:
“… Assunto: Resolução do Contrato de trabalho com justa causa
Ex.mo Senhor Dr.:
Na sequência da ordem de serviço/comunicação que foi dirigida em 6 de Fevereiro de 2014, relativa à transferência das instalações do consultório, venho por este meio resolver o contrato de trabalho que consigo celebrei há 18 anos, o que faço nos termos do consignado para o efeito no Código do Trabalho.
Na verdade a transferência das instalações do consultório, local onde sempre desempenhei a minha actividade para a localidade de…, representa para mim um absoluto transtorno, completamente incomportável, pelo grave e evidente prejuízo para a minha vida pessoal e familiar.
Como sabe, desloco-me a pé para o consultório e o meu marido utiliza o único veículo do nosso agregado familiar, não tendo assim meio de deslocação ou rendimentos para o suportar.
Acresce ainda que deixe de prestar o apoio familiar que presto à minha família, nomeadamente à minha filha menor no horário pós escolar, vendo-me obrigada a coloca-la em ATLs, cujo custo não posso suportar, acrescendo o apoio que presto à minha mãe idosa.
Por último, ocorreu o encerramento do seu consultório, sendo-me agora solicitado que vá trabalhar para uma clínica pertença de 3ºs, pelo que até a legalidade da transferência do meu posto de trabalho carece de fundamentação legal a ser apreciada pelo tribunal competente, uma vez que considero até ter ocorrido uma extinção do posto de trabalho.
Por tudo isto, que aliás é do seu conhecimento, torna-se evidente que a deslocação para a freguesia de…, seria gravemente prejudicial para mim, pois poria inclusive em causa a minha segurança profissional. …”
19. O R. respondeu à missiva da A., por carta de 6 de Março de 2014 (cfr. fls. 15, que aqui se dá por integralmente reproduzida).
20. A Clínica de… dista cerca de 4/5 quilómetros do consultório referido em 3., sendo que existem transportes públicos a ligar … à … e vice-versa, com saídas diárias desde as 7h15m e retornos até às 19h30m. Despenderia a A., de sua casa à Clínica e vice-versa, cerca de 15/20 minutos dia.
21. A transferência para a clínica sita na freguesia de…, importava para a A. deixar de prestar o apoio familiar que presta à sua família, nomeadamente à filha menor no horário pós-escolar, que se deslocava para o consultório referido em 3..
22. O agregado familiar da A. dispõe de um veículo automóvel e a A. deslocava-se, em regra, a pé para o consultório referido em 3..
23. A A. também presta apoio à mãe idosa, o que seria dificultado se fosse para a Clínica de...
24. O R. nunca proporcionou à A. formação profissional.
25. O R. não pagou à A. os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2014, referentes ao trabalho prestado nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2014 (Euros 92,72).
26. O R. não pagou à A. as férias e o subsídio de férias vencidos a 1 de Janeiro de 2014 (Euros 170,00).
27. O R. não prestou formação profissional à A..
28. Com a cessação do contrato de trabalho, a A. sentiu angústia e tristeza.
29. A A. recorreu à ACT no sentido de lhe ser facultado o modelo RP5044.

4. Apreciação do recurso

4.1. Suscita-se em primeiro lugar a questão da impugnação que a Recorrente faz da decisão sobre a matéria de facto.
Estabelece o art. 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por sua vez, o art. 640.º, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe do seguinte modo:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
A Apelante pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto tendo por base a reapreciação da prova, designadamente de depoimentos gravados.
Do regime constante do Código de Processo Civil acima delineado resulta que, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões, nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, e acrescendo que há específicos ónus a cumprir no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por força do art. 640.º, o recorrente deve:
- especificar inequivocamente no corpo das alegações os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham uma decisão diversa, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, bem como, tratando-se de depoimentos, as passagens da gravação respectivas;
- e indicar sinteticamente nas conclusões, pelo menos, os pontos da matéria de facto que pretende ver alterados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Assim, como conclui António Santos Abrantes Geraldes (1), “[a] rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.
Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. (…)
Contudo, insista-se, quando houver motivo para rejeição do recurso, esta apenas poderá abarcar o segmento relativo à matéria de facto, restringindo-se, além disso, aos pontos em relação aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras.”
