Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
679/11.8TTVNF.P1.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1 - A desoneração da responsabilidade consagrada no Artº 14º/1-a) – violação de regras de segurança pela vítima - assenta, em quatro pressupostos:
1- existência de específicas condições de segurança, sejam elas estabelecidas pelo empregador, ou pela lei;
2- violação de tais condições, por ato ou omissão;
3- inexistência de causa justificativa para a violação e
4- nexo causal entre a violação da regra e o acidente.
2 – Não se tendo provado a existência de uma regra de conduta aplicável à operação desenvolvida ou qualquer ordem transmitida ao trabalhador, e, bem assim, a violação consciente de alguma regra, antes emergindo dos factos que o trabalhador não usou dos cuidados devidos, falha o preenchimento dos pressupostos de descaracterização do acidente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

Z…, Ré nos autos de acidente de trabalho, à margem referenciados, que lhe move e a outra, R… e o CENTRO HOSPITALAR…, EPE, inconformada com o teor da douta sentença vem da mesma apresentar recurso.
Pede que o presente recurso seja julgado procedente, e, em consequência, revogada a douta decisão recorrida, devendo, em sua substituição, ser lavrado douto Acórdão que julgue procedentes as conclusões do presente recurso, com as legais consequências.
Após alegar, formula as segu8intes conclusões:
1ª - Face aos factos dados como provados, deve entender-se que o acidente se encontra descaracterizado, não dando, por isso, direito a reparação. A interpretação da Exmª Senhora Juiz a quo não leva na devida conta todos os factos dados como provados atinentes às condições em que ocorreu o sinistro.
2ª - A ora recorrente, provou, no essencial, o conjunto dos factos que alegou sobre a ausência de cuidados do sinistrado, sem qualquer causa justificativa.
3ª - Ao invés, o Autor não logrou provar a sua versão do sinistro, ou seja, a escorregadela que poderia disfarçar a imprudência de efetuar a manutenção de uma máquina com a corrente ligada e que, acima de tudo, branqueava o facto de ter praticado um ato voluntário que determinou o corte da mão pelas pás da turbina.
4ª - Deste modo, a douta decisão torna-se de difícil compreensão, pois o A. violou de modo ostensivo e voluntário regras simples de segurança, que conhecia perfeitamente, como se provou, sem qualquer causa justificativa.
5ª - No caso concreto dos autos, o acidente deve ter-se por descaracterizado, atento o disposto, precisamente, no artigo 14.º n.º 1 alínea a) da LAT - “aquelas em que o acidente proveio de ato do sinistrado violador, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas por lei ou pela entidade empregadora”.
6ª - Para que se conclua por essa descaracterização, a Jurisprudência entende que devem ser observados os seguintes requisitos, cumulativos:
(i) existência de regras de segurança estabelecidas pela lei ou pela entidade
empregadora,
(ii) verificação, por parte do sinistrado, de uma conduta violadora dessas regras ou condições,
(iii) voluntariedade na assunção dessa conduta, mesmo que não intencional, sem que, para tanto, haja causa justificativa, e
(iv) a existência de um nexo causal entre a conduta e a ocorrência do acidente.
7ª - Quanto ao preenchimento do primeiro requisito, a violação das condições de segurança pode referir-se às previstas na Lei, que, neste caso, é disposto no art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro: “As operações de manutenção devem poder efetuar-se com o equipamento de trabalho parado ou, não sendo possível, devem poder ser tomadas medidas de proteção adequadas à execução dessas operações (...) ”.
8ª - Ao referir que os trabalhos de manutenção devem ser efetuados com o equipamento de trabalho parado, torna-se manifesto que se impõe ao trabalhador a obrigação de desligar o equipamento em questão.
9ª - Tal obrigação não foi cumprida, o que constituiu uma violação primária, às regras de segurança. Primária e grave. O comportamento do Autor é, assim, culposo, desde logo e prima facie, por via desta violação básica, tanto mais que ele tinha consciência da sua culpa, tinha consciência de que não podia efetuar operações de manutenção de máquinas com a corrente elétrica ligada – Vide facto provado 15 – “O A. sabia que apenas poderia proceder a operações de manutenção da máquina com esta desligada”.
10ª - Em segundo lugar, impõe-se também que ocorra uma conduta do sinistrado que viole as referidas regras de segurança.
11ª - Tendo ficado provado, como efetivamente ficou, que o Autor procedia à manutenção da máquina com a turbina “ligada à corrente elétrica e em funcionamento”, torna-se evidente que o trabalhador violou uma imposição legal que sobre ele diretamente impendia, só que a violação foi dupla e até tripla, o que demonstra uma gravidade acrescida na atuação do autor.
12ª - As operações de manutenção poderiam ter ficado pela observação empírica do funcionamento da turbina, até que fosse detetado o tal barulho, e, na pior das hipóteses, pela retirada da grelha de proteção das pás da turbina.
13ª - O “problema”, a grande questão, é que a violação das regras e a culpa do autor não se quedou por este patamar, modo de dizer. Foi este “salto”, este “pulo” na escala da culpa que constituiu o cerne da questão, diretamente causal do sinistro e anulador de suposta causa justificativa.
14ª - Com efeito, ficou provado que “Estando a turbina ligada à corrente elétrica e em funcionamento, apercebendo-se de um fio na turbina (o autor) tentou retirá-lo, tendo para o efeito introduzido a mão esquerda na turbina” e “estando a máquina a funcionar, as lâminas rapidamente atingiram e feriram a mão esquerda do A. Raul “ – cfr. factos provados de fls.
15ª - Estes factos, bem como a plena consciência de que “apenas poderia proceder a operações de manutenção da máquina com esta desligada” (facto provado) traçam o destino da ação e conduzem à descaracterização do sinistro.
16ª - Ora, atentos todos os factos provados, devidamente conjugados, deve concluir-se que, in casu, não existe causa justificativa, a qual vem definida, no artigo 14.º n.º 2 da LAT.
17ª - A existência de “causa justificativa” parece estar relacionada com o eventual desconhecimento da norma violada, só que o Autor tinha conhecimento da norma violada e era capaz de a entender, possuindo ainda perfeita consciência do perigo resultante da violação da referida norma legal, como se provou.
18ª - A Exmª Senhora Juíza a quo, porém, levanta o óbice de não se poder concluir que a atuação do sinistrado tenha sido realizada sem causa justificativa, dada a “a necessidade de se ver a turbina em funcionamento, sendo o ato que dá origem ao acidente (a tentativa de remover um fio) perfeitamente autónomo à operação que o A. R… e o irmão se encontravam a realizar”.
19ª - Ora, esta interpretação dos factos não se apresenta conforme com a definição de “causa justificativa” plasmada na Lei – artigo 14.º n.º 2 da LAT.
20ª - Além disso, da matéria de facto dada como provada, resulta que “a única forma de o irmão do A. R… poder verificar qual a turbina que produzia o ruído era a aproximação de alguém ao respetivo mecanismo” - uma coisa é ser necessária a aproximação de alguém à turbina e outra, bem diferente, é ser necessário (1) retirar a grelha de proteção, (2) manter a turbina em funcionamento, violando assim as mais elementares regras de segurança e (3) colocar as mãos nas pás da turbina.
21ª - Esta necessidade não ficou, de modo algum, provada, pelo que não se pode aceitar o entendimento plasmado da decisão ora recorrida.
22ª - A gravidade da atuação do Autor foi, por assim dizer, tripla:
A) manteve a máquina em funcionamento, quando sabia que não o podia fazer;
B) retirou a grelha de proteção, de forma voluntária, bem sabendo que aumentava o risco de sofrer danos corporais, como se veio e verificar;
C) Com a máquina em funcionamento e depois de retirar, voluntariamente, as grelhas de proteção, ao ver um fio na turbina, tentou retirá-lo com as mãos, tendo de imediato sido atingido pelas pás dessa turbina.
23ª - O resultado, como é manifesto, não podia ser outro.
