Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3723/18.4T8VCT.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ACIDENTE MORTAL
DESCARACTERIZAÇÃO
TRACTOR
VIOLAÇÃO DE NORMAS DE SEGURANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - A descaracterização do acidente por acto ou omissão do sinistrado, que importe violação, sem causa justificativa, das condições previstas na lei ou estabelecidas pelo empregador, exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- a existência de condições de segurança previstas na lei ou estabelecidas pelo empregador;
- a violação, por acção ou por omissão, dessas condições por parte da vítima;
- que a actuação vítima seja voluntária, embora não intencional, e sem causa justificativa;
- que o acidente seja consequência dessa actuação, ou seja exista nexo de causalidade entre a referida violação e o evento.
II – Tendo-se provado apenas que o sinistrado operava com um tractor sem que o arco de segurança estivesse na vertical, ficando o capotamento do tractor a dever-se à derrocada do muro que originou uma abertura neste e causou um declive para o terreno vizinho, que se encontra num patamar inferior, a cerca de 1,5 metro, ficando o sinistrado entalado por baixo do tractor, tal não basta para conduzir à descaracterização do acidente com base na violação das condições de segurança previstas na lei.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
APELADA: M. N.
Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, Juízo do Trabalho de Viana do Castelo – Juiz 1

I – RELATÓRIO

Frustrada a tentativa de conciliação, M. N., residente na Calçada …, freguesia de …, Viana do Castelo, beneficiária legal do sinistrado C. N., instaurou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na Rua …, em Lisboa, pedindo a condenação da Ré a pagar:

a) a quantia global de €7.556,64 a título de despesas de funeral, de transporte e subsídio por morte;
b) a pensão anual e vitalícia de €3.004,81, com início no dia 30/10/2018;
c) os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4%.

Alega em síntese que no dia 29/10/2018, pelas 10.30 horas, quando o sinistrado, C. N. (marido), se encontrava ao serviço do seu empregador a sociedade C. G. & Filhos, Lda., no desempenho das suas funções de motorista, mais concretamente a fresar um terreno conduzindo um tractor, em consequência da derrocada do muro de suporte do dito terreno, o tractor tombou e capotou para o prédio vizinho, tendo o sinistrado ficado preso debaixo do tractor. Em consequência das lesões resultantes do acidente o sinistrado veio a falecer. Mais alega que o sinistrado auferia a retribuição mensal de €615,00 € x 14 meses/ano, acrescida de 127,82 € x 11 meses/ano, a título de subsídio de alimentação, tendo a sociedade para a qual trabalhava transferido para a Ré a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho pela retribuição mencionada.
A Ré seguradora contestou alegando em resumo que o acidente se ficou a dever à violação das condições de segurança por banda do sinistrado, estando este a realizar uma tarefa sem qualquer relação com a actividade objecto da apólice de seguro.
A A. suscitou a intervenção principal do empregador e este tendo sido regularmente citado, não apresentou contestação.
*
Os autos prosseguiram os seus ulteriores termos tendo por fim sido proferida sentença, a qual terminou com o seguinte dispositivo:
Assim, e face a tudo o exposto, decide-se:
Absolver a R. “C. G. & Filhos, Ltª.”:
Condenar a R. seguradora:
- a pagar à A. a pensão anual e vitalícia de 3.004,81, com início no dia 30/10/2018;
- a pagar a quantia de €5.661,48 a título de subsídio por morte;
- a pagar a quantia de €1.887,16 a título de despesas de funeral;
- a pagar juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos.
Custa pela R. seguradora
Valor da acção: €36.439,88.
Registe e notifique.”