Retornando ao caso dos autos, verifica-se que a Apelante pretende que se considerem como não provados os seguintes factos que o tribunal a quo deu como provados:
8. No início do ano de 2014, o R., bem como o seu colega de consultório, foram convidados pela Administração do Centro Clínico de…, para integrarem o corpo clínico desta, mediante cedência gratuita do respectivo espaço.
11. O R., na sequência desta decisão, ponderou proceder à extinção do posto de trabalho da A., tendo conversado com a mesma sobre esta hipótese.
A Apelante pretende também que, em substituição, se considere provado que:
- o R. comunicou verbalmente à aqui A. que extinguia o posto de trabalho da A., mas que lhe arranjava trabalho numa clínica na Freguesia de…, onde a entidade patronal já prestava serviços, marcando-lhe uma entrevista com o responsável, onde lhe foi proposto prestar actividade;
- uma vez que a recorrente se recusou a celebrar o contrato de trabalho proposto pela clínica de…, foi transmitido à Recorrente que a entidade patronal efectuaria consultas no referido local, apenas às quartas-feiras de tarde e sextas de manha, ficando a A. sem saber a que entidade patronal prestaria o restante horário, e se iriam manter o seu vencimento no valor de € 575,00, e uma vez que a A. não aceitou as propostas apresentadas, aguardou que a entidade patronal formalizasse o seu despedimento por extinção do posto de trabalho, conforme comunicado pela entidade patronal;
- ao invés de formalizar por escrito o referido despedimento por extinção do posto de trabalho, o Recorrido comunicou verbalmente à Recorrente que não poderia suportar o valor da indemnização a que a Recorrente teria direito por força da extinção do posto do trabalho e simultaneamente suportar o pagamento do valor do desemprego.
Isto é, a Recorrente não especifica devidamente os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem, com referência aos mesmos, a decisão que deveria ter sido proferida, na medida em que, não tendo sido fixados os temas da prova nem consignados os factos assentes e controvertidos, os concretos pontos de facto submetidos a julgamento são os constantes dos articulados apresentados pelas partes, sendo sobre aqueles que incide a resposta do tribunal de provado ou não provado.
Ora, a Recorrente não indica quais daqueles pontos de facto considera incorrectamente julgados, antes enunciando factualidade dada como provada pelo tribunal recorrido e factualidade que, segundo a Apelante, deveria ter sido dada como provada, sem estabelecimento de qualquer correspondência com aqueloutros.
Por outro lado, no que concerne aos depoimentos das testemunhas que invoca para sustentar a sua pretensão no que concerne aos factos dos n.ºs 8. e 11., a Recorrente limitou-se a resumi-los parcialmente, sem menção das concretas passagens da gravação em que se funda para o efeito, de modo a facultar ao tribunal de recurso – se os mesmos fossem relevantes, o que se viu não ser o caso – a imediação possível na avaliação dos meios de prova especificados, nos segmentos considerados determinantes para imporem decisão diversa sobre cada um daqueles.
Finalmente, relativamente à factualidade que sustenta que seja dada como provada, acima indicada, a Recorrente nem sequer especifica os meios de prova em que alicerça a sua pretensão.
Sobre situação semelhante, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2015, proferido no âmbito da Revista n.º 961/10.1TBFIG.C1.S1 (Relator Abrantes Geraldes), em cujo sumário se diz (2):
“I - O ónus de alegação no que respeita à impugnação da decisão da matéria de facto impõe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, a concretização dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, a enunciação da resposta alternativa que lhes devia ter sido dada e a apreciação crítica dos meios de prova que sustentam essa resposta, com especificação das passagens da gravação em que se funda – art. 640.º do NCPC (2013).”
Igualmente tem interesse para o caso o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 2015, proferido no âmbito da Revista n.º 447/08.4TBAVV.G1.S1 (Relator Paulo Távora Vítor), cujo sumário tem o seguinte teor (3):
“Pretendendo o recorrente impugnar na Relação o decidido em 1.ª instância no tocante à matéria de facto, a falta de indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o seu recurso e ausência de transcrição das mesmas implica rejeição imediata do recurso, não havendo lugar a prévio convite de aperfeiçoamento por parte do Tribunal ad quem.”
Não se olvida que a jurisprudência do tribunal supremo também alerta para que as exigências legais na tarefa de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não podem deixar de ser interpretadas em conformidade com o princípio da proporcionalidade.