24ª - Não se pode justificar a violação das regras de segurança que eram legalmente impostas ao sinistrado “com a necessidade de se ver a turbina em funcionamento”, facto que, repete-se, não consta da matéria de facto dada como provada.
25ª - E, decisivamente, ver não significa colocar a mão em local apto à produção de danos corporais – esta distinção é crucial.
26ª - Mesmo que se concluísse que esse pode ser o motivo pelo qual o sinistrado adotou tal conduta, não pode ser a causa justificativa do comportamento do Autor – cfr. Acórdão do S. T. J. de 22 de Novembro de 2007, in www.dgsi.pt.
27ª - Não se pode aceitar - sem mais - que a alegada necessidade de ver a turbina em funcionamento desculpe a conduta do sinistrado. Como refere VEIGA RODRIGUES, os atos do sinistrado que descaracterizam o acidente são “as imprudências e temeridades inúteis, indesculpáveis, mas voluntárias, embora não intencionais”. É aqui que se enquadra o comportamento do sinistrado que retirou a grelha de proteção e, com a turbina em funcionamento, aí introduziu a sua mão esquerda.
28ª - Apesar de se tratar de um ato autónomo, a tentativa de o Autor remover um fio da turbina, introduzindo para o efeito a sua mão esquerda na mesma, não pode ser desconsiderada uma vez que, em última análise foi esse gesto que originou o acidente. Foi esse o gesto, o específico ato que causou ou acidente.
29ª - O sinistrado adotou uma conduta altamente negligente e indesculpável, o que impede a consideração de qualquer causa justificativa.
30ª - Por último, existe um nexo causal direto entre a referida violação e o resultado danoso, como é manifesto, pois o ato de colocar as mãos nas pás da turbina, encontrando-se esta em funcionamento, foi a causa imediata dos danos sofridos pelo autor.
31ª - Deste modo, ocorreu um ato do sinistrado violador, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas por lei, o que leva à descaracterização do sinistro, atento o disposto no artigo 14.º n.º 1 alínea a) da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
32ª - Deve, assim, ser revogada a douta sentença recorrida, a qual violou, nomeadamente, o disposto no artº 14º nº 1 al. a) da LAT e o artº 19º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro que deveriam ter sido aplicados ou interpretados em conformidade com o alegado nas conclusões supra.

R… veio apresentar a sua RESPOSTA, onde pugna pela improcedência do recurso.

CENTRO HOSPITALAR …, EPE, contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer de acordo com o qual deve negar-se provimento ao recurso, na medida em que não se provaram os pressupostos dos quais depende a invocada causa descaracterizadora.

Exaramos, agora, para melhor compreensão, um breve resumo dos autos.
R…, demandou Companhia de Seguros… SA, com sede na…, Lisboa, e A…, Ld.ª, com sede na Rua…, Vila Nova de Famalicão.
Alegou ter-se verificado um acidente de trabalho que lhe causou danos, sendo aquelas as responsáveis pela sua reparação por via do contrato de seguro celebrado. Alega o A. que sofreu um acidente de trabalho do qual resultaram períodos de incapacidade temporária, incapacidade permanente parcial (IPP), bem como despesas com deslocações e tratamentos, sendo as Rés responsáveis pelo seu pagamento nos termos do contrato de seguro entre si celebrado, não estando integralmente transferida para a 1ª R. a retribuição auferida.
Pede que as Rés sejam condenadas a pagar-lhe, na proporção das suas responsabilidades:
- o capital de remição correspondente à pensão anual de 727,04 euros, sendo da responsabilidade da companhia de seguros a quantia de 721,54 euros e da empregadora a quantia de 5,50 euros;
- a quantia de 8.090,85 euros a título de ITA e ITP da responsabilidade da 1ª R.,
- a quantia de 133,75 euros a título de despesas com tratamentos.
Instituto de Segurança Social de Braga, reclamou o pagamento do subsídio de doença pago ao sinistrado desde 29/04/2011 até á data da apresentação do requerimento, no valor de 7.163,56 euros, acrescidos de todos os montantes que se demonstre tenham sido por si pagos ao sinistrado e sejam consequência do acidente destes autos.
A 2ª R., empregadora, excecionou a sua ilegitimidade para a ação e alegou desconhecer as circunstâncias em que se verificou o acidente, tendo pago ao A. a quantia de 125,55 euros e sendo a responsabilidade do pagamento da indemnização pelos danos resultantes deste acidente da R. companhia de seguros.
A 1ª R. veio contestar, alegando que o salário transferido no âmbito do contrato de seguro é aquele que consta da folha de férias do mês de Fevereiro anterior ao acidente verificado e que é a última que foi remetida pela 2ª R.. Invoca a existência de um lapso na redação do auto da tentativa de conciliação quanto ao montante do subsídio de alimentação. No que concerne às circunstâncias do acidente, alega a sua descaracterização por negligência grosseira do A. na sua verificação, pois que aquele sabia que apenas podia proceder a operações de manutenção na máquina com esta desligada. Mais alega que se verificou também a violação de procedimentos de segurança por parte do trabalhador que foram causais da verificação do acidente, citando o art. 19º do DL 50/2005, de 25/02. Por último, alega ainda que, caso assim se não entenda, sempre o acidente se teria verificado por violação das medidas de segurança legalmente previstas e adequadas a evitar o sinistro, pois que o A. não tinha formação técnica para proceder á manutenção de máquinas, sabendo a R. que o A. não tinha tal conhecimento, não lhe tendo sido prestada informação sobre o equipamento em questão, nem formação necessária para que procedesse àquela operação.
A 2ª R. veio responder ao pedido de reembolso que foi apresentado pela Segurança Social, excecionando a sua ilegitimidade e alegando que a indemnização por incapacidade temporária é da responsabilidade da 1ª R. e que o mesmo só pode ser exercido contra quem recebeu o subsídio de doença, ou seja, o A., sob pena de este o receber duas vezes.
O A. veio responder, aceitando o que foi pedido pela segurança social, e contestando a descaracterização do acidente proposta pela 1ª R., concluindo como na petição inicial.
A 1ª R. veio contestar o pedido de reembolso formulado pela segurança social, nos mesmos termos em que contestou a ação, excecionando a descaracterização do acidente de trabalho e entendendo que, assim sendo, não pode ser responsabilizada pelo pagamento da quantia paga a título de subsídio de doença.
Foi elaborado despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade.
No apenso de Fixação da Incapacidade foi já proferida decisão que fixou em 12% a IPP a atribuir ao sinistrado.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual o Tribunal julgou parcialmente procedente a ação e, consequentemente, considerando a IPP de 12%:
A – absolve a R. A…, SA dos pedidos formulados pelos As. R…, Instituto da Segurança Social e Centro Hospitalar …,EPE dos pedidos que contra si foram formulados;
B - condena a R. Z…Companhia de Seguros SA a pagar:
1 - ao A. R…:
- a quantia de 10.845,37 euros (dez mil oitocentos e quarenta e cinco euros e trinta e sete cêntimos) a título de capital de remição correspondente à pensão anual de 641,51 euros (seiscentos e quarenta e um euros e cinquenta e um cêntimos), com início em 30/10/2012 (dia seguinte ao da alta),
- a quantia de 2.432,35 euros (dois mil quatrocentos e trinta e dois euros e trinta e cinco cêntimos) a título de indemnização por incapacidade temporária;
- a quantia de 128,75 euros (cento e vinte e oito euros e setenta e cinco cêntimos) a título de despesas com tratamentos;
- a quantia de 20,00 euros (vinte euros) a título de despesas com deslocações;
2 – Ao A. Instituto de Segurança Social:
- a quantia de 5.800,96 euros (cinco mil oitocentos euros e noventa e seis cêntimos) a título de subsídio provisório de doença que este pagou ao A. R…;
- a quantia que se vier a liquidar em incidente ulterior relativa aos períodos de ITA ou ITP resultantes deste acidente para o A., em data ulterior à data da alta, ou seja, 29/10/2012 por via dos tratamentos realizados após aquela ou ainda a realizar;
3 – Ao A. Centro Hospitalar …, EPE:
- a quantia de 2.592,45 euros (dois mil quinhentos e noventa e dois euros e quarenta e cinco cêntimos) a título de despesas hospitalares.