Inconformada com esta decisão, dela veio a Ré X – Companhia de Seguros, S.A. interpor recurso para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam com as seguintes conclusões:

“1ª – Dos factos provados, resulta a verificação de um comportamento, por parte do sinistrado, violador das regras de segurança.
2ª – Ao laborar com o tractor, o sinistrado encontrava-se obrigado a cumprir as prescrições de segurança impostas pela lei – cfr. art.º 17.º n.º 1 da Lei n.º 102/2009.
3ª – Nos termos do disposto no art.º 23.º n.º 2 do Decreto-Lei 50/2005, de 25 de Fevereiro, o arco de segurança do tractor tem de ser utilizado na posição vertical.
4ª - Provou-se que o sinistrado laborava com o arco de segurança do tractor recolhido, na posição horizontal, apesar do arco se encontrar montado – ponto 5º e 6º fact. prov.
5ª - Provou-se também que “se o arco de segurança estivesse numa posição vertical, o tractor não teria virado mais do que um quarto de volta” (cfr. art.º 14º dos factos provados) e, consequentemente, o sinistrado não teria sido atingido pelo tractor.
6ª - O sinistrado ficou entalado por baixo do tractor, esmagado pelo peso do veículo contra o seu corpo, vindo a falecer por força das lesões toráxicas, abdominais e pélvicas sofridas – cfr. pontos 7º e 8º dos factos provados.
7ª - O arco de segurança, vulgo “arco de …”, existe precisamente para impedir que o tractor dê a volta e entale ou esmague o operador.
8ª - Caso o arco de segurança estivesse numa posição vertical, o tractor não teria virado mais do que um quarto de volta e o sinistrado não teria ficado entalado por baixo do tractor – provou-se assim o nexo causal directo entre a violação e a morte.
9ª – O sinistrado, face às circunstâncias, teve um comportamento violador das condições de segurança impostas por Lei, sem o qual este evento mortal nunca teria ocorrido.
10ª – E ocorreu sem causa justificativa, pois, o sinistrado era conhecedor das regras de segurança e sabia que devia operar o tractor com o arco de segurança na vertical.
11ª - A Autora alegou factos para tentar justificar o comportamento do Autor, mas esse facto não se provou.
12ª - Além disso, não se tratou de qualquer distracção, nem tal se provou. Trabalhar com o arco de segurança recolhido foi uma opção deliberada do sinistrado.
13ª - Ocorreu um acto do sinistrado violador, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas por lei, o que leva à descaracterização do sinistro. Tratava-se de uma obrigação básica, prevista na lei, de que o Sinistrado tinha pleno conhecimento mormente por se tratar de um trabalhador com dezenas de anos de experiência.
14ª - O sinistrado sabia que o tractor se encontrava dotado de arco de protecção, e sabia que a utilização do referido arco na posição vertical era obrigatória. No entanto, optou, voluntariamente, por laborar com o arco recolhido.
15ª - Dos factos provados, conclui-se pela verificação de um comportamento do sinistrado, violador das regras de segurança estabelecidas na Lei, sem causa justificativa.
16ª - O sinistro ocorreu por causa do sinistrado ter violado as regras de segurança, ao operar o tractor nas condições descritas nos factos provados, ou seja, com o arco de segurança recolhido - vide, neste sentido o decidido no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 4 de Outubro de 2017 (Proc. n.º 1207/15.1T8BGC.G1).
17ª - O evento sub judice mostra-se descaracterizado, face aos factos provados, devidamente conjugados com o disposto na alínea a) do art.º 14.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro de 2009 – vide, neste sentido, os acórdãos do S.T.J. de 16.06.2016 (Proc. n.º 134/12.9TTMAI.P1.S1, da 4ª Secção), de 15.04.2015 (Proc. n.º 1716/11.1TTPNF.P1.S1, da 4ª Secção) e de 1.03.2010 (Proc. 323/04.0TTVCT.S1), de 22.11.2007.
18ª - Deve, assim, ser revogada a douta sentença recorrida, por violação do disposto no art.º 14.º n.º 1 al. a) da Lei n.º 98/2009 e 607.º do Código de Processo Civil que deveriam ter sido aplicados em conformidade com o alegado nas conclusões supra.

Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que Vossas Exª.s doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida, devendo, em sua substituição, ser lavrado douto Acórdão que julgue procedentes as conclusões do presente Recurso, com as legais consequências, como é de sã J U S T I Ç A!”
Contra alegou a Autora pugnando pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da sentença recorrida.
*
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido o parecer no sentido da improcedência do recurso.
Notificadas a Recorrente e as Recorridas para responder, querendo, ao parecer do Ministério Público, nada vieram dizer.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos e cumpre decidir.
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II – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal da Relação respeita à descaracterização do acidente por violação de normas de segurança por parte do sinistrado.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade apurada é a seguinte:

1 – A A. era casada com C. N..
2 – O referido C. N. desempenhava a sua actividade profissional sob as ordens, direcção e fiscalização da R. “C. G. & Filhos, Ltª.”, com a retribuição anual ilíquida de €10.016,02.
3 – A R. “C. G.” havia transferido a sua responsabilidade civil poe acidente de trabalho para a R. seguradora, mediante contrato de seguro, na modalidade de prémio variável/folha de férias, tendo indicado como natureza dos trabalhos “construção civil e obras públicas” e como remuneração do C. N. a referida em 2).
. 4 – No dia 29/10/2018, o C. N. encontrava-se no exercício da actividade referida em 2), a fresar um terreno agrícola sito na freguesia de …, Viana do Castelo, utilizando um tractor agrícola de matrícula TQ, a que se encontrava acoplada uma alfaia de fresa.
5 – Este tractor possuía um arco de segurança que se encontrava devidamente montado e um sistema de retenção composto por cinto de segurança.
6 – O sinistrado estava a manobrar o tractor com o arco de protecção recolhido.
7 – Quando o C. N. se encontrava a fresar o terreno junto ao muro que o separa do prédio vizinho, o muro cedeu e o tractor capotou, caindo para esse prédio vizinho que se encontra num patamar inferior, a cerca de 1,5 metro, e ficando o C. N. entalado por baixo do referido tractor.
8 – Em consequência, o C. N. sofreu lesões toráxicas, abdominais e pélvicas que lhe determinaram a morte nesse mesmo dia.
9 – O terreno agrícola que o C. N. se encontrava a fresar consistia numa faixa de terreno rectangular e plana, que se desenrolava num socalco plano com cerca de 8 metros de largura, o que permitia a execução daquele trabalho com o tractor perfeitamente estabilizado e sem qualquer perigo aparente.
10 – A derrocada do muro originou uma abertura neste e causou um declive para o terreno vizinho, o que determinou o capotamento do tractor.
11 – Aquela derrocada não era previsível.
12 – O C. N. era uma pessoa simples, que não sabia ler nem escrever e mal sabia assinar.
13 – O acesso ao terreno onde o sinistrado estava a executar aquela tarefa processava-se por baixo de árvores, em alguns pontos com ramagem baixa.
14 – Se o arco de segurança estivesse numa posição vertical, o tractor não teria virado mais do que um quarto de volta.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da descaracterização do acidente por violação de regras de segurança no trabalho infringidas pelo sinistrado

A única questão que importa apreciar, como já acima deixámos expresso, é a de apurar se o acidente de trabalho que vitimou o sinistrado é de considerar de descaracterizado por violação de regra de segurança imputada ao sinistrado, com as respectivas consequências, designadamente a exclusão da obrigação de a seguradora proceder à reparação do acidente.
É pacífico, entre as partes, que o sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho, o qual ocorreu no tempo no local de trabalho e que consistiu no capotamento do trator que conduzia, sob as ordens e direcção do seu empregador, quando se encontrava a fresar o terreno junto ao muro que o separa do prédio vizinho e o muro cedeu, caindo o trator para esse prédio vizinho que se encontra num patamar inferior, a cerca de 1,5 metro. O sinistrado C. N. ficou entalado por baixo do referido tractor, sofrendo lesões torácicas, abdominais e pélvicas que lhe determinaram a morte nesse mesmo dia.
Em conformidade com o disposto no artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 4/09 (doravante NLAT), o acidente em apreço é um típico acidente de trabalho indemnizável.
No entanto, defende a Recorrente que o acidente ocorreu devido à violação por parte do sinistrado, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas na lei, uma vez que o sinistrado laborava com o arco de segurança do trator recolhido, sendo certo que se estivesse na posição vertical o trator não teria virado mais do que um quarto de volta e o sinistrado não teria sido atingido. O sinistrado sabia que era obrigatório operar o trator com o arco de segurança na vertical, tendo optado, voluntariamente, por laborar com o arco recolhido, em violação do prescrito no artigo 23.º n.º 2, do DL n.º 50/2005, de 25/02.
Vejamos:
O Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25-02, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.
O artigo 23.º do DL n.º 50/2005, de 25/02, sob a epígrafe “Equipamentos que transportem trabalhadores e riscos de capotamento”, no seu n.º 2, prescreve o seguinte:
“2 - Os equipamentos de trabalho que transportem trabalhadores devem limitar os riscos de capotamento por meio de uma estrutura que os impeça de virar mais de um quarto de volta ou, se o movimento puder exceder um quarto de volta, por uma estrutura que garanta espaço suficiente em torno dos trabalhadores transportados ou outro dispositivo de efeito equivalente.”

Por seu turno prescreve o art.º 14.º da NLAT, o seguinte:
Descaracterização do acidente
1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
3 - Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.”

Daqui resulta evidente, aliás como de forma uniforme tem sido defendido pela jurisprudência e pela doutrina, que a descaracterização do acidente por acto ou omissão do sinistrado, que importe violação, sem causa justificativa, das condições previstas na lei ou estabelecidas pelo empregador, exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

- a existência de condições de segurança previstas na lei ou estabelecidas pelo empregador;
- a violação, por acção ou por omissão, dessas condições por parte da vítima;
- que a actuação vítima seja voluntária, embora não intencional, e sem causa justificativa;
- que o acidente seja consequência dessa actuação, ou seja exista nexo de causalidade entre a referida violação e o evento.

Neste sentido, ver entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de; 15/02/2006, proc. n.º 05S3135, 26-09-2007, proc. 07S1700; de 10-12-2008, proc. n.º 08S2277, de 03-06-2009, proc. n.º 1321/05.1TBAGH.S1, de 29-10-2013 proc. n.º 402/07.1TTCLD.L1.S1 e de 12-12-2017 proc.º n.º 2763/15.0T8VFX.L1.S1, consultáveis em www.dgsi.pt].

Contudo, consideramos que para que se verifique a descaracterização do acidente de trabalho prevista no art.º 14.º n.º 1 al. a), 2ª parte da NLAT é ainda necessário que a infracção ocorra por uma espécie de culpa qualificada do trabalhador que traduza a intencionalidade da sua prática ou omissão, ou seja é necessário que o trabalhador tenha consciência de tal violação, não relevando, no dizer de Carlos Alegre (Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico anotado, 2ª ed., pág. 61), “as culpas leves, desde a inadvertência à imperícia, à distracção, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários resultantes ou não da habitualidade ao risco.”
O que significa que a culpa do trabalhador tem que ser aferida em concreto e não em abstracto, impondo assim apurar se ocorreu por banda do sinistrado violação de norma de segurança e se a mesma resultou de um comportamento voluntário e consciente do trabalhador ainda que não intencional e sem causa justificativa. Ficam assim afastados todos os incumprimentos que resultem de mera distracção ou esquecimento.
Acresce dizer que a violação das condições de segurança sem causa justificativa, implicam que o trabalhador tenha claro conhecimento das mesmas e do perigo que possa resultar do acto ou da omissão, mas surjam de uma inadvertência, de uma imprudência ou de um impulso instintivo ou altruísta.
Por seu turno o acidente tem de ser consequência necessária do acto ou omissão do sinistrado.
Por último, incumbe acrescentar que à ré seguradora compete provar os factos demonstrativos de descaracterização do acidente como de trabalho, cabendo-lhe assim provar, não só a violação das condições de segurança previstas na lei, como tal violação ocorreu sem causa justificativa, ocorrendo o acidente como consequência necessário do acto ou omissão do sinistrado – cfr. art.º 342.º n.º 2 do Código Civil.
Desde já salientamos que dos factos apurados não esclarecem as razões pelas quais o sinistrado laborava com o arco de segurança recolhido, terá sido por esquecimento?; por mera incúria?; ou por entender que na zona onde procedia à fresa revelava-se de desnecessário o uso do arco de segurança?
Contudo, ao contrário do alegado pela recorrente, não resultou provado que o sinistrado era conhecedor das regras de segurança e sabia que devia operar o tractor com o arco de segurança na vertical, nem se provou que o sinistrado soubesse da obrigatoriedade de utilizar o aludido arco de segurança na posição vertical, nem se provou que o trabalhar com o arco de segurança recolhido foi uma opção deliberada do sinistrado.

Perante todas estas questões que não se revelam esclarecidas nos factos provados e perante o reduzido circunstancialismo apurado, impõe-se concluir que não está minimamente provado que o sinistrado actuou de forma voluntaria e consciente.
Com efeito, só poderíamos concluir pelo comportamento voluntário e consciente se se tivesse provado que o trabalhar com o arco recolhido havia sido uma opção deliberada do sinistrado, estando ciente de que estava obrigado a trabalhar com o arco de segurança na vertical.
Da factualidade provada apenas se apurou que o sinistrado operava sem que o arco de segurança estivesse na vertical, dai não se podendo concluir que actuou voluntariamente sabendo que estava obrigado a conduzir o trator com o arco na vertical, nem se podendo excluir que o seu comportamento se traduziu numa desatenção ou esquecimento decorrente designadamente do facto do acesso ao terreno onde o sinistrado estava a executar a sua tarefa se processava por baixo de árvores, em alguns pontos com ramagem baixa, o que o obrigaria a recolher o arco.
Em suma, a prova produzida não nos permite concluir que o acidente resultou de um comportamento deliberado e consciente do sinistrado, com o propósito de desobedecer a uma norma legal imperativa.
Por outro lado, ainda que assim não entendêssemos, também teríamos de concluir que a factualidade provada não nos permite afirmar o nexo de causalidade adequada entre o facto de o sinistrado se fazer transportar no trator com o arco de segurança recolhido e o acidente, uma vez que a matéria de facto provada demonstra que o terreno agrícola onde o sinistrado estava a fresar permitia que a execução do trabalho fosse realizado com estabilização e sem perigo aparente, ficando a dever-se à derrocada do muro que originou uma abertura neste e causou um declive para o terreno vizinho, o capotamento do tractor.
O facto do sinistrado se fazer transportar no trator com o arco de segurança recolhido isoladamente não bastou para desencadear o acidente, pois foi a derrocada do muro, que causou um declive inesperado no terreno que provocou o evento.
Assim estabelecida a relação causa efeito entre o capotamento do tractor e o acidente, não está contudo demonstrado que o capotamento tenha ocorrido por o arco de segurança estar recolhido, não podendo assim concluir-se que o acidente foi uma causa normal ou típica resultante do comportamento do trabalhador por operar o trator com o arco recolhido, fica também por esta razão definitivamente afastada a possibilidade da descaracterização do acidente com fundamento na 2ª parte da al. a) do n.º 1 do art.º 14.º da NLAT.
Em suma, os factos provados não nos permitem concluir pela descaracterização do acidente nos termos previstos na segunda parte, da al. a), do nº 1, do art. 14º, da NLAT e que, em consequência, o mesmo fique sem reparação.
Por último, cabe-nos referir tal como bem anota, o Sr. Procurador Geral-Adjunto no parecer junto aos autos, que a situação a que se reporta o Acórdão deste tribunal, proferido no proc. n.º 1207/15.1T8BGC.G1, relatado pela mesma Relatora e mencionado pela Recorrente, reporta-se a uma situação de responsabilidade do empregador por inobservância culposa das regras de segurança, pelo facto do trator como qual o sinistrado trabalhava não ter implantado o arco de segurança, o que nada tem a ver com o caso em apreço, no qual se discute a descaracterização do acidente por violação de regras de segurança por parte do sinistrado.
Improcede o recurso e consequentemente mantêm-se a sentença recorrida.

DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por X, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
10 de Setembro de 2020

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga