Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3226/15.9T8BRG.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO RÚSTICO
PRÉDIOS CONFINANTES
CURSO DE ÁGUA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Para concluir pela confinância entre prédios, pressuposto no artigo 1380º nº 1 do Código Civil para o exercício do direito de preferência sobre terrenos de área inferior à unidade de cultura, confinantes, há que ter em atenção se os terrenos podem ser juntos de forma a formar um só.

2. Não se podem considerar como prédios confinantes aqueles que confrontam frente a frente com uma mesma corrente de água de dois metros de largura, mesmo que não navegável, nem flutuável, porque nem esta, nem o seu leito, se confundem com os prédios.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Os Autores pediram que os Réus sejam condenados a reconhecerem que os Autores gozam do direito de preferência na venda efetuada pelos primeiros Réus aos segundos Réus, por escritura de compra e venda de 20.02.2015, do imóvel nela identificado, declarando-se substituídos os segundos Réus, enquanto compradores, pelos Autores e ordenando-se o cancelamento do registo a favor dos segundos Réus e a sua substituição por registo de aquisição a favor dos Autores.
Alegaram, para tanto e em síntese:

são proprietários de um prédio rústico confinante com outo prédio igualmente rústico do qual os 1ºs réus foram proprietários; os autores tiveram conhecimento, em data que indicam, de que o prédio havia sido alienado aos 2ºs réus; nem antes nem depois da realização da escritura de compra e venda os 1ºs réus deram conhecimento aos autores da projetada venda e respetivas cláusulas, pelo que lhes assiste direito de preferência.

Na contestação, em súmula,
foi invocado que o prédio rústico vendido não confronta com o prédio rústico dos autores, mas com o curso de água ali existente.

Tendo-se procedido a julgamento, veio a ser proferida sentença com a seguinte decisão: “julgar a presente ação totalmente improcedente, por não provada.”

O presente recurso de apelação foi interposto pelos Autores, pugnando pela procedência da ação, com a alteração da matéria de facto provada e diversa aplicação do direito.

Formulam as seguintes conclusões:

