Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1492/17.4T9VRL-A.G1
Relator: PAULO SERAFIM
Descritores: ARRESTO PREVENTIVO
REQUISITOS LEGAIS
PERDA GARANTIA PATRIMONIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/10/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – Ressuma do disposto conjugadamente nos arts. 391º e 392º, nº1, do CPC, ex vi do art. 228º, nº1, do CPP, que os requisitos para o decretamento do arresto preventivo são: a) a probabilidade da existência do crédito; b) comprovação de justo receio de perda da garantia patrimonial para satisfação daquele crédito.
II – A verificação do justo receio de perda da garantia patrimonial pressupõe que se alegue e prove que o devedor/requerido já praticou ou se prepara para praticar actos de alienação ou oneração relativamente ao património que possui, legitimando tal postura que se conclua, face às regras da experiência e da lógica, que se prepara para subtrair os seus bens à acção dos credores, assim criando o perigo de tornar impossível ou assaz difícil a cobrança do provável crédito constituído. Não se exige que a perda da garantia se torne efetiva, mas apenas que haja um receio justificado de que tal perda virá a ocorrer.
III –O requerente tem o ónus de alegar e provar, ainda que indiciariamente, factos concretos que revelem o justificado receio à luz de uma prudente apreciação, não bastando o receio subjectivo, fundado em simples conjeturas ou generalidades, nem a mera recusa de cumprimento da obrigação.
IV – In casu, não é alegado no requerimento inicial qualquer facto concreto suscetível de, a provar-se, legitimar um juízo positivo sobre a provável e iminente alienação ou oneração de património da Requerida e consequente perigo fundado de perda da garantia patrimonial das indiciárias credoras, risco sério que o decretamento do procedimento pretende acautelar.
V - Não estamos perante uma deficiente alegação ou mera insuficiência dos factos invocados relativamente ao preenchimento do requisito do justo receio da perda da garantia patrimonial a impor ao juiz o convite ao aperfeiçoamento do alegado, mas sim perante a inexistência de tal alegação, pelo que nada há a suprir.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO:

No âmbito do procedimento cautelar de arresto preventivo que corre termos sob o nº 1492/17.4T9VRL-A.G1, por apenso ao Processo Comum (Tribunal Singular) nº 1492/17.4T9VRL, do Tribunal Judicial da Comarca de vila Real - Juízo Local Criminal de Vila Real – Juiz 1, por despacho proferido a 10.02.2021 e registado no mesmo dia (fls. 74 a 78/ref. 35201870 e fls. 79/ref. 35221195, respetivamente), foi decidido julgar o procedimento cautelar instaurado pela Requerentes Quinta X, Vinhos, S.A. e Quinta A, Vinhos, Lda. totalmente improcedente e, consequentemente, absolver a Requerida M. G. do peticionado:

▪ Inconformadas com tal decisão, dela vieram as Requerentes Quinta X, Vinhos, S.A. e Quinta A, Vinhos, Lda. interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (fls. 80 a 100) - transcrição:

“1ªAs recorrentes não se conformam com a sentença proferida, porquanto o Tribunal recorrido fez errada decisão e incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
2ª De facto as recorrentes consideram incorretamente julgados, atenta a prova produzida nos autos, o facto 15) da matéria de facto referenciada como não provada, na Sentença recorrida, e os factos N.º 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 66º, 67º, 68º, 69º, e 70º, supra enunciados e que constam da p.i. também com esta numeração, os quais deverão ser julgados como provados, pois a prova produzida nos autos, nomeadamente a documental e testemunhal, impunham decisão diversa da recorrida.
3ºOs factos mencionados em 2º das presentes conclusões devem ser considerados provados atenta a prova produzida pelas requerentes, e, com efeito, deverão ser julgados como provados, por análise e consideração da seguinte prova documental:
1) No Documento N.º 1, junto com a petição inicial, consubstanciado no Ofício do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho de Vila Real, Juiz 1, referente ao Processo n.º 2102/18.8T8VRL, e no qual se comprova que M. G. interpôs contra a Quinta X – Vinhos, SA, no dia 25 de Outubro de 2018, uma ação emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo declarativo comum, e onde peticionava a condenação da R. a pagar a quantia global de 29.953,69 €;
2) No Documento N.º 5, junto com a petição inicial, consubstanciado nas decisões finais, já com trânsito em julgado, referentes ao processo n.º 2102/18.8T8VRL, e nos quais se comprova que a Requerida M. G. é titular de um crédito, de um direito, sobre a Requerente Quinta X – Vinhos, SA., no valor total de 15.008,79 €, valor respetivo ao capital e juros em dívida, sendo esse crédito/direito atual e já constituído.
3) No documento junto a fls. 125 dos autos em apenso, consubstanciado na notificação dirigida à M. G., com data de 22-10-2018, comunicando-lhe a existência de uma denúncia crime a correr contra si.
4º E, em conjunto com a demais prova produzida, e que aliás infra se reproduzirá, todos os documentos supra elencados credibilizam a versão dos factos dada pelas Requerentes e a alteração da decisão da matéria de facto como pugnado neste recurso.
5ª O tribunal ad quem mais deverá fundar a sua decisão nas declarações de parte da Sra. S. C. e de J. M., e da prova testemunhal produzida, com referência às testemunhas indicadas na petição inicial, designadamente: E. T.; e N. B., e cujos tempos de gravação são os seguintes:
- Declarações de parte de S. C., prestadas em 08/02/2021, com início da Gravação em 00:00:00 e fim da Gravação: 00:10:40;
- Declarações de parte de J. M., prestadas em 08/02/2021, com início da gravação em 00:00:00 e Fim da Gravação em 00:07:41
- Depoimento da testemunha E. T., gravadas no CD de Gravação da audiência, no dia 08/02/2021, com data de início em 10H24 às 10H30, com início de gravação em 00:00:00 e fim a 00:05:20:
- Depoimento da testemunha N. B., gravadas no CD de Gravação da audiência, no dia 08/02/2021, com data de início em 00:00:00 e fim a 00:05:43.
5ºAs declarações de parte e todas as declarações das testemunhas, que foram produzidas, resultaram de modo espontâneo, coerente e seguro, no sentido da matéria a ser dada como provada, porque testemunhas com conhecimento direto dos factos, confirmando-se o alegado pelas Requerentes.
6ºEm função do supra exposto, e da prova supra elencada, resulta que se impunha decisão diversa da proferida, no sentido de ser dado como provado que:
- A Requerida nunca atuou de forma a salvaguardar os direitos indemnizatórios das lesadas, atuando sim no sentido de receber o mais rapidamente possível os seus créditos laborais.
- À Requerida não são conhecidos quaisquer bens, que a Requerida está desprovida de qualquer possibilidade de liquidez e solidez financeira e económica, sendo certo que tal situação é também fruto da grave crise económica e financeira do nosso país.
- A Requerida é uma trabalhadora com pouca qualificação, tendo a categoria profissional de escriturária.
- Que o salário da requerida é extremamente baixo, próximo ou pouco acima do salário mínimo.
- Que a requerida atravessa, como sempre atravessou, dificuldades económicas e financeiras.
- Que a Requerida não paga o que deve.
- Que a Requerida se apossou ilegitimamente de quantias monetárias que lhe pertencem.
- Que a requerida não tem dinheiro disponível para pagar as suas dívidas e encargos, entre elas as das Requerentes.
- Que, atenta a índole desonesta, a requerida vai diligenciar para extraviar, ocultar e dissipar o seu património, para que as requerentes não possam ficar com ele.
- Que qualquer pessoa de são critério, colocada na posição do credor, conhecendo a requerida, temeria pela perda de garantia patrimonial do seu crédito.
7º Até porque os factos aludidos supra e cuja inserção e alteração da matéria de facto se requer são aqueles que são importantes para julgar os requisitos da providência cautelar de arresto, e foram alegados; e mesmo que os factos não fossem alegados, a verdade é que o Tribunal recorrido sempre deveria dar esses factos como provados até por aquisição no decurso da instrução da causa, lançando mão ao disposto no artigo 5º, n.º 2, alínea a) do CPC, e formular os pontos de facto de acordo com a prova produzida, e nos termos supra aludidos.
8º O Tribunal recorrido fez errada decisão da matéria de facto.
9ªDevendo ser dada resposta positiva aos factos referenciados na Sentença como não provados, e melhor aludidos no corpo das alegações do presente recurso, terá o Tribunal de subsumi-los ao direito aplicável e decidir do mérito da causa.
10ªOra, no caso concreto, estamos perante um incidente de arresto preventivo, regulado pelo CPP, com aplicação subsidiária do CPC.
11ªNo caso de providências cautelares a prova é meramente perfunctória, sendo certo que providência cautelar em causa é um processo urgentíssimo, que não se compadecia com a delonga que essas diligências iriam necessariamente acarretar, sobretudo quando a requerida tem um direito de crédito pronto a executar e com penhora imediata dos bens das requerentes…
12ª As funções e finalidade, quiçá primordial, de todos os procedimentos cautelares é a obtenção de decisão provisória do litígio, quando ela se mostre necessária para assegurar a utilidade da decisão, o efeito útil da ação definitiva a que se refere o artigo 2.° n° 2, do CPC, ou seja, a prevenir as eventuais alterações da situação de facto que tornem ineficaz a sentença a proferir na ação principal, que essa sentença (sendo favorável) não se torne numa decisão meramente platónica - A. Varela, Manual de Processo Civil, pág. 23 e Ac. do STJ de 08.06.2006, dgsi.pt. p. 06A1532.
13ªDe entre todos os procedimentos cautelares o arresto assume-se como aquele cuja natureza simplesmente conservatória mais sobressai, pois na verdade, com o arresto visa-se apenas a conservação da garantia patrimonial do credor.
14ªOu seja, assume apenas uma função meramente garantística ou instrumental – porque não antecipatória dos efeitos a obter na ação principal, como acontece noutras providências, v.g. restituição provisória da posse e alimentos provisórios - relativamente à ação definitiva.
15ª Na verdade, o arresto de bens do devedor constitui a “garantia da garantia patrimonial”, assegurando que os bens apreendidos se irão manter na sua esfera jurídica… Garantia esta que se revela mais eficaz do que outras – vg. impugnação pauliana ou acção sub-rogatória - pois que, decretado o arresto, os atos posteriores de disposição são ineficazes em relação ao credor, repercutindo-se na esfera jurídica de terceiros - embora condicionado ao registo, quando incida sobre bens a ele sujeitos – artºs 622º e 819º do CC e artºs 2º nº1 al. n), 5º, 6º e 92º nº2 al.n) do CRP.
16ª São dois os requisitos do arresto, a saber:
- A probabilidade da existência do crédito;
- O Fundado receio da perda da garantia patrimonial.
17ªQuanto ao segundo requisito, verificamos que - contrariamente ao regime inicial do CPC de 1961 em que se exigia o justo receio da insolvência do devedor – o legislador se contentou com o fundado receio da perda da garantia patrimonial. Assim, para que tal requisito se verifique, basta que o requerente prove indiciariamente o temor de uma próxima perda da sua garantia patrimonial, em função dos atos já praticados, ou que provavelmente o virão a ser, do devedor sobre o seu (dele) património.
18ª Apenas se concluindo pela sua verificação se tal requisito for de aceitar relativamente ao homem comum, a qualquer pessoa de são critério, colocada no lugar do credor e perante o circunstancialismo envolvente, o qual, face ao modo de agir do devedor, e não se impedindo imediatamente este de continuar a dispor livremente do seu património, também temeria vir a perder o seu crédito.
19ª Sendo certo que o factualismo apto a preencher a previsão legal do conceito de “justo receio”, pode assumir uma larga diversidade, nele cabendo casos como os de receio de fuga do devedor, da sonegação ou ocultação de bens, da situação patrimonial do devedor, ou qualquer outra conduta relativamente ao seu património, que faça antever e temer o perigo de se tornar impossível ou difícil a cobrança do crédito - cfr. Almeida Costa, Obrigações, 3ª ed. p.613, Acs. da RC de 13.11.1979 e de 02.03.1999, BMJ, 293º, 441 e 485º, 491; Acs. do STJ de 20.01.2000 e de 01.06.2000, Sumários, 37º, 40 e 42º, 28.
20ªEfetivamente, ainda que a atual ou iminente superioridade do passivo sobre o ativo constitua um elemento através do qual se pode reconhecer uma situação de perigo para a satisfação do crédito justificativa do arresto, esta conclusão não exige necessariamente tal situação formalmente deficitária, antes se podendo sustentar na análise de outros fatores de que a mesma possa objetivamente retirar-se, fatores esses semelhantes, v.g., aos factos índices constantes no artº 20º do CIRE, v.g. a suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas, a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações – cfr. A. Geraldes, Temas, 2ª ed. p.188.
21ª No caso concreto, como se viu, para além do modus operandi da requerida ser “criminoso”, a verdade é que ela também nunca quis, como não quer, pagar o que deve, pagar o que “furtou”, sendo evidente o justo receito de perda da garantia patrimonial.
22ªNa verdade, os factos alegados, ainda que, com maior ou menor acuidade, acutilância ou concretização, uma vez provados, ou suficientemente indiciados, assumem, virtualidade bastante para se concluir pelo justo receio.
23ªAs requerentes alegaram e provaram que a requerida nunca pagou, nem pagará, o que lhes deve, seja de forma voluntária, ou até por efeitos do processo crime que está a correr. E, aliás, no âmbito do processo crime, se a requerida pagasse o que deve, nem que fosse parcialmente, esse facto teria efeitos positivos para si no processo crime…pois o crime de abuso de confiança de que vem acusada permite a “reparação”, uma figura jurídica que podia até levar à dispensa de pena.
24ª Ora, certamente com a noção de que “o crime compensa”, o facto da requerida nunca ter pago o que “furtou”, ou nunca ter sequer aceite uma compensação, só prova que a requerida está muito pouco preocupada com as consequências negativas do processo crime…
25ª As requerentes alegaram, e provaram, que no tempo em que a requerida para elas trabalhou, ela já nessa altura atuou no sentido de passar para a conta de terceiros o dinheiro que ia retirando das contas das empresas, tentando assim “camuflar” a sua atuação fora da lei. Se nessa altura a requerida já dissipava e extraviava propositadamente o património alheio, é de questionar se atualmente a personalidade dela terá alterado de tal forma que agora o não fará…
26ª Não é razoável pensar, segundo o homem médio, que a personalidade da requerida tenha mudado tanto assim, e que agora é uma pessoa que não se exime ao cumprimento das suas obrigações.
27ªAs requerentes também alegaram, e provaram, que a requerente tem a categoria profissional de escriturária, e que o salário destes trabalhadores nunca pode ser muito superior ao salário mínimo nacional. As requerentes também alegaram, e provaram, que a requerida por várias vezes assumiu dificuldades financeiras perante elas e enquanto para elas trabalhou. As requerentes também alegaram e provaram que o rendimento que a requerida recebe é incerto, e que não terá em seu nome qualquer património ou quaisquer outros bens. As requerentes também alegaram, e provaram, que a Requerida sabe que deve entregar às Requerentes os valores que lhe subtraiu, com os desvios, sendo certo que há anos que foge a fazê-lo.
28ª Posto isto, na sentença recorrida não foi devidamente ponderada a matéria factual resultante dos autos, o que conduziu a uma interpretação demasiado restritiva do disposto nos artigos 228.º, n.º1 do CPP e 391.º do CPC, no que respeita ao conceito de justo receio de perda da garantia patrimonial.
29ª A densificação do conceito de justo receio de perda da garantia patrimonial depende da apreciação de factos ou circunstâncias de onde resulte, à luz da experiência comum, que o credor corre o risco de ver inviabilizada a possibilidade de se ver ressarcido do montante do crédito no momento próprio, caso não sejam tomadas medidas cautelares. A prova exigível deverá contentar-se com elementos que revelem que esse receio é fundado, o que é substancialmente diferente de demonstrar a iminência do perigo do dano, ou seja, o perigo atual de perda da garantia, pelo que não é exigível a verificação de atos prévios de alienação de património, ou preparativos dessa alienação, tais como a publicitação de anúncios ou celebração de contratos promessa, ou outros.
30ª Pela jurisprudência, como já se disse, têm sido indicados critérios exemplificativos, tais como a atividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a sua maior ou menor solvabilidade, a natureza do seu património, a dissipação ou extravio que faça dos seus bens, indícios que revelem o propósito de não cumprir, e montante do crédito – cfr. acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/10/2009, proferido no processo n.º º390/08.7TBSRt.C1, e de 28/06/2017, proferido no processo n.º 9070/16.9T8CBR.C1.
31ª Neste enquadramento, face aos factos alegados e indiciariamente provados pelas Recorrentes, será clara, a nosso ver, a titularidade (indiciária) do direito de crédito por parte das requerentes da providência de arresto, sendo certo que, ponderando os elementos de prova constantes do processo, é presumível e provável que o pedido de indemnização civil seja considerado procedente, por provado, e a demandada seja condenada no pagamento de indemnização às demandantes (aqui requerentes do arresto), até porque, na verdade, os factos indiciados são suscetíveis de integrar a prática, pelas requerida do crime de abuso de confiança, na sua forma continuada.
32ª Por outro lado, no tocante ao “justificado receio de perder a garantia patrimonial”, não é necessária a certeza de que a alienação ou oneração dos bens em causa se torne efetiva, sendo apenas exigível que haja um receio justificado de que tal perda virá a acontecer.
33ªNo caso concreto, as requerentes alegaram e demonstraram factos ou circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, aconselham uma decisão cautelar imediata como fator potenciador da eficácia do pedido de indemnização civil. Alegaram e demonstraram a existência de um circunstancialismo objetivo que, justificada e plausivelmente, faz perspetivar o perigo de se tornar inviável ou altamente precária a cobrança do seu crédito.
34ªEm primeiro lugar, o património da requerida não é, nem pode ser, muito. Em segundo lugar, mesmo a existir um qualquer património, ele já está onerado com créditos, não sendo suficiente para pagar às requeridas o que lhes deve há anos. Em terceiro lugar, e ao que resulta da análise dos autos, está indiciado que a requerida já praticou atos de ocultação e dissipação de património, pelo que certamente o fará novamente.
35ªPor sequela, e recorrendo a regras de experiência, tudo aconselhava, como aconselha, o decretamento imediato da providência, como fator potenciador da eficácia do pedido de indemnização civil, sendo certo que a Sentença do tribunal a quo, viola as regras da experiência e da lógica das coisas, sobretudo quando qualquer pessoa de são critério, colocada na posição do credor, temeria pela perda de garantia patrimonial do seu crédito.
36ªSe a requerida nunca pagou o que deve, se através de uma atuação criminosa dissipou dinheiro que não lhe pertence, e se nunca sequer teve preocupação em compensar os créditos, beneficiando até de uma redução ou dispensa de pena no processo crime, é razoável pensar que as requerentes credoras devem confiar que o seu crédito está garantido? Certamente que não.
37ª Mais: a medida de garantia patrimonial pedida pelas requerentes no âmbito destes autos é, não apenas necessária, mas também inteiramente adequada e proporcional, ponderando, além do mais, a natureza da matéria em discussão no processo crime, e, por isso, também a natureza dos danos invocados no respetivo pedido de indemnização civil. Cfr. sobre esta matéria o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo 389/13.1TDEVR, com data de 24-02-2015.
38ª Pelo que procedeu o Tribunal recorrido a uma incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, violando as seguintes disposições legais: artigos 2º, n.º 2, do CPC, 622º, 819º do CC, 391º nº1 do CPC, 392º nº1 do CPC e artigos 228.º, n.º1 do CPP.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, com a revogação da sentença proferida, substituindo-a por outra que acolha a alegação e conclusões supra expostas e a final determine a procedência do incidente de arresto preventivo, com as legais consequências, assim se fazendo …Justiça.”
▪ Neste Tribunal da Relação, foi aberta vista ao Ministério Público para efeitos do disposto no art. 416º do CPP, tendo o Exmo. Procuradora-Geral Adjunto alegado a falta de interesse em agir, uma vez que o recurso concerne exclusivamente a matéria cível (fls. 126/referência 7456400).

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.

II – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (QUESTÕES A DECIDIR):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, C.P.P.) (1).

Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa decidir reportam-se a:

A – Da alegada errada decisão da matéria de facto - Impugnação da matéria de facto dada como não provada.
B – Em caso de procedência da peticionada modificação da decisão de facto, consequências dela decorrentes ao nível da apreciação dos requisitos legais de decretamento da medida de garantia patrimonial em questão.
*
III – APRECIAÇÃO:

III. 1 – Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão das questões suscitadas pelo ajuizado recurso, importa verter aqui a factualidade que o Tribunal a quo deu como indiciariamente provada e não provada, e bem assim a sua fundamentação para tal decisão da matéria de facto.

O Tribunal a quo considerou indiciariamente provados os seguintes factos (transcrição):

Positivada a audiência, atestam-se como indiciariamente demonstrados os seguintes factos pertinentes para o objecto do procedimento:

1. A sociedade “Quinta X – Vinhos, S.A.” dedica-se ao exercício da atividade agrícola, comercialização e exploração de vinho do Porto e vinhos de qualquer outra natureza, à produção e comercialização de cerveja, com e sem álcool, bem assim como de quaisquer outros produtos agrícolas e artesanato; o turismo no espaço rural, restauração, eventos e animação turística; o arrendamento de casas da própria exploração agrícola para fins de turismo rural.
2. A sociedade “Quinta A – Vinhos, Lda.” dedica-se ao exercício de atividade agrícola, comercialização e exploração de vinhos de qualquer natureza, bem assim como de quaisquer outros produtos agrícolas e artesanato, o turismo no espaço rural, restauração, eventos e animação turística, arrendamento de casas da própria exploração agrícola para fins de turismo rural.
3. As preditas sociedades têm a sua sede na Quinta X, em Sabrosa.

5. A Requerida M. G. foi funcionária das sobreditas sociedades, exercendo as funções de escriturária, desde data não concretamente apurada anterior ao ano de 2000, até ao dia 31.10.2017, data em que declarou denunciar unilateralmente o “contrato de trabalho”.
6. No âmbito das funções que exercia, competia à Requerida, efetuar todos os pagamentos aos fornecedores e trabalhadores, dando o reporte à contabilidade e às Requerentes dos pagamentos assim efetuados.
7. Em virtude do cargo que ocupava, era a Requerida quem ordenava as transferências bancárias a efetuar, por ordem e em nome das Requerentes, a partir das contas bancárias por estas tituladas, sendo a única pessoa conhecedora dos códigos de acesso às mesmas e com autorização para movimentá-las.
8. No exercício destas funções, a Requerida decidiu passar a utilizar as contas bancárias das Requerentes em seu próprio benefício, ordenando, a partir do ano de 2012, a realização de transferências bancárias para uma conta por si titulada.
9. Assim, no cumprimento desse desígnio, a Requerida, nas datas que se mencionam, efetuou as seguintes transferências bancárias a partir da conta com o n.º 0-……….-001 e com o IBAN PT50 …………… 8, sedeada no Banco …, S.A., titulada pela Requerente “Quinta X – Vinhos, S.A.” – para a conta destino com o IBAN PT50 ..........................5, por si titulada:

DATAVALOR
3.1.2014€1.250,00
11.9.2014€800,00
9.10.2014€650,00
16.1.2015€800,00
20.2.2015€900,00
13.3.2015€520,00
30.4.2015€970,00
5.6.2015€800,00
10.7.2015€800,00
24.11.2015€1.466,00
13..1.2016€900,00
6.7.2016€800,00
6.2.2017€1.977,18
13.4.2017€900,00
18.5.2017€1.080,00
20.6.2017€600
TOTAL€15.213,18


10. Do mesmo modo e nas datas infra mencionadas, efetuou as seguintes transferências bancárias, a partir da conta referida em 9) e tendo como destinatários os IBAN’s indicados e que correspondem, respetivamente, a uma conta bancária titulada por uma senhora Advogada que interveio num processo executivo em que a Requerida fora parte e a uma conta titulada pelo pai da Requerida:

DATAIBAN DE DESTINOVALOR
07.02.2012PT50 ……………… 8€1.500,00
27.05.2013PT50 ……………… 5€600,00
TOTAL€2.100,00


11. De igual modo a Requerida, nas datas infra indicadas, efetuou as seguintes transferências bancárias a partir da conta com o n.º ……………7 e com o IBAN PT50 …………….5, sedeada no Banco …., S.A., titulada pela Requerente “Quinta A – Vinhos, Lda.” – para a mesma conta destino com o IBAN PT50 ..........................5, por si titulada:
DATAVALOR
25.10.2013€650.00
17.11.2014€631,98
18.06.2015€400,00
25.02.2016€600,00
18.11.2016€630,17
20.03.2017€681,93
03.05.2017€650,00
14.06.2017€885,70
18.07.2017€650,00
27.07.2017€664,20
21.08.2017€950,00
TOTAL€7.393,98


12. Nos circunstancialismos referenciados em 9) a 11), a Requerida escrevia nos campos destinados ao “descritivo” os dizeres habituais das transferências que efetuava regularmente, como “Y” (Instituto dos Vinhos do …., I.P.), “Y c.corrente”, “despesas Sr. P.”, “Y selos”, “Y pag 50 feira Bordeus”, “adiantamento DW”, pese embora a conta destinatárias das transferências ser sempre a mesma, a da mesma, com a exceção daqueloutras mencionadas em 10).
13. Na posse de tais quantias, a Requerida deu-lhes destino não concretamente apurado, utilizando-as em proveito próprio.
14 A Requerida sabia que os €24.707,16 (vinte e quatro mil setecentos e sete euros e dezassete cêntimos) descritos em 9) a 11) eram pertença exclusiva das Requerentes, suas entidades patronais, e tinham-lhes sido disponibilizados por estas exclusivamente para o exercício das funções que desempenhava e que agindo da forma descrita atuava contra a vontade das respetivas donas e sem o seu conhecimento ou consentimento.”

Considerou que não se provou indiciariamente a seguinte matéria de facto “15. Não são conhecidos quaisquer bens possuídos pela Requerida.”.

→ E motivou essa decisão de facto nos seguintes termos (transcrição):
“A formação da convicção indiciária do tribunal fundou-se na análise crítica e aglutinada dos depoimentos da administradora e do gerente das Requerentes, S. C. e J. M., e das declarações das testemunhas E. T. e N. B., em concatenação com a valoração com os extratos das transferências bancárias de fls. 7 a 45, as informações bancárias de fls. 53/54, 56/59, 115/117, 199/201, 206/246 e as notas de lançamento, sopesados à luz das regras probatórias tipificadas e do princípio da livre apreciação, em sede de um iter objectivamente cognoscitivo e dialeticamente valorativo.
*

A administradora da Quinta X – Vinhos SA, S. C., emanou um depoimento medianamente objetivado, aflorando o lapso temporal em que a Requerida M. G. exerceu funções de escriturária para a antedita sociedade e abordando sumariamente o contexto em que o contabilista da empresa lhe reportou a existência de desconformidades com transferências operadas pela Requerida, sendo que enunciou com plausibilidade a existência de uma conversa em que a mesma admitiu a apropriação das quantias descritas no requerimento inicial, o que foi confirmado pela testemunha E. T..
*

O gerente da sociedade Quinta A, Lda, J. M., limitou-se a enunciar o que lhe foi reportado por S. C., sendo que admitiu que a Requerida atualmente trabalha e que será proprietária da casa que habita.
*

No que concerne à testemunha E. T., efetivou declarações providas de mediana naturalidade e fundada razão de ciência, assomando-se como contabilista das Requerentes à data dos factos, explicitando com verosimilhança o entorno objetivo em que procedeu a uma conferência das notas de lançamento existentes a favor do IVP e do respetivo saldo excessivo com as transferências bancárias registadas nas constas das mesmas, a favor, essencialmente da Requerida, o que se compagina substantivamente com os extratos das transferências bancárias de fls. 7 a 45, as informações bancárias de fls. 53/54, 56/59, 115/117, 199/201, 206/246 e as notas de lançamento.
Concomitantemente, a testemunha referenciou com lastro subjacente o quadro circunstancial em que a Requerida, em conversa com S. C., reconheceu a apropriação das quantias mencionadas no requerimento inicial.
*

A testemunha N. B. não titulava qualquer cognição direta da factualidade nuclear, limitando-se a aflorar perfunctoriamente o que lhe foi reportado.
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Os extratos das transferências bancárias de fls. 7 a 45, as informações bancárias de fls. 53/54, 56/59, 115/117, 199/201, 206/246 e as notas de lançamento plasmam os requisitos exigíveis de veridicidade formal e prefiguram-se substantivamente convergentes, demonstrando com verosimilhança as transferências bancárias operadas pela Requerida das contas das Requerentes para a conta da mesma, da sua advogada e do seu pai, não se vislumbrando fundamento objetivo para as mesmas, inferindo-se, assim, que se curou de uma apropriação unilateral das respetivas quantias.
*

Em decorrência do supra acervo probatório, no que se atem aos factos 1) a 14), valorou-se, conjugadamente, os depoimentos da administradora e do gerente das Requerentes, S. C. e J. M., e as declarações da testemunha E. T. nos termos sobreditos, em concatenação com a valoração com os extratos das transferências bancárias de fls. 7 a 45, as informações bancárias de fls. 53/54, 56/59, 115/117, 199/201, 206/246 e as notas de lançamento.
*

No que concerne ao facto 15), não foram produzidas provas documentais suscetíveis de certificar que a Requerida não possui bens, postulando-se, assim, o decaimento deste segmento fático.
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No que tange aos demais enunciados consubstanciados no requerimento inicial, os mesmos prefiguraram factos instrumentais, meros juízos de inferência ou apreciações jurídicas, bem como enunciados genéricos e conclusivos (desprovidos de circunstâncias concretas), inidóneos para integrarem a matéria fáctica pertinente.

III.2 – Quanto à análise das sobreditas questões suscitadas pelas recorrentes/ Requerentes neste recurso:

A – Do alegado erro de julgamento da matéria de facto dada por não indiciariamente provada no facto 15), bem como quanto aos factos alegados nos artigos 48º a 70º do requerimento inicial, os quais, no entendimento das recorrentes devem ser julgados como provados:

As recorrentes/Requerentes do arresto veiculam por via do douto recurso interposto a sua discordância quanto à forma como o tribunal a quo valorou a prova produzida em audiência de julgamento e constante dos autos, o que conduziu a que fosse considerado como não provado o facto constante do nº15 do ponto IV B), que, no seu entendimento, deveria ter sido dado como provado, em virtude de ter sido produzida prova suficiente para o efeito.
Invocam ainda as recorrentes que o Tribunal a quo, erradamente, considerou como não provados os demais factos por si alegados no requerimento inicial de arresto [constantes dos arts. 48º a 70º], os quais entendem consubstanciar factos essenciais para a boa decisão da causa.

Preceitua o art. 412º do CPP (na parte que ora releva):

“1 – A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

3 – Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

6 – No caso previsto no nº4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”

Consideramos que pelo modo como articulou o recurso, o recorrente satisfaz minimamente o ónus de especificação que lhe cabia por força do disposto no art. 412º, nº3.
Como tem entendido, sem discrepância, o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorretamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) - art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP -, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer.
Ademais, nessa tarefa de reapreciação da prova pelo tribunal de recurso intrometem-se necessariamente fatores como a ausência de imediação e da oralidade – sendo que, como é sobejamente sabido, a imediação e a oralidade constituem princípios estruturantes do direito processual penal português.
Em conformidade, a ausência de imediação e oralidade - dado que o “contacto” com as provas se circunscreve ao que consta das gravações - determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º] (2).
Com efeito, quando está em causa a questão da apreciação da prova cumpre dar a devida relevância à perceção que a oralidade e a imediação conferem aos julgadores do Tribunal a quo. Deste modo, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só pode censurá-la se demonstrado ficar que tal opção é de todo em todo inadmissível face às regras de experiência comum.

Como loquazmente se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/07/2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, acessível em www.dgsi.pt:

«São os Juízes de 1.ª instância quem de forma direta e «imediata» podem observar as intransferíveis sensações que derivam das declarações e que se obtêm a partir do que os arguidos e das testemunhas disseram, do que calaram, dos seus gestos, da palidez ou do suor do seu rosto, das suas hesitações. É uma verdade empírica que frente a um mesmo facto diversos testemunhos presenciais, de boa-fé, incorrem em observações distintas.
A congruência dos testemunhos entre si, o grau de coerência com outras provas que existam e com outros factos objetivamente comprováveis, quer dizer, a apreciação conjunta das provas, são elementos fundamentais para dar maior credibilidade a um testemunho que a outro.
Para tal, a convicção do Tribunal tem de ser formada na ponderação de toda a prova produzida, não podendo censurar-se aquele por nesse juízo ter optado por uma versão em detrimento de outra. Não existindo prova legal ou tarifada que se impusesse ao Tribunal, o Tribunal julga a prova segundo as regras de experiência comum e a livre convicção que sobre ela forma (art. 127.º do Código de Processo Penal).»
Ou seja, é comumente aceite que a (re)apreciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso não implica a realização de um “segundo julgamento”, agora baseado na prova gravada, em que o tribunal ad quem aprecia toda a prova produzida e documentada em primeira instância, como se o julgamento ali realizado não existisse. Como se refere, de modo impressivo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19/05/2015, processo 441/10.5TABJA.E2, acessível em www.dgsi.pt, «O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância. Os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.»

Relevantes ainda as seguintes palavras de Paulo Saragoça da Matta (3):

«Ao Tribunal de recurso não cabe repetir a produção de prova havida, nem a prova anteriormente produzida na instância recorrida perde seja o que for de vivacidade. Pelo contrário, o Tribunal de recurso limitar-se-á a aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração. Com o que em nada se viola a imediação da prova, que fica acessível, imediatamente, ao juiz de recurso tal e qual como foi produzida em primeira instância.»
Concluindo: o artigo 412º, nº3, al. b) do CPP, ao exigir que o recorrente que impugne a decisão proferida sobre matéria de facto especifique as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, implica que o tribunal de recurso só pode (e deve) alterar aquela decisão se da análise que faz das provas documentadas indicadas pelo recorrente, em concatenação com as regras da experiência comum e da lógica, concluir que o juízo probatório levado a cabo pelo tribunal a quo é, à luz daqueles elementos, insustentável, indefensável (porque decidiu claramente sem prova ou em indiscutível contradição com as preditas regras), revelando-se por isso “obrigatório” decidir de forma distinta.
Diferentemente, «se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está» - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2015, processo 159/11.5PAPTL.G1, acessível em www.dgsi.pt.

Volvendo ao caso sub judice:
Um prévio ponto urge lavrar.
Contrariamente ao que pretendem as Requerentes, não se pode para efeito da apreciação a produzir sobre a impugnação da matéria de facto realizada no douto recurso, tomar como tendo sido julgados como não provados os pontos de facto por elas alegadas no douto requerimento de arresto preventivo sob os nºs 48º a 70º, apenas porque não constam dos factos provados.
Na verdade, o Tribunal a quo explicou na motivação a razão de ser da ausência daquela matéria alegada no requerimento inicial da decisão de facto, quer dos factos provados quer dos factos não provados. Assim, foi dito na parte final da motivação da decisão de facto que «No que tange aos demais enunciados consubstanciados no requerimento inicial, os mesmos prefiguraram factos instrumentais, meros juízos de inferência ou apreciações jurídicas, bem como enunciados genéricos e conclusivos (desprovidos de circunstâncias concretas), inidóneos para integrarem a matéria fáctica pertinente.»
Destarte, nunca este tribunal ad quem poderia, por força da presente impugnação, dar como provados tais factos, uma vez que eles não constam da decisão de facto como não provados.
Nessa decorrência, o que importa desde logo aquilatar é se o Tribunal recorrido errou ao desconsiderar em absoluto tais “factos” para efeitos da decisão de facto tomada, sendo certo que se os mesmos ou parte deles consubstanciarem, atento o objeto do processo, factualidade essencial para a boa decisão da causa, então estaremos perante uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto no art. 410º, nº2, al. a), do CPP, que é de conhecimento oficioso.
Como vimos, as recorrentes entendem que os “factos” que alegaram naqueles artigos do requerimento de arresto preventivo assumem relevância essencial para a boa decisão da causa, designadamente para comprovar o alegado justo receio de perda de garantia patrimonial.
Vejamos.
Preceitua o art. 391º do Código de Processo Civil [ex vi do art. 228º, nº1, do CPP] que “o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.”. Para tanto, deve deduzir “os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado […]” – cf. art. 392º, nº1, do CPC.
Por conseguinte, os requisitos para o decretamento do arresto preventivo são: a) a probabilidade da existência do crédito; b) comprovação de justo receio de perda da garantia patrimonial para satisfação daquele crédito.
Uma vez que a decisão recorrida, perante a factualidade dada por provada, entendeu verificada a provável existência do crédito alegado pelas Requerentes, detenhamo-nos um pouco mais no que tem sido o entendimento jurisprudencial e doutrinário sobre a alegação e prova do requisito “justificado receio de perda da garantia patrimonial”.

A este propósito, socorremo-nos do lapidar entendimento que é lavrado no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/09/2019, processo nº 1641/19.8T8BCL-C.G1, disponível em www.dgsi.pt, quanto à consubstanciação do predito conceito:
Assim, a existência de justificado receio de perda de garantia patrimonial implica que seja «razoável essa possibilidade, por existirem condições de facto capazes de por em risco a satisfação do direito aparente ou, pelo menos, tornar consideravelmente difícil a realização do mesmo (Ac. da RP, 21.06.1987, C.J., Ano XII, Tomo 4, p. 218).
Compreendem-se, na «perda da garantia patrimonial», todas as situações em que haja: suspeita de fuga do devedor; abandono de empresa ou de estabelecimento; subtração ou ocultação de bens; dissipação de bens; actual ou iminente superioridade do passivo face ao activo (v.g. pluralidade de credores, com créditos globais superiores ao valor do património do devedor); falta de cumprimento de obrigações que, pelo montante ou circunstância do incumprimento, revele a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das obrigações; ou risco de perda de garantias dadas antes em benefício do crédito invocado.
Não se exige, porém, que esta perda da garantia patrimonial seja já efectiva.»
Aduz-se no mencionado aresto: «Já quanto ao «receio», importa que seja «justo», isto é, que se configure em razões objetivas, convincentes, capazes de justificarem a pretensão drástica do requerente, de subtrair bens à livre disposição do seu titular (não bastando por isso meras convicções daquele, simples desconfianças de carácter subjectivo, um receio porventura conjeturado e exagerado); e há de assentar em factos concretos, que o revelam à luz de uma prudente apreciação (Ac. STJ., de 20.10.1953, R.T. 72º, 16, B.M.J., 39º, 244, Ac. da RP, de 16.11.1956, J.R., 2º, 1069, Ac. do STJ, de 3.05.1957, B.M.J., 67º, 481, e Ac. do STJ, de 08.11.1960, B.M.J., 101º, 559).
Consubstanciará, em princípio, justo receio uma situação de insuficiência do activo do devedor para fazer face ao passivo (Alberto Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, Limitada, p. 19) quer dizer, quando o devedor decaiu muito de fortuna e tem dívidas em montante superior ao activo.»
No resumo ali operado: «[…] para comprovação do justo receio de perda da garantia patrimonial há que alegar factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, devendo assim atender-se à forma da actividade do devedor, à sua situação económica, à sua solvabilidade, à natureza do seu património, à dissipação ou extravio, ou ocultação que faça dos seus bens, à ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir a obrigação, ao montante do crédito em causa e à própria relação negocial estabelecida entre as partes, de forma que objetivamente se justifique a pretensão drástica do requerente de subtrair bens à livre disposição do seu titular.»

Como pertinentemente se observa no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04/11/2009, processo nº 3944/08.8TDLSB-B.L1-5, disponível em www.dgsi.pt, «[P]ara que se verifique o justo receio de perda da garantia patrimonial a que aludem os art. 619º nº 1 do C. Cv. e 406º nº 1 do C.P.C. é necessário que se alegue e prove que o devedor já praticou ou se prepara para praticar actos de alienação ou oneração, relativamente ao seu património que, razoavelmente interpretados, inculquem a suspeita de que se prepara para subtrair os seus bens à acção dos credores. Embora não seja necessária a certeza de que a perda da garantia se torne efetiva, mas apenas que haja um receio justificado de que tal perda virá a ocorrer, não basta qualquer receio, sendo necessário, no dizer da própria lei, que o receio seja justificado. Significa isto que o requerente tem de alegar e provar factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não bastando o receio subjectivo, fundado em simples conjeturas, antes devendo basear-se «...em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como fator potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva.» (Cfr. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV vol., 2ª ed., pág. 187).»
Veja-se ainda o adiantado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/11/2010, processo nº 93/10.2TBMAI.P1, disponível em www.dgsi.pt: «Não são as convicções do credor, nem os seus próprios e meros receios ou as conjeturas que porventura formule, nem os demais juízos subjectivos que sustente, nem a mera recusa de cumprimento da obrigação, nem mesmo os juízos subjectivos do juiz que têm virtualidade para sustentar a existência do justo receio de perda da garantia patrimonial, mas antes a alegação e prova, ainda que indiciária, de factos ou de circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, façam antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do provável crédito já constituído.»
Posto isto, analisando o invocado pelas Requerentes nos arts. 48º a 70º do requerimento inicial, concluímos, em concordância com o explanado na decisão recorrida, que não é ali alegado qualquer facto concreto suscetível de, a provar-se, legitimar um juízo positivo sobre a provável e iminente alienação ou oneração de património da Requerida e consequente perigo fundado de perda da garantia patrimonial das indiciárias credoras, risco sério que o decretamento do procedimento pretende acautelar.
Nos artigos 48º a 52º do R.I., as Requerentes invocam factos relativos ao crédito proveniente de créditos laborais que a Requerida/arguida detém sobre a Requerente Quinta X – Vinhos, S.A., no valor total de € 15.008,79, o qual dizem já ter sido declarado judicialmente, por decisão transitada em julgado [remetendo, contudo, para o doc. 5, que nada prova nesse sentido, pois não se trata de certidão judicial ou, no mínimo, de mera cópia da alegada decisão condenatória transitada], bem como alegam que a Requerida já interpelou aquela requerente devedora para proceder ao pagamento da dita quantia, preparando-se para, com vista à cobrança do crédito, executar a sentença, negando às Requerentes, como sempre fez, qualquer direito a compensação legal de créditos.
Trata-se, pois, de factualidade atinente à mera identificação do crédito a arrestar, acrescendo que o exercício do direito legal que assiste à ora Requerida, enquanto credora, de cobrar o crédito que detém sobre a primeira Requerente, obviamente não significa, per si, qualquer negação da compensação legal de créditos a que esta – e já não a segunda Requerente – se acha no direito de exercer, tanto mais que, nos termos do art. 848º, nº1, do Código Civil, a compensação torna-se efetiva mediante declaração de uma partes à outra, não estando sujeita à aceitação desta última.
Ademais, como ressuma do teor da contestação/reconvenção deduzida pela ora primeira Requerente, ali Ré, no processo laboral identificado no R.I. – doc. 2, a fls. 15 a 28 dos autos -, a contestante não invocou ali a compensação de créditos, limitando-se a peticionar a suspensão do processo por alegada existência de causa prejudicial, a qual não foi judicialmente concedida.
Donde, não apresenta qualquer sustento fáctico a alegação genérica operada pelas Requerentes no art. 53º daquela douta peça processual, de que a Requerida nunca atuou para salvaguardar os direitos indemnizatórios das lesadas, mas sim no sentido de fazer desaparecer todos os bens suscetíveis de ser arrestados e penhorados.
Por outro lado, a alegação feita no art. 55º de que a Requerida “encontra-se desprovida de qualquer possibilidade de liquidez e solidez financeira e económica”, na parte em que excede o desconhecimento da existência de outros bens pertencentes à demandada invocado no art. 54º [e que abaixo abordaremos autonomamente], mostra-se, igualmente, conclusiva, desprovida de factos suscetíveis de caracterizar a situação patrimonial da Requerida, nomeadamente, uma sobreposição do passivo ao ativo. Com efeito, as alegações vertidas nos arts. 56º a 62º redundam em meras especulações e generalidades. Note-se, aliás, que o facto (indiciado) de a arguida ser ter apossado, no exercício das suas funções profissionais, indevidamente, de quantias monetárias pertencentes às Requerentes não permite concluir, por mero recurso às regras de experiência comum, que o fez por atravessar dificuldades económicas e financeiras, já que casos há em que tal tipo de atuação é motivada por mera ganância de obtenção de mais dinheiro, e, muito menos, que a situação patrimonial precária eventualmente verificada à data dos factos se mantenha na atualidade.
Acresce que, o modus operandi utilizado pela arguida no cometimento do crime (indiciariamente apurado), com desvio de montantes pecuniários transferidos para a sua conta bancária e, residualmente, de outras pessoas do seu círculo de conhecimentos, sendo “necessário” para a perpetração do ilícito e sua ocultação, não basta para concluir que atuará da mesma forma quando receber da primeira Requerente a quantia monetária que lhe é devida; aliás, a transferência do grosso das quantias ilegitimamente apropriadas pela arguida para conta bancária por ela titulada, não retira tais montantes do seu património (facilmente cognoscível).
E o mesmo se diga no que concerne à alegação feita no art. 63º do R.I., de que “é certo que a requerida vai diligenciar para extraviar, ocultar e dissipar o seu património, para que as requerentes não possam ficar com ele”, na medida em que tal conclusão não se mostra minimamente fundamentada de facto, pois que o alegado a esse propósito nos subsequentes artigos 64º a 69º [o art. 70º encerra matéria de direito] é meramente conclusivo, genérico, especulativo, não servindo, ainda que chamando à colação as regras da experiência do homem médio, para comprovar qualquer atuação concreta da requerida que, razoavelmente interpretada, inculque a ideia de que a mesma se prepare para praticar qualquer ato de dissipação, oneração ou ocultação do seu património, o qual, como decorre do acima expendido, até se desconhece qual seja.
Cabia às Requerentes o ónus de alegar e provar (ainda que indiciariamente) factos concretos de onde pudesse derivar o perigo de perda da sua garantia patrimonial, o que, por falta de concretização, não sucedeu.
Quanto ao património da Requerida, as Requerentes apenas alegam que o mesmo será diminuto, mas nada concretizam quanto à sua provável e iminente dissipação, sendo que o que pode justificar o decretamento do arresto é justamente o receio de dissipação ou extravio do património e não o facto de o devedor possuir um escasso património.
Note-se, por último, que, no caso vertente, não estamos perante uma deficiente alegação ou mera insuficiência dos factos invocados relativamente ao preenchimento do requisito do justo receio da perda da garantia patrimonial a impor ao juiz o convite ao aperfeiçoamento do alegado, mas sim perante a inexistência de tal alegação, pelo que nada há a suprir.
Por conseguinte, acolhendo-se o entendimento vertido pelo Mmo. Julgador na decisão recorrida, conclui-se que o que foi alegado pelas Requerentes nos sobreditos artigos do requerimento inicial de arresto preventivo, pela sua falta de concretização, inadequação ou impertinência para a boa decisão da causa, atento o objeto do procedimento cautelar, não devia integrar, como não integrou, os factos indiciariamente provados ou não provados, e, destarte, nesta parte, inexiste objeto factual para a impugnação da matéria de facto operada pelas Recorrentes.

Quanto à decisão da matéria de facto não provada [facto 15 do ponto IV B)], correspondente ao alegado pelas Requerentes no art. 54º do R.I.]:
O Tribunal procedeu à audição integral das gravações disponíveis no sistema informático citius atinentes às declarações de parte prestadas em audiência pelos legais representantes (gerentes) das sociedades Requerentes, S. C. e J. M., e aos depoimentos das testemunhas E. T. [contabilista certificado das Requerentes] e N. B. [funcionários das Requerentes] - cf. art. 412º, nº6, do CPP.
Compulsados, em concatenação, o teor dos sobreditos meios probatórios – sendo que, como ressuma das gravações, as passagens concretamente invocadas pelas recorrentes correspondem efetivamente ao que foi dito pelos declarantes –, e a motivação sobre a decisão da matéria de facto não indiciariamente provada aduzida na decisão recorrida, entendemos não ser suscetível de censura a decisão de facto tomada pelo tribunal a quo.

Vejamos o que resultou da prova por declarações e testemunhal produzida no que tange ao património conhecido à Requerida:

- Declarações de parte de S. C. [09:25m a 10m]: não sabia do concreto património que a Requerida pudesse possuir, invocando, porém, que ela era dona de um restaurante e que recorria a empréstimos, inclusive à declarante; desconhecia se ela trabalhava; conclui, contudo, infundadamente, que a Requerida “não tem nada”.
- Declarações de parte de J. M. [06:45m a 7m]: embora desconhecendo se a Requerida tinha emprego, aventurou-se a especular que se tivesse seria, por certo, “daqueles estratagemas de receber o ordenado mínimo, que não é possível de ser penhorado”; adiantou ainda que, do que sabe, a Requerida não tem património em seu nome.
- Depoimento da testemunha E. T.: não se pronunciou sobre o património da Requerida, nada esclarecendo, pois, a este propósito.
- Depoimento da testemunha N. B. [04m a 05:15m]: asseverou que a Requerida trabalhava por conta da “Quinta B”, desconhecendo, contudo, qual a sua categoria profissional (funções exercidas) e remuneração mensal, e que era proprietária de uma casa, ainda que, pelo que ela dizia, adquirida com recurso a crédito bancário; referiu ainda que a Requerida, quando trabalhava consigo, para as ora Requerentes, manifestava necessitar de dinheiro, para o que até antecipava o pagamento dos salários (para si e demais funcionários).
A predita prova produzida mostra-se, em parte, contraditória entre si, v.g., no que se reporta à existência ou não de rendimentos da Requerida provenientes do trabalho e da exploração de um estabelecimento comercial de restauração, e, bem assim, de património imobiliário, e não esclarece minimamente a real situação económico-financeira da demandada, a relação do ativo com o passivo patrimonial.
Destarte, perante a prova produzida a este respeito, cremos que o juízo probatório emitido pelo Tribunal a quo, no sentido de que, desacompanhados de prova documental do alegado, as sobreditas declarações e depoimentos eram insuficientes para provar, ainda que indiciariamente, a ausência de outro património da Requerida, é legítimo e não viola frontalmente as regras de experiência comum, na medida em que a prova produzida não impunha necessariamente decisão diversa.
Frisa-se que ainda que tal item fáctico fosse provado, tal não bastaria para o decretamento da providência, porquanto, como vimos, sempre faltaria comprovar [e previamente alegar convenientemente, o que não ocorreu] que a Requerida, previsivelmente, iria delapidar ou ocultar o património possuído.
Improcede, deste modo, in totum, a impugnação da matéria de facto, e, consequentemente, o recurso interposto pelas Requerentes.
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IV - DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelas Requerentes e, consequentemente, manter a douta decisão recorrida.
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Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (arts. 523º e 524º, ambos do CPP, art. 8º, nº9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo).

Notifique (art. 425º, nº6, do CPP).
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Guimarães, 10 de maio de 2021,

Paulo Correia Serafim (relator)
Maria Augusta Fernandes
(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos – cfr. art. 94º, nº 2, do CPP)



1. Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e seguintes; o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém atualidade.
2. Neste sentido, a título exemplificativo, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2015, processo 159/11.5PAPTL.G1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/03/2011, processo 288/09.1GBMTJ.L1-5, de 18/07/2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, de 21/05/2015, processo 3793/09.6TDLSB.L1-9, e de 08/10/2015, processo 220/15.3PBAMD.L1-9; e do Tribunal da Relação de Évora de 19.05.2015, processo 441/10.5TABJA.E2, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
3. “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, in “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, Almedina, pp. 253-254.