Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
292/20.9T8BRG.G1
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
JUNTA MÉDICA
IPATH
SUBSÍDIO POR SITUAÇÃO DE ELEVADA INCAPACIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A questão da integração das sequelas do sinistrado na TNI/da incapacidade para o trabalho é de cariz essencialmente técnico/médico, sem prejuízo de nessa tarefa, e especialmente quando está em causa uma situação de possível IPATH, terem relevância outros aspectos, como sejam as concretas funções que o sinistrado executa no âmbito da sua profissão habitual.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

Apelante: AA
Apelada: G... - Companhia de Seguros, S.A.

I – RELATÓRIO

Na presente acção com processo especial emergente de acidente de trabalho, é sinistrado AA, com os sinais dos autos, e figura como entidade responsável G... - Companhia de Seguros, S.A., também nos autos melhor identificada.

Em sede de tentativa de conciliação, as partes não se conciliaram, divergindo apenas do resultado do exame médico realizado na fase conciliatória do processo, no que toca à incapacidade permanente parcial (IPP de 15%) atribuída ao sinistrado no exame médico-legal singular, entendendo nomeadamente o sinistrado, já então, que a incapacidade permanente de que ficou portador é absoluta para o trabalho habitual.   

O sinistrado veio requerer o exame em junta médica, tendo apresentado os seus quesitos.
Realizado que foi o pretendido exame por junta médica, os Exmos. Senhores Peritos que a compuseram responderam aos quesitos por unanimidade, concluindo que, por força do acidente sofrido, o sinistrado é portador de sequelas que lhe determinam uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 15 % (0,10 x 1.5), sem IPATH.
Foram juntos aos autos pareceres solicitados ao Centro de Reabilitação Profissional de ... (CRP...) e ao IEFP.

Proferiu-se então a sentença, de cujo dispositivo consta:
“Assim, decide-se que o sinistrado:
» encontra-se clinicamente curado, mas portador da incapacidade permanente parcial (IPP) de 15 % (0,10 x 1,5) desde o dia imediato ao da alta (alta que ocorreu em 07.01.2020), sem IPATH.”;
e
“condena-se a “G... - Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao sinistrado AA:
» a pensão anual de € 1.067,65, com início em 08.01.2020, a que corresponde o capital de remição de € 14.084,44 (€ 1067,65 x 13,192), a que acrescem juros legais à taxa legal de 4% contados desde o dia a seguir à alta até efectivo e integral pagamento (cfr. artigos 50.º, n.º 2 da Lei 98/2009, de 4/09 e 805.º, n.º 2, a), 806.º e 559.º do Código Civil);
» a quantia de € 798,56, relativamente a indemnização por incapacidades temporárias sofridas, acrescida de juros desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento;
» a quantia de € 20 a título de despesas de deslocação, acrescida de juros de mora desde a data da realização da diligência de não conciliação até integral pagamento (artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil).”

Inconformado com esta decisão, dela veio o autor/sinistrado interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“1. Apela-se a este Venerando Tribunal que altere, em face da prova produzida nos autos, a decisão da matéria de facto, competência que lhe é atribuída por lei podendo-o fazer.
2. Facto incorretamente julgado - No que concerne à não atribuição ao sinistrado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de trolha de 2ª.
3. Facto incorretamente julgado: Facto dado como provado a fls. 4 da Douta Sentença.
4. Meios Probatórios que impunham decisão diversa da recorrida:
a) Perícia de Avaliação de Dano Corporal em Direito do Trabalho junta aos autos pelo Autor com o seu requerimento de junta medida em 16/07/2021 com a ref. citius. ...43.
b) Avaliação efectuada pelo Centro de Reabilitação Profissional de ... junto aos autos em 04/05/2022 com a refª citius ...68,
c) Parecer do IEFP junto aos autos em 01/06/2022 com a refª citius ...68
5. Resposta que se pretende seja dada à matéria de facto impugnada:
a) Na decisão proferida deverá ser fixada ao autor, além da atribuição de uma IPP de 15%, uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de trolha de 2ª
b) A matéria de facto dada como provada a fls 4 da Douta Sentença deverá ter a seguinte redação: Em consequência directa e necessária do acidente, resultou para o A. uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 15% com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) de trolha de 2.ª.
6. A Perícia de Avaliação de Dano Corporal em Direito do Trabalho junta aos autos pelo Autor com o seu requerimento de junta medida em 16/07/2021 com a ref. citius. ...43 diz expressamente que a nível da Repercussão na Atividade Profissional será de se prever um esforço muito acrescido nas suas funções habituais de trolha ou mesmo não conseguir retomar as suas funções anteriores, pelo risco de acidentes e dor/incapacidade do MSD tal como descrito pelo mesmo.

Será do considerar um posto diferente e ou uma reconversão profissional. Caso tal não seja possível poderá ser necessário a abandono da carreira do trolha/atual.

7. A avaliação do Centro Profissional Reabilitação de ... diz expressamente que os riscos profissionais apresentados inerentes ao exercício da função de trolha de 2.ª manifestam-se com expressão significativa, pela impossibilidade de adaptar o posto de trabalho por forma a minimizar os riscos referidos
8. O parecer do IEFP diz expressamente que atendendo às exigências físicas requeridas para o desempenho profissional e produtivo das tarefas inerentes ao posto de trabalho de pedreiro, designadamente a persistente aplicação de força dinâmica de ambos os membros superiores, com destaque para o dominante, entendemos qua as mesmas aparentam ser incompatíveis com as limitações, considerando ainda, a idade, habilitações académicas, experiência e competências profissionais especificas no âmbito de operário especializado da construção civil, assim como as suas limitações físicas, parecem serem muito restritas as possibilidades de exercício de outras profissões compatíveis, que não requeiram a persistente capacidade de aplicação de força dinâmica do membro superior dominante, designadamente servente carpinteiro de cofragens ou pintor de construção civil, refletindo assim o manifesto prejuízo na capacidade de trabalho e de ganho do sinistrado. Concluindo assim pela impossibilidade de reconversão do sinistrado em relação ao posto de trabalho que ocupava à data do acidente (trolha de 2ª).
9. O parecer do IEFP corrobora a avaliação efetuada pelo Centro de Reabilitação Profissional de ..., reforçando a conclusão no sentido da impossibilidade de reconversão do sinistrado em relação ao posto de trabalho que ocupava à data do acidente (IPATH para o trabalho habitual de trolha de 2.ª).
10. A expressão se a vitima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho” contida na alínea a) do nº 5 da Instruções Gerais da TNI por Acidentes de Trabalho, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.
11. A avaliação efetuada pelo Centro de Reabilitação Profissional de ... e o parecer do IEFP concluem que as sequelas de que padece o sinistrado afectam de modo grave a sua capacidade para o trabalho.
12. Se o sinistrado não consegue realizar as funções que constituem o núcleo duro/fundamental da profissão que anteriormente exercia à data do acidente, bem com pela impossibilidade de adaptar o posto de trabalho por forma a minimizar os riscos inerentes ao posto de trabalho que ocupava à data do acidente, restando-lhe apenas a possibilidade de realização de tarefas residuais (mais ligeiras), deve concluir-se o sinistrado padece de uma IPATH para o exercício de trolha de 2.ª
13. Atendendo à retribuição auferida pelo sinistrado (10.168,12€ - Aliena B) dos Factos Provados) e à IPP de 15 % (Facto Provado em a fls 4 da Douta Sentença) a pensão anual deve fixar em 7.117,68€, de acordo com o disposto no artigo 48, nº 3, alínea b) da Lei 98/2009, cujo pagamento é da inteira responsabilidade da Ré.
14. Uma situação de IPATH é uma daquelas situações em que é de atribuir o subsidio por elevada incapacidade previsto no artigo 67, nº 3 da Lei 98/2009.
15. A incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual confere ao beneficiário direito a um subsídio fixado entre 70 % e 100 % de 12 vezes o valor de 1,1 IAS, tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.
16. E mesmo, por mera hipótese académica se acolha a tese de que o sinistrado não padece de IPATH, mesmo assim o sinistrado sempre teria também direito ao subsidio por elevada incapacidade previsto naquele artigo 67, nº 3 da Lei 98/2009, na medida em que as sequelas afetam de modo grave a capacidade de trabalho do sinistrado, o que seria suficiente para atribuir ao sinistrado o subsidio por elevada incapacidade.
17. O subsídio por elevada incapacidade previsto no artigo 67, nº 3 da Lei 98/2009 e por referência ao IAS do ano de 2019 em ocorreu o acidente de trabalho descrito nos autos (portaria 24/2019 de 17 de janeiro que fixou o IAS no valor de 435,76€) ascende à quantia de 3,660,38€ (435,76€ x 12= 5.229,12 x 70% =3,660,38€ ) cujo pagamento é da inteira responsabilidade da Ré
18. Ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido errou, por erro de interpretação, o disposto na alínea a) nº 5 das Instruções Gerais da TNI do DL 252/2007, artigos 17 da Lei 100/2007, artigos 48 e 67,nº 3 da Lei 98/2009.”

A recorrida, Seguradora, não apresentou contra-alegações.

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

Tal parecer não mereceu qualquer resposta.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:

a) Impugnação da matéria de facto/Deve ou não considerar-se que a incapacidade permanente atribuída ao sinistrado é absoluta para o trabalho habitual (IPATH)?
b) (Mesmo que se responda negativamente à pergunta anterior) o sinistrado tem direito ao subsídio por elevada incapacidade previsto no artigo 67, n.º 3, da Lei 98/2009?

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão da causa são os que resultam do relatório supra a que acrescem os seguintes, que já resultam da decisão da 1.ª instância e que não foram colocados em crise:

A. AA foi vítima de um acidente de trabalho no dia 08.04.2019, pelas 10 horas, em ..., quando trabalhava, sob as ordens, direcção e fiscalização de BB.
B. O sinistrado exercia as funções de trolha de 2.ª, auferindo a retribuição anual global bruta de € 10.168,12.
C. A responsabilidade infortunística encontrava-se integralmente transferida para a seguradora.
D. A seguradora reconheceu o acidente como acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, o salário auferido pelo sinistrado à data do acidente e a sua responsabilidade na reparação.
E. O sinistrado esteve em situação de incapacidade absoluta para o trabalho entre 09.04.2019 e 13.11.2019 e em situação de incapacidade temporária absoluta de 30 % entre 14.11.2019 e 07.01.2020.
F. A seguradora pagou ao sinistrado a quantia de € 3.793,81, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária de que esteve afectado.
G. O sinistrado despendeu a importância de € 20 em transportes, para se deslocar ao GML e a este Tribunal.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

- Se é ou não devida a atribuião de IPATH

Na sentença sob recurso para sustentar a decisão discorre-se, nomeadamente, nos termos seguintes: “Tendo em atenção os referidos pareceres [emitidos pelo Centro de Reabilitação Profissional de ... (CRP...) e pelo Instituto do emprego e Formação Profissional (IEFP)], esclareceram os senhores peritos que entendem que o sinistrado não apresenta IPATH por manter capacidade muscular suficiente para o exercício da sua actividade profissional, com prejuízo na medida da IPP que atribuíram, sendo que, o sinistrado não apresenta atrofia da cintura escapular, nem do antebraço, apresentando calosidades evidentes na palma da mão direita, que implica a capacidade funcional do mesmo.
Ora, estabelece o artigo 48.º, nº 3 da Lei 98/2009, de 4/09 (LAT) que o sinistrado tem direito, nas situações de incapacidade permanente para o trabalho habitual, para além do mais, a uma pensão anual e vitalícia compreendido entre 50% a 70% da retribuição, conforme a menor ou maior capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.
Como refere Carlos Alegre a propósito do artigo 17.º da Lei 100/97, de 13/09 “a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) trata-se de uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, actividade ou profissão, mas que deixa uma capacidade residual para o exercício de outra actividade laboral compatível, permitindo-lhe alguma capacidade de ganho, todavia, uma capacidade de ganho, em princípio diminuta” (Cfr. Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, Almedina, 2ª Edição, 2005, pág. 96).
Ou seja, a IPATH pressupõe a impossibilidade de o sinistrado executar as tarefas características da actividade laboral que exercia – trolha de 2.ª -, ficando este porém com uma capacidade (residual) para o exercício de outra actividade.
Lido o parecer do IEFP, temos que se mostram descritas, de forma pormenorizada, as funções do sinistrado, e bem assim as exigências da execução de tais tarefas. Porém, o sinistrado sofreu apenas atrofia muscular do braço direito, e não atrofia da cintura escapular, nem do antebraço direito, mantendo, como concluíram os senhores peritos médicos, capacidade muscular suficiente – com prejuízo na medida da incapacidade.
Em face do exposto, tendo em conta o parecer unânime dos peritos intervenientes na junta médica, as respostas aos quesitos e a respectiva fundamentação, bem como os demais elementos trazidos ao processo, nada há que habilite o tribunal a discordar da conclusão a que chegaram, pelo que é de subscrever a conclusão atingida por esta.”

Analisando e ponderando os elementos probatórios constantes dos autos, não podemos deixar de concordar com a decisão a que chegou o Tribunal recorrido.

Vejamos.

Nas Instruções Gerais da TNI (anexa ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de Outubro) decorre que “5.A - A atribuição de incapacidade absoluta para o trabalho habitual deve ter em conta:
a) A capacidade funcional residual para outra profissão compatível com esta incapacidade atendendo à idade, qualificações profissionais e escolares e a possibilidade, concretamente avaliada, de integração profissional do sinistrado ou doente;
b) A avaliação é feita por junta pluridisciplinar que integra:
b.1) Um médico do Tribunal, um médico representante do sinistrado e um médico representante da entidade legalmente responsável, no caso de acidente de trabalho (AT);”

Compreende-se bem a razão de ser deste comando legal, pois a questão da integração das sequelas do sinistrado na TNI/da incapacidade para o trabalho, como é consabido, é de cariz essencialmente técnico/médico, sem prejuízo de ser igualmente pacífico que a essa tarefa, e especialmente quando está em causa uma situação de possível IPATH, são relevantes outros aspectos, como seja considerar as  concretas funções que o sinistrado executa no âmbito da sua actividade habitual, por isso que também dessa Tabela decorre que, num caso como o em apreço, deve ser junto aos autos inquérito profissional e o estudo do posto de trabalho – n.º 13 das Instruções Gerais, al.s a) e b – e, bem assim e quando pertinente, pareceres prévios de peritos especializados – art. 21.º/4 da LAT (Lei 98/2009, de 04.9).

Os Sr.s peritos médicos que intervieram na junta médica integraram as sequelas – atrofia muscular do braço direito – no Capítulo I (Aparelho locomotor) 4.1.1. – Braço, Hipotrofia das massas musculares superior a 2 cm (a graduar conforme os músculos interessados, no lado activo de 0,05 a 0,10), atribuindo uma IPP de 10%, aplicando o factor de bonificação 1.5 em razão da idade do sinistrado; refira-se que a Sra. Perita médica do INML que realizou o exame singular procedeu a diferente enquadramento, no Cap. I 4.1.2. b), mas atribuiu idêntico coeficiente inicial, 10% de IPP.
Nem aqueles Srs. peritos nem esta Sra. perita consideraram estar o sinistrado afectado de IPATH.

Conforme auto de exame por junta médica (continuação, para tomada de esclarecimentos aos Srs. peritos médicos; a junta inicial realizou-se no dia 24.9.2021) de 11.11.2022, os Srs. Peritos manifestaram, uma vez mais, a opinião de que o sinistrado não se encontra afectado de IPATH, esclarecendo agora que assim entendem por o sinistrado “manter capacidade muscular suficiente para o exercício da sua actividade profissional com prejuízo na medida da IPP atribuída:
Mais esclareceram que o sinistrado “não apresenta atrofia da cintura escapular, nem do antebraço direito” e que “Apresenta calosidades evidentes na palma da mão direita, o que implica capacidade funcional do mesmo”.

Este entendimento, unanimemente sufragado por (conforme termo de nomeação de peritos) dois peritos médicos da especialidade de ortopedia, e uma perita médica da espacialidade de medicina legal, mostra-se ainda em harmonia com outros exames adrede realizados.

Ainda que não se questione que a prova pericial, em que se traduzem os exames médicos, v.g. a junta médica, está sujeita à livre apreciação do julgador[1], no caso entendemos que foi bem valorada, ademais porque, como já referido, o entendimento aí sufragado é corroborado por outra prova.

Assim, do parecer elaborado pelo Centro de Reabilitação Profissional de ... (CRP...) – datado de 31 de Março de 2022 -, no qual se diz que o examinando exercia a função de trolha de 2.ª há cerca de 17 anos, e se descrevem as tarefas aí compreendidas, consta que “Segundo o observado em contexto de trabalho, e verificado junto da entidade empregadora, o examinando mantém o desempenho da grande maioria das tarefas adotando, contudo, um ritmo de execução mais lento e evitando a movimentação dos materiais mais pesados, também por determinação da entidade empregadora. A título de exemplo, deixou de:
Executar muros em pedra;
Movimentar blocos de betão.”

Ora, da conjugação destes elementos probatórios resulta que o sinistrado/recorrente, conquanto apresente sequelas limitadoras da mobilidade e força do membro superior direito, ainda assim não o impedem de executar a maioria das tarefas inerentes à sua profissão de trolha, isto é, de continuar a desenvolver a essencialidade da sua actividade profissional, não se confirmando assim a alegação do recorrente de que não consegue realizar as funções que constituem o núcleo duro/fundamental da profissão que anteriormente exercia à data do acidente, restando-lhe apenas a possibilidade de realização de tarefas residuais (mais ligeiras).

Note-se que quer os esclarecimentos prestados pelos Sr.s peritos que intervieram na junta médica quer o relatório elaborado pelo CRP... são muito mais recentes – portanto, actualizados, de 11.11.2022 e 31.3.2022, respectivamente -, do que a perícia para avaliação do dano corporal realizada pelo Prof. Dr. CC e cujo relatório – datado de 05.7.2021 - o autor juntou aos autos; de qualquer forma, considerou-se aí a eventualidade de uma situação de IPATH mas condicionando essa hipótese ao evoluir da situação, designadamente à possibilidade de o sinistrado poder ocupar um posto de trabalho diferente, concluindo a propósito que “(…) sendo de admitir um esforço acrescido ou mesmo incapacidade para certas tarefas especificas, em carga do MSD, exigidas na sua profissão de trolha (risco eventual ITAPH e/ou despedimento).”

Quanto ao parecer do IEFP, conquanto em desalinho com a restante prova refira que a profissão do sinistrado é pedreiro de 2.ª – o que acaba por não ser relevante pois aí faz-se também a descrição das funções/tarefas do sinistrado, as quais não sendo inteiramente sobreponíveis às consideradas no parecer do CRP... afiguram-se no essencial concordantes -, não se afigura de molde a infirmar a informação que resulta, nos termos supra mencionados, do auto de exame por junta médica e do parecer do CRP..., até porque decorre do consignado neste do IEFP – o conteúdo do presente parecer está fundamentado na entrevista de análise de posto de trabalho efetuada ao sinistrado, em dados clínicos disponíveis e em informação observada e conhecida acerca da profissão em causa - que não foi percepcionada pelo seu subscritor a situação em contexto de prestação de trabalho pelo sinistrado. De todo o modo, a conclusão desse parecer é “somos de parecer da impossibilidade de reconversão do Sr. AA em relação ao posto de trabalho que ocupava à data do acidente.”

O que, especialmente por reporte aos ditos pareceres, poderia ser questionado é se se verifica a situação a que alude o n.º 5 al. a) das Instruções Gerais da TNI quando aí se prevê a bonificação do coeficiente de incapacidade, com uma multiplicação pelo factor i.5, “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, mas isso é questão que, para além de não colocada no recurso (o que sempre obrigaria pelo menos á audição prévia das partes), é manifestamente irrelevante no caso, pois o sinistrado já beneficiou da aplicação daquele factor de bonificação (por via da idade) e, como resulta da redacção dessa norma, não pode haver cumulação, aplicando-se esse factor em razão de mais do que uma das possíveis causas previstas[2].

Assim e concluindo, inexiste qualquer prova que imponha, quanto a este ponto da matéria, decisão diversa da tomada pelo Tribunal recorrido – cf. art. 662.º/1 do CPC.

- Do direito ao subsídio por situação de elevada incapacidade

Não procedendo a reclamada alteração da matéria de facto, é evidente que também quanto a esta questão o recurso tem de improceder.
Como se diz no douto parecer do Ministério Público, “nos termos do nº 1 do art. 67º Lei nº 98/2009, o subsidio de elevada incapacidade permanente destina-se a compensar o sinistrado com incapacidade permanente absoluta ou incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70%, pela perda ou elevada redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho.
Nos números seguintes, o art. 67º estabelece os parâmetros para o cálculo do valor do subsidio, conforme se trate de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual ou incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70%.
O subsídio por situação de elevada incapacidade permanente destina-se a facilitar a adaptação do sinistrado à sua situação de desvalorização funcional com perda de capacidade de ganho, permitindo-lhe efectuar uma aplicação económica que lhe proporcione outros proventos ou reorientar a sua vida profissional para outro tipo de actividades.
A lei é clara quanto às situações de atribuição do subsidio de elevada incapacidade permanente: incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho ou para o trabalho habitual ou incapacidade permanente parcial superior a 70%.
No caso dos autos, em que ao sinistrado foi fixada uma IPP de 15%, não há lugar à atribuição de subsidio de elevada incapacidade permanente.”
A redacção do n.º 1 do art. 67.º é clara na enumeração, taxativa, das situações em que é devido subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, sendo igualmente inequívoco, face à IPP atribuída ao sinistrado, que a sua situação não se enquadra na previsão dessa norma.
São despiciendos mais largos considerandos.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo do recorrente.
Notifique.
Guimarães, 16 de Março de 2023

Francisco Sousa Pereira (relator)
Antero Veiga
Maria Leonor Barroso


[1] Neste sentido, por todos, Ac. desta Relação de 23.9.2021, Proc. 375/20.5T8BCL.G1, Vera Sottomayor, www.dgsi.pt
[2] A este propósito e neste sentido, Paula Leal de Carvalho, A incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e o fator de bonificação de 1,5 - Questões Práticas, Prontuário de Direito do Trabalho, I, 2017, pág. 93.