Todavia, salvo melhor entendimento, isso não está em causa na presente apreciação, uma vez que a eliminação dos aludidos factos dados como provados pelo tribunal recorrido, só por si, não satisfaria a solução do litígio almejada pela Apelante, parecendo-nos, inclusive, que estão pressupostos naqueles que a mesma pretende ver consignados como provados, sendo certo que, como se referiu, não foram sequer indicados os meios de prova para sustentar a sua pretensão quanto a estes, e com especificação das concretas passagens da gravação dos depoimentos, se fosse o caso.
Em face do exposto, não se alcança que possa ser suprida a falta de indicação, por referência aos articulados, dos pontos da matéria de facto incorrectamente julgados, bem como da decisão que sobre aqueles devia ter sido proferida, ficando por conseguinte prejudicado que pudesse de igual modo ser suprida a omissão parcial de indicação dos meios de prova e a omissão de especificação das exactas passagens da gravação pertinentes.
Impõe-se, pois, a imediata rejeição do recurso no que toca à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por incumprimento dos ónus legais que incumbiam à Recorrente.
4.2. Importa, então, decidir se, em face da factualidade provada, é de entender que se verifica o despedimento da A.. pela R..
O despedimento é uma das formas de extinção do contrato de trabalho, que se consubstancia na resolução unilateral daquele negócio jurídico por parte do empregador (arts. 340.º e 351.º e ss. do Código do Trabalho).
Assim, o despedimento configura-se como uma declaração de vontade recepienda, vinculativa e constitutiva, dirigida à contraparte, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro (art. 357.º, n.º 7 do Código do Trabalho e art. 224.º do Código Civil).
Essa declaração, expressa ou tácita, terá de ser enunciada em condições de não suscitar dúvida razoável sobre o seu verdadeiro significado; é, assim, necessário que o empregador declarante - por escrito, verbalmente ou até por mera atitude - denote ao trabalhador declaratário, de modo inequívoco, a vontade de extinguir a relação de trabalho (art. 217.º do Código Civil).
O que é exigível é que, havendo tal vontade por parte do empregador, este assuma um comportamento que a torne perceptível e inequívoca junto do destinatário, enquanto declaratário normal, tendo sempre presente que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (art. 236.º do Código Civil).
Sobre a questão, veja-se o que se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Abril de 2006, proferido no âmbito do processo n.º 05S3822 (Relator Vasques Dinis) (4):
"O despedimento, na acepção que ao caso interessa, traduz-se na ruptura da relação laboral, por acto unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação da vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, acto esse de carácter receptício, o que significa que, para ser eficaz, nos termos do artigo 224.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil, deve tal desígnio ser levado ao conhecimento do trabalhador, quer através de palavras, escritas ou transmitidas por qualquer outro meio de manifestação de vontade, quer através de actos equivalentes, que revelem, clara e inequivocamente, a vontade de despedir e, como tal, sejam entendidos pelo trabalhador, segundo o critério definido no artigo 236.º, n.º 1, do referido.
A referida inequivocidade visa, tanto evitar o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, como obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal".
No mesmo sentido, vejam-se também os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2009, proferido no âmbito do processo n.º 272/09.5YFLSB (Relator Vasques Dinis), e de 17 de Março de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 216/14.2TTVRL.G1.S1 (Relator António Leones Dantas) (5).
Por seu turno, na doutrina, a título exemplificativo, ensina Pedro Furtado Martins (6) que “[o] despedimento lícito pressupõe sempre uma declaração expressa da vontade patronal de pôr termo ao contrato de trabalho, a qual, para ser válida e eficaz, tem de obedecer ao formalismo legalmente exigido para as diferentes formas de despedimento, mais concretamente para a decisão de despedimento que culmina o respectivo procedimento - artigos 357.º, 363.º, 371.º e 378.º.
Contudo, para que exista um despedimento – ainda que ilícito –, basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.”
Ora, no caso dos autos, provou-se que, no início do ano de 2014, o R., bem como o seu colega de consultório, foram convidados pela Administração do Centro Clínico de…, para integrarem o corpo clínico desta, mediante cedência gratuita do respectivo espaço, mudança que implicava o encerramento do consultório onde a A. prestava a sua actividade profissional.
O R. decidiu aceitar a mudança para o Centro Clínico de… e, nessa sequência, ponderou proceder à extinção do posto de trabalho da A., tendo conversado com a mesma sobre esta hipótese, falando-lhe na possibilidade de lhe conseguir colocação como funcionária na Clínica de… e marcando-lhe uma entrevista com o responsável.
Na referida entrevista foi proposto à A., pelo responsável da Clínica, prestar actividade a tempo parcial, correspondente a 4 horas diárias, e auferir o correspondente vencimento, o que a A. não aceitou, designadamente devido à distância que teria de percorrer diariamente, após o que foi-lhe feita nova proposta, agora correspondente a 5 horas e meia por dia e ao Sábado de manhã, que aquela não aceitou.
Por carta datada de 3/02/2014, o R. comunicou à A.:
“O Dr. Luís, na qualidade de entidade patronal e nos termos do disposto nos artigos 193 e ss do código do trabalho, vem comunicar a necessidade inadiável de proceder à alteração do local de trabalho onde actualmente presta serviço, concretamente na Rua …, em ….
A presente alteração resulta da necessidade de redução dos custos fixos inerentes ao funcionamento do actual consultório, que será fechado, assim como das vantagens inerentes ao futuro desempenho em ambiente médico, capitalizando inúmeras sinergias do ponto de vista económico e clínico, resultantes da integração no centro clínico de…, onde passará a prestar serviço, a partir do dia 3 de Março de 2014.
A alteração agora comunicada em nada altera o vínculo laboral preexistente e reveste o carácter de definitivo, não correspondendo em nosso entender, a qualquer prejuízo sério para V.Exa.
Não obstante, se tal se demonstrar, a entidade patronal assumirá os acréscimos de custos decorrentes de tal alteração.”
A A. respondeu a esta missiva através de carta de 5 de Fevereiro de 2014, onde alega não poder aceitar a pretendida mudança do local de trabalho por: ser transferida para uma clínica pertencente a terceiros; ver reduzido o seu horário de trabalho; inexistência de requisitos pelo empregador para tal mudança; prejuízo da sua segurança profissional; prejuízo no apoio à família; configurar a mudança verdadeira extinção de posto de trabalho; garantia da inamovibilidade do trabalhador.
O R. respondeu à missiva da A., mediante remessa de comunicação escrita de 17 de Fevereiro de 2014 (cfr. fls. 12, que aqui se dá por integralmente reproduzida), donde consta, além do mais, que “… Como é evidente, manter-se-ão inalteradas todas as demais premissas do seu vínculo laboral, nomeadamente quanto à categoria profissional, horário de trabalho e respectivo salário”.
A A. comunicou ao R., por carta de 23 de Fevereiro de 2014:
“… Assunto: Resolução do Contrato de trabalho com justa causa
Ex.mo Senhor Dr.:
Na sequência da ordem de serviço/comunicação que foi dirigida em 6 de Fevereiro de 2014, relativa à transferência das instalações do consultório, venho por este meio resolver o contrato de trabalho que consigo celebrei há 18 anos, o que faço nos termos do consignado para o efeito no Código do Trabalho.
Na verdade a transferência das instalações do consultório, local onde sempre desempenhei a minha actividade para a localidade de…, representa para mim um absoluto transtorno, completamente incomportável, pelo grave e evidente prejuízo para a minha vida pessoal e familiar.
Como sabe, desloco-me a pé para o consultório e o meu marido utiliza o único veículo do nosso agregado familiar, não tendo assim meio de deslocação ou rendimentos para o suportar.
Acresce ainda que deixe de prestar o apoio familiar que presto à minha família, nomeadamente à minha filha menor no horário pós escolar, vendo-me obrigada a coloca-la em ATLs, cujo custo não posso suportar, acrescendo o apoio que presto à minha mãe idosa.
Por último, ocorreu o encerramento do seu consultório, sendo-me agora solicitado que vá trabalhar para uma clínica pertença de 3ºs, pelo que até a legalidade da transferência do meu posto de trabalho carece de fundamentação legal a ser apreciada pelo tribunal competente, uma vez que considero até ter ocorrido uma extinção do posto de trabalho.
Por tudo isto, que aliás é do seu conhecimento, torna-se evidente que a deslocação para a freguesia da Correlhã, seria gravemente prejudicial para mim, pois poria inclusive em causa a minha segurança profissional. …”
Finalmente, o R. respondeu à missiva da A., por carta de 6 de Março de 2014, comunicando que não aceitava que existisse justa causa de resolução do contrato de trabalho pela trabalhadora.
Tendo em conta as considerações acima expendidas, concordamos com a sentença recorrida quando afirma que não pode considerar-se que o despedimento da A. se consumou, uma vez que apenas foi ponderado como hipótese, em simultâneo com a contratação da trabalhadora por parte do Centro Clínico de…, mas, como aquela não aceitou tal solução, a empregadora veio a optar pela transferência do local de trabalho, sem perda de garantias, vicissitude essa que é incompatível com a cessação do contrato.
Aliás, a própria trabalhadora admite e alega que ficou a aguardar o esclarecimento e formalização da situação de despedimento e que, como tal não sucedeu, procedeu à resolução do contrato de trabalho com justa causa, assim pondo – ela e não a Apelada – termo ao contrato de trabalho, o que pressupõe que o mesmo ainda estivesse em vigor, como a Recorrente reconhece ao dizer na respectiva carta que se encontra «disponível para uma resolução consensual (…) que não passe pela transferência (…) mas sim pela manutenção do actual posto de trabalho ou pela cessação do mesmo, caso venha a ocorrer a sua extinção (…)».
Acresce que o empregador não só não esclareceu e formalizou a decisão de despedimento, como sempre esclareceu e asseverou por escrito o contrário, ou seja, a manutenção do contrato de trabalho com todas as condições em vigor, à excepção do local da prestação do trabalho.
Estes factos revelam de forma evidente que a conduta da Recorrida não foi entendida pela Recorrente como sendo uma manifestação inequívoca de vontade daquela de fazer cessar o contrato de trabalho que as vinculava.
Deste modo, entende-se que na situação em apreço não se configura uma declaração unilateral de vontade da empregadora no sentido de fazer cessar o contrato de trabalho, ou seja, que a Apelante não logrou demonstrar, como lhe competia por força do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, que foi objecto de despedimento pela R., tal como o mesmo deve ser entendido, nos sobreditos termos.
Em face do exposto, improcede o recurso da Apelante na parte em apreço.
4.3. Importa, então, apreciar e decidir se a A. resolveu o contrato de trabalho com justa causa e direito a compensação.
Estabelece o Código do Trabalho:
Artigo 129.º
Garantias do trabalhador
1 - É proibido ao empregador:
(…)
f) Transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, ou ainda quando haja acordo;
(…)
Artigo 193.º
Noção de local de trabalho
1 - O trabalhador deve, em princípio, exercer a actividade no local contratualmente definido, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
(…)
Artigo 194.º
Transferência de local de trabalho
1 - O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, nas seguintes situações:
a) Em caso de mudança ou extinção, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço;
b) Quando outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador.
2 - As partes podem alargar ou restringir o disposto no número anterior, mediante acordo que caduca ao fim de dois anos se não tiver sido aplicado.
3 - A transferência temporária não pode exceder seis meses, salvo por exigências imperiosas do funcionamento da empresa.
4 - O empregador deve custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e da mudança de residência ou, em caso de transferência temporária, de alojamento.
5 - No caso de transferência definitiva, o trabalhador pode resolver o contrato se tiver prejuízo sério, tendo direito à compensação prevista no artigo 366.º ou no artigo 366.º-A, consoante o caso.
6 - O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
7 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 1 ou 4, no caso de transferência definitiva, e constitui contra-ordenação leve a violação do disposto no n.º 3.
Artigo 196.º
Procedimento em caso de transferência do local de trabalho
1 - O empregador deve comunicar a transferência ao trabalhador, por escrito, com oito ou 30 dias de antecedência, consoante esta seja temporária ou definitiva.
2 - A comunicação deve ser fundamentada e indicar a duração previsível da transferência, mencionando, sendo caso disso, o acordo a que se refere o n.º 2 do artigo 194.º
No caso dos autos, verifica-se que a transferência da Apelante do local de trabalho que tinha no consultório do R., sito na Rua…, para o Centro Clínico de…, onde o Recorrido passaria a laborar, resultou do encerramento daquele consultório, pelo que a situação cai na previsão do art. 194.º, n.º 1, al. a), de acordo com o qual o empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, em caso de mudança ou extinção, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele preste serviço.
Desse modo, das duas, uma: ou a Apelante aceitava a transferência, tendo direito a que o empregador suportasse as despesas decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação, nos termos do n.º 4 da mesma disposição legal (o que o mesmo lhe comunicou que faria), ou procedia à resolução do contrato de trabalho demonstrando que a transferência lhe causava prejuízo sério, com direito a uma compensação, nos termos do n.º 5 do mesmo preceito legal.
Não obstante, entende-se que, mesmo sem lograr demonstrar que a transferência lhe causava prejuízo sério, a Apelante podia ainda resolver o contrato de trabalho, ao abrigo do disposto no art. 394.º, n.º 3 do Código do Trabalho, embora sem direito a qualquer indemnização.
Neste sentido, veja-se o que diz António Monteiro Fernandes (7):
“Na verdade, prevê-se desde logo uma situação em que a mudança do local de trabalho, por determinação da entidade patronal, é admitida, sem que o trabalhador possa opor-se-lhe eficazmente: a de mudança, total ou parcial, do estabelecimento em que presta serviço (art. 194.º/1-a)). Nesses casos, a transferência do trabalhador não é mais do que uma sequela prática da deslocação do próprio suporte da prestação de trabalho.
(…)
A prevalência atribuída pela lei aos interesses subjacentes à mudança geográfica do estabelecimento - «caso em que legítimos interesses dos trabalhadores cedem passo à decisão da entidade patronal, entendida não já como portadora de interesses próprios, mas como intérprete das conveniências da empresa» - coloca assim o trabalhador num estado semelhante ao de sujeição face à determinação dessa mudança.
O único meio de resistência à alteração do local de trabalho, nesses casos, parece consistir na resolução do contrato (art. 194.º/5), procedimento que, seguindo a letra da lei, o trabalhador só pode adoptar “se houver prejuízo sério”. O exercício desse direito de resolução dará lugar à compensação hoje fixada no art. 366.º (com a nova redacção dada pela L. 23/2012).
(…)
Mas é possível fazer uma leitura menos passiva do texto legal. O art. 394.º/3 CT admite a resolução fundada em “alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes do empregador” – situação que é de justa causa “não culposa” e, por conseguinte, não dá ao trabalhador o direito a indemnização. Mesmo que da transferência não resulte para o trabalhador “prejuízo sério”, pode haver perturbação significativa da sua organização de vida, ou mesmo transtornos no plano puramente subjectivo dos gostos e dos afectos, que o levem a preferir não acompanhar a mudança decidida pelo empregador. Trata-se, sem dúvida, de uma “alteração substancial e duradoura das condições de trabalho” que, nos termos gerais, autorizam a resolução, embora sem indemnização.”
Retomando a análise da situação dos autos, verifica-se que a trabalhadora procedeu à resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa e de prejuízo sério, tendo, todavia, apenas logrado provar que:
- a Clínica de… dista cerca de 4/5 quilómetros do consultório em que antes prestava serviço, sendo que existem transportes públicos a ligar …. a … e vice-versa, com saídas diárias desde as 7h15m e retornos até às 19h30m, que levariam a A. a despender, de sua casa à Clínica e vice-versa, cerca de 15/20 minutos por dia;
- a transferência para a clínica sita na freguesia de… importava para a A. deixar de prestar o apoio familiar que presta à sua família, nomeadamente à filha menor no horário pós-escolar, que se deslocava para o consultório em que antes prestava serviço;
- o agregado familiar da A. dispõe de um veículo automóvel e a A. deslocava-se, em regra, a pé para o consultório referido;
- a A. também presta apoio à mãe idosa, o que seria dificultado se fosse para a Clínica de….
Nenhuns outros motivos invocados se provaram, sendo certo que os mesmos se reconduziam essencialmente a meras conjecturas e especulações.
Assim, é por demais evidente que a Recorrente não logrou provar a existência de prejuízo sério derivado da transferência, sendo diminuta a distância relativamente ao anterior local de trabalho e objectivamente razoável ou mesmo insignificante o tempo despendido em deslocações, sendo certo que se desconhece se houve agravamento da distância antes percorrida com referência à residência e do tempo antes despendido a fazê-lo. Quanto à dificuldade na prestação de cuidados à família, é inerente à prestação de trabalho por qualquer trabalhador, só sendo atendíveis as situações acauteladas legalmente ou os prejuízos que excedam as expectativas razoáveis decorrentes das condições contratuais, o que não é o caso, visto que não merece tutela jurídica a tolerância do R. em que a filha da Apelante ficasse aos seus cuidados no consultório após a saída da escola.
A este propósito, é manifestamente pertinente e aplicável o entendimento tido no Acórdão desta Relação e Secção de 21 de Janeiro de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 445/14.9TTVCT.G1 (Relatora Manuela Fialho e sendo adjuntos a ora Relatora e o ora 1.º Adjunto), relativo ao litígio que opôs a ora Recorrente ao aludido Dr. António que laborava no mesmo consultório (8).
Aí se considerou, além do mais, o seguinte:
“A 3ª questão prende-se com a transferência de local de trabalho imposta à A..
Pretende a mesma que, em presença da matéria alegada e provada, verifica-se que a transferência provocaria um prejuízo sério para a trabalhadora.
Funda-se na factualidade consignada nos pontos 17, 18, 19 e 20.
Retomemos, então, a matéria de facto em causa.
A freguesia de… dista cerca de 3/4 quilómetros de …. Passando a desempenhar a sua atividade nas instalações da Clinica de…, a A. deixaria de poder dar apoio à sua filha menor, que se deslocava para o consultório no horário extraescolar. O agregado familiar da A. dispõe de um único veículo automóvel e a A. deslocava-se, em regra, a pé para o seu local de trabalho. A A. também presta apoio à sua mãe idosa, o que seria dificultado se fosse para a ….
A A. resolveu o seu contrato de trabalho invocando o transtorno decorrente da transferência de local de trabalho que lhe fora proposta.
O trabalhador deve, em princípio, exercer a atividade no local contratualmente definido (Artº 193º/1 do CT).
A A. foi admitida ao serviço do R. para exercer a atividade profissional de assistente de consultório, desempenhando essas funções no consultório sito na Avenida….
Nenhuma prova se fez, pois, de que ao local de trabalho tenha sido objeto de contratualização. No entanto, parece óbvio que o local de trabalho estava definido como sento aquele em que vinha exercendo as suas funções.
Ora, o empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, no que para aqui releva, quando ocorra motivo do interesse da empresa e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador (Artº 194º/1-b) do CT).
A Apelante não põe em causa o motivo do empregador para a transferência, reduzindo a questão à apreciação da existência do seu prejuízo.
Na verdade, apenas se tiver prejuízo sério o trabalhador pode resolver o contrato com direito a compensação (Artº 194º/5 do CT) e não indemnização, conforme reclama.
Tal como nos dá conta o Ministério Público no seu parecer, não definindo a lei o que considera prejuízo sério, importa que se proceda a uma avaliação da situação concreta, aferindo não só as características da transferência, como também as condições de vida do trabalhador afetado pela mesma “levando em linha de conta a escolha da residência pelo trabalhador, a distância para o novo local de trabalho, o custo de vida, a duração e o horário dos transportes e a vida familiar do trabalhador, sendo certo que o prejuízo não tem de ser necessariamente patrimonial”.
Ponderou-se na sentença que “… o prejuízo sério é um conceito indeterminado que deve ser preenchido pelo julgador no sentido concretamente mais justo, avaliando as características da mudança do local de trabalho e as condições de vida do trabalhador.
Não esquecendo nunca que o local de prestação de trabalho, na medida em que constituí o centro estável em torno do qual se organiza a vida familiar e social, deverá gozar de permanência, não podendo as alterações aí introduzidas provocar uma perturbação inaceitável na qualidade de vida do trabalhador.
Só que, no caso sub judice, tratava-se de uma simples deslocação geográfica para cerca de 3 ou 4 quilómetros do local original, o que não pode ser considerado como uma alteração de tal forma relevante da situação pessoal da A. que de imediato tornasse inviável a manutenção da relação laboral.
Acresce que o R., tal como constava da comunicação, assumiu que pagaria o acréscimo de despesas que a A. demonstrasse ter com a deslocação que agora teria que efetuar.
É certo que, no novo local de trabalho, a A. não poderia prestar a assistência à sua filha menor e à sua mãe, nos termos em que vinha fazendo até agora.
E não se ignora que este é um fator que implicaria a modificação dos termos em que decorria a dinâmica pessoal e familiar da trabalhadora.
Parece-nos, reafirma-se, que se tratava de perturbações e incómodos que poderiam ser facilmente assumidos pela A. e que, sobretudo, não se comparam com as que a generalidade dos trabalhadores tem que enfrentar, em particular no atual estado do mercado de trabalho.
Conclui-se, assim, que não se está perante uma situação em que ocorresse prejuízo sério para a trabalhadora de forma a legitimar o recurso à resolução do contrato com esse fundamento.
O que determina, sem mais, a improcedência da ação nesta parte…”
Afigura-se-nos que a questão foi adequadamente equacionada, nenhuma censura nos merecendo o juízo efetuado, porquanto na ponderação dos diversos aspetos relativos à mudança de local de trabalho não se nos afigura que o transtorno causado não seja suportável. Trata-se de uma mudança relativamente à qual não se vislumbra perturbação assinalável na organização diária da trabalhadora, assumindo, por isso, os transtornos cuja prova se obteve carater irrelevante no contexto da relação. Na verdade, a ora Apelante não provou que não tivesse solução plausível para o acolhimento a sua filha menor em horário extracurricular, quais os gastos e incómodos que sofreria com a deslocação por esta não se poder realizar a pé e qual a dificuldade no apoio à mãe.”
Por todo o exposto, a Recorrente não tinha direito a resolver o contrato de trabalho mediante compensação, nos termos acima explicitados, improcedendo a apelação.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar o recurso improcedente e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.

Guimarães, 19 de Maio de 2016
_____________________________________
(Alda Martins)
_____________________________
(Sérgio Almeida)
_____________________________
(Antero Veiga)

Sumário (elaborado pela relatora):
I - O despedimento traduz-se na ruptura da relação laboral, por acto unilateral do empregador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação da vontade (declaração negocial expressa) ou que possa ser deduzida de actos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem (declaração negocial tácita).
II – Essa declaração tem sempre de ser dotada do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato de trabalho, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário e que, como tal, seja entendida pelo trabalhador.
III – Não pode considerar-se que o despedimento duma trabalhadora se consumou se apenas foi ponderado como hipótese pelo empregador, em simultâneo com a contratação daquela por parte da entidade em que o empregador ia passar a laborar como médico, e, não tendo a trabalhadora aceitado tal solução, o empregador veio a optar pela transferência do local de trabalho, sem perda de garantias, após o que a trabalhadora procedeu à resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, alegando prejuízo sério decorrente da transferência.
IV – A transferência definitiva de local de trabalho confere ao trabalhador a possibilidade de resolver o contrato de trabalho, com direito a compensação, se com a mesma aquele tiver prejuízo sério.
V – Tal prejuízo é aferido em presença das características da transferência, e, bem assim, das condições de vida do trabalhador afectado pela mesma, devendo levar-se em linha de conta factores como a escolha da residência pelo trabalhador, a distância para o novo local de trabalho, o custo de vida, a duração e o horário dos transportes e a vida familiar do trabalhador, não tendo o prejuízo que ser necessariamente patrimonial.
VI – Não se consubstancia prejuízo sério se o novo local de trabalho dista cerca de 4/5 quilómetros do anterior, existem transportes públicos a ligar as respectivas localidades e que levariam a trabalhadora a despender, de sua casa ao novo local de trabalho e vice-versa, cerca de 15/20 minutos por dia, não obstante a mesma tivesse que deixar de prestar apoio familiar à filha menor no horário pós-escolar, a qual se deslocava para o consultório em que antes prestava serviço, o agregado familiar da trabalhadora dispusesse de um veículo automóvel, deslocando-se aquela, em regra, a pé para o consultório referido, e a mesma também prestasse apoio à mãe idosa, o que seria dificultado se fosse para o novo local de trabalho.

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(Alda Martins)
(1) Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 128-129.
(2) Disponível em Cadernos de Sumários da Secção Cível, www.stj.pt.
(3) Disponível em Cadernos de Sumários da Secção Cível, www.stj.pt.
(4) Disponível em www.dgsi.pt.
(5) Igualmente disponíveis em www.dgsi.pt.
(6) Cessação do Contrato de Trabalho, Princípia, Cascais, 2012, p. 151.
(7) Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 16.ª edição, p. 364.
(8) Disponível em www.dgsi.pt.