Mais se condena a R. companhia de seguros a proceder ao pagamento de juros de mora civis, nos termos referidos nesta decisão, sobre todas as quantias referidas em 1, 2 e 3, nos exatos termos desta constantes.
C - Absolve a R. Z… quanto aos demais pedidos formulados.
No apenso A., o Centro Hospitalar .., veio demandar a Companhia de Seguros…, SA e A…,Ld.ª, já identificados, alegando ter prestado assistência médica ao A. destes autos principais, no valor de 2.592,45 euros, tendo sido emitidas duas faturas, com data de vencimento de 27/04/2012 e 27/05/2012 que nenhuma das RR. pagou.
Peticiona assim a sua condenação no pagamento da referida quantia, acrescida de juros de mora desde a data de vencimento de cada uma das faturas.
Veio a 1ª R. contestar, alegando, nos mesmos termos já referidos a descaracterização do acidente e, se assim se não entendesse, a responsabilidade da empregadora, também nos exatos termos referidos.
A 2ª R., também veio pugnar pela condenação da 1ª R., considerando que o acidente não se verificou nas circunstâncias alegadas pela 1ª R., sendo esta a responsável pela reparação das consequências do mesmo.

Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, descortinamos uma única questão a decidir: o acidente encontra-se descaracterizado por força do disposto no Artº 14º/1-a) da LAT?

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Com interesse para a apreciação do mérito da causa, resultaram provados, em ambos os processos, os seguintes factos:
1 - O A. sinistrado foi, em data anterior a 29/04/2011, contratado pela sociedade A…, Ld.ª, ora 2ª R., para, sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer as funções de salsicheiro.
2 - Mediante a retribuição de 485,00 euros x 14 meses, acrescida de 3,50 euros por cada dia de trabalho efetivamente prestado a título de subsídio de alimentação.
3 - Por contrato de seguro celebrado com a 1ª R., na modalidade de prémio variável, a 2ª R. transferiu para a 1ª R. a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho relativamente ao A. sinistrado, constando da folha de férias de Fevereiro de 2011 remetida pela 2ª R. à 1ª R., a retribuição de 485,00 euros e 70,00 euros a título de subsídio de alimentação.
4 - No dia 29/04/2011, o A. sinistrado encontrava-se a trabalhar nas instalações da 2ª R. e, juntamente com R…, seu irmão, estava a realizar uma operação de manutenção de uma turbina, existente numa estufa elétrica, verificando a origem de um ruído que ocorria num dos sectores das turbinas de extração do ar.
5 - Para confirmar qual a turbina de ar que estava a efetuar o ruído anómalo, o A. procedeu à retirada da grelha existente no teto que protege a turbina, de forma a que pudesse visualizar a turbina e melhor ouvir de onde vinha o barulho anómalo quando em funcionamento.
6 - Estando a turbina ligada à corrente elétrica e em funcionamento, e estando o A. R… por baixo desta de modo a identificar de onde vinha o ruído existente na turbina, apercebendo-se de um fio na turbina, tentou retirá-lo, tendo para o efeito introduzido a mão esquerda na turbina.
7 - Estando a máquina a funcionar, as lâminas rapidamente atingiram e feriram a mão esquerda do A. R….
8 - Foi de imediato assistido, resultando para o A. R… o esfacelo grave da mão esquerda.
9 - A única forma de o irmão do A. R… poder verificar qual a turbina que produzia o ruído era a aproximação de alguém ao respetivo mecanismo.
10 - O A. R… não possuía formação técnica para proceder à manutenção de máquinas.
11 – O A. R… não possuía formação técnica para proceder à manutenção de máquinas.
12 – A empregadora sabia que o A. R… não possuía os conhecimentos e aptidões para proceder á manutenção de máquinas.
13 - A empregadora não prestou ao A. a informação necessária sobre o equipamento em questão.
14 – Não prestou ao A. a informação necessária sobre o equipamento em questão.
15 - O A. sabia que apenas poderia proceder a operações de manutenção da máquina com esta desligada.
16 - O Instituto da Segurança Social pagou ao A. R… a quantia de 7.163,56 euros a título de subsídio provisório por doença de 29/04/2011 até 02/03/2013, nos termos da certidão de fls. 216 que aqui se considera reproduzida.
17 - À data da apresentação da petição inicial da segurança social, o A. R…
encontrava-se em situação de incapacidade para o trabalho atribuída pelo serviço nacional de saúde, aguardando a realização de nova intervenção cirúrgica no âmbito da cirurgia plástica por causa das sequelas resultantes destes factos.
17 - As lesões tiveram consolidação médico-legal em 29/10/2012.
18 - O A. esteve em situação de ITA de 30/04/2011 até à data da alta.
19 - O A. despendeu a quantia de 128,75 euros em despesas médicas.
20 - O A. despendeu a quantia de 20,00 euros em deslocações.
21 - O A. nasceu em 02/02/1983.
22 - O A. Centro Hospitalar … despendeu a quantia de 2.592,85 euros em tratamento ao A. R… por via destes factos, tendo emitido duas faturas no valor de 2.484,45 euros, em 07/06/2011 e 108,00 euros, em 27/04/2012.
23 - O pagamento destas faturas foi exigido à 1ª R..
24 - O pagamento da fatura no valor de 108,00 euros foi exigido à 2ª R.

O DIREITO:
A decidir neste recurso existe uma única questão – a descaracterização do acidente de trabalho.
A apelante funda toda a sua argumentação numa única causa de desoneração da sua responsabilidade – a violação de regras de segurança pela vítima.
Dispõe-se no Artº 14º/1-a) da Lei 98/2009 de 4/09 (aplicável ao caso sub judice, visto o acidente ter ocorrido em 29/04/2011 e a vigência desta se reportar a 01/01/2010 - artigo 188.º) que o empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que provier de ato ou omissão do sinistrado que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei.
A desoneração aqui estabelecida tem na sua origem situações de rebelião a ordens do empregador, podendo, na atualidade, também ocorrer por desobediência á lei. Assenta, contudo, em quatro pressupostos:
1º - existência de específicas condições de segurança, sejam elas estabelecidas pelo empregador, ou pela lei;
2º - violação de tais condições, por ato ou omissão;
3º - inexistência de causa justificativa (sendo esta a que decorre do conceito legal) e
4º - nexo causal entre a violação da regra e o acidente.
A Recrte. coloca o seu enfoque na existência de específicas condições de segurança estabelecidas pela lei, muito concretamente o Artº 19º do DL 59/2005 de 25/02, condições essas violadas pelo comportamento consciente do sinistrado sem qualquer causa justificativa.
Importa que recordemos as concretas circunstâncias em que ocorreu o sinistro.
No dia 29/04/2011, o A. sinistrado, que é salsicheiro e não possuía formação técnica para proceder à manutenção de máquinas, encontrava-se a trabalhar nas instalações da 2ª R. e, juntamente com R…, seu irmão, estava a realizar uma operação de manutenção de uma turbina, existente numa estufa elétrica, verificando a origem de um ruído que ocorria num dos sectores das turbinas de extração do ar. Para confirmar qual a turbina de ar que estava a efetuar o ruído anómalo, o A. procedeu à retirada da grelha existente no teto que protege a turbina, de forma a que pudesse visualizar a turbina e melhor ouvir de onde vinha o barulho anómalo quando em funcionamento. Estando a turbina ligada à corrente elétrica e em funcionamento, e estando o A. R… por baixo desta de modo a identificar de onde vinha o ruído existente na turbina, apercebendo-se de um fio na turbina, tentou retirá-lo, tendo para o efeito introduzido a mão esquerda na turbina. Estando a máquina a funcionar, as lâminas rapidamente atingiram e feriram a mão esquerda do A. R….
Dispõe o Artº 19º do DL 50/2005 de 25/02 que as operações de manutenção devem poder efetuar-se com o equipamento de trabalho parado ou, não sendo possível, devem poder ser tomadas medidas de proteção adequadas à execução dessas operações.
Daqui decorre desde logo uma evidência – não estamos em presença de regra especialmente aplicável àquele equipamento e operação. Trata-se de uma regra de carater geral, aplicável a equipamentos de trabalho dela decorrendo a imposição da possibilidade de, em regra, efetuar certas operações com o equipamento desligado, mas não a imposição de que assim seja em todas as circunstâncias ou, sequer, de uma conduta.
É uma regra sobre condições a que devem obedecer os aparelhos. Não é uma regra que imponha uma conduta ao manobrador.
Desconhecendo-se se para o equipamento em utilização e para a concreta operação existe comando específico, não pode falar-se de violação. Na verdade, o que resulta da norma em causa é que os aparelhos devem permitir a respetiva manutenção em paragem. Não que a mesma só possa efetuar-se quando o aparelho esteja parado.
Falha, assim, desde logo, um primeiro pressuposto – a existência de específicas condições de segurança, ou seja, de norma de conduta especialmente aplicável à atividade desenvolvida.
Por outro lado, dispõe-se no nº 2 do Artº 14º que existe causa justificativa para a violação da regra se estivermos perante violação que, face ao grau de instrução ou de acesso à informação, o trabalhador dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
Daqui emerge a necessidade de atuação consciente ou culposa.
Tendo-se provado que muito embora sabendo que apenas poderia proceder a operações de manutenção da máquina com esta desligada, o A. não possuía formação técnica para proceder à manutenção de máquinas, nem conhecimentos e aptidões para proceder á manutenção de máquinas, não lhe tendo sido prestada a informação necessária sobre o equipamento em questão, não podemos senão concluir que o conhecimento de que dispunha era o que qualquer pessoa dispõe sobre equipamentos elétricos. Ou seja, não decorre da sua atitude a gravidade de conduta subjacente ao conceito de violação de regras de segurança pela vítima.
Como se sabe, inerente ao ato de violação (por ação ou omissão) é a gravidade da falta cometida. A violação tem que ser consciente. Trata-se, conforme ensina Pedro Romano Martinez, de uma negligência grave assente na violação consciente das regras estabelecidas pelo empregador (Direito do Trabalho, 2010, 5ª edição, Almedina, pg. 939).
Não cabem no âmbito de aplicação desta norma – que é uma norma excecional – as condutas emergentes de culpa leve, como sejam a imperícia, a distração, o esquecimento ou qualquer ato involuntário.
Pressuposto de aplicação da mesma é a consciência acerca da violação e das consequências da mesma, porquanto, tendo sido dadas ordens num determinado sentido, é dever do trabalhador cumpri-las.
Não vislumbramos na atitude do sinistrado qualquer intuito de desobediência ou, sequer, a consciência de que estava a violar uma qualquer imposição legal ou ordem (que, aliás, não existiu).
Estamos, antes, em presença de uma conduta descuidada, como o são, em regra, aquelas de que emanam os acidentes de trabalho.
Tal com o ensina Júlio Gomes, “os erros, as distrações, fazem parte da normalidade do trabalho humano, porque o trabalho, como as pessoas que o fazem, não é perfeito – é obra de seres humanos” (O Acidente de Trabalho, O acidente in itinere e a sua descaraterização, Coimbra Editora, pg. 215).
Assim, contrariamente ao alegado pela Recrte., não descortinamos na conduta do apelado qualquer ostensiva e voluntária violação de alguma regra que conhecesse.
Donde, por falta de prova dos pressupostos legais dos quais a lei faz depender a desoneração da entidade responsável, improcede a apelação.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recrte..
Notifique.
Guimarães, 12/02/2015
Manuela Bento Fialho
Moisés Pereira da Silva
Antero Dinis Ramos Veiga