Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
277/12.9TBALJ-B.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
FORMAÇÃO INCIDENTAL DE TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Introduziu o artº 869º do Código de Processo Civil, após a Reforma de 2003 - artº 792º novo –“ um processo sumário com cominatório pleno para o credor obter título exequível na própria acção executiva” – denominado na Doutrina de “Formação Incidental de título exequível“ ou “Título judicial impróprio”, julgando-se formado o título executivo se o executado reconhecer a existência do crédito ou nada disser e não esteja pendente ação declarativa para a respectiva apreciação.

II- Como vem sendo entendido pelo STJ “relativamente á declaração de quitação em documento particular a prova plena reporta-se à materialidade das declarações e não à exactidão do conteúdo destas, podendo, quanta a esta, o autor do documento produzir livremente prova, mantendo-se a regra de que o cumprimento, porque extintivo das obrigações, há-de ser demonstrado pelo devedor nos termos do nº 2 do artº 342º do Código Civil “, não decorrendo do documento de quitação, ainda, qualquer presunção legal de cumprimento, inversão do ónus da prova nos termos do artº 344º, ou constituição de contraprova nos termos do artº 346º, do citado código.

III- É ineficaz a confissão feita por litisconsorte, tratando-se de litisconsórcio necessário (artº 353 - nº 1 e 2 do Código Civil).

IV- Não opera a confissão extrajudicial em documento particular quando ocorra impugnação dos factos a que se refere, validamente realizada pelos demais contestantes nos termos do artº 374º do Código Civil.

V- Prova suficiente é a que é susceptível de produzir a plena convicção no juiz (…); conduz a um juízo de certeza; não de certeza absoluta, material, na maior parte dos casos, mas de certeza bastante.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

M. J. e M. P., credores Reclamantes nos autos de “Reclamação de Créditos” em curso, que correm por apenso aos autos de Execução Comum em que é exequente a “Caixa ..., S.A.” e são Executados/Reclamados J. M. e outros, apresentaram nos autos uma reclamação de créditos pelo valor de €280.281,63, a qual veio a ser impugnada, a fls.211 e seguintes, pela Exequente Caixa ..., S.A., designadamente, relativamente à existência de um direito de retenção sobre os bens imóveis penhorados nos autos principais de execução (um apartamento destinado a habitação, tipo T3, no 2º andar, e uma loja destinada ao comércio, no rés-do-chão, de edifício então a construir (e ora construído) nos prédios – a que corresponderam as fichas 481, 613, 2150, 2329, 691 e 692 / ... – que deram origem (por anexação) ao prédio a que corresponde actualmente a ficha ... / ..., da Conservatória do Registo Predial ... e o artigo urbano ... desta freguesia, sito entre a Rua ... (fachada principal) e a Rua ... (fachada traseira) da vila, freguesia e concelho de ....

Realizado o Julgamento veio a ser proferida decisão nos seguintes termos:

Pelo exposto, julga-se reconhecido o crédito reclamado pelos Credores Reclamantes M. J. e M. P. no montante de €234.436,00, ao qual acrescem juros de mora, vencidos desde 31 de dezembro de 2012 e vincendos até integral pagamento, reconhecendo-se ainda a garantia real reclamada (direito de retenção) sobre as duas frações supra melhor identificadas (apartamento e loja)”.
Inconformada, de tal decisão veio a exequente/Impugnante “Caixa ..., S.A.” interpor recurso de apelação.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes Conclusões:

DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO. AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA.

1. Vieram os Reclamantes M. J. e M. P. peticionar lhes fosse reconhecido um crédito no montante de € 280.281,63 (duzentos e oitenta mil duzentos e oitenta e um euros e sessenta e três cêntimos), garantido por alegado direito de retenção sobre um apartamento e uma loja do imóvel penhorado à ordem dos presentes autos, sustentando tal pretensão no alegado incumprimento de contratos promessas de compra e venda, correspondendo o valor peticionado ao dobro do sinal alegadamente pago (cfr. artigo 442.º/n.º2 do Código Civil).
2. Está assim a pretensão dos reclamantes dependente da verificação dos seguintes pressupostos: pagamento de sinal; incumprimento do contrato promessa; tradição da coisa prometida vender a consumidor.
3. i) No que em especial respeita ao pagamento do sinal o Tribunal a quo deu como provado, no ponto 11) dos factos provados, que “na data da celebração dos contratos-promessa referidos (19/04/2022) em 7), os Reclamantes, promitentes-compradores, entregaram ao promitente-vendedor, que recebeu, como sinal e em pagamento parcial antecipado do preço combinado pela transmissão das duas referidas partes concretas (destinadas a constituir fracções autónomas) do referido edifício e prédio (destinado a fraccionamento em regime de propriedade horizontal), o valor de € 117.218,00 (€ 79.808,00 + € 37.410,00)”.
4. Na fundamentação da resposta positiva dada à materialidade ora transcrita pode ler-se, na sentença sub iudice, que a convicção do Tribunal recorrido assentou, em exclusivo, nos depoimentos prestados por J. M., aqui executado, por M. P., Credora Reclamante e por S. P., filha dos Reclamantes.
5. Com todo o respeito, tais depoimentos não se podem ter por suficientes para comprovar a entrega de tão elevado montante a título de sinal, tanto mais que nenhuma das testemunhas demonstrou ter conhecimento directo da factualidade em apreciação, circunstância a que se soma a de serem, todas, claramente interessadas e pouco credíveis.
6. Quanto à testemunha J. M., aqui executado, revelou apenas ter conhecimento indirecto da materialidade ora em análise, sendo que, precisamente por tal motivo, questionado pelo mandatário dos reclamantes quanto à sua certeza no que respeita ao pagamento do sinal, afirmou apenas não ter “dúvidas nenhumas” do que ele próprio entregou, que foram as chaves.
7. Como é certo, quanto ao alegado pagamento do sinal não tem certeza alguma, já que o mesmo não lhe terá sido pago a si, baseando a sua razão de ciência “nuns papéis” que o pai tinha, sendo que os mesmos não lhe terão, sequer, permitido precisar qual a quantia alegadamente entregue.
8. Refira-se, aliás, que tais “papéis” não se acham, sequer, juntos aos autos, desconhecendo-se da sua veracidade, quer no que respeita à respectiva autoria, quer no que respeita ao respectivo conteúdo.
9. Acresce que, não se pode deixar de apontar alguma inexactidão ao testemunho do executado, que redunda, necessariamente, em falta de credibilidade, pois que, para além do já exposto, questionado quanto ao recebimento de quaisquer quantias por conta dos contratos promessa de que falou afirma “(…)eu nunca recebi dinheiro de ninguém, eu daquele prédio (…)”, sendo certo que a testemunha C. M., afirma ter entregue ao mesmo a quantia de € 12.000,00 ou € 13.000,00 a título de sinal.
10. Quanto à testemunha S. S., filha dos Reclamantes, com inequívoco interesse no desfecho da acção, não presenciou ou efectuou o pagamento alegadamente efectuado a título de sinal, tendo prestado um depoimento de “ouvir dizer”, o que não lhe permitiu demonstrar qualquer certeza ou razão de ciência, tão pouco, no que respeita ao concreto montante em questão ou à forma como o mesmo terá sido entregue.
11. Quanto à testemunha C. N., cunhado dos Credores Reclamantes, não teve conhecimento directo da materialidade em apreço, tendo prestado um depoimento de “ouvir dizer”, revelando, de resto, claras discrepâncias e imprecisões no que respeita ao valor do “negócio”.
12. Quanto à testemunha S. P., filha dos Reclamantes, com inequívoco interesse no desfecho da acção, não presenciou ou efectuou o pagamento alegadamente efectuado a título de sinal, tendo prestado um depoimento de “ouvir dizer”, o que não lhe permitiu demonstrar qualquer certeza ou razão de ciência, tão pouco, no que respeita ao concreto montante em questão ou à forma como o mesmo terá sido entregue.
13. Quanto às declarações de M. P., aqui Reclamante, também esta não efectuou o pagamento do valor alegadamente entregue ao promitente vendedor a título de sinal, não demonstrando, a este respeito, qualquer razão de ciência directa, já que nada presenciou.
14. Quanto às declarações de M. J., aqui Reclamante, o qual terá efectuado a transferência do preço para o promitente vendedor, além de certamente parcial, acham-se repletas de imprecisões e discrepâncias, seja quanto à data da celebração dos contratos, quanto à quantia alegadamente paga ou até ao modo como o pagamento terá sido efectuado, o qual de resto não se coaduna com a normalidade da prática bancária, o que permite, no mínimo, suscitar a questão da sua isenção e idoneidade.
15. Ora, a acrescer aos testemunhos e declarações prestados, com vista à prova do pagamento do preço apenas foi junta aos autos cópia de caderneta da Caixa ..., S.A., documento que, de resto, i) foi impugnado pela Caixa ..., ii) não é valorado pelo Tribunal e que, por si só, iii) não permite comprovar qualquer pagamento ao promitente vendedor, já que do mesmo apenas constam menções a depósitos e levantamentos de dinheiro, sendo que iv) da mesma não consta qualquer pagamento coincidente com o preço acordado ou v) contemporâneo dos contratos promessa em questão.
16. Assim, não podia/devia o Tribunal a quo ter dado como provado o pagamento da quantia de € 117.218,00 (cento e dezassete mil duzentos e dezoito euros) a título de sinal.
17. É que, a prova de tal facto, ónus dos alegantes, necessitaria, cremos, de suporte documental bastante, o qual, como se vê, dos autos, não foi junto e nem foi requerida a sua junção ao Tribunal.
18. Com efeito, o contrato promessa referido a contrato definitivo para o qual se exija documento autêntico ou particular – como sucede com o contrato de compra e venda de coisa imóvel – é um contrato formal, dado que deve constar de documento escrito assinado pelos promitentes – cfr. artigo 410.º, n.º2 do Código Civil.
19. Trata-se de uma formalidade ad substatiam: a sua violação gera, nos termos gerais, a nulidade do contrato promessa – cfr. art. 220.º do Código Civil.
20. Da imperatividade legal da forma escrita para os contratos em apreço decorre a aplicação do regime probatório previsto no n.º1 do artigo 394.º do Código Civil, face à remissão expressa do artigo 395.º do mesmo diploma legal, não permitindo a lei prova documental do facto extintivo da obrigação (pagamento).
21. Pelo que, salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao considerar como provado o pagamento do preço, com sustento na prova testemunhal produzida em juízo, a qual, para mais, além de imprecisa, é, em toda a linha, parcial, porque certamente interessada.
22. Deveriam os Reclamantes ter junto ou requerido a junção aos autos prova documental passível de demonstrar que o preço acordado foi efectivamente entregue ao promitente vendedor (veja-se nesse sentido, entre muitos outros, Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 09.06.2011 e de 11.20.2010 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28 de Março de 2019, disponíveis in www.dgsi.pt, Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, 1987, página 345), o que, de modo algum, fizeram ou procuraram fazer.
23. Sendo certo que, ainda que se entenda, na senda dos ensinamentos preconizados pelo Professor Vaz Serra que a prova testemunhal é admissível nas seguintes circunstância excepcionais: a)quando exista começo ou princípio de prova por escrito, b) quando se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita e, ainda, c) em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova, a verdade é que igualmente caberá concluir que no caso dos autos não é admissível, para prova do quesito aqui em análise, a prova testemunhal.
24. Isto porque, por um lado inexiste um começo ou princípio de prova por escrito de que os Reclamantes tenham pago a quantia de € 117.218,00 (cento e dezassete mil duzentos e dezoito euros) ao promitente vendedor.
25. Reitere-se, a propósito do único documento junto aos autos, que o mesmo não pode ser havido como meio de prova de pagamento ao promitente vendedor, não permitindo antever qualquer transferência de dinheiro a favor do mesmo ou qualquer movimento contemporâneo ou próximo do dia de outorga do contrato promessa de compra e venda – 19 de Abril de 2002.
26. Por outro lado, não se pode considerar que era moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita ou, tão pouco, que se verificou perda não culposa do documento que fornecia a prova, sendo certo que, verificando-se quaisquer destas circunstâncias, sempre deveriam as mesmas ter sido alegadas pela parte que pretende produzir prova testemunhal, isto é, pelos reclamados, o que não sucedeu.
27. Assim, não tendo os Credores Reclamantes M. J. e M. P. alegado a perda ou a impossibilidade de obter prova escrita da entrega do alegado preço de € 117.218,00 (cento e dezassete mil duzentos e dezoito euros) ao promitente vendedor, não se verificando a existência nos autos de qualquer elementos escrito cuja insuficiência probatória pudesse ser suprida pelo depoimento das testemunhas, não podia o Tribunal a quo admitir a produção de prova testemunhal sobre esta matéria.
28. Saliente-se, aliás, a título final, que a prova documental seria possível, sendo que aos Reclamantes bastar-lhe-ias, ao abrigo e nos termos do preceituado no artigo 417.º do CPC, requerer fosse oficiada a instituição bancária “Caixa ..., S.A.”, qualquer outra Instituição Bancária ou até os aqui executados a fim de juntarem aos autos extractos das contas bancárias tituladas pelo promitente vendedor, por forma a comprovar a entrega do sinal alegadamente pago.
29. Em conclusão: mal andou o Tribunal a quo ao dar como provada a materialidade constante do ponto 11) os factos provados, impondo-se, ao invés, considerá-la como não provada.
30. Não o tendo feito, o Tribunal recorrido decidiu mal, em manifesto e notório erro de apreciação de prova.
31. ii) O Tribunal a quo considera, ainda, como provado, no ponto 18) dos factos provados, que os ora Reclamantes vêm, “(…) desde então, usando as referidas partes concretas como bem entendem, designadamente: para nela pernoitarem ocasionalmente por curtos períodos ou para nela facultarem pernoita a familiares e amigos que foram recebendo em ..., sobretudo em Agosto, mas também noutros momentos festivos”.
32. Verdade é que, da prova produzida em juízo não resulta demonstrada tal factualidade, a qual, de resto, é absolutamente contrária a qualquer juízo de normalidade e de razoabilidade.
33. É que, conforme se acha demonstrado nos autos, o prédio em que se insere o apartamento prometido vender não possui água ou luz, estando ainda por acabar.
34. Ora, é absolutamente contrário a um juízo de normalidade ou de razoabilidade que os Reclamantes, possuindo habitação própria nas proximidades, tenham pernoitado ou tenham facultado pernoita a familiares em habitação sem o mínimo de condições de habitabilidade.
35. Refira-se, desde logo, e no que respeita aos próprios Credores Reclamantes, que os respectivos depoimentos são absolutamente contraditórios.
36. Com efeito, se a Credora Reclamante M. P. afirma “terem” pernoitado no apartamento para “saber como era”, o seu marido, aqui Credor Reclamante, afirma nunca lá ter dormido – v.g. depoimentos cujas gravações foram já identificadas, sendo que quanto à Credora Reclamante M. P. importa atentar a minutos 16:42 a 17:03, já quanto ao Credor Reclamante M. J. importa atentar a minutos 5:43 a 5:48.
37. Quanto aos depoimentos das filhas dos Credores Reclamantes S. S. e S. P. porque claramente parciais e imprecisos, deverão igualmente ter-se por insuficientes para prova da materialidade em análise.
38. Assim, mal andou o Tribunal a quo ao dar como provada a materialidade constante do ponto 18) os factos provados, impondo-se, ao invés, considerá-la como não provada. Não o tendo feito, o Tribunal recorrido decidiu mal, em manifesto e notório erro de apreciação de prova.
39. iii) Sob o ponto 20) dos factos provados considerou, ainda, o Tribunal a quo que “apesar de diversas interpelações feitas pelos Reclamantes ao primeiro executado J. M., a escritura definitiva de compra e venda nunca foi nem pôde ser marcada”.
40. Verdade é que, da prova produzida em juízo não resulta provada tal materialidade, a qual, de resto, não é abordada pelas testemunhas ou pelas partes nos depoimentos prestados.
41. Assim, mal andou o Tribunal a quo ao dar como provada a materialidade constante do ponto 20) os factos provados, impondo-se, ao invés, considerá-la como não provada. Não o tendo feito, o Tribunal recorrido decidiu mal, em manifesto e notório erro de apreciação de prova.
42. iv) Da prova produzida em juízo, e com relevo para as questões em apreciação, resultou, ainda, que os Credores Reclamantes prometeram adquirir o apartamento e a loja melhor identificados nos autos a título de investimento, para arrendar ou vender.
43. Com efeito, questionada quanto à temática em questão, as filhas dos Credores Reclamantes, S. S. e S. P., assim como os próprios, foram peremptórios ao afirmar que estava em causa um investimento, sendo que o apartamento e a loja prometidos comprar se destinavam a arrendamento ou revenda.
44. Ora, em face da prova assim produzida em juízo e da demais materialidade dada como provada, sempre deveria ter sido dado como provado, já que de absoluta relevância para a temática em discussão, indispensável para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito que devam considerar-se controvertidas, que “os Credores Reclamantes prometeram adquirir o apartamento e a loja objecto da presente demanda como forma de investimento, com o intuito de os destinarem a revenda ou arrendamento, intuito que não chegaram a concretizar pela circunstância de o prédio em que os mesmos se integram não ter sido terminado, não possuindo as habilitações necessárias, designadamente, licença de habitabilidade.”
45. É que, e como bem o reconhece o Tribunal a quo, tal matéria não se afigura despicienda para se aquilatar da subsunção da materialidade em apreciação ao preceituado no artigo 755.º/n.º1/al. f) do Código Civil, na interpretação restritiva vertida no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que apenas é aplicável aos consumidores.
46. Com efeito, da análise da selecção da matéria de facto feita pela 1.ª instância, por confronto com os factos essenciais alegados pelas partes e com os factos instrumentais e/ou complementares resultantes da instrução da causa, resulta evidente que o Tribunal a quo desconsiderou materialidade que se revela indispensável para que se alcance a justa composição do litígio, de modo que se impõe a ampliação da matéria de facto por este Tribunal da Relação, de molde a que se incluam nos factos provados o melhor identificado supra, com a consequente anulação da decisão de 1.ª instância, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 662.º/n.º2/al. c) do CPC.

IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE DIREITO:

- DA INEXISTÊNCIA DE DIREITO DE CRÉDITO:

47. Alterando-se, como se impõe, a decisão proferida quanto à matéria de facto dada como provada, designadamente considerando-se como não provado, como se impõe, o pagamento da quantia de € 117.218,00 (cento e dezassete mil duzentos e dezoito euros), sempre terá de improceder o petitório formulado nos autos pelos Credora Reclamantes M. J. e M. P., atenta a inexistência de qualquer direito de crédito.

- DA INEXISTÊNCIA DE DIREITO DE RETENÇÃO:

48. Como bem o refere o Tribunal a quo, o preceituado no artigo 755.º, n.º1, al. f) do Código Civil, atinente aos casos especiais que gozam de direito de retenção, deve ser interpretado restritivamente no sentido de que apenas é aplicável aos consumidores.
49. Com efeito, e apesar da falta de qualquer referência literal, hoje entende-se que somente o promitente-comprador consumidor goza da especial protecção que é conferida pela alínea f), do n.º1 do art.755.º do CC, isto é, só o promitente-comprador consumidor goza do direito de retenção sobre a coisa a que se refere o contrato prometido (veja-se neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, de 25 de Novembro de 2014, processo n.º7617/11.6TBBRG-C.G1.S1, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17 de Dezembro de 2014, processo n.º3652/11.2TBGMR-C.G1, bem como o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 2014, processo n.º986/12.2TBFAF-G.G1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
50. Tal deriva de uma interpretação restritiva daquele dispositivo, por ter sido a protecção dos promitentes-compradores que sejam consumidores que motivou o legislador a introduzir aquele direito, tal como se pode ver do relatório do Decreto-Lei n.º379/86 de 11 de Novembro, nomeadamente no seu ponto 4 onde consta “Neste conflito de interesses, afigura-se razoável atribuir a prioridade à tutela dos particulares. Vem na lógica da defesa do consumidor.”
51. Como bem se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.2014, disponível in www.dgsi.pt “(…) E, muito embora tal não conste expressamente do texto do transcrito segmento de uniformização, irrecusável é que, tomada em atenção a respectiva fundamentação e, mesmo, o teor de alguns dos votos de vencido apostos em tal acórdão, não pode deixar de entender-se que a uniformização estabelecida se reporta, exclusivamente, ao promitente-comprador que detenha, simultaneamente, a qualidade de consumidor (…)”.
52. Mais figurando no respectivo sumário que “(…) Esta (qualidade de consumidor) deve ser entendida no seu sentido estrito, correspondente à pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, não abrangendo quem obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa.”
53. Resumindo, a concessão de direito de retenção a beneficiário de promessa de transmissão de direito real, que obteve a tradição da coisa, para garantia do crédito decorrente do incumprimento do contrato-promessa acha-se restringida aos credores que sejam, simultaneamente, consumidores,
54. Estando, portanto, tal garantia excluída em todas as situações em que o promitente-comprador não seja consumidor,
55. Sendo que o conceito de consumidor, para esse efeito, é restrito.
56. A qualidade de consumidor está definida no n.º1 do art.2.º da Lei n.º24/96 de 31 de Julho, que dispõe que se considera consumidor “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.”
57. Daqui resulta que é a finalidade do acto de consumo que determina, essencialmente, a qualificação do consumidor como sujeito do regime de benefício que aquele diploma institui – e ainda que lhe seguiram na senda da mesma protecção do consumidor, como os decretos-leis n.ºs 67/2003 de 08 de Abril e 84/2008 de 21 de Maio, operando a transposição de Directivas da União Europeia.
58. Ora, no caso dos autos, e aditando-se, como preconizado pela Recorrente, a matéria dada como provada, sempre se imporá concluir, porque clara e indubitavelmente resultante da prova produzida em juízo, que “os Credores Reclamantes prometeram adquirir o apartamento e a loja objecto da presente demanda como forma de investimento, com o intuito de os destinarem a revenda ou arrendamento, intuito que não chegaram a concretizar pela circunstância de o prédio em que os mesmos se integram não ter sido terminado, não possuindo as habilitações necessárias, designadamente, licença de habitabilidade”.
59. Poderão, por esse motivo, ser os mesmos considerados, para os efeitos pretendidos, consumidores? Estamos em crer que não, pois que uma tal aquisição não teve como fito a satisfação de quaisquer necessidades pessoais, tratando-se, antes, de um investimento – como bem o referem as testemunhas e as partes ouvidas.
60. Quem adquire um bem para dele retirar um proveito (de natureza patrimonial), entendemos não poder ser considerado consumidor, já que essa mesma aquisição não visou a satisfação de qualquer necessidade pessoal ou uso particular.
61. Nessa conformidade, e em face de tanto quanto se deixou exposto, mal andou o Tribunal a quo, tendo violado o preceituado no artigo 755.º/n.º1, al. f) do Código Civil, ao ter reconhecido que os Credora Reclamantes M. J. e M. P. beneficiam de direito de retenção sobre o apartamento e loja prometidos vender, devendo, por conseguinte, ser a decisão ora sindicada substituída por outra que considere que os mesmos não beneficiam de qualquer garantia, pois que não merecem, quanto ao negócio em apreço, a qualidade de consumidores para efeitos de preenchimento do preceituado naquele normativo.

Sem prescindir, e ainda que não se altere a decisão proferida quanto à matéria de facto:

- DA INEXISTÊNCIA DE TÍTULO – DA ILEGITIMIDADE DOS CREDORES

62. Deveria o Tribunal a quo, pese embora a ausência de qualquer impugnação ao crédito reclamado, bem atento o preceituado no artigo 791.º/n.º4 do CPC, ter verificado se os credores M. J. e M. P. estavam habilitados a reclamar o seu crédito nos moldes em que o fizeram.
63. Certo é que, e com todo o respeito que nos é merecido, não o poderá ter feito.
64. Senão vejamos, resulta do artigo 788.º/n.º1 e n.º2 do CPC, que só o credor com garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, e com base em título exequível, o pagamento dos respectivos créditos.
65. O elenco dos títulos executivos consta do artigo 703.º do CPC, sendo designadamente título executivo a) as sentenças condenatórias; b) os documentos exarados autenticados, por notário ou outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) os títulos de crédito de crédito e d) os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
66. Ainda que se atentasse na redacção mais permissiva do anterior artigo 46.º do CPC, a estes apenas acresceriam “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes (…)”.
67. Pois bem, com vista a ver reconhecido e graduado o seu crédito, os credores M. J. e M. P. apresentaram nos autos o contrato-promessa por si – alegadamente - celebrado com A. M., nos termos que resultam do contrato junto como doc.n.º1 à respectiva petição de reclamação de créditos.
68. O n.º1 do artigo 410.º do Código Civil define contrato-promessa como a “convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”.
69. Assim, do mesmo “nasce uma obrigação de prestação de facto positivo, consistente na emissão de uma declaração negocial, que é a declaração de vontade correspondente a um outro negócio cuja futura realização se pretende assegurar, e a que se chama o negócio prometido ou negócio definitivo”.
70. Podem, porém, no contrato-promessa ser inseridas cláusulas contratuais que consagrem outras obrigações para além da obrigação principal de celebrar o contrato definitivo. Ou seja, para além da vinculação à celebração do contrato prometido, as partes podem acordar também outras obrigações que emergem igualmente do contrato promessa e que podem não ser cumpridas, podendo desencadear a aplicação do regime geral adequado à sua exigibilidade, contanto que sejam exequíveis.
71. Conforme decorre do alegado em sede de requerimento inicial, pretenderia o credor reclamante ver-lhe reconhecido o crédito derivado do incumprimento do contrato-promessa por virtude do accionamento do regime previsto no artigo 442.º do Código Civil.
72. A obrigação que assim se pretende ver reconhecida será, então, exequível em face do contrato-promessa junto aos autos? Obviamente que não!
73. Como refere Lebre de Freitas (in “A Acção Executiva em Geral, 2.ª edição, página 18), a pretensão é intrinsecamente exequível quando, em si, reveste características de que depende a sua susceptibilidade de constituir o elemento substantivo do objecto da acção executiva, para o que basta ter como objecto uma prestação que seja certa, líquida e exigível.
74. Ora, perscrutados os contratos promessa juntos aos autos, não vemos que nos mesmos o promitente vendedor se tenha obrigado ao pagamento de qualquer quantia em caso de incumprimento da obrigação principal de celebração do contrato definitivo.
75. Temos, assim, que os credores M. J. e M. P. careciam de legitimidade (por não disporem de título executivo) para reclamar o seu crédito ao abrigo do disposto no artigo 788.º do CPC.
76. De facto, como não gozavam de título executivo, uma vez que o contrato-promessa não contém expressamente nem o reconhecimento da obrigação de pagamento do valor por si reclamado, nem a tradição do imóvel, teriam de se socorrer do disposto no artigo 792.º/n.º1 do CPC (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06/04/2010, processo n.º 2189/08.1TBBRG-B.G1, disponível in www.dgsi.pt), o que se verifica não terem feito.
77. Está, assim, verificada a excepção dilatória da ilegitimidade daqueles credores reclamantes, em face do disposto no artigo 788.º, n.º1 e n.º2 do CPC (cfr. art. 577.º/al. e) do CPC), excepção que deveria ter obstado ao conhecimento do mérito da reclamação deduzida e determinado a absolvição da instância (cfr. artigo 576.º/n.º2 do CPC).
78. Sucede que, o Tribunal a quo, olvidou tanto quanto se vem de alegar, violando, assim, o preceituado nos artigos 791.º/n.º4, 788.º/n.º1 e n.º2, 577.º/al. e), 576.º/n.º2 e 578.º do CPC,
79. Motivo pelo qual deve a sentença ora sindicada ser revogada e substituída por outra que julgue o crédito reclamado pelos credores M. J. e M. P. como não admitida, atenta a falta de legitimidade daqueles credores, com consequente absolvição dos executados e da exequente da instância.

- DA FALTA DE ALEGAÇÃO DE MATERIALIDADE CONSTITUTIVA DE EVENTUAL INCUMPRIMENTO DEFINITIVO DO CONTRATO

80. Ainda que assim não se entendesse, o que apenas por hipótese de patrocínio e de raciocínio se concebe, a verdade é que os Reclamantes M. J. e M. P. não alegam qualquer materialidade constitutiva de eventual incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda e consequentes direito ao sinal em dobro e direito de retenção.
81. Nos termos do n.º2 do artigo 442.º do Código Civil, se o não cumprimento do contrato-promessa for devido ao promitente vendedor, tem o promitente-comprador a faculdade de exigir o dobro do que prestou.
82. A lei fala em não cumprimento, o que significa que não basta a simples mora para desencadear o sancionamento previsto na norma.
83. Seguindo a posição adoptada pela jurisprudência largamente maioritária dos nossos tribunais superiores, só o incumprimento definitivo (do promitente-vendedor), e não só a simples mora, habilita o promitente-comprador a resolver o contrato-promessa e a exigir a entrega do sinal em dobro (cfr. art. 442.º, nº. 2 do Código Civil), sabendo-se que a mora do promitente-vendedor só se converte em incumprimento definitivo se a prestação não for por ele realizada dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo promitente-comprador ou, em alternativa, se este perder o interesse que tinha na prestação, perda esta que deve ser apreciada objectivamente (art. 808º, nºs 1 e 2 do Código Civil) – neste sentido vide acórdãos do STJ de 9/09/2008, proc. n.º 08A1922 e de 27/10/2009, proc. n.º 449/09.3YFLSB e da RL de 19/12/2013, proc. n.º 5439/12.6TBALM, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
84. No caso dos autos, do cotejo da Reclamação de Crédito aduzida por M. J. e M. P. não resulta qualquer menção a eventual perda de interesse. Alegam, sim, os mencionados credores, que apesar de diversas vezes interpelados para o efeito, os executados não celebraram o contrato prometido, daí retirando como conclusão, a existência de direito de indemnização, nos termos do preceituado no artigo 442.º/n.º2 do Código Civil.
85. Ora, a interpelação para o contraente em mora cumprir – conhecida por interpelação admonitória – não é uma interpelação qualquer. Ela constitui uma expressa e formal intimação ou advertência ao devedor moroso de que, se não cumprir dentro do prazo razoável que o credor lhe fixar, incumpre definitivamente o contrato.
86. E, sendo certo que o objecto imediato do contrato-promessa se traduz no contrato prometido, é evidente que a interpelação admonitória tem que se referir ao cumprimento dessa obrigação principal, que não ao de qualquer outra obrigação acessória, ainda que indispensável à cabal realização daquela.
87. Verdade é que, não foi efectuada tal interpelação, nem isso é alegado pelos mencionados reclamantes.
88. Por outro lado, não resulta do contrato-promessa que as partes tenham, expressa ou tacitamente, determinado como essencial o prazo fixado para a outorga do contrato definitivo, de modo a que o decurso deste fizesse desencadear o mecanismo resolutivo do n.º 2 do artigo 801.º do Código Civil.
89. Ora, não se tendo fixado qualquer prazo essencial, nos termos que se deixaram definidos, a verdade é que o fundamento invocado pelos Reclamantes era apenas qualificável como mora dos Reclamados, a qual, só por si, não legitima a exigência do sinal em dobro, nos termos que vêm preceituados no artigo 442.º do Código Civil ou, tão pouco, o gozo de qualquer direito de retenção (como se retira, a contrario sensu, do preceituado no artigo 755.º/n.º1/al. f) do Código Civil).
90. Certo é que, o Tribunal a quo vem concluir, quanto a nós erradamente e em claro excesso, em face daquela que é a alegação dos credores M. J. e M. P., que o incumprimento definitivo do promitente vendedor ocorre quando o imóvel é penhorado nos autos, pois que a partir daqui não mais o reclamante tem a expectativa de poder vir a ser realizado o contrato prometido.
91. Salvo o devido respeito, que é muito, tal conclusão, além de forçada, é claramente falaciosa.
92. É que, se por um lado o imóvel em apreço se achava já onerado, aquando da celebração do contrato promessa em assunto, com hipoteca registada a favor da Caixa ... para garantia do crédito aqui executado, por outro, não obstante a pendência de tal ónus, nada obstava, mesmo aquando da reclamação de créditos de F. e M. L., que, por via da liquidação e/ou negociação do crédito com a Caixa ..., viesse aquele ónus, assim como as mencionadas hipotecas, a ser canceladas e celebrado o negócio prometido.
93. Como é consabido, inúmeras são as acções executivas que vêm a findar por acordo entre exequente e executado, sem que quaisquer dos bens penhorados sejam vendidos, permitindo depois ao executado dar a tais bens o destino que entender.
94. Assim, é absolutamente falacioso pretender fazer crer, para mais quando tal não é, sequer, defendido pelos reclamantes, que o incumprimento definitivo do contrato ocorreu com a penhora do imóvel à ordem dos presentes autos.
95. A verdade é que, aquando da reclamação de créditos em apreciação o contrato promessa não se achava definitivamente incumprido, inexistindo, como tal, qualquer direito de crédito e de retenção por banda dos reclamantes M. J. e M. P..
96. Também tal apreciação deveria ter sido feita pelo Tribunal a quo, bem atento o preceituado no artigo 791.º/n.º4 do CPC, que com a apreciação que faz violou o preceituado nos artigos 442.º/n.º2, 804.º/n.º2, 808.º/n.º1 e 755.º/n.º1/al. f) do Código Civil e, por consequência, o preceituado nos artigos 791.º/n.º4, 788.º/n.º1 e n.º2, 577.º/al. e), 576.º/n.º2 e 578.º do CPC.
97. Motivo pelo qual deve, também, a sentença ora sindicada ser revogada e substituída por outra que julgue o crédito reclamado por M. J. e M. P. como não reconhecido, atenta a inexistência de qualquer direito de crédito ou de retenção.

Foram proferidas contra – alegações, tendo os recorridos, nomeadamente, requerido, nos termos do nº2 do artº 636º do CPC, a alteração de teor do facto provado nº 11, com a eliminação da data entre parêntesis aí constante.

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixado no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 635º-nº3 do Código de Processo Civil, atentas as Conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar, suscitadas pelos apelantes:
- das excepções invocadas:
-alegada inexistência de título exequível e ilegitimidade dos credores

- reapreciação da matéria de facto:
- deveriam ter sido declarados não provados os pontos nº 11, 18 e 20 do elenco dos factos provados?

- em sede de contra – alegações, requereram os recorridos, nos termos do nº2 do artº 636º do CPC, a alteração de teor do facto provado nº 11, com a eliminação da data entre parêntesis aí constante, e, e, formularam pedido de rectificação de denominados lapsos materiais de escrita nos factos provados nº 11 e 13 e na sentença.

- deveria ter sido dado como provado:
“os Credores Reclamantes prometeram adquirir o apartamento e a loja objecto da presente demanda como forma de investimento, com o intuito de os destinarem a revenda ou arrendamento, intuito que não chegaram a concretizar pela circunstância de o prédio em que os mesmos se integram não ter sido terminado, não possuindo as habilitações necessárias, designadamente, licença de habitabilidade ?

- do mérito da causa:
- alegada inexistência do direito de crédito
- alegada inexistência do direito de retenção
- alegada falta de alegação de materialidade constitutiva de eventual incumprimento definitivo do contrato

FUNDAMENTAÇÃO

I. Os Factos ( são os seguintes os factos declarados provados na decisão recorrida ):

1) A. M., faleceu no dia -.10.2003, no estado de viúvo.
2) Por escritura pública, outorgada a 28 de Outubro de 2003, no Cartório Notarial de ..., foram habilitados como herdeiros universais e exclusivos de A. M., o seu filho, 1º executado, J. M., e suas netas, 3ª e a 5ª executadas, I. P. e M. M..
3) J. M. é casado com R. M. no regime da comunhão de bens adquiridos.
4) I. P. é casada com M. S. no regime da comunhão de bens adquiridos.
5) M. M. é solteira.
6) Por auto de penhora datado de 15 de Abril de 2013, foi penhorado no processo principal de que estes são apenso o prédio urbano, composto de terreno para construção urbana, resultante da anexação das fichas nº 00481/060588; 00613/300389; 02150/180998; 02329/271299; 00691/210889 e 00692/210889, pela Ap. 1391 de 2013/03/26.
7) Por documentos escritos, denominado “contrato-promessa de compra e venda” outorgados a 19 de Abril de 2002, A. M., declarou prometer vender aos reclamantes M. J. e M. P., e estes por sua vez declararam prometer comprar-lhe, pelos preços respetivamente de €79.808,00 e €37.410,00, um apartamento destinado a habitação, tipo T3, no 2º andar, e uma loja destinada ao comércio, no rés-do-chão, de edifício então a construir (e ora construído) nos prédios – a que corresponderam as fichas 481, 613, 2150, 2329, 691 e 692 / ....
8) Os prédios a que corresponderam as fichas 481, 613, 2150, 2329, 691 e 692 /... que deram origem (por anexação) ao prédio a que corresponde encontra-se penhorado nos autos e, actualmente, está inscrito na ficha ... / ..., da Conservatória do Registo Predial ... e descrito no artigo urbano ... desta freguesia, sito entre a Rua ... e Rua … (fachada principal) e a Rua ... (fachada traseira) da vila, freguesia e concelho de ....
10) Um dos imóveis prometidos vender, referido em 7), é:
a) um apartamento habitacional, com as seguintes características:
- Acede-se ao mesmo, a partir da via pública, por entrada situada no alçado lateral direito do edifício e escadas que servem apenas os três apartamentos construídos nos 1º, 2º (o prometido vender aos Reclamantes) e 3º andares do respetivo lado nascente – acesso a efetuar, a partir do arruamento e segundo pedido de constituição de propriedade horizontal apresentado pelos executados em 21.04.2008 na Câmara Municipal de ... (P-003PH/08), através da zona comum identificada como ZC3 no desenho técnico que acompanhou esse requerimento;
- Situa-se no 2º andar e no lado nascente da edificação construída no referido prédio;
- Encontra-se representado no desenho técnico, referido supra, do 2º andar e do Bloco 3 (nascente) do imóvel aqui em causa e aí identificado, bem como no dito requerimento, como Fração N;
- Representado também e designadamente nos 5 sucessivos desenhos técnicos de pormenorização, especialidade ou correção entrados entre Julho de 2001 e Abril de 2007 no, e ora extraídos do, Processo 233-LO/2001 da Câmara Municipal de ...;
- Com uma área real e representada de 105,30 metros quadrados;
- Composto, na realidade (desde meados de 2003) e em projeto (desde 2001) por três quartos, sala, cozinha, duas casas de banho, corredor, varanda, despensa;
- Com um lugar de garagem no rés-do-chão;
- E um valor atribuído de 5% do valor global do prédio
b) O Outro imóvel prometido vender, referido em 7), é uma loja, com as seguintes características:
- Acede-se à mesma, a partir da via pública, por entrada autónoma existente para o efeito na fachada principal do imóvel (lado nascente);
- Situada no rés-do-chão e no lado nascente da edificação construída no referido prédio;
- Representada no desenho técnico referido supra, como Fração U;
- Representada também e designadamente nos mencionados 5 sucessivos desenhos técnicos;
- Com uma área real e representada de 49 metros quadrados;
- Composta, também na realidade (desde meados de 2003) e em projecto (desde 2001), de um compartimento principal para exposição ao público de artigos para venda e de (só em projeto) duas instalações sanitárias (previstas mas não construídas);
- Com um lugar de estacionamento previsto no logradouro do imóvel;
- E um valor atribuído de 3,5% do valor global do prédio.
- Os reclamantes apenas tiveram conhecimento de que o imóvel supra melhor identificado tinham sido penhorado uns dias antes de 09/08/2013, por o ouvir dizer e na sequência de consulta jurídica que solicitou ao seu Ilustre Mandatário.
- O imóvel referido em 7) foi edificado, com a configuração que atualmente tem, ao abrigo do alvará de licença de construção nº 220/02 de 29.11.2002, com averbamento da descrição da Conservatória do Registo Predial de 3.02.2004 e prorrogação de prazo até 10.06.2005, concedida a 10.12.2004.
11) Na data da celebração dos contratos-promessa referidos (19/04/2002) em 7), os Reclamantes, promitentes-compradores, entregaram ao promitente-vendedor, que recebeu, como sinal e em pagamento parcial antecipado do preço combinado pela transmissão das duas referidas partes concretas (destinadas a constituir frações autónomas) do referido edifício e prédio (destinado a fracionamento em regime de propriedade horizontal), o valor de €117.218,00 (79.808,00€+37.410,00€).
12) Após o falecimento de A. M. foi J. M., que prosseguiu os trabalhos de construção do edifício aqui em causa.
13) Comprometeu-se o mencionado promitente-vendedor A. P. a celebrar o contrato prometido até ao dia 15 de Setembro de 2004 – obrigação que não foi cumprida por alegadas dificuldades de licenciamento, pela Câmara Municipal de ..., da utilização do edifício, entretanto construído como dito.
14) Autorizada a sua construção ainda em 2002, não chegou a ser submetido ao regime da propriedade horizontal e jamais foi licenciada a sua utilização.
15) Comprometeu-se também o referido promitente-vendedor a entregar, no mesmo prazo (até 15 de Setembro de 2004), aos ora Reclamantes, as partes concretas do imóvel referido, objetos mediatos dos contratos-prometidos.
16) Em abril de 2004 o Executado J. M., solicitado para o efeito, entregou aos Reclamantes:
a) As chaves das mencionadas partes concretas e fisicamente autonomizada do imóvel referido em 7), e bem assim de acesso à referida zona comum ZC3;
b) E, com as chaves, as respetivas partes concretas a que as mesmas permitiram aceder ao prédio referido em 7).
17) A partir dessa data só os Reclamantes ficaram com tais chaves das referidas partes concretas (mas sem o exclusivo das de acesso à dita zona comum ZC3), deixando os mencionados e exclusivos sucessores do dito promitente-vendedor de à mesma poder aceder – passando a ser possuída, até à atualidade, pelos ora Reclamantes.
18) Vêm os ora Reclamantes, desde então, usando as referidas partes concretas como bem entendem, designadamente:
- Para nela pernoitarem ocasionalmente por curtos períodos ou para nela facultarem pernoita a familiares e amigos que foram recebendo em ..., sobretudo em Agosto, mas também noutros momentos festivos;
- Castiçais com velas, bidões e garrafões de água, um lavatório móvel e bacios, permitiram tornear as dificuldades decorrentes da falta de água e de luz;
- A loja, porque sem condições ainda para ser explorada comercialmente, passaram a usá-la como espaço de arrumação de bens que não careciam de utilizar diariamente mas de que não se queriam desfazer – alguns destinados ao apartamento habitacional mas que para lá ainda não foram transportados;
- Mobilaram também, logo a partir de Abril de 2004, o mencionado espaço destinado a habitação, designadamente – embora só em parte – o corredor, a cozinha, a sala, dois quartos e uma casa de banho;
- Comparecendo em reuniões, na Câmara Municipal de ... com autarcas e técnicos camarários e outros promitentes-compradores em situação similar, em algumas das quais pelo menos participaram também representantes da exequente Caixa ..., destinadas (sem sucesso pelos vistos) à regularização do processo de licenciamento do imóvel, a cujos supostos vícios ou alegadas omissões (pelos vistos impeditivos, temporária ou definitivamente, da celebração das escrituras prometidas) os Reclamantes são completamente alheios.
- Deslocando-se, praticamente todas as semanas, a tais espaços:
i) Para os arejar, abrindo portas e janelas, para os limpar, para os arrumar, conservar e acautelar de humidades e degradações;
ii) Para estabelecer e consolidar o seu domínio exclusivo sobre o mesmo e impedir devassas, ou utilizações abusivas por parte de quem quer que fosse – o que nunca, aliás, sucedeu.
19) O que (tudo) vêm fazendo:
- À vista dos executados, de outros possuidores de outras partes concretas do mesmo imóvel, de vizinhos e de toda a gente;
- Sem oposição de quem quer que seja;
- Sem interrupções – e de forma contínua portanto;
- Com exclusividade, como seus donos e legítimos proprietários, nessa convicção, atuando em conformidade e certos de não estarem a lesar os direitos de ninguém.
20) Apesar de diversas interpelações feitas pelos Reclamantes ao 1º executado J. M., a escritura definitiva de compra-e-venda nunca foi nem pode ser marcada.

II. O DIREITO

A. 1. Nos presentes autos, e por força do disposto no artº 6º nº3 da Lei de Aprovação do NCPC – Lei 41/2013, de 26 de Junho, relativamente aos títulos executivos, às formas do processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória, aplicar-se-ão as normas do revogado Código de Processo Civil.
2. - das excepções invocadas: - alegada inexistência de título e ilegitimidade dos credores

Alega a apelante que com vista a ver reconhecido e graduado o seu crédito, os credores M. J. e M. P. apresentaram nos autos o contrato-promessa por si, alegadamente, celebrado com A. M., nos termos que resultam do contrato junto como doc.n.º1 à respectiva petição de reclamação de créditos, e, conforme decorre do alegado em sede de requerimento inicial, pretenderia o credor reclamante ver-lhe reconhecido o crédito derivado do incumprimento do contrato-promessa por virtude do accionamento do regime previsto no artigo 442.º do Código Civil, nestes termos invocando a apelante/exequente-impugnante, credora hipotecária, Caixa ..., S.A., a inexistência de título e ilegitimidade dos indicados credores nos termos dos artº 46º-al.c) do Código de Processo Civil, na versão indicada, e, artº 788º - nº 1 e 2 e artº 792º, do citado diploma legal, na versão actual (anteriores artº 865º-nº 1 e 2 e artº 869º, com teor correspondente), concluindo a apelante carecer tal documento de força executiva, não tendo, assim, os credores M. J. e M. P. legitimidade para reclamar o seu crédito ao abrigo do disposto no artigo 788.º do CPC, estando verificada a excepção dilatória da ilegitimidade daqueles credores reclamantes em face do disposto no artigo 788.º, n.º1 e n.º2 do CPC (cfr. art. 577.º/al. e) do CPC), excepção que deveria ter obstado ao conhecimento do mérito da reclamação deduzida e determinado a absolvição da instância dos executados e da exequente (cfr. artigo 576.º/n.º2 do CPC).
Nos termos do disposto no artº 788º nº1 do Código de Processo Civil (com correspondência ao anterior artº 865º do citado diploma legal, na redacção do DL nº 3872003, de 8/3), preceito que regulamenta na lei adjectiva o “ Concurso de credores “, em sede de processo executivo, “ Só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos”, mais dispondo o nº2, do citado preceito legal que “ A reclamação tem por base um título exequível (…) “, e, ainda, o nº 4 do artº 791º do citado código ( e anterior artº 868º ), que “ São havidos como reconhecidos os créditos e as respectivas garantias reais que não forem impugnados, sem prejuízo (…), do conhecimento das questões que deviam ter implicado rejeição liminar da reclamação”.
Nos termos do art.º 45º-n.º1 do Código de Processo Civil, na versão indicada, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e limites da acção executiva, sendo que, nos termos do n.º 2, do mesmo preceito legal, o fim da execução pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo, quer negativo.
Define-se título executivo como o instrumento que é condição necessária e suficiente da acção executiva”- Anselmo de Castro, in “ A acção Executiva Singular, Comum e Especial”, 3ª edição, pg.14.
Nos termos do art.º 46º-n.º1-alínea.c), do diploma legal em análise, na versão aos autos aplicável, e ao que ao caso em apreço importa, à execução podem servir de base os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético.
“Quer quanto aos documentos autênticos ou autenticados (alínea.b) ), quer quanto aos documentos particulares ( alínea. c) ), estabelece-se que a força executiva tanto é conferida aos que incorporem o acto ou negócio constitutivo do débito exequendo, como aos de carácter puramente recognitivo, que envolvam mero reconhecimento pelo devedor de uma obrigação pré-existente.” _ Lopes do Rego, in “ Comentários ao Código de Processo Civil “, vol. I, pg.82.
Necessário será sempre, porém, em qualquer caso, para que ao documento particular seja conferida força executiva nos termos do art.º 46º-n.º1-alínea.c) do Código de Processo Civil, que o montante da obrigação pecuniária em que se traduz a quantia exequenda seja determinado ou determinável por exclusiva função do título e nos termos do art.º 805º, do citado diploma legal (Ac. TRP de 6/6/02, in CJ, ano XXVII, III, pg.193; Lopes do Rego, comentário ao citado artigo 46º, do C.P.C., in “Comentários ao Código de Processo Civil”, Almedina, 2ª edição, pg. 82; Supremo Tribunal de Justiça, Acs. de 4/12/2007, 25/10/07, in www.dgsi.pt. ).

No caso em apreço, os credores M. J. e M. P. apresentaram nos autos uma reclamação de créditos pelo valor de €280.281,63, relativamente à existência de um direito de retenção sobre os bens imóveis penhorados nos autos principais de execução (um apartamento destinado a habitação, tipo T3, no 2º andar, e uma loja destinada ao comércio, no rés-do-chão, de edifício então a construir (e ora construído) nos prédios – a que corresponderam as fichas 481, 613, 2150, 2329, 691 e 692 / ... – que deram origem (por anexação) ao prédio a que corresponde actualmente a ficha ... / ..., da Conservatória do Registo Predial ... e o artigo urbano ... desta freguesia, sito entre a Rua ... (fachada principal) e a Rua ... (fachada traseira) da vila, freguesia e concelho de ..., apresentando um contrato-promessa alegadamente celebrado com A. M., e com vista a ver reconhecido e graduado alegado crédito derivado do incumprimento do contrato-promessa por virtude do accionamento do regime previsto no artigo 442.º do Código Civil, correspondente ao pagamento do sinal em dobro.
O contrato-promessa é, segundo a definição legal dada pelo n.º1 do artigo 410.º do Código Civil a “convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”, e, do mesmo “nasce uma obrigação de prestação de facto positivo, consistente na emissão de uma declaração negocial, que é a declaração de vontade correspondente a um outro negócio cuja futura realização se pretende assegurar, e a que se chama o negócio prometido ou negócio definitivo, não contendo o contrato-promessa em si, pela sua natureza jurídica, e o dos autos, em particular, nem o reconhecimento da obrigação de pagamento do valor reclamado, por alegado incumprimento definitivo do contraro, nem a tradição do imóvel, e, assim, conclui-se o contrato-promessa que baseia a Reclamção deduzida não constituí título executivo contra o executado e a que alude o nº2 do artº 788º do Código de Processo Civil.

Como refere Rui Pinto, in Manual da Execução e Despejo, pg. 886 “ Havendo impugnação do crédito, este será reconhecido se o reclamante juntar título exequível válido e o impugnante não demonstrar facto impeditivo, modificativo ou extintivo.”

Não possuindo os reclamantes de título executivo válido rege o artº 792º do Código de Processo Civil, que dispõe relativamente ao “Direito do credor que tiver acção pendente ou a propor contra o executado”, determinando:

1- O credor que não esteja munido de título exequível pode requerer, dentro do prazo facultado para a reclamação de créditos, que a graduação dos créditos, relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguarde a obtenção do título em falta.
2- Recebido o requerimento referido no nº anterior, a secretaria notifica o executado para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a existência do crédito invocado.
3- Se o executado reconhecer a existência do crédito, considera-se formado o título executivo e reclamado o crédito nos termos do requerimento do credor, sem prejuízo da sua impugnação pelo exequente e restantes credores; o mesmo sucede quando o executado nada diga e não esteja pendente ação declarativa para a respectiva apreciação.
(…)”

“ Antes da Reforma de 2003, o nº1 do artº 869º previa que o credor que não estivesse munido de título exequível poderia, no mesmo prazo da reclamação, requerer a sustação da graduação de créditos, relativa e somente aos bens abrangidos pela sua garantia e até obter sentença condenatória em acção declarativa” ( autor e obra citada, pg. 880 e com referência ao Ac. STJ de 12/12/1991 ), e, mais referindo “ A Reforma de 2003 veio manter este mecanismo, que permanece, mas introduzindo no artº 869º - artº 792º novo – um processo sumário com cominatório pleno para o credor obter título exequível na própria acção executiva – Tratando-se do que denomina de “ Formação Incidental de título exequível “, ou, de “Título judicial impróprio” formado em processo, mas sem valor de sentença, como denomina Lebre de Freitas, AEx cit., 313 ( fls. 881, notas, obra citada ), deduzindo o credor requerimento de sustação da graduação de créditos no prazo da reclamação nos termos do nº1 do artº 792º do Código de Processo Civil.

Não tendo no caso dos autos os credores reclamantes, ora apelados, apresentado requerimento de sustação nos termos e para os efeitos legalmente previstos no artº 792º-nº1 do citado Código, há que decidir se precludiu o direito à formação do título executivo em falta no processo executivo e à reclamação do crédito, carecendo os reclamantes de legitimidade para a “Reclamação” deduzida nos autos nos termos do artº 788º-nº2 do Código de Processo Civil, como defende a apelante, ou se constituirá o próprio requerimento de Reclamação dedução tácita do pedido de obtenção do título executivo em falta, e, assim se atendendo e prosseguindo para aplicação dos efeitos legalmente previstos no citado artº 792º.

Tal posição é defendida na Doutrina por José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil anotado, volume 3º, Coimbra Editora, 2003, anotação 3 ao art.869º, pág.522: “o seu requerimento tem a potencialidade de se converter em petição de reclamação (nº3) e, portanto, há-de obedecer aos requisitos desta (…) Não havendo despacho liminar, como é regra na acção declarativa (art.234), a secretaria procede à notificação do executado, nos termos do art.866-1 (…), para reconhecer ou impugnar o crédito invocado (n.º2). Se o executado reconhecer a existência do crédito ou, não havendo acção declarativa pendente para a sua apreciação, nada disser, considera-se formado o título executivo, com o que se tem supervenientemente verificado o pressuposto em falta e, admitido o requerimento como reclamação, se segue a notificação do exequente e dos credores reclamantes para impugnar (n.º3)”, e, foi já decidida no Ac. deste TRG de 7/11/2019, P. 1135/12.2TBBCL-A.G1, in www.dgsi.pt, e, nomeadamente, por referência a tais ensinamentos doutrinários, nos seguintes termos:

“2. O promitente-comprador de contrato de promessa de compra e venda de fração imóvel para a sua habitação pode reclamar o crédito de restituição do sinal em dobro do nº2 do art.442º do CC, nas reclamações de créditos do art.788º do CPC, invocando o benefício de direito real de garantia de retenção do art.755º/1-f) do CC e a disposição de contrato-promessa passível de se formar incidentalmente como título executivo ao abrigo do art.46º/1-c) do CPC de 1961, mediante:
2.1. A alegação no requerimento inicial de factos complementares que permitam reconhecer: a traditio da fração; o incumprimento definitivo do contrato-promessa, nos termos do art.808º ou do art.801º do CC.
2.2. A junção de contrato-promessa e a apresentação da pretensão de formação incidental do título executivo, nos termos do art.792º do CPC (formulada expressamente ou revelada tacitamente pelo conjunto dos factos alegados e dos pedidos formulados).
E, em posição a que aderimos, considerando tratar-se de vício formal, suprível nos termos dos artº 6º-nº2 e artº 560º, este aplicável ex vi do artº 590º e artº 278º-nº3-1ª parte, do Código de Processo Civil.
Ainda, no Ac. deste TRG de 10/7/2018, proferido no Apenso C, dos autos principais, se admitindo a indicada forma de Reclamação como validando a formação de título exequível.
E, ainda, em qualquer caso, sendo no caso concreto aplicável a previsibilidade legal do artº 278º-nº3-2ª parte, do citado diploma legal, nos termos que a seguir se irão expor, consequentemente, não havendo lugar à absolvição da instância.
Nos termos expostos, nesta parte, se concluindo pela improcedência dos fundamentos da apelação, julgando-se formado o título executivo.

3. - Reapreciação da matéria de facto

Impugna a apelante a matéria de facto alegando que considera que foram incorrectamente julgados os factos declarados provados nº 11, 18 e 20, os quais deveriam ser declarados Não Provados,

tendo os indicados pontos de facto o seguinte teor:

11) Na data da celebração dos contratos-promessa referidos (19/04/2002) em 7), os Reclamantes, promitentes-compradores, entregaram ao promitente-vendedor, que recebeu, como sinal e em pagamento parcial antecipado do preço combinado pela transmissão das duas referidas partes concretas (destinadas a constituir frações autónomas) do referido edifício e prédio (destinado a fracionamento em regime de propriedade horizontal), o valor de €117.218,00 (79.808,00€+37.410,00€).
18) Vêm os ora Reclamantes, desde então, usando as referidas partes concretas como bem entendem, designadamente:
- Para nela pernoitarem ocasionalmente por curtos períodos ou para nela facultarem pernoita a familiares e amigos que foram recebendo em ..., sobretudo em Agosto, mas também noutros momentos festivos;
- Castiçais com velas, bidões e garrafões de água, um lavatório móvel e bacios, permitiram tornear as dificuldades decorrentes da falta de água e de luz;
- A loja, porque sem condições ainda para ser explorada comercialmente, passaram a usá-la como espaço de arrumação de bens que não careciam de utilizar diariamente mas de que não se queriam desfazer – alguns destinados ao apartamento habitacional mas que para lá ainda não foram transportados;
- Mobilaram também, logo a partir de Abril de 2004, o mencionado espaço destinado a habitação, designadamente – embora só em parte – o corredor, a cozinha, a sala, dois quartos e uma casa de banho;
- Comparecendo em reuniões, na Câmara Municipal de ... com autarcas e técnicos camarários e outros promitentes-compradores em situação similar, em algumas das quais pelo menos participaram também representantes da exequente Caixa ..., destinadas (sem sucesso pelos vistos) à regularização do processo de licenciamento do imóvel, a cujos supostos vícios ou alegadas omissões (pelos vistos impeditivos, temporária ou definitivamente, da celebração das escrituras prometidas) os Reclamantes são completamente alheios.
- Deslocando-se, praticamente todas as semanas, a tais espaços:
i) Para os arejar, abrindo portas e janelas, para os limpar, para os arrumar, conservar e acautelar de humidades e degradações;
ii) Para estabelecer e consolidar o seu domínio exclusivo sobre o mesmo e impedir devassas, ou utilizações abusivas por parte de quem quer que fosse – o que nunca, aliás, sucedeu.
20) Apesar de diversas interpelações feitas pelos Reclamantes ao 1º executado J. M., a escritura definitiva de compra-e-venda nunca foi nem pode ser marcada.;
e, que deveria, ainda, ter-se provado a seguinte factualidade: “os Credores Reclamantes prometeram adquirir o apartamento e a loja objecto da presente demanda como forma de investimento, com o intuito de os destinarem a revenda ou arrendamento, intuito que não chegaram a concretizar pela circunstância de o prédio em que os mesmos se integram não ter sido terminado, não possuindo as habilitações necessárias, designadamente, licença de habitabilidade”,
e, ainda, em sede de contra – alegações, requereram os recorridos, nos termos do nº2 do artº 636º do CPC, a alteração de teor do facto provado nº 11, com a eliminação da data entre parêntesis aí constante; e, formularam pedido de rectificação de denominados lapsos materiais de escrita nos factos provados nº 11 e 13 e na sentença.
Nos termos do disposto no artº 662º-nº1 do Código de Processo Civil “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Ainda, nos termos do artº 640º -nº1 do Código de processo Civil “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Na sentença recorrida foi proferida a seguinte decisão de “Motivação dos factos provados”:

“A motivação para o Tribunal julgar provada a matéria em causa resultou da ponderação efetuada sobre os documentos juntos aos autos principais de execução (auto de penhora e o título executivo) e aos presentes autos de reclamação de créditos (designadamente contratos-promessa do apartamento e da loja em causa nos autos, requerimento extraídos do P-003PH/08, desenhos extraídos do processo 233-LO/01, alvará e licença de construção n.º220/02, escritura de habilitação de herdeiros, reportagem fotográfica com 33 registos e Lista de presentes em reunião de 2.04.2009, certidão matricial do imóvel em causa junta aos autos, certidão de casamento, conjugada com o teor das declarações/depoimento de parte e prova testemunhal.
Na verdade, J. M., Executado nos autos principais e Reclamado nestes autos, confirmou, em síntese, que quando o seu pai (o construtor do edifício em causa nos autos) faleceu (Outubro de 2003), todos os apartamentos estavam apalavrados e haviam sido celebrados contratos-promessa, sabendo que o pai negociou com os ora Reclamantes um apartamento e uma loja, pensando que o preço global dos mesmos foi de cerca de 120.000,00€; não teve dúvidas em afirmar que o preço total estava pago pois o pai deixou um documento escrito nesse sentido (à frente do nome dos Reclamantes constava a seguinte palavra: “pago”), tendo sido ele próprio que entregou as chaves do apartamento e da loja, a título definitivo, aos Reclamantes; referiu que tais imóveis estavam prontos em maio/junho de 2004; explicou que quando foi pedir empréstimos à Caixa ... para terminar as obras em falta, a Caixa ... sabia que “aquilo” estava tudo vendido.
A Reclamante M. P. confirmou, no geral, toda a matéria supra dada como provada na qual interveio diretamente, relacionada com os contratos assinados, entregas de dinheiro, entrega de chaves, utilização dada aos imóveis e objetos que nos mesmos se encontram.
A testemunha C. M., advogado, referiu que conhece a situação em causa e alguns apartamentos porque, ele próprio, em 2005/2006 também celebrou um contrato-promessa para aquisição de um apartamento, contudo, depois afastou-se do negócio por a situação se ter complicado; referiu saber que a obra ainda está inacabada mas as estruturas estão feitas e até há pouco tempo atrás não havia lá água nem luz; sabendo que os Reclamantes compraram no local um apartamento e uma loja.
Também a testemunha S. S., filha dos Reclamantes, confirmou que acompanhou os pais nos contratos-promessa de compra dos imóveis, tendo sido ela que ajudou a escolher o apartamento e a loja pela planta e pelo projecto, acrescentando que foi em 2004 que foram entregues as chaves aos pais e eram eles que limpavam o apartamento, arejavam e abriam as janelas do mesmo, sabendo que existia uma cama, um sofá, balde, esfregona, bacia para se lavarem e a irmã levava vela quando lá pernoitava; confirmou que o apartamento dos pais está pronto e só falta a licença de habitabilidade.
A. R., identificou-se como irmã da Reclamante M. P., referindo saber que foram celebrados os contratos-promessa relativamente aos imóveis em causa nos autos e que as chaves foram entregues porque iam lá abrir as janelas para arejarem o apartamento e na loja existiam mobílias que eram deles, tendo-lhes cedido um lavatório para uma das filhas dos Reclamantes lá pernoitar.
Também a testemunha C. R., marido na anterior testemunha confirmou saber que os Reclamantes tinham as chaves dos imóveis que compraram porque a M. P. dizia-lhes que iam lá ao apartamento, sabendo que a filha dela, numa ocasião, levou para lá uns amigos para dormirem.
S. P., identificou-se como filha dos Reclamantes, confirmou os contratos celebrados, o preço dos imóveis comprados, a entrega das chaves pelo filho do Sr. P., porque este já tinha falecido; referiu ter pernoitado no apartamento, o qual não tinha água nem luz, contudo, estava pronto a habitar; esclareceu que tais imóveis foram comprados porque os pais pretenderam investir o dinheiro que ganharam no jogo da Santa casa da Misericórdia.
As testemunhas oferecidas pela Exequente nada de concreto sabiam dos contratos-promessa, nem dos pagamento efetuados pelos Reclamantes, nem da entrega das chaves, apenas tendo referido que o imóvel não estava acabado, que o tinham visto por fora, que não cumpria os índices de construção para poder ser legalizado e emitidas as licenças de habitabilidade.
O predito permitiu ao Tribunal formar a sua convicção nos moldes sobreditos”.

Impugnou a exequente/apelante a matéria de facto, nos termos acima indicados, pugnando os recorridos/reclamantes pela manutenção do decidido, com as rectificações indicadas em sede de contra-alegações.

Relativamente á declaração como Provado do ponto nº 11 do elenco dos factos provados, alega a apelante, com relevância à decisão:

Vieram os Reclamantes M. J. e M. P. peticionar lhes fosse reconhecido um crédito no montante de € 280.281,63 (duzentos e oitenta mil duzentos e oitenta e um euros e sessenta e três cêntimos), garantido por alegado direito de retenção sobre um apartamento e uma loja do imóvel penhorado à ordem dos presentes autos, sustentando tal pretensão no alegado incumprimento de contratos promessas de compra e venda, correspondendo o valor peticionado ao dobro do sinal alegadamente pago (cfr. artigo 442.º/n.º2 do Código Civil), estando assim a pretensão dos reclamantes dependente da verificação dos seguintes pressupostos: pagamento de sinal; incumprimento do contrato promessa; tradição da coisa prometida vender a consumidor.
No que em especial respeita ao pagamento do sinal o Tribunal a quo deu como provado, no ponto 11) dos factos provados, que “na data da celebração dos contratos-promessa referidos (19/04/2022) em 7), os Reclamantes, promitentes-compradores, entregaram ao promitente-vendedor, que recebeu, como sinal e em pagamento parcial antecipado do preço combinado pela transmissão das duas referidas partes concretas (destinadas a constituir fracções autónomas) do referido edifício e prédio (destinado a fraccionamento em regime de propriedade horizontal), o valor de € 117.218,00 (€ 79.808,00 + € 37.410,00)”.
Na fundamentação da resposta positiva dada à materialidade ora transcrita pode ler-se, na sentença sub iudice, que a convicção do Tribunal recorrido assentou, em exclusivo, nos depoimentos prestados por J. M., aqui executado, por M. P., Credora Reclamante e por S. P., filha dos Reclamantes.
Tais depoimentos não se podem ter por suficientes para comprovar a entrega de tão elevado montante a título de sinal, tanto mais que nenhuma das testemunhas demonstrou ter conhecimento directo da factualidade em apreciação, circunstância a que se soma a de serem, todas, claramente interessadas e pouco credíveis.
Quanto à testemunha J. M., aqui executado quanto ao alegado pagamento do sinal não tem certeza alguma, já que o mesmo não lhe terá sido pago a si, baseando a sua razão de ciência “nuns papéis” que o pai tinha, sendo que os mesmos não lhe terão, sequer, permitido precisar qual a quantia alegadamente entregue.
Tais “papéis” não se acham, sequer, juntos aos autos, desconhecendo-se da sua veracidade, quer no que respeita à respectiva autoria, quer no que respeita ao respectivo conteúdo.
A testemunha S. S., filha dos Reclamantes, com inequívoco interesse no desfecho da acção, não presenciou ou efectuou o pagamento alegadamente efectuado a título de sinal, tendo prestado um depoimento de “ouvir dizer”.
A testemunha C. N., cunhado dos Credores Reclamantes, não teve conhecimento directo da materialidade em apreço, tendo prestado um depoimento de “ouvir dizer”.
A testemunha S. P., filha dos Reclamantes, com inequívoco interesse no desfecho da acção, não presenciou ou efectuou o pagamento alegadamente efectuado a título de sinal, tendo prestado um depoimento de “ouvir dizer”.
Decorre das declarações de M. P., aqui Reclamante, também esta não efectuou o pagamento do valor alegadamente entregue ao promitente vendedor a título de sinal.
As declarações de M. J., aqui Reclamante, o qual terá efectuado a transferência do preço para o promitente vendedor, além de certamente parcial, acham-se repletas de imprecisões e discrepâncias, seja quanto à data da celebração dos contratos, quanto à quantia alegadamente paga ou até ao modo como o pagamento terá sido efectuado, o qual de resto não se coaduna com a normalidade da prática bancária, o que permite, no mínimo, suscitar a questão da sua isenção e idoneidade.
A acrescer aos testemunhos e declarações prestados, com vista à prova do pagamento do preço apenas foi junta aos autos cópia de caderneta da Caixa ..., S.A., documento que, não permite comprovar qualquer pagamento ao promitente vendedor, já que do mesmo apenas constam menções a depósitos e levantamentos de dinheiro, sendo que iv) da mesma não consta qualquer pagamento coincidente com o preço acordado ou v) contemporâneo dos contratos promessa em questão.
Assim, não podia/devia o Tribunal a quo ter dado como provado o pagamento da quantia de € 117.218,00 (cento e dezassete mil duzentos e dezoito euros) a título de sinal.
É que, a prova de tal facto, ónus dos alegantes, necessitaria, cremos, de suporte documental bastante, o qual, como se vê, dos autos, não foi junto e nem foi requerida a sua junção ao Tribunal.
Não se demonstrando ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita ou verificar-se a perda não culposa do documento que fornecia a prova,
Não sendo, no caso dos autos, admissível, para prova do quesito aqui em análise, a prova testemunhal.
A propósito do único documento junto aos autos, o mesmo não podendo ser havido como meio de prova de pagamento ao promitente vendedor, não permite antever qualquer transferência de dinheiro a favor do mesmo ou qualquer movimento contemporâneo ou próximo do dia de outorga do contrato promessa de compra e venda – 19 de Abril de 2002.
Saliente-se, aliás, a título final, que a prova documental seria possível, sendo que aos Reclamantes bastar-lhe-ia, ao abrigo e nos termos do preceituado no artigo 417.º do CPC, requerer fosse oficiada a instituição bancária “Caixa ..., S.A.”, qualquer outra Instituição Bancária ou até os aqui executados a fim de juntarem aos autos extractos das contas bancárias tituladas pelo promitente vendedor, por forma a comprovar a entrega do sinal alegadamente pago.
Em conclusão: mal andou o Tribunal a quo ao dar como provada a materialidade constante do ponto 11) os factos provados, impondo-se, ao invés, considerá-la como não provada”.

Atentos os fundamentos de impugnação da matéria de facto relativamente à prova do facto provado nº 11, deduzidos pela apelante, concordamos na generalidade com o seu teor - exceptuando a parte em que se alega não ser in casu admissível a produção de prova testemunhal, que julgamos válida na sua admissibilidade, não estando em causa no indicado ponto de facto nº 11 a prova sobre o conteúdo da declaração negocial escrita, nestes termos não sendo aplicável a previsibilidade dos artº 393º -nº1 e 394º do Código Civil, nem se reportando a factualidade inserta no aludido facto provado nº 11 a facto extintivo da obrigação, estando em causa um contrato-promessa e seu alegado incumprimento e pagamento de preço e sinal, não sendo aplicável a norma do artº 395º, do citado código.

E, ainda, também relativamente ao artº 393º-nº2 do Código civil, está afastada a sua aplicabilidade, mesmo que se pudesse considerar ou defender-se conterem os contractos em causa declaração de quitação- cfr. cls. 4, respectivamente, não provando plenamente o documento o facto correspondente ao alegado pagamento, nem podendo dar-se o mesmo como confessado, com efeitos juridicamente relevantes nos presentes autos de processo.
Com efeito, como vem sendo entendido pelo STJ “relativamente á declaração de quitação em documento particular a prova plena reporta-se à materialidade das declarações e não à exactidão do conteúdo destas, podendo, quanta a esta, o autor do documento produzir livremente prova (vejam-se, exemplificativamente, em www.dgsi.pt, os Ac.s de 30.9.2004, 18.11.2004, 17.4.2005, 24.10.2006, 19.12.2006, 22.3.2007, 12.7.2007, 12.9.2007 e 17.4.2008)” - Como se refere no Ac. do STJ, de 16/10/2008, Processo: 08B2668, in www.dgsi., pt., mantendo-se a regra de que o cumprimento, porque extintivo das obrigações, há-de ser demonstrado pelo devedor nos termos do nº 2 do artº 342º do Código Civil, não decorrendo do documento de quitação, ainda, qualquer presunção legal de cumprimento, inversão do ónus da prova nos termos do artº 344º, ou constituição de contraprova nos termos do artº 346º, do citado código, como se refere no citado Ac. do STJ, de 16/10/2008: “Para facilitar essa demonstração, o artigo 787.º, determina que, quem cumpre a obrigação, tem direito a exigir quitação daquele a quem a prestação é feita, podendo recusar o pagamento enquanto a quitação lhe não for dada ou exigir esta mesmo depois de pagar. Este facilitar situa-se na vantagem para o devedor relativamente à obtenção de documento probatório. Tanto mais que o artigo 395.º é muito limitante quanto à prova do cumprimento. Mas, à parte a presunção do artigo 786.º, aqui manifestamente sem interesse, em parte alguma, o legislador conferiu à quitação força probatória que fosse para além da generalidade dos documentos em que se integra. E tanto assim é, que consignou no mesmo artigo que, no seu exercício do seu direito, aquele que cumpre a obrigação, se nisso tiver interesse legítimo, pode exigir que aquela conste de documento autêntico ou autenticado. Verteu, pois, no regime geral, relativo aos documentos, a força probatória da quitação, despindo-a de força relativamente a inversão do ónus de prova. Nem sequer tem a força, por si só, de, sendo contestado o pagamento, levar o juiz à dúvida a que alude o artigo 346.º.”, concluindo ” 1. Fora das presunções previstas no artigo 786.º do Código Civil, o valor probatório da quitação é o do documento onde está consubstanciada. 2. Estando consubstanciada em documento particular, a exactidão do respectivo conteúdo escapa sempre à prova plena”.
Nestes termos, por via de eventual quitação prestada ao devedor, exarada nos documentos particulares de contrato promessa em referência nos autos, nenhuma prova resulta, por si só, da verificação do alegado pagamento.
Acresce, que não obstante a declaração das partes constante da cláusula 4) dos contratos em referência, de que o valor da compra, respectivamente, será integralmente pago na data da declaração negocial, tal declaração, não obstante se traduza no reconhecimento de facto desfavorável para o promitente-vendedor, e ora para os recorridos executados, favorecendo os reclamantes- promitentes-compradores, ora reclamantes, não constitui, no caso concreto, confissão extrajudicial feita à parte contrária, nos termos dos artº 352º e 358º-nº2, do Código Civil, com força probatória plena, nos termos do citado artº 358º-nº2, parte final, pois outras partes existem nos autos para além dos reclamantes, nomeadamente a exequente/impugnante, e demais credores, e, desde logo, ainda, é ineficaz a confissão feita por litisconsorte, tratando-se, como na situação dos autos, de litisconsórcio necessário (artº 353-nº 1 e 2 do Código Civil), tendo os demais Recorridos, designadamente a Impugnante ora apelante, impugnado os factos em referência, e que, assim, resultam e se mantêm controvertidos.
Por outro lado, no caso sub judice, não ocorre também “confissão extrajudicial”, do promitente-vendedor, e ora com referência aos executados habilitados, decorrente do título, ou contratos, em referência, também em virtude da impugnação dos factos a que se refere, validamente realizada pelos demais contestantes nos termos do artº 374º do Código Civil, tendo os documentos que incorporam os contratos promessa dos autos sido impugnados ( v. impugnação da exequente a fls. 211 e sgs. dos autos), nestes termos, consequentemente, não resultando provados, por prova plena, os factos contidos na declaração nos termos do nº2 do artº 374º.
Nem, ainda, ocorrendo “confissão extrajudicial, em documento particular” por não verificação dos requisitos cumulativos previstos no artº 358º-nº2 do Código Civil, o qual dispõe: «a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena».

– “ Esta última frase pode ser interpretada de duas maneiras:

Uma no sentido de que, onde, face aos documentos, à prova plena não se chegar, chegar-se-á, pela via da confissão, se esta for feita à parte contrária ou a quem a represente;
Outra no sentido de que a confissão extrajudicial só conduz à prova plena se esta resultar dos documentos e for feita à parte contrária ou a quem a represente.
(…) “O artigo 358.º n.º2 do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que a confissão extrajudicial só conduz à prova plena se esta resultar do documento em que se insere e ( ainda ) for feita à parte contrária ou a quem a represente “ – cfr. Ac. STJ de 2/3/2011, P. 888/07.4TBPTL.G1.
Consequentemente, no caso em apreço, para efeitos probatórios, resultando totalmente inoperante o reconhecimento do crédito, ou silêncio, por parte dos executados.
E, verificando-se, ainda, nenhuma outra prova ter sido produzida ou invocada de que resulte a prova do pagamento do preço das fracções, no valor total de € €117.218,00 (79.808,00€+37.410,00€), pelos ora reclamantes promitentes-compradores.
Com efeito, relativamente à prova de tal factualidade, afastamo-nos da fundamentação de “Motivação” constante da sentença recorrida, considerando-se, desde logo, serem, por si só, manifestamente insuficientes os depoimentos testemunhais, não sendo estes meio de prova idóneo à prova da factualidade que se pretende apurar, em concreto – a entrega pelos promitentes-compradores, ao promitente-vendedor, da quantia de €117.218,00 (79.808,00€+37.410,00€) – nos termos em referência no ponto de facto nº 11, máxime, no caso concreto, traduzindo-se em depoimento de pessoas, todas elas, declarantes reclamantes, filhas, genro, e, bem assim, o próprio executado J. M., de pessoas com interesse directo, ou potencial, na causa e, especificamente, na possibilidade de reconhecimento do crédito dos reclamantes – crédito no montante de € 280.281,63 (duzentos e oitenta mil duzentos e oitenta e um euros e sessenta e três cêntimos), garantido por alegado direito de retenção, com a consequente prevalência da garantia daí decorrente, traduzida em direito de retenção, sobre a hipoteca legalmente firmada a favor da exequente Caixa ..., S.A
E, não constituindo tais depoimentos prova bastante em juízo da factualidade em referência, ainda, atento o seu teor, decorrendo de tais depoimentos contradições e incongruências e alteração de sentido de alguns depoimentos no decorrer das inquirições, e, no que releva, não demonstrando qualquer das testemunhas conhecimento directo dos factos a que se reporta o quesito, com excepção da própria parte – o reclamante -, obviamente, não podendo a prova de tal factualidade - a entrega pelo próprio ao promitente-vendedor, da quantia de €117.218,00 (79.808,00€+37.410,00€), ser baseada no seu próprio depoimento.
E, não foi, ainda, apresentado qualquer outro meio de prova, designadamente documental que confirme ou mesmo indicie tal factualidade, desde logo nenhuma prova resultando da apresentação em juízo de caderneta bancária da titularidade dos reclamantes da qual consta, e apenas demonstra, o levantamento, da respectiva conta, em 21/5/2002, da quantia de €117.217,50, não provando tal documento a transferência de tal montante para a conta do promitente-vendedor, transferência esta que os próprios reclamantes, e em particular o declarante reclamante M. J. declara ter ocorrido; não se explicando, ainda, a razão pela qual os reclamantes não apresentam, ou providenciam nos autos, pela apresentação em juízo de documento que tal demonstre, não tendo invocado a sua perda ou impossibilidade, como salienta já a exequente.
O Tribunal aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (artº 607º- nº5 do CPC), sendo que, produzida a prova, nomeadamente a prova testemunhal, deverá o tribunal considerar um juízo de valoração suficiente e bastante para que face a esta julgue provada a verificação de específica factualidade.

Como refere Prof. A. Varela, in Manual de Processo Civil, pg. 391/2: “ … a prova, no domínio do direito ( processual ), ao invés do que ocorre com a demonstração, no campo da matemática, ou com a experimentação, no âmbito das ciências naturais, não visa a certeza lógica ou absoluta, mas apenas a convicção ( o grau de probabilidade ) essencial às relações práticas da vida social ( a certeza histórico-empírica )”, mais referindo A. Reis, in Código de Processo Civil, anotado, volume III, pg. 242 “ …na prova directa e na indirecta o juiz tem sempre de exercer as duas actividades – a percepção e o raciocínio. Prova suficiente é a que é susceptível de produzir a plena convicção no juiz (…); conduz a um juízo de certeza; não de certeza absoluta, material, na maior parte dos casos, mas de certeza bastante para as necessidades práticas da vida, de certeza chamada histórico-empírica.”
Prova esta bastante que no caso sub judice se não fez, sendo insuficientes a tal os meios de prova produzidos.

Nestes termos resultando Não Provada a factualidade inserta no ponto nº 11 do elenco dos factos provados, o que se declara.

4. Consequentemente, resultando inútil a apreciação da demais factualidade impugnada, pois que a eliminação do indicado facto do elenco dos factos provados determina o não reconhecimento do crédito reclamado e a improcedência da Reclamação.
Igualmente resultando prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas em recurso de apelação.

5. Concluindo-se, nos termos expostos, pela parcial procedência da apelação, considerando-se ser de revogar a sentença recorrida que julga “reconhecido o crédito reclamado pelos Credores Reclamantes M. J. e M. P. no montante de €234.436,00, ao qual acrescem juros de mora, vencidos desde 31 de dezembro de 2012 e vincendos até integral pagamento, reconhecendo-se ainda a garantia real reclamada (direito de retenção) sobre as duas frações supra melhor identificadas (apartamento e loja)”.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação nos termos acima expostos, declarando-se não verificado o crédito reclamado nos autos por M. J. e M. P., revogando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante e apelados credores reclamantes M. J. e M. P., na proporção de 1/6 e 5/6, respectivamente.
Guimarães, 16 de Janeiro de 2020

( Maria Luísa D. Ramos )
( Eva Almeida )
( Ana Cristina Duarte )