Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4632/12.6TBGMR-B.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: I - Nos termos do n.º3 do art.º 239º do C.I.R.E., integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão, nomeadamente, do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional (alínea.b)-i),
II - Mostrando-se que o devedor é divorciado e que aufere uma pensão de reforma de €1.100,00 mensais, que tem os gastos decorrentes do seu sustento pessoal e que paga de renda de casa €250,00 mensais, é adequado excluir do rendimento disponível um valor equivalente ao salário mínimo mensal (€485,00), valor este que lhe garante um sustento minimamente digno.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

M…, declarado insolvente nos autos de Insolvência de Pessoa Singular, n.º 4632/12.6TBGMR, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, inconformado com o despacho judicial de 7/11/2013 que fixou o rendimento indisponível do insolvente nos termos do artº 239º-nº3 do CIRE, em quantia correspondente a um salário de retribuição mínima garantida, de tal decisão veio interpor Recurso de Apelação, requerendo se fixe tal rendimento no valor mensal correspondente a dois salários mínimos nacionais.
O recurso veio a ser admitido como recurso de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
Nas alegações de recurso que apresenta, o apelante formula as seguintes conclusões:
a) Foi concedido ao insolvente a exoneração do passivo restante
b) E fixado o valor de 485/mensais como retribuição mínima garantida
c) Aufere como único rendimento a sua pensão de reforma no montante de 1.100,00.
d) Não foram levadas em conta as despesas do Recorrente
e) Nomeadamente as despesas mensais que tem consigo e com a sua companheira (água, electricidade, alimentação, vestuário, despesas médicas e medicamentosas…., renda de casa 250,00)
f) Qualquer pessoa minimamente realista alcança sem dificuldades que o valor de 485,00/mensais é manifestamente insuficiente para uma vida digna e honesta
g) Devendo esta quantia ser alterada para dois salários mínimos
h) A fim de permitir uma vida digna e sem negligenciar que o restante terá de entregar ao fiduciário.
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Atentas as conclusões do recurso de apelação deduzidas, e supra descritas, e considerando que é pelas conclusões do recurso que se delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso (artigos 666º-n.º2, 684º e 685º-A do Código de Processo Civil) é a seguinte a questão a apreciar:
- reapreciação da decisão que fixou o rendimento disponível do insolvente nos termos do artº 239º-nº3 do CIRE, em quantia correspondente a um salário de retribuição mínima garantida.

Fundamentação ( de facto ):
- São os seguintes os factos com interesse à decisão do presente recurso:
- M…, declarado insolvente nos autos de Insolvência de Pessoa Singular, n.º 4632/12.6TBGMR, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, inconformado com o despacho judicial de 7/11/2013 que fixou o rendimento disponível do insolvente nos termos do artº 239º-nº3 do CIRE, em quantia correspondente a um salário de retribuição mínima garantida, de tal decisão veio interpor Recurso de Apelação, requerendo se fixe tal rendimento no valor mensal correspondente a dois salários mínimos nacionais.
- Na decisão proferida fixaram-se os seguintes factos respeitantes à situação pessoal e económica do apelante e que baseariam a fixação do indicado valor:
- O requerente é divorciado e reside na Rua Padre José Ferreira Leite, 52, 4835 – 245 Guimarães; foi sócio da firma V…, Lda., NIF 501708022 que teve a sua sede na atual Rua da Primavera, nº 454, R/C, freguesia de Nespereira, desta comarca; essa sociedade encontra-se em insolvência (Proc. nº 4017/12.3TBGMR – 4º Juízo Cível); o requerente juntamente com outro sócio-gerente avalizou livranças a instituições de crédito de cerca de quarenta e dois mil euros (Proc. 4498/11.3TBGMR, 1º Juízo); existem débitos à Autoridade Tributária e Segurança Social de elevado valor (Proc. 948/11.7TAGMR, 1º Juízo Criminal); foram reclamados créditos nestes autos no valor de €406.893,98; não foram aprendidos quaisquer bens - móveis ou imoveis – ao insolvente; está reformado e aufere o valor de €1.100,00, único rendimento que aufere; é com esse rendimento que suporta todas as despesas (água, eletricidade, alimentação, vestuário e renda de casa (250,00€), etc.).

II) O DIREITO APLICÁVEL
O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência (…) – art.º 1º do CIRE, podendo ser sujeitos passivos da declaração de insolvência quaisquer pessoas singulares ou colectivas, considerando-se em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (art.sº 2º-n.º1-alínea a), e 3º, do citado diploma legal ).
Nos termos do disposto no art.º 235º do CIRE, sendo o devedor uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições regulamentadoras do diploma legal em causa, nomeadamente dos art.º 235 e 248º.
Pretende-se com esta medida, e tal como expressamente se consigna no ponto 45º do preâmbulo do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o CIRE, a possibilidade da extinção das dívidas e a libertação do devedor, segundo o princípio do fresh start, aí se declarando que o Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental de ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica, segundo o princípio do fresh start, face á ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar e que justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua integração plena na vida económica.
O pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo devedor nos termos e prazos consignados no art.º 236º do CIRE, mediante os pressupostos previstos no art.º 237º.
A concessão efectiva da exoneração do passivo restante consiste, nos termos dos art.º 237º e 239º, do diploma citado, na faculdade concedida ao devedor pessoa singular, da exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento desta, pressupondo, nestes termos, tal benefício, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos – designado período de cessão – ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos, e, obrigando-se, durante esse período, entre várias outras obrigações, a ceder o seu rendimento disponível a um fiduciário, que afectará os montantes recebidos ao pagamento aos credores, e, findo este período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento.
Nos termos do n.º3 do art.º 239º do C.I.R.E., supra citado, integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão, nomeadamente, do que seja razoavelmente necessário para – o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional (alínea.b)-i ).
Conforme decorre dos autos, tendo o apelante formulado nos autos pedido de exoneração do passivo restante, o que lhe foi concedido, em consequência, e nos termos e para os efeitos das disposições legais aplicáveis, no despacho inicial relativo ao pedido de exoneração do passivo restante, fixou-se a obrigação do insolvente de, durante esse período, e entre várias outras obrigações, ceder o seu rendimento disponível a um fiduciário, em tal despacho se decidindo, para efeitos do art.º 239º-n.º 2 e n.º 3-alínea b) –i ) do CIRE, que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o devedor entregue ao fiduciário o rendimento disponível que venha a auferir, calculado nos termos do artº 239º-nº3 do CIRE, ao qual esta quantia se considera cedida, ressalvado o recebimento pelo mesmo da quantia correspondente a um salário de retribuição mínima garantida, vindo o insolvente inconformado a interpor recurso de apelação requerendo se fixe o valor mensal correspondente a dois salários mínimos nacionais para o seu sustento minimamente digno.
Nos termos e para os efeitos do indicado art.º 239º-n.º 2 e n.º 3-alínea b) –i) do CIRE, estabelece a lei dever considerar-se excluído do rendimento disponível do insolvente a afectar ao pagamento aos credores e a ceder ao fiduciário, o valor que for “razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor”.
No caso em apreço, provando-se que o apelante é divorciado e aufere uma pensão de reforma no valor de € 1.100,00 mensais, e tem gastos decorrentes do seu sustento pessoal, designadamente, com alimentação, saúde e vestuário, e com renda de casa, sendo a renda no valor mensal de € 250,00, tomando-se por referência o valor do RSI, criado pela Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio, e que consiste numa prestação que visa garantir a satisfação das necessidades básicas essenciais, e o valor do salário mínimo nacional (cujo valor foi estabelecido em € 485,00, nos termos do DL n.º 143/2010, de 31.12, mantendo-se em vigor), fixando-se no despacho recorrido em valor correspondente a este último o valor excluído do rendimento disponível e a fixar nos termos e para os efeitos do citado art.º 239º-n.º3-alínea.b)-i) do C.I.R.E., como o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno “do devedor“, mostrando-se correctamente integrado o conceito legalmente imposto de sustento mínimo e de acordo com justos valores de equidade e equitativo, salientando-se tratar-se no caso sub judice de uma só pessoa, cfr. decorre dos factos provados, e sem que se provem especiais e excepcionais necessidades ou gastos, a par, ainda, do elevado valor do passivo em divida e que se impõe reparar.
Acresce, mostrarem-se garantidos no caso em apreço, ainda, os limites de impenhorabilidade prescritos no n.º1 -alíneas.a) e b) e n.º2 do artigo 824º do Código de Processo Civil e 46º-n.º2 do C.I.R.E., correspondente a um limite mínimo equivalente a um salário mínimo nacional, desta forma se mostrando afastada eventual inconstitucionalidade na aplicação dos preceitos legais em causa (v., no sentido seguido Ac. TRL, de 20/3/2012, in www.dgsi.pt), mais se salientando, e como se referiu já no Ac. de 20-01-2011, deste TRG, que “ Numa perspectiva constitucional, à luz dos preceitos contidos nos artºs 59º, nº 2, al. a) e 63º, nºs 1 e 3, da CRP, o salário mínimo representará aquele valor imprescindível a uma subsistência digna” sendo este um valor mínimo a salvaguardar e o qual se mostra garantido no caso em apreço.
Conclui-se, nos termos expostos, pela improcedência da apelação, devendo manter-se a decisão recorrida que não merece reparo.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 20 de março de 2014
Luísa Duarte
Raquel Rego
António Sobrinho