Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
779/17.0T8PTL-A.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO
DESPESAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (do relator):

I- Podendo as partes contratar que, em caso de cobrança coerciva do crédito, as despesas com o advogado da exequente ficam a cargo do devedor e do avalista executados, documentando esse acordo em cláusula do contrato pelo qual celebraram um mútuo, tal documento vale, em princípio, como título executivo também relativamente à obrigação de pagamento de honorários ali constituída.

II- Todavia, quando os honorários do advogado do exequente abrangem o trabalho por ele prestado no processo de execução, só no final da execução será possível exigir o pagamento e determinar o quantum dos honorários a quem houver de os pagar.

III- E assim sendo, na condições e no âmbito de aplicação do art.º 703, do Código de Processo Civil, aquele documento contratual particular e não autenticado não vale como título executivo relativamente à cobrança de honorários, por o seu montante não estar determinado nem ser determinável.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

E exequente Caixa X instaurou a presente execução contra António, para cobrança do valor de 10,965,94 €.
Por despacho proferido foi parcialmente indeferido o requerimento executivo relativamente ao pagamento de honorários.
Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso a Exequente, sendo que, das respectivas alegações desses recursos extraiu, em suma, as seguintes conclusões:

1.a O título executivo é constituído pela integração da Livrança com o contrato de crédito, até porque cada um representa título executivo, sendo, pois, válida a obrigação assumida pelo executado de pagar os honorários do advogado da exequente (incluídos nas "despesas extrajudiciais") - vd. art.º 33.º RJCA e aI. d) n.º 1 art.º 703.º CPC.
2.a - O valor desses honorários pode e deve ser fixado a final da própria execução, solução que beneficia as partes e garante uma decisão prudente com conhecimento e proximidade aos factos em que se baseia - vd. n.º 3 art.º 543º CPC e art.º 10.º CC.
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O Apelado não apresentou contra alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, seguinte:
- Analisar se o requerimento executivo pode abranger o pagamento de honorários.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A- Com relevância para análise da presente situação resulta demonstrado que:

- Em 16 de Outubro de 2017, a recorrente instaurou execução contra até esse momento António.
- Consta desse requerimento inicial executivo, com interesse para este recurso, o seguinte:


A exequente e o executado consignaram ainda nesse contrato que este se obrigava a pagar as despesas que a Caixa X suportasse, incluindo as com honorários de advogado, para reaver o seu crédito.

20º
O valor desses honorários só pode ser fixado a final da execução, uma vez que só então estarão terminados os serviços do mandatário

21º
Nessa altura o mandatário da exequente apresentará sua nota de honorários, que deve ser notificada ao executado, fixando então o tribunal, o valor devido, a incluir na nota de liquidação da execução.
(...)
- Consta do contrato de crédito celebrado entre a recorrente e o recorrido, junto como doc. n.º 1 ao requerimento inicial executivo, com interesse para este recurso, o seguinte:

CLÁUSULA QUINTA - Condições Gerais
(...)
4.° O MUTUÁRIO também se obriga ao seguinte:
a) pagar ( ... ), bem como as despesas, judiciais ou extrajudiciais, que a Caixa X faça para assegurar ou obter o pagamento dos seus créditos

B- Além dos factos acabados de descrever e do que constam do relatório que antecede, e com relevância para a decisão do recurso, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida o que a seguir se transcreve:
(…)
“É manifesta a insuficiência do título dado à execução para o “pagamento de honorários do mandatário a apurar a final”. O título não prevê o pagamento de quaisquer honorários.
Aliás, mesmo que previsse, e sendo tal quantia ilíquida (como o exequente alega) caber-lhe-ia, no requerimento executivo, especificar os valores que entende estarem compreendidos na prestação que entende ser devida e concluir por um pedido (líquido) de pagamento de quantia certa (artigo 716.º do CPC). Mas não. O exequente não só não se coíbe de apresentar execução para pagamento de quantia que identifica como certa que, afinal, não é certa como, sob o artigo 21.º do requerimento executivo, apresenta o procedimento que entende dever ser adoptado pelo tribunal para a satisfação do seu pretenso crédito... O exequente, ao pretender o pagamento, no fim da execução, de uma “nota de honorários” a apresentar pelo seu mandatário, confunde realidades distintas: honorários pretensamente incluídos no título que apresenta à execução e custas de parte.
Infere-se, portanto, parcialmente, e nesta parte, o requerimento executivo que deve seguir apenas para pagamento do demais peticionado.

(…)
Fundamentação de direito.

Como resulta do supra exposto a decisão proferido indeferiu parcialmente o requerimento executivo com relação aos honorários por ter considerado insuficiente o título dado à execução para o “pagamento de honorários do mandatário a apurar a final”, uma vez que o mesmo não prevê o pagamento de quaisquer honorários, sendo que, mesmo que os previsse, sendo tal quantia ilíquida (como o exequente alega) caber-lhe-ia, no requerimento executivo, especificar os valores que entende estarem compreendidos na prestação que entende ser devida e concluir por um pedido (líquido) de pagamento de quantia certa (artigo 716.º do CPC), o que também não fez.

Como fundamento da sua pretensão recursória alegam a Recorrente, em síntese, que a execução de onde emerge este recurso é baseada em dois títulos executivos que se conjugam e completam, ou seja:

a - O contrato de crédito n.º 56061359678, celebrado em 24 de Agosto de 2016 entre a recorrente - como instituição de crédito - e António - na qualidade de mutuário
b - A livrança no valor de € 10 105,07, referente ao contrato de crédito n.º 56061359678, vencida em 24 de Dezembro de 2016, subscrita pelo referido mutuário
E assim sendo, o contrato de crédito celebrado pela recorrente é constituído por um documento a que, por disposição especial (art.º 33.º Dec. Lei n.º 142/2009 de 16 de Junho), é atribuída força executiva, uma vez que formaliza em empréstimo concedido pela recorrente e se encontra devidamente assinado pelo executado.

Deste modo, o título executivo que serve de base à execução é formado pela integração do contrato de crédito e da livrança, pois que, a livrança remete expressamente para o contrato de crédito ao mencionar sob o "valor": "Referente ao contrato de crédito n.º 56061359678", do que inquestionavelmente se conclui que a Livrança integra todas as condições desse contrato de crédito, como que constituindo um único título executivo.

De tudo resulta em seu entender que que se verifica a existência de um título executivo que obriga os executados a suportar as despesas extrajudiciais - no caso, honorários com advogado - que a recorrente tenha que pagar.

E assim sendo, deverá a execução prosseguir também para cobrança dos honorários, pois que, nada obsta a que o respectivo valor seja liquidado na execução, o momento adequado para o efeito será o final da execução, altura em que a exequente apresentará a nota respectiva, devendo então o tribunal ouvir o executado e decidir depois, com prudente arbítrio, à semelhança do que sucede na indemnização por litigância de má fé.

Ora, como é consabido, um dos pressupostos fundamentais específicos da acção executiva é que o dever de prestar conste de um título, o título executivo, sendo que, sem este pressuposto de natureza formal inexiste o grau de certeza que o sistema tem como necessário para o recurso à acção executiva, ou seja, à realização coactiva de uma determinada prestação (ou do seu equivalente).

Daqui decorre que o título terá de oferecer a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito de crédito que se pretende executar, sendo que, sempre que existam dúvidas acerca do tipo ou do objecto da obrigação titulada, o título não será exequível e o credor tem de recorrer previamente a uma acção declarativa de condenação ou de simples apreciação, pelo que nenhuma acção executiva deve ter seguimento sem que o tribunal de execução interprete o título que lhe serve de fundamento (1).

Ora, e como tem sido pacificamente entendido, em simultâneo como os requisitos formais ou extrínsecos de exequibilidade, relacionados com o título executivo enquanto documento confirmante de um grau de certeza que possa ser reputado de suficiente para a admissibilidade da acção executiva, verifica-se igualmente a existência de requisitos intrínsecos, materiais ou substanciais, que também condicionam a exequibilidade do direito, inviabilizando, na sua falta, a satisfação coactiva da obrigação.

Isso mesmo assim decorre, designadamente, quando a prestação não seja certa, exigível e líquida ou ainda quando ocorre acto extintivo ou modificativo da obrigação, pois que, a falta, não suprida, de qualquer destas condições materiais da prestação obsta à exequibilidade e constitui até fundamento legal de oposição à execução, nos termos do art.º 729º, nº 1, al. e) e 731º do citado Código de Processo Civil, como meio processual próprio e adequado de discussão e decisão.
Revertendo agora à análise da presente situação temos que pelo contrato de crédito o executado estará obrigado a pagar “as despesas, judiciais ou extrajudiciais, que a Caixa X faça para assegurar ou obter o pagamento dos seus créditos”.

Sendo perfeitamente compreensível que, se alguém tem necessidade de recorrer aos tribunais para obter tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses e lhe vê concedida razão, tem direito a ser indemnizado também pelos encargos que o recurso ao processo lhe ocasionou, nelas se devendo considerar abrangidos os honorários do mandatário, em princípio também nada obsta a que naquelas situações, designadamente quando o exequente se apresenta munido de documento com valor de título executivo relativamente aos honorários do mandatário, possa o mesmo servir de base à execução para sua cobrança coerciva.

Todavia, e como supra se referiu, pressupondo a acção executiva o incumprimento da obrigação, este não resulta do próprio título quando a prestação é, perante este, incerta, inexigível ou, em certos casos, ilíquida, havendo, assim, que a tornar certa, exigível ou líquida, para que a execução não pode prosseguir (art.º 713º do Código de Processo Civil).

Será certa a obrigação cuja prestação se encontra qualitativamente determinada (ainda que esteja por liquidar ou por individualizar).
A obrigação é líquida quando tem por objecto uma prestação cujo quantitativo está apurado.


As diligências destinadas a tornar certa, exigível ou líquida a obrigação revestem, assim, a natureza de verdadeiros preliminares da execução.

Como é sabido, abrangendo os honorários em causa o trabalho prestado pelo advogado no processo de execução, só o termo deste permite tornar exigível e líquida a prestação, pelo que, também só no final da execução é possível exigir o pagamento e determinar o quantum dos honorários a quem houver de os pagar, no caso o avalista executado.
E para suprir esta dificuldade, na senda do que preconiza a recorrente, alguma jurisprudência (2), sugeriu que a solução a prosseguir deverá passar por se proceder, por analogia de situações, de modo semelhante ao estabelecido no art.º 457º, nº 2 (3), do Código de Processo Civil, para a liquidação de honorários a considerar dentro da indemnização por litigância de má fé.

Só que, salvo o muito e devido respeito, esta solução não resolve a questão de saber se o contrato junto poderá valer como título executivo para cobrança dos referidos honorários, quando ai se não refere (nem podia referir) o seu concreto valor.

Na verdade, sendo manifesto que a obrigação de pagar despesas judiciais e extrajudiciais configura a constituição de obrigações pecuniárias que se encontra contida num documento com força executiva (artigo 33, do Dec. Lei 142/2009, de 16/06) nos termos da al. d) do nº 1 do art.º 703º, do C.P.C., o qual, como é óbvio, só pode valer como título executivo quanto a elas se o seu montante ali estiver determinado ou seja determinável.

Daqui resulta que o título dado à execução vê a sua exequibilidade impedida por dele não constar a obrigação de pagamento de uma quantia líquida ou liquidável.

Como refere Lebre de Freitas (4), “quando, porém, a liquidação da obrigação exigiria o procedimento incidental do art.º 805º, nº 4, a acção executiva não é admitida, por falta de título”.

E assim sendo, na improcedência da apelação, decide-se confirmar o despacho recorrido, pelos fundamentos acabados de referir.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Guimarães, 03/ 05/ 2018.

Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Tem voto de conformidade 2ª adjunta Helena Melo, que não assina por não estar presente – art.º 153º, nº 1, CPC.

1. Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, 5ª edição, p. 35, nota 2, citando BRUNS-PETERS, ZVR München, 1987, p. 20; BROX-WALKER, ZVR Kõln, 1990., pág. 31.
2. Citado acórdão de 8.1.1996 e, mais recentemente, o acórdão da Relação do Porto de 1.3.2011, proc. 101/07.4TBMGD-B.P1, in www.dgsi.pt, citando outros arestos mais antigos e Lopes Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3ª ed., pág. 222.
3. Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte.”
4. A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, Coimbra, 5ª edição, pág. 58.