Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2664/15.1T8CHV-A.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: PROCURAÇÃO
PODERES
ABUSO DE REPRESENTAÇÃO
INEFICÁCIA DO ACTO IMPUGNADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Na conjugação do disposto nos artigos 268º nº 1 e 269º do Código Civil, há que distinguir os casos em que o agente atua sem poderes de representação daqueles em que abusou dos seus poderes.

2. Se o representante agiu de forma contrária ou para além do que consta da procuração escrita, agiu sem poderes, se agiu formalmente dentro dos poderes ali conferidos, mas sem observar a vontade do representado, agiu com abuso de poderes.

3. O terceiro que celebra negócio com o representante para valer na esfera jurídica do representado pode (e deve, para sua segurança) confirmar se os poderes constantes da procuração escrita concedem ao representante poderes para a celebração desse negócio (artigo 260º nº 2 do Código Civil).

4. Se o terceiro celebrou negócio não coberto pela procuração escrita falhou tais deveres de cuidado, pelo que se dispensa o conhecimento efetivo da vontade do representado (ou qualquer outro dever de conhecer que esta não foi observada) para o ato ser ineficaz perante o representado, nos termos do artigo 268º nº 1 do Código Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Embargante de executada e Apelada: S. C., residente na Rua (...) Vila Nova de Gaia;
Embargada de executada e Apelante: Banco A, S. A., com sede na Avenida (...) Lisboa;
Autos de: embargos de executado

I. Relatório

Nos presentes autos a embargante fez o seguinte pedido:

1) - Deverá ser declarada Inexistente a "Fiança" da aqui Embargante/Executada dado que não foi prestada pela embargante/executada em consequência da sua não intervenção no "Contrato de Empréstimo Intercalar", nem este ter este sido outorgado em seu nome;
2) - Deverá ser declarado nulo o Acto nº 73/2010 "Reconhecimento com Menções Especiais", cfr fl. 6 do Doc nº 1, porquanto viola o disposto no art.º 46º nº 1 al e) ex vi do 155º nº 3 do Código do Notariado;
3) - Deverá ser declarada Nula a "Fiança" da aqui Embargante/Executada dado que não foi dado de hipoteca pela devedora principal o bem cuja compra estava a ser financiada, como era exigência do mandato e como consequência dos princípios da acessoriedade e subsidiariedade da Fiança;
4) - Se requer o reenvio para interpretação das supra referidas normas europeias e nacionais, para o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do disposto no artº 19º nº 3 al b) do Tratado da União Europeia para aferir se as normas europeias supra citadas devem ser interpretadas no sentido que se opõem com a norma nacional devendo-lhe ser colocada a seguinte questão: As disposições nacionais constantes do artigo único do Decreto-Lei n° 32765 de 29 de Abril de 1943 e Art. 9.° nº 4º do Decreto-Lei n.° 287/93 de 20 de Agosto e que excepcionam o regime geral constante do art. 1143º do Código Civil devem ser interpretadas no sentido em que estão em oposição com o direito europeu constante no disposto no artº 21º e 38º da Carta Dos Direitos Fundamentais Da União Europeia, violando os princípios da Defesa do Consumidor e o Principio da Igualdade ao conceder ao sector bancário tratamento diferente dos restantes cidadãos e empresas no que diz respeito à forma que deve revestir o mútuo bancário;
5)- Declarar-se que as disposições nacionais constantes do artigo único do Decreto-Lei n° 32765 de 29 de Abril de 1943 e Art. 9.° nº 4º do Decreto- Lei n.° 287/93 de 20 de Agosto e que excecionam o regime geral constante do art. 1143º do Código Civil interpretadas em conformidade com o disposto no artº 21º e 38º da Carta Dos Direitos Fundamentais Da União Europeia estão em oposição com o direito europeu violam os princípios da Defesa do Consumidor e o Principio da Igualdade ao conceder ao sector bancário tratamento diferente dos restantes cidadãos e empresas no que diz respeito à forma que deve revestir o mútuo bancário, pelo que se aplica ao presente caso o disposto no artº 1143º do Código Civil e em consequência e em consequência: Declarar-se nulo o Mútuo ("Contrato de Empréstimo Intercalar"), junto sob o Doc nº 1 com o requerimento executivo, por falta de forma legal e por violação do dever de informação;
6) - E quando assim não se entender declarar-se excesso no mandato porquanto a aqui embargante/executada conferia poderes para ser fiadora no empréstimo até ao montante de cem mil euros que seria garantido por hipoteca e fiança e não o foi;
7) - Declarar-se nula a Fiança prestada pela embargante/executada em consequência da nulidade do Mútuo e por violação do dever de informação;
8) - Declarar-se que não são devidos os juros reclamados.

E sempre serem julgados por provados e declarados procedentes os presentes Embargos de Executado e, em consequência, ser julgada extinta a instância executiva e absolvidos os Embargantes/Executados nos autos executivos.

Alegou, em súmula, o que consta do próprio pedido.

A embargada contestou, além do mais, por impugnação, salientando que a embargante interveio de forma válida, eficaz e consciente no contrato dos autos, não tendo relevância o facto de neste se não fazer constar que esta se fez representar por procurador e que a existir qualquer excesso de mandato, o que não concede, este lhe será inoponível. Defende que o conceder ao sector bancário tratamento diferente dos restantes cidadão e empresas no que diz respeito à forma que deve revestir o mútuo bancário não viola os princípios da Defesa do Consumidor e o Princípio da Igualdade.
Após julgamento, com produção de prova testemunhal, foi proferida sentença com o seguinte decisório:

“Face ao exposto, nos termos das disposições legais supra referenciadas, julga-se procedente a presente oposição, mediante embargos de executado e, subsequentemente, ordena-se a extinção da execução no que concerne à Executada/Embargante S. C..

Não se conformando com esta sentença, foi interpostos recurso de apelação pela Embargada, formulando as seguintes conclusões que se sintetizam:

1. A Recorrida foi constituída como fiadora do contrato de mútuo dado à execução através da aposição da assinatura do seu marido (à data da emissão da procuração e da formalização do contrato), na qualidade de procurador, com poderes para o ato, conforme o Reconhecimento com Menções Especiais Presenciais que integra o contrato dos autos, o qual, como bem entendeu o Tribunal ad quo, é perfeitamente válido, já que faz menção à procuração e à circunstância de terem sido verificados os poderes necessários para o ato.
2. A Embargante bem sabia que se estava a constituir como fiadora e principal pagadora, respondendo na mesma medida em que a mutuária e o outro fiador, seu procurador, à data da feitura da procuração, seu marido.
3. Deste modo, a Recorrente não entende como o Tribunal ad quo deu como provado que a fiadora, Embargante, apenas se pretendeu constituir fiadora, se o contrato fosse garantido por hipoteca, quando na procuração que esta emitiu a favor do outro fiador, G. B., em momento algum é imposta como condição sine qua non para a sua constituição como fiadora, a constituição de hipoteca sobre imóvel da mutuária.
4. Apenas é referido, na procuração em apreço, os seguintes vocábulos: “empréstimos esses garantidos com hipoteca e fiança” e “podendo hipotecar o bem adquirido na mesma data”.
5. Se a Embargante com estas denominações pretendia apenas se quis constituir como fiadora e principal pagadora do empréstimo sub iudice se o mesmo fosse garantido por hipoteca sobre determinado bem imóvel, então o seu procurador, in casu, o fiador G. B. agiu em abuso de representação,
6. O que não pode, em momento algum, ser oponível ao Banco A, porquanto esta desconhecia, até à data em que foi notificada dos embargos contestados, os termos em que tal procuração foi outorgada, pois que, como é prática comum, se limitou a fornecer o contrato dos autos aos Executados, mutuária e fiadores, com a devida antecedência, para que dele se inteirassem e para que diligenciassem pela aposição e reconhecimento das respetivas assinaturas, o que estes fizeram.
7. É que, a procuração consiste num negócio jurídico através do qual se outorgam poderes de representação, traduzindo-se estes na possibilidade de alguém praticar atos e celebrar negócios que produzam efeitos na esfera jurídica do representado.
8. A relação subjacente reguladora da prática desses atos ou da celebração de negócios é, geralmente, o contrato de mandato, que é aquele em que uma parte se obriga a praticar atos jurídicos por conta de outrem, de acordo com o disposto no art.1157.º do Código Civil. É através desse contrato que se regula a relação entre o representado e o procurador.
9. Caso o mandatário ou procurador não obedeça às instruções, violando os limites que deve respeitar no exercício dos poderes de representação, age em abuso de representação.
10. Na verdade, a lei tutela os terceiros relativamente às modificações e à revogação da procuração, as quais devem ser-lhes comunicadas por meios idóneos, e, bem assim, às demais causas extintivas dos poderes de representação que aqueles ignorem sem culpa (artigo 266º do Código Civil).
11. As vicissitudes da procuração, sejam elas decorrentes da sua modificação ou da extinção dos poderes representativos, são inoponíveis aos terceiros que, desconhecendo-as ou ignorando-as sem culpa, contrataram com o procurador.
12. A confiança e autonomia que revestem a procuração não permitem que os efeitos de um mau uso ou um uso abusivo da procuração se projetem sobre o terceiro, fazendo-os recair sobre este.
13. O negócio celebrado em abuso de representação é, em regra, plenamente eficaz, correndo o risco do abuso por conta do representado – cfr. arts. 1178.º, 258.º, 262.º, n.º1 e 269.º todos do Código Civil e Pais de Vasconcelos, ob. cit., pág. 77.
14. Só assim não será quando o terceiro conhecesse ou devesse conhecer o abuso, situação em que o negócio é ineficaz em relação ao representado se por este não for ratificado, bem atento o preceituado nos arts. 268.º e 269.º ambos do Código Civil.
15. Tendo agido o fiador, na qualidade de procurador da Recorrida, em abuso de representação, a verdade é que a Recorrente desconhecia a amplitude dos poderes conferidos ao procurador – o que, de resto, não foi dado como provado pelo Tribunal ad quo -, por desconhecer em absoluto os termos da procuração junta aos autos pela embargante, tendo-lhe bastado que o contrato dos autos viesse acompanhado de reconhecimento notarial presencial da assinatura de G. C., aposta abaixo da expressão “OS FIADORES”, também na qualidade de procurador com poderes para o ato em representação de S. C..
16. Nesta conformidade, existindo abuso de representação, o mesmo é inoponível à Recorrente, devendo o negócio celebrado manter-se perfeitamente eficaz, vinculando a representada, aqui Embargante/Recorrente (cfr. artigo 269.º do Código Civil).
17. Destarte, o facto de o fiador ter agido em abuso de representação não culmina na nulidade da cláusula “Fiança” quanto à aqui Recorrida, porquanto, conforme supra se referiu, a aqui Recorrente desconhecia, sem culpa, o que não foi dado como provado pelo Tribunal ad quo, os termos em que havia sido elaborada a procuração sub iudice.
18. Violou, pois, a douta decisão recorrida o disposto nos arts. 405.º, 627.º e 269.º do Código Civil, devendo, como tal, ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente os embargos de executado intentados pela Recorrida S. C..
Foram apresentadas contra-alegações,
com pedido de ampliação do objeto do recurso nos termos do disposto no art.º 636º do Código de Processo Civil, "para pronúncia sobre as seguintes questões que não foram apreciadas e que constam dos pedidos formulados nos Embargos de Executado sob os números:

4) - Se requer o reenvio para interpretação das supra referidas normas europeias e nacionais, para o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do disposto no artº 19º nº 3 al b) do Tratado da União Europeia para aferir se as normas europeias supra citadas devem ser interpretadas no sentido que se opõem com a norma nacional devendo-lhe ser colocada a seguinte questão: As disposições nacionais constantes do artigo único do Decreto-Lei n° 32765 de 29 de Abril de 1943 e Art. 9.° nº 4º do Decreto-Lei n.° 287/93 de 20 de Agosto e que excecionam o regime geral constante do art. 1143º do Código Civil devem ser interpretadas no sentido em que estão em oposição com o direito europeu constante no disposto no artº 21º e 38º da Carta Dos Direitos Fundamentais Da União Europeia, violando os princípios da Defesa do Consumidor e o Principio da Igualdade ao conceder ao sector bancário tratamento diferente dos restantes cidadãos e empresas no que diz respeito à forma que deve revestir o mútuo bancário;
5)- Declarar-se que as disposições nacionais constantes do artigo único do Decreto-Lei n° 32765 de 29 de Abril de 1943 e Art. 9.° nº 4º do Decreto- Lei n.° 287/93 de 20 de Agosto e que excecionam o regime geral constante do art. 1143º do Código Civil interpretadas em conformidade com o disposto no artº 21º e 38º da Carta Dos Direitos Fundamentais Da União Europeia estão em oposição com o direito europeu violam os princípios da Defesa do Consumidor e o Principio da Igualdade ao conceder ao sector bancário tratamento diferente dos restantes cidadãos e empresas no que diz respeito à forma que deve revestir o mútuo bancário, pelo que se aplica ao presente caso o disposto no artº 1143º do Código Civil e em consequência e em consequência: Declarar-se nulo o Mútuo ("Contrato de Empréstimo Intercalar"), junto sob o Doc nº 1 com o requerimento executivo, por falta de forma legal e por violação do dever de informação;
Colocando-se a seguinte questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia:

A disposição nacional constante do artigo único do Decreto-Lei n° 32765 de 29 de Abril de 1943 e Art. 9.° nº 4º do Decreto-Lei n.° 287/93 de 20 de Agosto e que excepcionam o regime geral constante do art. 1143º do Código Civil devem ser interpretadas no sentido em que estão em oposição com o direito europeu constante no disposto no artº 21º e 38º da Carta Dos Direitos Fundamentais Da União Europeia, violando os princípios da Defesa do Consumidor e o Principio da Igualdade ao conceder ao sector bancário tratamento diferente dos restantes cidadãos e empresas no que diz respeito à forma que deve revestir o mútuo bancário?
7) - Declarar-se nula a Fiança prestada pela embargante/executada em consequência da nulidade do Mútuo e por violação do dever de informação;
Tudo conforme alegado foi nos autos de Embargo e que aqui se dão como reproduzidos por uma questão de economia processual.”
*
II. Questão prévia

Da ampliação do recurso

Na sua resposta às alegações de recurso interposto pela parte contrária, a Recorrida, após elencar os factos provados e reproduzir largos trechos da sentença, afirma pretender ampliar o recurso, para que se conheçam as questões supra mencionadas e que afirma que não foram apreciadas.

Não apresenta conclusões.

Carece de razão, no que toca ao pedido de reenvio, que foi apreciado na sentença (fls 42 in fine e 42v dos autos (1)).
O artigo 639º, nº 1, do Código de Processo Civil determina que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação de decisão.”
As conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objeto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem.

Assim, também neste caso se impõe ao Recorrente que apresente de forma sucinta os fundamentos que justificam a sua falta de aceitação da posição tomada na sentença quanto a esta matéria (o que não fez, sequer nas alegações, não apresentando razões para chegar à decisão que pretende que seja proferida, senão referindo que as questões não foram apreciadas e remetendo para a sua petição inicial, nada opondo à argumentação que consta da sentença).

Por força do disposto no artigo 641º, nº 2, al. b) do Código de Processo Civil (que dispõe: “o requerimento é indeferido quando não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não contenha conclusões”), há que inferir o requerimento de interposição de recurso, visto que não contém conclusões.

Neste sentido também o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 11/17/2016, no processo 11/17/2016, (sendo este, e todos os demais acórdãos citados sem indicação de fonte, consultados no portal dgsi.pt): “Requerendo o recorrido a ampliação do âmbito do recurso nas respetivas alegações, deve o mesmo formular as atinentes conclusões, já que são estas que definem o objeto da ampliação e o conhecimento do tribunal ad quem. Tendo o recorrido omitido as referidas conclusões, deve a ampliação ser rejeitada, não havendo lugar ao prévio convite à sua formulação”.

Acresce que determina o artigo 636.º do Código de Processo Civil, quanto à ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, que no caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.

Assim, é pressuposto deste recurso que a parte tenha decaído nos argumentos que apresentou, o que não ocorre quando não são conhecidos. E por isso, no nº 2 deste artigo se permite ao recorrido que, na respetiva alegação e a título subsidiário, venha arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas. Faculdade que também aqui não foi utilizada pelo recorrido.

Quanto às questões que não terão sido objeto de apreciação, por se considerarem prejudicadas pelas demais, prevê o artigo 665º nº 2 do Código de Processo Civil que “Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.”). Assim, tais questões são, disso sendo caso e o tribunal para tanto tenha elementos, oficiosamente conhecidas, mas não por força do pedido de ampliação do recurso, que também por isso não seria admissível sobre tais matérias.

Termos em que não se admite a ampliação do recurso.

III. Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).

Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Não obstante a Recorrente afirmar nas suas conclusões que não compreende “como o Tribunal ad quo deu como provado que a fiadora, Embargante, apenas se pretendeu constituir fiadora, se o contrato fosse garantido por hipoteca, quando na procuração que esta emitiu a favor do outro fiador, G. B., em momento algum é imposta como condição sine qua non para a sua constituição como fiadora, a constituição de hipoteca sobre imóvel da mutuária”, certo é que em lado algum afirma pretender impugnar a matéria de facto provada ou requer que algum facto seja dado como não provado.
Entende-se, assim, que essa afirmação como uma simples constatação da não aderência da Recorrente à motivação da matéria de facto provada, desacompanhada de qualquer vontade de a alterar e de pedido no sentido desta Relação o modificar.

Assim, face ao alegado nas conclusões das alegações, são as seguintes questões que cumpre apreciar:

1 - se o contrato de mútuo foi celebrado (pelo representante em nome da embargante) com inobservância dos limites constantes na procuração escrita e em caso afirmativo quais as consequências desse facto, o que passa por apurar
2 - a distinção entre a falta de poderes e o abuso de poderes no âmbito da celebração de negócios por representante em nome do representado.

IV. Fundamentação de Facto

A sentença vem com a seguinte factualidade assente, complementando-se, apenas, a transcrição da procuração na parte que se tornou relevante face ao teor das alegações de recurso:

1) A solicitação dos executados, ao Banco A celebrou com os mesmos o contrato dos autos, em que surge como mutuária Maria e como fiadores G. B. e S. C., ora embargante, sendo que o contrato de mútuo em questão foi especificamente negociado com as partes, tendo por finalidade o pagamento de tornas pela mutuária, no âmbito de processo de inventário e partilha em que era parte.
2) A mutuária Maria negociou com ao Banco A, não só a contratação dessa operação, mas também os seus específicos termos e condições contratuais, designadamente no que respeita à quantia mutuada, taxa de juro praticada, ao prazo e condições da operação e garantias oferecidas.
3) A Embargante S. C. fez-se representar pelo seu marido, a quem conferiu os poderes constantes da procuração outorgada no dia 27 de Agosto de 2010 - 4 dias antes da data da celebração do contrato dos autos -, no Cartório Notarial da Dra. A. C..
4) A embargante S. C. conferiu ao seu marido, entre outros, os seguintes poderes:
5)- responsabilizar a mandante, solidariamente para com o Banco A, S.A., como fiadora e principal pagadora de Maria pelo pagamento de tudo quanto venha a ser devido, em capital, juros e despesas, em consequência do empréstimo ou empréstimos até ao montante de cem mil euros que vão ser concedidos pelo Banco A, S.A., à referida Maria pelo prazo e com os juros, condições e obrigações fixadas pelo Banco A, empréstimos esses garantidos com hipoteca e fiança e de cujos termos e cláusulas tem conhecimento;
- dar desde já o acordo da mandante a todas e quaisquer modificações de prazo ou moratórias que sejam convencionadas entre a Caixa Credora e a aludida mutuária, renunciar a todo e qualquer benefício, designadamente o benefício do prazo estabelecido no artigo setecentos e oitenta e dois do Código Civil e ao exercício das exceções estabelecidas no artigo seiscentos e quarenta do mesmo código e bem assim dar o seu acordo às elevações de taxa de juto permitidas por esses contratos de empréstimo;
- outorgar o competente título de fiança para responder pelo seu cumprimento e requerer e assinar tudo o que se mostre necessário e conveniente aos fins deste mandato;
- Junto do Banco A, S.A. contrair empréstimo ou empréstimos até ao montante de cem mil euros, ao juro e demais condições que tiver por convenientes, podendo hipotecar o bem adquirido na mesma data, requerer quaisquer atos de registo predial, provisórios ou definitivos e ainda para a representar junto dos Serviços de Finanças e Câmaras Municipais, praticando tudo o que for necessário aos indicados fins.
6) Nos termos do contrato de mútuo que serve de título à presente execução, a mutuária obrigou-se à amortização do montante mutuado mediante o pagamento de prestações mensais constantes, de capital e juros, vencendo-se a primeira dessas prestações no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração do contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes.
7) A mutuária deixou de proceder ao pagamento das prestações mensais.
8) A última prestação integralmente paga pela mutuária corresponde à prestação n.º 21, vencida em 30.JUN.2012.
9) O não cumprimento das obrigações assumidas, importou para a exequente a possibilidade de considerar vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento e importou para os devedores a respectiva constituição em mora, designadamente a obrigação de pagamento de juros moratórios à taxa contratualmente estipulada.
10) Em face da situação de incumprimento, e depois de encetadas diversas tentativas de resolução extrajudicial junto da mutuária, ao Banco A procedeu à respetiva interpelação, assim como dos demais intervenientes no contrato, mediante missivas dirigidas para as respectivas moradas conhecidas.
11) Nenhum dos executados procedeu ao pagamento da quantia em dívida.
12) A aqui executada embargante separou-se de facto do seu marido em Novembro de 2010, tendo corrido divórcio litigioso que terminou convolado em Divorcio por Mútuo Consentimento por Sentença de 10-10-2011 nos autos de processo 649/11.6TMPRT do 1º Juízo, 2ª Secção de Família e Menores do Porto e, desde aquele mês de Novembro de 2010 que a aqui executada deixou de viver na casa de morada de família que ficou entregue ao seu ex-marido.
13) A Exequente intentou a presente execução em 6-12-2015, tendo a mutuária Maria procedido à venda do prédio que adquiriu com o dinheiro emprestado pela Exequente, depois de intentada a presente ação em 3 de Maio de 2017.
14) A Embargante apenas pretendeu assinar a procuração a que supra se aludiu e vincular-se como fiadora no empréstimo ou empréstimos a celebrar com a ora Exequente desde que os mesmos ficassem também garantidos por hipoteca nos termos referidos em 3) e 4).

V. Fundamentação de Direito

Resulta da matéria de facto provada que a embargante outorgou procuração escrita na qual declarou conceder ao cônjuge poderes para, em termos que infra se verão, a responsabilizar como fiadora.

(É certo que também lhe atribuiu poderes para contrair um empréstimo em seu nome e dar o imóvel adquirido nessa data em garantia desse empréstimo, de que seria a beneficiária, mas essa questão nada releva para a apreciação da validade da fiança ora em debate, por dizer respeito a um outro empréstimo que, face ao elementos dos autos, não se mostra celebrado.)
Os poderes que a embargante concedeu ao seu cônjuge, para a vincular como fiadora de Maria para com a Embargada, são concretizados da seguinte forma na procuração:

- responsabiliza-se para com a ora embargada;
- obriga-se como fiadora e principal pagadora de Maria;
- pelo pagamento de tudo o que venha a ser devido em consequência de um empréstimo ou empréstimos, que define com as seguintes características:
-- até ao montante de cem mil euros,
-- concedido pela embargada a Maria,
-- pelo prazo e com juros, condições e obrigações fixadas pelo Banco A,
-- empréstimos esses garantidos por fiança e hipoteca e de cujos termos e cláusulas tem conhecimento.
Não obstante, veio a ser subscrito em seu nome, pelo seu cônjuge, mediante a apresentação da procuração supra mencionada, o “contrato de empréstimo intercalar” dado à execução, no qual não foi estabelecida qualquer hipoteca a garantir o crédito da embargante.
Mais se sabe que a embargante não pretendia que o seu cônjuge a vinculasse à prestação da fiança no caso do empréstimo não se mostrar garantido por hipoteca (ponto 13 da matéria de facto provada).

Quid iuris?

abuso de representação

A procuração é o ato pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos, em regra sob a forma exigida para o negócio jurídico que o procurador deva realizar, como esclarece o artigo 262º, n.º 1, do Código Civil.

Quanto aos efeitos da representação estipula o artigo 258º do Código Civil que o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.

Desta norma resulta que, em regra, para que da representação resulte a inserção direta e imediata do ato na esfera jurídica do representado, é necessário que o representante aja em nome do representado e o ato caiba nos poderes conferidos ao primeiro pelo segundo.

Quanto aos efeitos da celebração de negócio em nome de outrem por pessoa sem poderes de representação é claro o artigo 268º, n.º 1, do Código Civil: esse negócio é ineficaz em relação ao falsamente representado, se não for por ele ratificado.

Por seu turno o artigo 269º do Código Civil também comina com a mesma ineficácia do ato quando o de o representante abusou dos seus poderes, mas tão só se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.

Há, pois, que distinguir os casos em que o agente atua sem poderes de representação daqueles em que o representante exorbitou dos seus poderes.

A falta de poderes de representação a que este normativo se reporta é susceptível de derivar da inexistência de procuração válida ou, no caso contrário, quando o representante excede os poderes dela constantes”, cf acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 09/23/2004, no processo 04B2716, disponível em www.dgsi.pt (assim como todos os demais cuja fonte se não referir).

E no mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, ao Código Civil Anotado, artigo 269º do Código de Processo Civil que distingue a representação sem poderes do abuso da representação: “Há abuso dos poderes de representação, quando o representante, atuando embora dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, utiliza conscientemente esses poderes em sentido contrário ao seu fim ou às indicações do representado…Neste caso, só é aplicável o regime de ineficácia previsto no artigo anterior, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso….O facto de o representado ficar neste caso do abuso do representado sujeito a um regime para ele mais exigente e apertado do que no caso de representação sem poderes explica-se pela circunstância de, na primeira hipótese, as expetativas da outra parte, fundadas a existência dos poderes de representação, nascerem de uma base mais sólida, mais consistente, visto o representante atuar, formalmente, dentro do limites dos poderes que lhe foram outorgados.”

Como relatou, no Tribunal da Relação de Lisboa, Teresa Prazeres Pais no acórdão proferido em 11/22/2012 no processo 227/2002.L2-8: “A situação de abuso de representação, a que alude o artº 269 nº1 do CC, verifica-se quando o representante, embora dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, utiliza esses poderes em sentido contrário ao seu fim ou às indicações do representado.”

Ou como também tão claramente se explica no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 02/10/2015, no processo 164/05.7TBVLF.C2, rel. Isabel Silva: “De referir que não pode confundir-se o abuso de representação (abuso de poderes) com a representação sem poderes (art. 268º CC) pois esta «(…) distingue-se do abuso de representação, de que trata o art. 269º, porque este é um desvio do fim que o acto deveria realizar, isto é, representa o exercício ilegítimo ou anormal do poder conferido, enquanto que naquela o acto é praticado em nome do representado mas sem terem sido conferidos, por este, ao representante, quaisquer poderes, ou fora dos limites da faculdade conferida.» [[citando Rodrigues Bastos, “Notas ao Código Civil”, vol. II, edição de 1988, pág. 19, nota 1ª ao artigo 268º]] e são diferentes as consequências legais do negócio celebrado pelo procurador face ao representado.”

Há que conjugar os interesses daquele que foi representado em termos contrários à sua vontade e os interesses de terceiro que celebrou o negócio confiando nos poderes de representação.

O terceiro pode (e deve, para sua segurança) confirmar quais os poderes constantes da procuração escrita (artigo 260º nº 2 do Código Civil). Assim, se celebra negócio com o representante, para valer na esfera do representado, que não está coberto pela procuração escrita, falhou os deveres de cuidado, ao não confirmar que o negócio que celebrou ali tinha cabimento. Está, pois, com o regime legal supra descrito, o seu direito suficientemente protegido nesse caso.

Assim, se o representante agiu de forma contrária ou para além do que consta da procuração escrita, agiu sem poderes, se agiu formalmente dentro dos poderes ali conferidos, mas sem observar a vontade da representada, agiu com abuso de poderes.

Vejamos, pois, se o representante ao declarar, em nome da embargante, que assumia a qualidade de fiadora no contrato de mútuo que originou o crédito dado à execução, sem que este estivesse garantido pela hipoteca, foi para além dos poderes descritos na procuração.

Se assim for, a ineficácia dessa declaração não depende do conhecimento (ou obrigação de conhecer) de que o procurador foi para além da vontade da representada: pois esta encontra-se transcrita no documento da procuração (e por isso o embargado podia e devia conhecer os poderes concedidos ao representante).

Sabe-se já que foi para além da vontade da embargante (ponto 13 da matéria de facto provada, que não se mostra impugnado), mas será que também foi para além do que se encontrava escrito na própria procuração?

Como se viu, na própria procuração estava bem explicito que os poderes concedidos ao representante no que toca a responsabilizar a embargada na qualidade de fiadora para com o Banco A, S.A., como fiadora e principal pagadora de Maria, se limitavam ao pagamento do que viesse a ser devido em consequência de um ou mais empréstimos que iam ser concedidos pelo Banco A, S.A. a Maria, até ao montante de cem mil euros, empréstimos esses garantidos com hipoteca e fiança e de cujos termos e cláusulas afirmou ter conhecimento.

Assim, limitados os poderes concedidos ao representante à concessão da fiança apenas para aqueles empréstimos, nos termos ali definidos, que compreendia, além do limite do valor, que também estivessem garantidos por hipoteca, dúvidas não há que o representante, ao subscrever a declaração de fiança em nome da embargante relativa a crédito constituído em empréstimo desprovido dessa garantia real, agiu já formalmente para além do âmbito dos poderes expressos na procuração.

Agiu em violação do que expressamente estava descrito na procuração, fora dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados.
A ineficácia do ato para com a embargante, representada, que o não ratificou, ocorre independentemente do conhecimento deste extravasar dos poderes por parte da embargada, nos termos do citado artigo 258º º 1 do Código Civil, por não se estar perante um abuso de representação, mas sim perante a falta de poderes de representação.

A classificação jurídica dada pelas partes não vincula o tribunal entendendo-se que a parte quando pugna que pela declaração de nulidade pretende abarcar também a ineficácia ou inexistência, porque todas englobam a falta de produção dos efeitos do ato em virtude de causas que estão na sua origem ( «Também no que respeita à fixação ou condenação em objecto diferente do pedido se tem suscitado dúvidas sobre o alcance prático deste limite, em particular nos casos em que a solução passa por uma qualificação jurídica diversa da sustentada pelo autor ou reconvinte. É o que acontece quando, por exemplo, o autor pede a resolução de um contrato com fundamento em incumprimento, mas em que se verifica que o contrato em crie é nulo por falta de forma; ou quando, por exemplo, o autor instaura uma ação de impugnação pauliana, concluindo, erradamente, pela invalidade (nulidade ou anulabilidade) do negócio impugnado, sendo que o efeito adequado é o da ineficácia relativa, à luz do disposto no artigo 6artigoº1 e 4 do CC.

Será que o tribunal poderá, na primeira hipótese, declarar a nulidade do contrato e decretar a respectiva consequência restituitória, ao abrigo do disposto nos artigos 286º e 289º do CC, e, na segunda hipótese, decretar a ineficácia do negócio impugnado, dando ainda provimento à pretensão do autor? A solução desta questão pressupõe, antes de mais, a interpretação do pedido e o entendimento de que este consiste no efeito prático-jurídico pretendido e não tanto na coloração jurídico que lhe é dada pelo autor. Na verdade, é unânime a doutrina de que o tribunal não está adstrito à qualificação jurídica dada pelas partes, já que, à luz do disposto no artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Assim sendo, se a situação se reconduzir a um mero erro de qualificação jurídica na formulação do pedido, aferido em função do contexto da pretensão, parece que nada obsta a que o tribunal decrete o efeito prático pretendido, ainda que com fundamento em base jurídica diversa. Quando muito, importará ouvir previamente as partes sobre a solução divergente, na medida em que tal se mostre necessário a evitar uma decisão-surpresa, nos termos do nº3 do artigo 3º do Código Civil.” cf o Conselheiro Manuel Tomé Gomes, in Da Sentença Cível, pp. 43-44 e apontando em sentido semelhante o Acórdão uniformizador de jurisprudência nº 3/01, de 23-1-01, publicado no Diário da República, 1ª Série A, de 9-2-01, que esclarece que o o juiz deve corrigir oficiosamente o erro na qualificação jurídica do efeito pretendido declarando a ineficácia do ato impugnado ,mesmo que tenha sido pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico.

Assim, bem se andou na sentença em julgar procedente a oposição e confirmando-se a mesma, improcedendo a apelação, não se verificam os pressupostos impostos no artigo 655º nº 2 do Código de Processo Civil para o conhecimento de questões consideradas prejudicadas pela solução dada ao litígio.

VI. Decisão

Por todo o exposto, este coletivo julga a apelação improcedente e em consequência, mantém a sentença recorrida.
Custas da apelação pela apelante (artigo 527º nº 1 do Código de Processo Civil).
Guimarães, 31.10.2018

Sandra Melo
Maria da Conceição Sampaio
Elisabete Coelho de Moura Alves


1- ali se lê: “Alega a Executada/Embargante que o contrato de mútuo de valor superior a €25.000, só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado, todavia, essa forma é dispensada para o Mútuo Bancário, nos termos do artigo único do Decreto-Lei n° 32765 de 29 de Abril de 1943 e Art. 9.° nº 4º do Decreto-Lei n.° 287/93 de 20 de Agosto,violando estas normas o disposto no artº 38º da Carta Dos Direitos Fundamentais Da União Europeia, violando ainda os princípios da Defesa do Consumidor e o Principio da Igualdade ao conceder ao sector bancário tratamento diferente dos restantes cidadãos e empresas no que diz respeito à forma que deve revestir o mútuo bancário.
Ora, salvo melhor opinião, parece-nos que os supra mencionados Decreto- Lei se encontram conformes ao direito comunitário, não contendendo os artigos 21.º e 38.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia com a específica temática da forma que deve revestir o contrato de mútuo bancário, pois resulta dos supra citados Decretos-Lei que os contratos de mútuo, seja qual for o seu valor, quando feitos por estabelecimentos bancários autorizados, podem provar-se por escrito particular, o que acontece no caso concreto.
Por outro lado, a previsão de um regime especial para a forma do mútuo bancário em nada belisca os princípios indicados pela Executada/Embargante na medida em que estão previstos na nossa ordem jurídica interna vários mecanismos de defesa do consumidor que se considere não informado ou esclarecido (cfr. Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, em especial, artigo 5.º, 6.º e 8.º), mecanismos, esses, que permitem elevado nível de defesa para os consumidores e que asseguram a sua cabal defesa na hipótese de não serem devidamente informados e esclarecidos dos termos de contrato celebrado apenas por escrito particular, motivo pelo qual se conclui que não se verifica a violação indicada pela Executada/Embargante no seu articulado de oposição à execução, rejeitando-se nessa medida o reenvio prejudicial formulado nos autos pela Embargante.”