1-Os Autores, não se conformando com a douta sentença proferida, vêm interpor recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, também com impugnação da decisão quanto à matéria de facto e com reapreciação da prova gravada (artigo 638º, n.º 1 e 7 do CPC ), a subir imediatamente e nos próprios autos.
2-Os Autores intentaram a presente acção formulando o pedido de que lhe fosse reconhecido, nos termos alegados, o direito de preferência na venda efectuada pelos primeiros Réus aos segundos Réus, por escritura de compra e venda de 20.02.2015, do imóvel identificado nos artigos 2º e 7º da petição inicial, sendo reconhecido o direito dos Autores haverem para si o referido imóvel, por já estar depositado o preço e demais legal (8.120,88 €), declarando-se substituídos os segundos Réus, enquanto compradores, pelos Autores e ordenando-se o cancelamento do registo a favor dos segundos Réus e a sua substituição por registo de aquisição a favor dos Autores, tudo com custas pelos Réus, por terem dado causa à acção.
3-Os Réus apresentaram contestação em que, em resumo, negavam o direito dos Autores invocando que os prédios rústicos em questão não seriam confinantes por terem como limites de ambos e a separá-los um curso de água, que a perícia realizada veio a classificar como de “não navegável, nem flutuável”, conhecido por rio Labriosque.
4-Realizado julgamento foi proferida a douta sentença, ora em recurso, em que se elencaram sob o item “ Factos Provados “ os ali discriminados sob os números 1 a 19, e como “Factos Não provados” os ali elencados sob as alíneas a) a f).
5-No essencial, não estando em causa a propriedade dos prédios rústicos, a sua natureza e áreas, bem como os valores e demais condições de venda entre o Réus, questão pacífica entre as partes, “isolou-se” a questão de se apurar quais as confrontações entre os referidos prédios e os seus reais limites e ainda se tais prédios rústicos eram ou não confinantes, para daí se extraírem as necessárias conclusões de direito, face ao disposto nos artigos 1380º e 1387º, ambos do Código Civil.
6-A final, o Tribunal a quo proferiu a douta sentença ora em recurso em que, pelas razões ali apontadas, foi julgada não provada e improcedente a acção, no essencial porque se considerou não provada matéria relativa aos alegados limites dos prédios rústicos e sua confinância e se concluiu que o rio labriosque seria o limite de confrontação entre ambos e, por isso, não estava provada a confinância entre o prédio dos Autores e o prédio rústico objecto da venda entre os Réus.
7-Na apreciação da prova testemunhal gravada o tribunal omitiu a apreciação de partes relevantes dos depoimentos e deixou de considerar aspectos não menos relevantes dos documentos dos autos, incorrendo até em erro na interpretação e valoração desses depoimentos e dos documentos nos autos e da perícia realizada, em clara violação do disposto nos artigos 342º, 1380º e 1387º do Código Civil.
8-Assim, aquela conclusão merece a impugnação dos recorrentes, por entenderem que deve antes ser dada por provada matéria algo diferente da dada por provada nos ns.º 12, 13, 14, 15, 16 e 17 dos factos dados por provados na douta sentença recorrida e no que às confrontações sul do prédio dos Autores e norte do prédio objecto da venda e do pedido de preferência diz respeito, havendo ainda um lapso de escrita a corrigir na resposta 17.
9-Também dos factos dados por não provados entendem os requerentes que devem ser dados por provados os ali elencados sob as alíneas a), b), c), d), e) e f) e ainda que o referido rio é uma corrente não navegável nem flutuável.
10-Na reapreciação da prova gravada e depoimentos de testemunhas e conjugado tudo com o relatório pericial e demais documentação dos autos, devem, assim, ser dados por provados os seguintes factos:
10.1-O prédio vendido pelos primeiros aos segundos Réus confronta do norte com o prédio dos Autores acima identificado, em toda a extensão dessa extrema, em várias dezenas de metros.
10.2-Sendo que, no sentido de poente para nascente e em cerca de metade dessa confrontação existe um ribeiro com largura variável, de 50 cm a 2 metros, a delimitar as extremas ( norte do prédio dos Réus e sul do prédio dos Autores ), - facto dado por provado parcialmente no n.º 12 dos factos provados.
10.03-Na metade mais para nascente, o ribeiro curva para a esquerda (sentido da corrente) e entra pelo prédio dos Autores, havendo, por isso, uma parcela do prédio dos Autores vários metros para sul do referido ribeiro, mas que faz parte integrante do prédio dos Autores e que confronta directamente com o terreno dos Réus, pelo seu lado sul – ALÍNEAS A) , B) e C) DOS FACTOS DADOS POR NÃO PROVADOS.
10.04-E que há um passadiço para passagem dos Autores e caseiro para os dois lados do seu prédio, de uma a outra margem do ribeiro – FACTO DADO POR NÃO PROVADO NA ALÍNEA D).
10.5-O terreno dos Autores se situa sempre ao mesmo nível, enquanto que o prédio rústico dos Réus se desenvolve no sentido norte / sul com forte inclinação ascendente, havendo até um talude, barranco ou desnível de vários metros nessa parte . FACTO DADO POR NÃO PROVADO NAS ALÍNEAS E) E F).
11-Assim, os Autores gozam do direito de preferência na venda do referido imóvel, efectuada pelos primeiros aos segundos Réus, sendo que do exercício do direito de preferência pelos Autores resulta ainda o emparcelamento dos dois prédios confinantes, com benefícios e melhoria das condições técnicas e económicas de exploração agrícola.
12-Pois, nos termos do n.º 4 do artigo 1.380º do C. Civil é aplicável ao direito de preferência, conferido neste artigo, o disposto nos artigos 416º a 418º e 1.410º do C. Civil, com as necessárias adaptações.
13-Sendo questão fundamental e decisiva determinar-se se os prédios dos Autores e o do RR. objecto da venda e da preferência são ou não confinantes entre si.
14-E a resposta, ao contrário da conclusão contida na douta sentença é de que efectivamente confrontam entre si,
15-QUER SE CONSIDERE ESSA CONFRONTAÇÃO O RIO LABRIOSQUE, QUER SE CONSIDERE QUE, ALÉM DESTE O PRÉDIO DOS AUTORES AINDA CONTEM UMA PARCELA PARA SUL DO REFERIDO RIO NO CANTO MAIS A NASCENTE / SUL.
16- E ao contrário do dado por não provado pelo Tribunal ( alínea e) dos factos não provados ) o prédio dos Autores, incluindo aquela parcela “em litígio” se situa ao mesmo nível, como é referido pela testemunha A. R. (depoimento gravado 00:00 a 29:55 ) em que claramente identifica o prédio e declarou ( 01:00 a 05:00 ) que fazia o terreno há mais de 50 anos, como “caseiro” e que cultivava a parcela para sul do ribeiro, declarando no final “ 00:27” que nunca conhecera outro proprietário de tal prédio e parcela a sul.
17-Esse mesmo depoimento foi corroborado pela testemunha A. N. ( depoimento gravado 00:31:33 a 01:02.03 ), filho da anterior e que ali trabalhava com o pai, que igualmente esclareceu que era agricultada por eles a parcela a sul, em causa, referindo até a existência de dois marcos ( 00:01 a 05:00 ).
18-Esclareceram ainda ambos que aquela parcela em litigio tinha cerca de 20 metros de largura e que mais a nascente o prédio rústico daquele A. P., que antigamente formava um só prédio com o dos Autores, também sempre teve e tem uma parcela para sul do ribeiro, concluindo, por isso, que o rio labriosque curva ligeiramente para dentro do prédio hoje dos Autores e que o mesmo acontece no referido prédio mais a nascente acima referido ( 00:10 e 10:00 ).
19-Por último esclarecem que quer o terreno dos Autores, a norte e a sul do “rio” estão ao mesmo nível, assim como o outro situado a nascente, já o mesmo não acontecendo com o prédio vendido entre os RR., que tem um desnível imediato de alguns metros e continua em forte inclinação ascendente para sul ( 00:20 e 00:45 ).
20- E na perícia realizada o senhor Perito não só confirmou a configuração e localização dos prédios e da parcela em litígio, como ainda confirmou os referidos desníveis de vários metros do prédio do RR. e objecto da venda para a referida parcela.
21-E no seu relatório pericial final de 18.04.2017 acaba por descrever esse desnível e a sua real existência, designadamente na parte em que refere as diferenças de cotas ….”a transição se dá por um talude com alguns metros de desnível”… e que “não visualizou no local nenhum caminho de acesso a pessoas, animais ou viaturas” do prédio do RR para a referida e litigiosa parcela.
22-Acabando por esclarecer que a diferença de cotas entre o prédio dos Autores e da parcela é a que consta da planta junta aos autos pelos Autores, ou seja que a parcela em litígio está ao nível da parte restante a norte do rio, do prédio dos Autores, enquanto o prédio dos RR. se desenvolve em alguns metros acima, havendo um “talude” a separá-los.
23-Finalmente acaba por esclarecer, aliás como resulta da sua definição legal, que corrente navegável é a que “ for acomodada á navegação, com fins comerciais, de barcos de qualquer forma, construção e dimensões” e que corrente flutuável é a que “ por onde estiver efectivamente em costume fazer derivar objectos flutuantes, com fins comerciais, ou a que for declarada como tal”.
24-Concluindo, “dadas as características do Rio Labriosque, designadamente de baixa largura de leito, inexistência de quaisquer infraestruturas, passagens com reduzida altura disponível, entre outros, o perito entende que o mesmo deve ser enquadrado em corrente não navegável e não flutuável”, conclusão que não foi objecto de impugnação por parte dos RR.
25-Mas tal até seria irrelevante ao caso face ao dito relatório de peritagem, que não mereceu nenhuma reclamação dos RR. e com o qual estes se conformaram e ainda face ao disposto no n.º 3 do artigo 1387 do C. Civil.
26-Na verdade, neste artigo e de forma inquestionável, com referência ao leito das correntes não navegáveis, nem flutuáveis – que é o caso – dispõe-se que “quando a corrente passe entre dois prédios, pertence a cada proprietário o tracto compreendido entre a linha marginal e a linha média do leito ou álveo”.
27-Ou seja, atentas as medidas do leito ( variável entre 50 cm e 2 metros ) e o facto de ser uma corrente não navegável, nem flutuável, os prédios sempre confinariam na linha média do leito do ribeiro, na parte em que este os divide.
28-E ao contrário do referido na douta sentença este artigo refere e atribui o direito de propriedade sobre o terreno do leito e não qualquer outro, só isso sendo possível retirar de forma correcta e atento o disposto no artigo 9º do Código Civil do seu texto “ -….pertence a cada proprietário o tracto compreendido…”.
29-Deste modo sendo até irrelevante a restante questão sobre a propriedade da parcela ( pequeno triângulo ) no canto sul/nascente, sobre a qual, aliás, nenhum acto de posse os RR. praticaram, nem exerceram, nem alegaram sequer.
30-Deste modo devendo ser alterado o teor dos factos provados sob os ns.º 12 a 18 dos factos dados por provados, como acima exposto e dados igualmente por provados os elencados sob as alíneas a) a f) dos dados por não provados, como também e ainda deverá ser dado por provado que o rio labriosque é uma linha de água não navegável e não flutuável, pertencendo a cada prédio confinante o tracto do seu leito até á sua linha média, ou seja que também por aí os prédios em causa são confinantes, por aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 1387º do Código Civil.
31-Devendo a acção ser antes julgada totalmente procedente e revogando-se a douta sentença proferida.
32-Foram violadas as disposições citadas nesta alegações e conclusões.

Foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido ainda que, eventualmente, com fundamento diverso, com as seguintes conclusões:

(I) Não tendo os autores alegado e provado serem os proprietários ou titulares inscritos no registo predial de prédio confinante com o prédio vendido, à data da escritura da sua transmissão, nunca a ação de preferência poderia ser julgada procedente nem pode proceder o presente recurso (artigos 1380º, 1, 342º, 1 e 364º, 1 do código civil e 607º, 5 do código de processo civil));

(II) De igual modo, não tendo os mesmos autores alegado e provado não ser o réu adquirente do prédio transmitido proprietário confinante, à data da transmissão, não poderia a acção ser julgada procedente do mesmo modo que não pode proceder o presente recurso (artigos 1380º, 1 e 342º, 1 do código civil;

(III) A impugnação da matéria de facto carece em absoluto de fundamento porquanto:

a) os recorrentes não apresentam conclusões das suas alegações, limitando-se a reproduzir em 32 itens tudo quanto alegam na parte argumentativa das mesmas (artigo 639º, 1 do cpc);
b) Os depoimentos das testemunhas A. R. e A. N. além de não serem credíveis são irrelevantes para a decisão da causa e, nos concretos pontos destacados pelos recorrentes, em nada beliscam a decisão proferida em primeira instância;
c) A restante prova produzida (documental e verificação não judicial qualificada) não só não permite outra decisão como impõe a que foi proferida pela Mmª Juiz;
d) A questão da navegabilidade e flutuabilidade do rio Labriosque, é uma questão nova, não alegada nos articulados mas apenas depois de encerrada a discussão da causa, não constando nem podendo constar dos factos dados como provados e, por não se tratar de facto meramente instrumental ou complementar, não pode, por isso e sob pena de violação do princípio da igualdade das partes, do direito ao contraditório, do direito à tutela jurisdicional efectiva e ao processo equitativo, ser atendida pelo tribunal, sob pena de violação dos artigos 4º, 3º, nº3 e 5º do CPC e 20º, nº 1 e nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
Além disso, por não se tratar de matéria de facto mas antes de um mero conceito ou conclusão jurídica, desprovido de quaisquer factos que o suportem, não pode ser atendível e nunca poderia integrar os factos provados (artigo 607º, 3 e 4 do cpc).

(IV) Se, em caso de confinância, não for possível, em virtude de os prédios se encontrarem separados um do outro por um ribeiro cuja largura oscila entre 0,50 e 2,0 metros, obter uma exploração melhor dimensionada e que se aproxime da unidade de cultura, deve a acção de preferência ser julgada improcedente com fundamento em abuso do direito em virtude de não se atingirem os fins visados e protegidos pelo direito de preferência entre prédios confinantes e não se justificar o inerente sacrifício dos princípios da liberdade contratual e da autonomia privada (artigos 334º e 405º do cc);

(V) Não tendo as questões suscitadas em I, II e IV sido objecto de pronúncia ou conhecimento pelo tribunal em primeira instância e tratando-se de mera aplicação e interpretação das regras de direito, constando do processo todos os elementos necessários à decisão, deverão as mesmas ser objecto de conhecimento pelo tribunal de recurso, pelo menos no caso de eventual procedência de alguma das conclusões dos recorrentes, anda que ao abrigo do disposto nos artigos 5º, 3, 665º, 2 ou 636º, 1 do cpc).

II. Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Da mesma forma, não está o tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, desde que prejudicadas pela solução dada ao litígio.

Face ao alegado nas conclusões das alegações, há que verificar:

a) da admissibilidade do recurso, existindo coincidência entre as alegações e as conclusão do requerimento apresentado pelo apelante;
b) da alteração da matéria de facto provada;
c) da confinância entre os prédios;
d) caso se conclua que os prédios são confinantes, se é de considerar que os Autores não alegaram, nem provaram, serem os proprietários ou titulares inscritos no registo predial de prédio confinante com o prédio vendido, à data da escritura da sua transmissão e das suas consequências na decisão.

III. Fundamentação de Facto

A sentença apresenta a seguinte fixação da matéria provada:

– Factos provados:

1. Pelo extinto 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga correu termos o processo de inventário sob o n.º 2071/12.8TBBRG, por óbito de A. G., ocorrido em 18.04.1979, e de T. C., ocorrido em 20.12.2003, pais do Autor marido, José, e do Réu Joaquim.
2. Sob a verba n.º 14 no processo referido em 1) foi relacionado o prédio rústico denominado “ Bouça do Rio”, sito no lugar ..., freguesia de ... ( S. Julião ), concelho de Braga, inscrito na matriz rústica sob o artigo 99, o qual corresponde a parte do antigo artigo 308 rústico, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º 457/... (S. Julião).
3 Como verba n.º 15 foi relacionado no processo referido em 1) o prédio rústico denominado “Campo da Bouça”, sito no lugar ..., freguesia de ... ( S. Julião ), concelho de Braga, inscrito na matriz sob o artigo 212, o qual corresponde a parte do antigo artigo 358 rústico da mesma freguesia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º 458/... (S. Julião).
4. O prédio rústico identificado em 2) foi licitado pelos RR. Joaquim e mulher, pelo valor de 7.350,00 €, sendo-lhes adjudicado na partilha.
5. O prédio rústico identificado em 3) foi licitado pelo Autor José, pelo valor de 17.800,00 € tendo-lhe sido adjudicado na partilha.
6. O mapa de partilha do processo identificado em 1) foi homologado por sentença de 25.03.2014 transitada em julgado.
7. Por escritura de compra e venda de 20.02.2015, exarada a folhas 72 a 73 do livro de notas para escrituras diversas número …-A, a cargo do Notário, Jorge, os primeiros Réus, Joaquim e mulher Maria, declararam vender ao segundo Réu marido, J. G., que declarou ser casado no regime de comunhão de adquiridos com a sua mulher M. C., pelo preço de 7.350,00 €, que declararam ter já recebido, o prédio rústico identificado em 2).
8. Os segundos Réus, compradores no ato referido em 7) registaram a em 24.02.2015.
9. O prédio identificado em 2) é um prédio rústico, com a área de 6.500 m2.
10. O prédio rústico identificado em 3) é um prédio rústico, com a área de 6.500 m2.
11. A área dos prédios descritos em 2) e 3) é inferior à unidade de cultura fixada por lei, para o norte do País e Distrito de Braga.
12. A delimitar as extremas norte do prédio dos Réus e sul do prédio dos Autores existe um ribeiro com largura variável, de 50 cm a 2 metros;
13. O identificado em 2) inscrito na matriz sob o artigo 181, anterior artigo 99 / “bouça do rio”, confronta do norte com ribeiro, sul e poente com E. M. e, do nascente, com A. P..
14. A confrontação norte com o ribeiro consta da descrição da verba n.º 14 da relação de bens junta ao processo de inventário referido em 1) e da caderneta predial.
15. O prédio identificado em 3) inscrito na matriz sob o artigo 390, anterior artigo 212 / “campo da Bouça”, confronta do norte com caminho, sul com ribeiro, nascente com A. P. e, do poente, com caminho.
16. A confrontação com o ribeiro consta da descrição da verba n.º 15 da relação de bens 14 da relação de bens junta ao processo de inventário referido em 1) e da caderneta predial.
17. O prédios identificados em 2) e 3) confrontaram com o ribeiro denominado Labriosque em toda a extensão da respetiva confrontação norte/sul.
18. A “parcela, vários metros para sul do Ribeiro” confronta exclusivamente com o ribeiro pelo lado norte.
19. O passadiço existente sobre o ribeiro “labriosque” serve de passagem pedonal para a outra margem.

(Factos que virão a ser acrescentados por este Acórdão:

20. o prédio dos Autores situa-se sempre ao mesmo nível”
21. o prédio rústico dos Réus desenvolve-se no sentido norte / sul com inclinação ascendente”)

A causa vem, igualmente, com a seguinte decisão quanto aos

- Factos não provados:

a) O prédio identificado em 2) confronta apenas do norte com o prédio identificado em 3), em várias dezenas de metros;
b) O ribeiro referido em 12) se localize a cerca de metade da confrontação norte no sentido de poente para nascente, e na metade mais para nascente, o ribeiro curva para a esquerda ( sentido da corrente ) e entra pelo prédio dos Autores;
c) Exista uma parcela do prédio dos Autores vários metros para sul do referido ribeiro;
d) O passadiço existe no rio labriosque se destine á a passagem dos Autores e caseiro para os dois lados do prédio;
e) o prédio dos Autores situa-se sempre ao mesmo nível (facto que infra será excluído deste elenco)
f) o prédio rústico dos Réus se desenvolve no sentido norte/sul com forte inclinação ascendente, havendo até um barranco ou desnível de vários metros nessa parte. (facto que infra será excluído deste elenco).

IV. Fundamentação de Direito

a) da admissibilidade do recurso, existindo coincidência entre as alegações e as conclusão do requerimento apresentado pelo apelante.
Tem sido entendido que “A repetição nas conclusões do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada repetir o que se disse antes na motivação, equivalendo a falta de conclusões à falta de motivação“ (Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 02/15/2013 no processo 827/09.3PDAMD.L1-5 (sendo este, e todos os demais acórdãos citados sem indicação de fonte, consultados no portal dgsi.pt.) e que “1. A reprodução integral e ipsis verbis do anteriormente alegado no corpo das alegações, ainda que apelidada de “conclusões” pela apelante, não pode ser considerada para efeito do cumprimento do dever de apresentação das conclusões do recurso. 2. Equivalendo à ausência de conclusões, dará lugar à rejeição do recurso, nos termos do art. 641º, nº1, al. b), Novo CPC.” cf Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 11/10/2015no processo 158/11.3TBSJP.C1.

No entanto, tem sido prática dos tribunais, aliás em obediência ao princípio da colaboração e no âmbito dos seus poderes de gestão processual, na vertente consagrada no nº 2 do artigo 6º do Código de Processo Civil, formular prévio convite à parte no sentido de aperfeiçoar a sua peça recursiva.
Entende-se ser esta prática a mais curial com os objetivos pretendidos pela nossa lei do processo, face ao princípio da cooperação e a ideia que, havendo entraves meramente formais, ainda sanáveis, ao conhecimento da pretensão das partes, deve o tribunal providenciar, até oficiosamente, “pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo” como decorre da citada norma.

No presente caso, no entanto, não obstante a proximidade entre as alegações e as conclusões, ainda se verifica algum esforço de concentração nas segundas, sendo percetível o entendimento e pretensão do recorrente, a que também os recorridos acederam com facilidade, como resulta da sua resposta ao recurso, pelo que não se justifica trazer maior complicação ao processado, com convites e novas pronúncias.
Assim, entende-se que nada obsta ao conhecimento do recurso apresentado.

b) da alteração da matéria de facto provada

Pretende o recorrente a alteração da matéria de facto provada e não provada da seguinte forma:

a alteração do dado como provados nos ns.º 12, 13, 14, 15, 16 e 17 no que às confrontações sul do prédio dos Autores e norte do prédio objecto da venda e do pedido de preferência diz respeito, havendo ainda um lapso de escrita a corrigir na resposta 17.
Pretende também que se considerem provados os elencados sob as alíneas a), b), c), d), e) e f) da matéria de facto não provada e ainda que o referido rio é uma corrente não navegável nem flutuável.
Assim, aponta as seguintes proposições que considera que devem ser dadas como provadas:

10.1-O prédio vendido pelos primeiros aos segundos Réus confronta do norte com o prédio dos Autores acima identificado, em toda a extensão dessa extrema, em várias dezenas de metros.
10.2-Sendo que, no sentido de poente para nascente e em cerca de metade dessa confrontação existe um ribeiro com largura variável, de 50 cm a 2 metros, a delimitar as extremas (norte do prédio dos Réus e sul do prédio dos Autores), - facto dado por provado parcialmente no n.º 12 dos factos provados.
10.03-Na metade mais para nascente, o ribeiro curva para a esquerda (sentido da corrente) e entra pelo prédio dos Autores, havendo, por isso, uma parcela do prédio dos Autores vários metros para sul do referido ribeiro, mas que faz parte integrante do prédio dos Autores e que confronta diretamente com o terreno dos Réus, pelo seu lado sul.
10.04-Há um passadiço para passagem dos Autores e caseiro para os dois lados do seu prédio, de uma a outra margem do ribeiro.
10.5-O terreno dos Autores situa-se sempre ao mesmo nível, enquanto que o prédio rústico dos Réus se desenvolve no sentido norte/sul com forte inclinação ascendente, havendo até um talude, barranco ou desnível de vários metros nessa parte.
Funda-se para tanto nos testemunhos de A. R. e seu filho A. N., bem como na perícia realizada, afirmando que todos confirmaram os desníveis da parcela com o terreno dos Réus.

b.a) análise dos elementos probatórios invocados pelo apelante

Para verificar da viabilidade da alteração da matéria de facto provada pugnada pelo recorrente importa em primeira linha focar a atenção nos elementos probatórios em que este se estriba..

b.a).1-- o relatório da verificação não judicial qualificado

Começa-se pelo relatório da verificação não judicial qualificado, por ser um elemento elaborado por entidade terceira, completamente alheia às partes, sem qualquer interesse e munido de especiais conhecimentos.
O mesmo mostra-se coerente, está acompanhado e estribado em elementos objetivos, visualizáveis nos autos pelas fotografias apresentadas e foi produzido com total observância do contraditório.
Assim, havendo discrepância entre alguns testemunhos e este relatório, dar-se-á prevalência a este.
No relatório descreve-se como o acesso à parcela em disputa pode ser feito, em abstrato, diretamente através do prédio dos Réus e que penas se pode alcançar a parcela contestada quando se vem do prédio dos Autores através de dois passadiços, ambos fora do prédio: um a nascente e outro a poente do mesmo. Para aceder ao mais próximo, a 16 m a nascente do prédio dos Autores, é necessário atravessar prédios de terceiros.
Em esclarecimentos menciona que não se vislumbrou nenhum caminho de acesso do terreno dos Réus para a parcela disputada pelas partes, sendo semelhantes as quotas altimétricas entre o prédio dos Autores e a parcela em causa.
Destas conclusões resulta que não há sinais visíveis da passagem de qualquer um dos prédios para a parcela em questão, estando a mesma fisicamente separada da dos Autores por um curso de água, embora sejam semelhantes as quotas altimétricas entre o terreno dos Autores e o da parcela em disputa.
Da mesma forma, a utilização da parcela dos Autores e a em discussão não é atualmente semelhante: a dos Autores destina-se a culturas arvenses, constituída por erva no outono e inverno e milho na primavera e verão; a parcela em contenda está inculta e ocupada por infestantes, alguns salgueiros, bastantes loureiros, um castanheiro e duas videiras decrépitas.
Desta perícia não se pode, pois, concluir que a parcela em questão pertence ao prédio dos Autores, atenta a falta de acessibilidade de um para o outro e a sua diferente utilização.

b. a).2 – os depoimentos das testemunhas em que se fundam o recorrentes

--- a testemunha A. R.

Esta afirmou, de mais impressivo, que ainda hoje “faz o prado”.
Ora, esta afirmação está em total desacordo com o descrito no relatório e pela sua relevância retira qualquer credibilidade à testemunha. O mesmo acontece quando referiu que há uma passagem direta do terreno dos Autores para a parcela que se discute, visto que é perentoriamente negado no relatório.
Não se lhe pode conferir credibilidade.

---A testemunha A. N.,

Com menor conhecimento direto dos factos, visto não lidar de perto com o prédio e por apenas deles saber por ter acompanhado o seu pai, padeceu da mesma desarmonia entre o que afirmou e os vestígios, visíveis no local, do destino dado à parcela em causa e captados no relatório, demonstrativos da falta de cultivo daquela parcela. É certo que afirmou que atualmente aquela parte não é cultivada, mas referiu também, por outro lado, que anteriormente as castanhas ali existentes eram apanhadas quer por si e seu pai, quer por quem ali passasse, afastando tal utilização exclusiva do terreno. Fica por explicar porque, na sua versão, continuou um lado do prédio a ser cultivado e o outro deixou de o ser.
Este depoimento, que se não pode ter por objetivo, não é suficiente para, por si só, suportar tese diferente da dada como provada.
Tal é, aliás, apontado na sentença em recurso, que se mostra muito bem fundamentada e responde a todas as questões do Autor, analisando, ainda, a prova documental.
Quanto à prova testemunhal ora em apreço, a sentença refere, no que se concorda na íntegra:

Sobre a prova testemunhal produzida, refere-se que o depoimento da testemunha A. R. não mereceu credibilidade ao tribunal. Afigurou-se-nos que veio ao tribunal dizer expressamente “ que o prédio para além do rio pertence ao prédio dos autores”. Foi um depoimento pouco circunstanciado e dirigido á afirmação que o prédio dos autores confronta com o “rio e monte”. Como referimos, a prova documental consistente e de diversa fonte, afirma que a confrontação a sul do prédio dos autores com o ribeiro. Este depoimento por si e com as características apontadas não convenceu o tribunal de que as afirmações produzidas eram expressão fiel da realidade, mormente se mostram fundamentadas e sustentadas noutros meios de prova. Acresce que os prédios identificados em 2) e 3), foram desanexados de um prédio comum que pertenceu aos pais do autor e réu só tendo sido partilhado em 2014 ([ cfr. sentença homologatória referida no facto 6º]. Se a testemunha, que contava à data do depoimento com 87 anos, foi rendeiro do prédio desde 1952 é possível que as extremas que considera ( que de todo o modo não foram claramente identificadas) tenham por referência o prédio na sua totalidade, antes das desanexações, e já não dos dois a que deu origem.
A testemunha A. N., filho da testemunha anterior, prestou um depoimento inócuo ao apuramento dos factos que nos autos se discute. Demonstrou pouco conhecimento sobre as confrontações dos prédios, referindo ter falado sobre a ação com o pai à vinda para o tribunal, parecendo-nos que o sentido foi de recolha de informação sobre uma realidade que o pai melhor que ele conhece. Foi a perceção que se teve.
As afirmações produzidas evidenciaram um depoimento pouco verossímil. Apesar de ter deixado de ajudar o pai a cultivar os terrenos, designadamente, o terreno que os autores localizam para além do rio, disse que ainda foi ver no “domingo se o milho crescia”.

b.a).3-- os demais elementos de prova a atender nos autos
E menciona ainda a sentença no que se refere à prova documental, de forma completa:

Como se expôs supra (descrição da relação de bens, teor das cópias das cadernetas prediais, relatório de avaliação das verbas 14) e 15) em sede de inventário, alvará de licença emitido em 1956 pela Direção Hidráulica…) que o prédio identificado em 2) surge sempre a confrontar a norte e prédio identificado em 3) a sul com o rio Labriosque. E esta confrontação é consentânea com a inspeção realizada pelo Sr. Perito nomeado pelo tribunal. À luz da experiência e do senso comum não se compreende que os autores nada digam acerca da razão pela qual não diligenciaram pela retificação da confrontação sul. A existir desconformidade mal se compreende que os autores a tenham mantido em todos os documentos mencionados de diferente fonte, sendo certo que a sentença homologatória da partilha no processo de inventário referido em 1) poder considera-se recente, considerando a data em que foi proferida 25.03.2014 [ facto provado em 6)]. Inclusivamente, apesar de alegarem a inexatidão dessa confrontação não demostraram nos autos que requereram a retificação em conformidade com a alegação aqui produzida
A alegação dos autores de que “O ribeiro referido em 12) se localiza a cerca de metade da confrontação no sentido de poente para nascente, e na metade mais para nascente, o ribeiro curva para a esquerda (sentido da corrente) e entra pelo prédio dos Autores e que exista uma parcela do prédio dos Autores vários metros para sul do referido ribeiro, mostrou-se infundada. Refere-se que os autores nesses autos não pedem o reconhecimento de qualquer direito sobre a “parcela” em questão. Esta dita parcela é instrumental ao propósito dos autores na exata medida em que prosseguindo ou estendendo o seu prédio além do rio Labriosca permitiria a afirmação inequívoca da existência de confrontação com o prédio vendido. Mas como o sr. Perito afirma, “ (…) se entendido que a parcela integra o prédio dos autores, confrontará a norte com ribeiro e com o prédio dos autores”. Ora nenhum documento refere a confrontação a norte.
Acresce que os prédios identificados em 2) e 3) foram desanexados de um mesmo prédio, sendo seus ante possuidores os pais do autor e primeiro réu, [ facto provado em 1)] só com a extrema entre os dois prédios delimitada pelo rio labriosque se compreende que A. G. tenha procedido à “construção na margem esquerda do mesmo um muro de alvenaria de pedra argamassada, paralelamente à corrente e à distância de 1,30/m da margem oposta, para suporte e defesa da propriedade denominada “Campo da Bouça”- fls. 75.
A prova documental produzida nos autos permite afirmar com segurança que o prédio rústico vendido e o prédio rústico dos autores confrontam, como sempre confrontaram, com o rio denominado Labriosque em toda a extensão da respetiva confrontação norte/sul.
Consigna-se que os documentos juntos aos autos não foram impugnados e o relatório de inspeção de fls. 169 a 180 apenas mereceu o pedido de esclarecimento de fls.182 a 184, não beliscando as conclusões do Sr. Perito. O esclarecimento que o rio labriosque não é navegável nem flutuável é matéria irrelevante para a boa decisão da causa, considerando que não está em causa o direito de propriedade do leito do ribeiro ou da suas águas, apenas a confrontação física e jurídica entre dois prédios. A questão das quotas dos terrenos afigurou-se-nos é irrelevante para a economia dos autos.”

b.b).---- Concretizemos, face às pretensões dos recorrentes:

Como se viu, nenhum elemento convincente afasta a prova documental produzida, nomeadamente o relatório pericial efetuado no âmbito do processo de inventário, de 24-5-2013, quanto às verbas 14 e 15, ali descritas e avaliadas (como consta a fls 64 e 65 destes autos), que menciona expressamente o “rio (riacho) Labriosque” como a fronteira norte e sul dos prédios, sendo este inventário o título aquisitivo invocado pelos Autores.

Assim, há que dar como assente, como foi, exatamente o que consta dos pontos 12 a 17: A delimitar as extremas norte do prédio dos Réus e sul do prédio dos Autores existe um ribeiro com largura variável, de 50 cm a 2 metros; O prédio identificado em 2) inscrito na matriz sob o artigo 181, anterior artigo 99 / “bouça do rio”, confronta do norte com ribeiro, sul e poente com E. M. e, do nascente, com A. P., A confrontação norte com o ribeiro consta da descrição da verba n.º 14 da relação de bens junta ao processo de inventário referido em 1) e da caderneta predial; o prédio identificado em 3) inscrito na matriz sob o artigo 390, anterior artigo 212 / “campo da Bouça”, confronta do norte com caminho, sul com ribeiro, nascente com A. P. e, do poente, com caminho; A confrontação com o ribeiro consta da descrição da verba n.º 15 da relação de bens 14 da relação de bens junta ao processo de inventário referido em 1) e da caderneta predial; O prédios identificados em 2) e 3) confrontaram com o ribeiro denominado Labriosque em toda a extensão da respetiva confrontação norte/sul.

E logo não provadas as seguintes alíneas da matéria de facto não provada, porque em oposição com estes: a) O prédio identificado em 2) confronta apenas do norte com o prédio identificado em 3), em várias dezenas de metros; b) O ribeiro referido em 12) localiza-se a cerca de metade da confrontação norte no sentido de poente para nascente, e na metade mais para nascente, o ribeiro curva para a esquerda (sentido da corrente) e entra pelo prédio dos Autores; c) Existe uma parcela do prédio dos Autores vários metros para sul do referido ribeiro; d) O passadiço existe no ribeiro Labriosque destina-se á a passagem dos Autores e caseiro para os dois lados do prédio.
Já quanto aos desníveis, têm razão os Autores: verifica-se da análise do relatório de inspeção não judicial destes autos que o terreno dos autores é constituído por terreno plano e que o dos Réus é declivoso.

Assim, devem ser consideradas provadas a alíneas e) (“o prédio dos Autores situa-se sempre ao mesmo nível” e parte da alínea f), tendo esta que ser expurgada de matéria conclusiva e da menção ao barranco, omisso na perícia e não havendo outra prova a que o tribunal possa dar credibilidade que o confirme, nos termos supra explanados (“o prédio rústico dos Réus desenvolve-se no sentido norte/sul com inclinação ascendente”).
Quanto à pugnada inclusão de um ponto na matéria de facto provada com a classificação do rio Labriosque como uma linha de água não navegável e não flutuável, há que ter em conta que não é esse o local apropriado para a inserção de conclusões jurídicas e factos conclusivos: na matéria de facto apenas se devem englobar factos, considerados como ocorrências da vida real, não classificações, opiniões, conceitos de direito ou indeterminados.
Ora, sendo a frase que os Autores pretendem inserir na matéria de facto provada a exata expressão constante do artigo 1387º nº 1 alínea b) do Código Civil (“1. São ainda particulares: …b) O leito ou álveo das correntes não navegáveis nem flutuáveis que atravessam terrenos particulares”) é patente que esta menção, neste contexto, seria a reprodução dos conceitos jurídicos constantes desta norma e logo conclusões jurídicas que caberia ao tribunal tirar de factos concretos, como a largura do rio (que se encontra provada), a sua profundidade, o tipo de fundo, etc.
Assim, improcede quase in totum a impugnação da matéria de facto, havendo tão só que aditar os pontos supra referidos à matéria de facto provada, retirando-os da não provada.

Aplicação do Direito aos factos apurados:

Da confinância entre os prédios

Nos termos do artigo 1380º nº 1 do Código Civil, os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.
Esta norma insere-se num conjunto de outras que visou pôr cobro a excessiva fragmentação da propriedade rústica, atendendo aos inconvenientes de ordem económica que dela resultam, designadamente a baixa produtividade de prédios de reduzida área (cf Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência publicado no Diário da República - 1.ª SERIE, Nº 113, de 17.05.1986, Pág. 1169). Pretende-se favorecer a função social da propriedade, enquanto fator de produção, promovendo uma afetação eficiente da mesma.
No entanto, este favorecimento tem em conta unicamente a derivada do emparcelamento rústico, sendo este o único critério apontado pela lei e que também funciona como limite ao direito de preferência (que não abrange os prédios de área igual ou superior à unidade de cultura).
É à luz do escopo desta norma, em conjunto com toda a ordem jurídica, que a mesma deve ser analisada e aplicada.
Assim, é já jurisprudência assente e que se segue, sob pena de se estar a efetuar uma aplicação cega e destituída de sentido desta norma, que “para vermos se há confinância o objectivo é vermos se os terrenos podem ser juntos, ou seja, se podem ser considerados como um único terreno. Esta unidade deve ser vista em termos naturalísticos: se na vertente física do terreno não existe impedimento ou diferença entre o trânsito de pessoas e de alfaias agrícolas de um prédio para o outro.
Assim, o artigo 1380º do Código Civil apenas tem em conta a confinância física dos terrenos, reportados a área de cultura, sem considerar a sua proximidade em abstrato, mesmo que facilmente contornável pela existência de pontes, estruturas ou estradas.
“Por estas razões é que não se podem considerar como prédios confinantes aqueles que apenas se tocam num ponto, ou os que são separados por um curso de água. Em qualquer destas hipóteses, embora venha a ser possível o trânsito entre os terrenos, nunca será feito de forma tão “natural” como se fosse o mesmo terreno. E, pelas mesmas razões, a existência de muros, desníveis, ou canais de irrigação, porque estes não impedem a continuidade natural dos prédios, não obsta à consideração de estarmos perante prédios confinantes.” cf Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 07/09/2014 no processo 225/08.0TBNLS.C1.S1 (sendo este, e todos os demais acórdãos citados sem indicação de fonte, consultados no portal dgsi.pt.)
Ora, a largura máxima do curso de água que separa os prédios – 2 metros, como decorre da matéria de facto provada – já obriga à construção de passagens de um lado para o outro do rio, constituindo uma divisão natural entre ambos que não permite a sua união, impedindo que a sua reunião sob um mesmo dono possa dar uma continuidade natural aos terrenos.
É que, como se viu, para efeitos do artigo 1380º do Código Civil, apenas está em causa a continuidade dos terrenos e, desta, a vantagem económica que daí decorre.
Pretendem os recorrentes que se tenha aqui em atenção o disposto no artigo 1387º deste diploma.
No entanto, esta norma diz respeito às águas, não aos prédios, que são coisas diferentes.
Com efeito, decorre do artigo 204º do Código Civil que , entre outras, são coisas imóveis: a) Os prédios rústicos e urbanos; b) As águas;…
Assim, estas são realidades distintas, não se podendo confundir as águas com os prédios.
É no contexto da propriedade das águas que se insere a norma cuja aplicação ora pretendem os recorrentes (Capítulo IV do Título II do Livro III do Código Civil). Embora também as obras destinadas à captação armazenamento ou derivação das águas e os leitos destas não sejam águas num sentido técnico, também se não incluem no âmbito dos prédios rústicos ou urbanos, sendo reguladas neste capítulo respetivamente nos artigos 1387º e 1386º do Código Civil.
Aliás, da própria leitura destas normas decorre que o leito das correntes não navegáveis, nem flutuáveis, se não integra nos prédios, embora o seu proprietário se defina pelo proprietário desses prédios.
Tanto bastaria para perceber que a existência de um curso de água entre os prédios os separa, não se podendo considerar que são confinantes no leito da corrente.
Como se cita no Acórdão que se vem referindo: “É certo que o artº 1387º, nº 3 do C. Civil dispõe que “quando a corrente de águas passa entre dois prédios, pertence a cada proprietário o tracto compreendido entre a linha marginal e a linha média do leito ou álveo”, mas tal dispositivo tem apenas a ver com obras para armazenamento ou derivação de águas e com o leito dessas correntes, não, por si só, para efeitos de eventual emparcelamento de prédios rústicos ou para a definição de confinância de prédios (o que se enquadra no instituto do fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos - secção VII do Capítulo III do Título II do Livro III do C. Civil -, no qual se integra o artº 1380º do C. Civil, instituto este que tem apenas em vista melhorar as condições técnica e económicas da exploração agrícola)”.
Enfim, os prédios dos Autores e dos Réus não são entre si confinantes, mas com o Labriosque e este curso de água, por seu turno, impede que os prédios pudessem, juntos, servir como uma unidade.
Tudo posto, entende-se patente que não pode proceder o recurso, com exceção da parte em que incidiu sobre os dois pontos da matéria de facto não provada, mostrando-se a sentença muito bem elaborada e de sufragar, com aquela pequena exceção, sem nenhum relevo na decisão final.

V. Decisão:

Por todo o exposto:

- retiram-se da matéria de facto não provada as alíneas e) e f), aditando-se aos factos provados os seguintes:

- 20. o prédio dos Autores situa-se sempre ao mesmo nível”
21. o prédio rústico dos Réus desenvolve-se no sentido norte/sul com inclinação ascendente”)
- julga-se a apelação improcedente e em consequência confirma-se, no mais, totalmente, a sentença.
Custas na 2ª instância pela apelante.
Guimarães, 15 de março de 2018

Sandra Melo
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade