Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1777/18.2JAPRT.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: ATOS PROCESSUAIS EXTEMPORÂNEOS
DISPENSA PAGAMENTO MULTA
VIOLAÇÃO CONTRADITÓRIO
NULIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) A possibilidade de redução ou dispensa da multa devida pela prática extemporânea de atos processuais, excecionalmente permitida pelo art. 139º, n.º 8, do CPC, visa assegurar plenamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade substancial das partes, facultando ao juiz a concreta adequação da sanção patrimonial ao grau de negligência ou à situação de carência económica do beneficiário do exercício do direito.
II) A manifesta desproporção a ter em conta há de resultar da comparação do montante da multa com a gravidade da prática do ato fora de tempo, definida pela essencialidade do ato para a parte e pela medida da sua culpa no atraso verificado, tendo presente que os prazos perentórios podem respeitar a atos do processo essenciais (por ex. a apresentação de um articulado ou a interposição de recurso) ou a atos menos importantes, compreendendo-se que nestes a multa se possa revelar concretamente desproporcionada.
III) Encontrando-se o arguido privado da liberdade há vários meses, em consequência do que perdeu o emprego, não recebendo qualquer subsídio, dependendo totalmente dos progenitores, com quem vive, para satisfação das suas necessidades e que já anteriormente apresentava uma situação financeira limitada em virtude da execução de penhoras no seu vencimento mensal (que rondava os € 557), é de concluir por uma situação de manifesta carência económica que justifica dispensá-lo, excecionalmente, do pagamento da multa devida pela extemporânea interposição de recurso do acórdão condenatório.
IV) Somente as nulidades da sentença devem ser arguidas e conhecidas em recurso, nos termos do n.º 2 do art. 379º do CPP, não podendo este regime ser extensivo às demais nulidades, que têm um regime próprio.
V) A nulidade por omissão de diligências, prevista no art. 120º, n.º 1, al. d), por não ser da sentença mas sim do procedimento, não está sujeita ao regime do art. 379º, mas antes ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral, decorrente dos arts. 120º e 121º, pelo que tinha de ser invocada no prazo de dez dias (art. 105º, n.º 1), por outro momento ou prazo de arguição não resultar do n.º 3 do art. 120º, todos do CPP.
VI) Apelando ao conceito material de lei processual penal e partindo da consideração de que, na falta de disposição legal expressa, a taxatividade das nulidades não impede a destruição de um ato que atente contra a Constituição, é de entender que a irregularidade do procedimento por inobservância do contraditório na fase de julgamento consubstancia uma nulidade insanável, na medida em que se traduz na violação de uma norma constitucional respeitante a direitos, liberdades e garantias (arts. 18º, n.º 1, e 32º, n.º 5, da Constituição, na parte relativa à audiência de julgamento), sendo, por isso, diretamente aplicável e sem necessidade de conformação por parte do legislador ordinário através da previsão da consequência para a sua violação.
VII) Com efeito, atenta a relevância dos princípios fundamentais do processo penal, convertendo-os em autênticos direitos fundamentais, torna-se possível abranger na figura da nulidade a violação do contraditório, porquanto o art. 118º, n.º 1, apenas abrange a violação ou inobservância das normas processuais penais strictu sensu, possibilitando, desse modo, a inclusão de normas constitucionais, mormente direitos, liberdades e garantias (ou direitos fundamentais de natureza análoga) que, pela sua natureza fundamental na arquitetura constitucional, são suscetíveis de integrarem a lei processual penal em sentido material.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo comum com intervenção de tribunal coletivo que, com o NUIPC 1777/18.2JAPRT, corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Central Criminal de Guimarães (Juiz 4), realizado o julgamento, foi proferido acórdão, em 31-10-2019, depositado na mesma data, com o seguinte dispositivo (transcrição[1]):

«IV. - Decisão
Pelo exposto, os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo julgam a acusação do Ministério Público (para a qual a decisão de pronúncia remete) parcialmente procedente e, em consequência, decidem:

Quanto à instância criminal:

A) Condenar o arguido H. M. pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1, 22.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), 23.º, n.º 1 e 2, 30.º, n.º 1, 73.º, 131.º, 132.º, n.º 2, als. c) e j), todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.
B) Condenar o arguido H. M. pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1, 30.º, n.º 1, 203.º e 204.º, n.º 1, al. d), todos do Código Penal, em face da alteração substancial dos factos operada em julgamento, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.
C) Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Penal, condenar o arguido H. M. na pena única de 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de prisão.
D) Determinar que se proceda à recolha da amostra de ADN ao arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 8.º, da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro.
E) Determinar a devolução aos seus proprietários dos objetos apreendidos, após o trânsito em julgado da presente decisão, porquanto não se verificam em causa os requisitos legais previstos no artigo 109.º do Código Penal.
F) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (quaro unidades de conta), nos termos do artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo.
G) Até ao trânsito em julgado da presente decisão deve o arguido continuar sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação constante do termo de identidade e residência, com fiscalização do seu cumprimento por meios técnicos de controlo à distância, nos termos dos artigos 191.º, 193.º, 196.º, 201.º, 204.º, als. c), e 213.º, n.º 1, al. b), todos do Código de Processo Penal, sem prejuízo do cumprimento das periódicas revisões da medida e do prazo legal máximo de duração da referida medida de coação.

Quanto à instância cível conexa:

A) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante S. T. contra o demandado H. M. e, em consequência:

1.- condenar o demandado no pagamento da quantia de 50.000 € (cinquenta mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida do pagamento de juros de mora, à taxa legal (ou seja, à taxa anual de 4 %, vide artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, e Portaria n.º 291/2003, de 08/04) calculados a partir da data do acórdão e até integral pagamento, nos termos do acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido na Revista Ampliada n.º 1508/01 (publicado no Diário da República, I Série-A, de 27/06/2002, págs. 5057 a 5070).
2.- condenar o demandado no pagamento de 1.190 € (mil cento e noventa euros) referentes aos custos suportados pela demandante com as mensalidades e despesas à ACAPO, 390 € (trezentos e noventa euros) referentes à compra de um telefone adaptado iphone 7, e 50 € (cinquenta euros) referentes à compra de uma bengala, acrescida do pagamento de juros de mora, à taxa legal (ou seja, à taxa anual de 4 %, vide artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, e Portaria n.º 291/2003, de 08/04), calculados a partir da data em que foi notificada (ou seja, da data da interpelação ao devedor) para contestar o pedido de indemnização civil e até integral pagamento (cfr. artigos 805.º e 806.º do Código Civil).
3.- condenar o demandado no pagamento do que vier a ser liquidado em decisão ulterior, nos termos dos artigos 564.º, n.º 2 do Código Civil e artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, quanto aos custos do aparelho auricular e do pagamento do salário de uma empregada para auxiliar a ofendida/demandante na sua incapacidade física permanente.
4.- absolver o demandado do demais peticionado.
B) Condenar demandante e demandado no pagamento das custas do pedido de indemnização civil de acordo com o respetivo decaimento, pois o seu valor é superior a 20 UCs – cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 523.º do Código de Processo Penal e artigo 4.º, n.º 1, al. n), a contrario, do Regulamento das Custas Processuais.
(…)»

2. Dessa decisão final interpôs recurso o arguido e demandado civil, formulando no termo da sua motivação as seguintes conclusões, que, pela sua excessiva extensão, se afastam claramente do que é legalmente previsto e desejável (um resumo das razões do pedido), mas que, ainda assim, se opta por transcrever integralmente:

1. (…);
2. O recorrente requer, nos termos do n.º 5 do artigo 411º Código Processo Penal, que se realize audiência, devendo nesta ser debatida a impugnação da matéria de facto, a qual se encontra errada e incorretamente julgada, bem como, nesta audiência deverá ser debatida a matéria de direito, nomeadamente a concreta medida de pena aplicada;
3. Não podemos deixar de começar por salientar, e a título de questão prévia, que, na formação da convicção, o Tribunal a quo deveria ter sempre como presente que, tal como preceitua o artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, “[t]odo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (…)”, e que deste principio da presunção de inocência decorre, como salienta JOSÉ M. ZUGALDÍA ESPINAR, que “partindo ele da ideia que o acusado é, em princípio, inocente (…), a sentença condenatória contra o mesmo só pode pronunciar-se se da audiência de julgamento resultar a existência de prova que racionalmente possa considerar-se suficiente para desvirtuar tal ponto de partida” (JOSÉ M. ZUGALDÍA ESPINAR (dir.)/ESTEBAN J. PÉREZ ALONSO (coord.), Derecho Penal, Parte General,2002, pág. 231);
4. Ora, tal só sucederá quando, por um lado, a prova produzida em audiência permita logicamente (no sentido de racionalmente, coerentemente, etc.) afirmar a presença, no caso concreto, de todos os elementos (objetivos e subjetivos) do crime trazido a Juízo, e, por outro lado, conduza, nos mesmos moldes, à conclusão de que foi o arguido o responsável pela sua ocorrência (assim, MERCEDES FERNANDEZ LÓPEZ, Prueba y presuncion de inocência, 2005, pág. 143 e nota 89). No fundo, do que se trata é de que só se pode condenar alguém se for possível imputar-lhe a realização de todos os pressupostos e condições legais exigidos para o efeito, devendo ditar-se uma absolvição se se provarem factos que neguem a possibilidade dessa imputação, ou se aqueles pressupostos e condições se não se verificarem no caso concreto (em sentido convergente, vd NEVIO SCAPINI, La prova per indizi nel vigente sistema de processo penal, 2001, pág. 2);
5. E nestes autos, face a prova produzida, devera ter sido ditada uma absolvição do arguido pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada, reconhecendo-se, se não a legítima defesa, o excesso de legítima defesa, nos termos e com os efeitos do artigo 33º do Código Penal, devendo "apenas" considerar-se e dar por assente que a sua conduta ilícita era integradora do crime de ofensa à integridade física grave, prevista e punida pelo artigo 144º do Código Penal;
6. Encontra-se errada e incorretamente julgada a seguinte matéria de facto dada como provada nos pontos 1.3, 1.4, 1.5, 1.6, 1.7, 1.8, 1.9, 1.11, 1.12, 1.16, 1.17, 1.18, 1.19, 1.20, 1.21, 1.22, 1.23, 1.24, 1.25, 1.28, 1.31, 1.32, 1.34, 1.35, 1.36, 1.37, 150, 160, factos esses supra transcritos e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais;
7. Ora, salvo o devido respeito, não foi produzida prova segura e inequívoca que o arguido, ora Recorrente H. M., praticou os factos dados por assentes ou que estes tiveram lugar nas exatas circunstâncias de tempo, modo e lugar conforme foram descritos e vertidos nos supra citados pontos de facto dados como provados, que aqui impugnamos;
8. Estes concretos pontos da matéria de facto que aqui impugnamos por se encontrarem incorretamente julgados, e que impugnaremos especificadamente mas conjugadamente, na sendo da metodologia empregue pelo douto Tribunal a quo, uma vez que estão concatenados, nomeadamente os pontos 1.3, 1.4, 1.5, 1.6, 1.7, 1.8, 1.9, 1.11, 1.12, 1.16, 1.17, 1.18, 1.19, 1.20, 1.21, 1.22, 1.23, 1.24, 1.25, 1.28, 1.31, 1.32, 1.34, 1.35, 1.36, 1.37, 150 e 160 dos factos provados, deveriam ter sido antes dados respetivamente como não provados porque a prova infra transcrita e a produzida assim o impunha e também a ausência de prova em sentido contrário;
9. Foi erradamente dado como provado no ponto 1.3 a seguinte factualidade: "1.3. – O arguido sabia que S. T. não tinha 90% de visão no olho direito e no esquerdo tinha apenas 20%";
10. Ora, o Tribunal deu erradamente como provada esta factualidade uma vez que apenas considerou a documentação junta aos autos - que se encontrava, quanto ao diagnóstico e respetivas conclusões desfasada da realidade - e não as próprias declarações da ofendida S. T. e do arguido H. M., mas particularmente da primeira, que afirmou expressamente que à data dos factos aqui em julgamento esta já não tinha qualquer acuidade visual ou visão no olho direito - Cfr. declarações da assistente S. T., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 01:31:34 (ficheiro 20190919110917_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019, e que supra parcialmente se transcreveu e que aqui se dá por reproduzida;
11. Foi erradamente dado como provado no ponto 1.4 a seguinte factualidade: "1.4. –O arguido foi manifestando perante S. T. o desejo de namorar consigo, ao que esta nunca acedeu, passou a ficar obcecado por ela alegando ser sua namorada perante amigos e colegas de trabalho, o que nunca chegou a existir e que aquela nunca equacionou puder vir a verificar-se entre ambos";
12. Ora, o Tribunal deu por assente esta factualidade baseando-se essencialmente nas declarações da ofendida S. T., as quais, contudo, parcialmente infirmam esta factualidade, em concreto no que se refere ao facto de esta nunca ter equacionado poder vir a namorar com aquele, o que de facto aquela afirmou ter equacionado ou ponderado, nunca tendo contudo, a relação sido efetivamente de namoro, conforme o próprio arguido também confirmou, tendo contudo reconhecido aquele que mantiveram relações de cariz sexual, mas nunca a relação foi de facto de namoro, porque aquela (ofendida) nunca assim pretendeu assumir a relação enquanto tal;
13. Provas que impunham e impõem decisão diversa: Declarações da assistente S. T., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 01:31:34 (ficheiro 20190919110917_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019 e que parcialmente supra transcrevemos, e declarações do arguido H. M., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 01:19:12 (ficheiro 20190919094944_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019, e que supra parcialmente se transcreveram e que aqui se dão por reproduzida para todos os efeitos legais;
14. Resulta inequívoco das declarações da ofendida e do arguido que estes tinham um relacionamento, não de namoro formal, mas de cariz sexual ou outro. Aliás, é a própria ofendida que no âmbito dessa relação afirmar que "tentou olhar para ele [H. M.] de outra forma", consolidando essa relação o que, contudo, não chegou a acontecer, como ambos admitem. A relação existente não foi assumida enquanto tal (de namoro). Daí que, inclusivamente, a ofendida afirmava ser livre e sentia-se livre, conforme sentiu necessidade de afirmar várias vezes no decurso do julgamento, para se relacionar ou sair com quem quisesse. Mas, sem prescindir, a relação existiu a ponto de a ofendida saber e considerar a opinião do arguido quanto as pequenas e íntimas coisas, como o seu penteado, o qual, quando era esticado, não era apreciado por aquele. Dizem-nos as regras da experiência que se apenas existisse uma relação laboral e nenhuma relação de natureza sentimental ou outra de cariz idêntica, a "patroa" desconheceria certamente a opinião do empregado, ou mesmo que conhecesse, por a esta ter dado a liberdade para emitir opinião, sempre não a consideraria em nenhuma circunstância porque seria absolutamente irrelevante a opinião do mesmo;
15. Acresce que, se o arguido nenhum relacionamento tivesse tido com a ofendida S. T. e se aquele andasse obcecado por aquela e esta ficasse incomodada com aquela obsessão, ou com as pretensões do mesmo, seguramente que não se sujeitaria a ser transportada todos os fins de semana por aquele para casa, como aquela admite. Mais a mais que a viagem ainda é de algumas dezenas de quilómetros, entre Pedome e Santo Tirso. Ou então se o fazia, mesmo assim, estar-se-ia a aproveitar daquele, sendo certo que então alimentaria inapropriadamente uma proximidade para seu benefício, mais a mais, como a mesma admite, não lhe pagava nada por esse transporte e despesas que aquele tinha com o mesmo, sendo certo que resulta de toda a prova produzida que aquele tinha dificuldades económicas, daí que, inclusivamente também trabalhava no bar de diversão noturna da ofendida S. T.. Também se dirá que seria de estranhar que aquela todos os dias, com exceção do dia de folga, aceitasse que aquele, após o trabalho, comparecesse sempre no referido estabelecimento, dando-lhe, inclusivamente, muitas das vezes, ajuda no serviço, e permanecendo junto desta, todo o tempo;
16. Mais resulta da prova produzida que existia uma intimidade e proximidade grande entre arguido e ofendida a ponto de todos os clientes considerarem a existência de uma relação entre ambos, e até, segundo a própria, alguns pensarem que eram marido e mulher, conforme resulta das declarações da própria ofendida. Essa perceção resultava, naturalmente, do que que os clientes se apercebiam e não do que, alegadamente, se pretendeu fazer crer em determinados momentos deste julgamento, do que o arguido diria aos clientes, sendo que mesmo que aquele o fizesse, tal não teria credibilidade, a não ser, como era, confirmado pela proximidade e intimidade pressentida entre ambos - Cfr. declarações da assistente S. T., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 01:31:34 (ficheiro 20190919110917_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019 e que supra parcialmente se transcreveram e que aqui se dão por reproduzida para todos os efeitos legais;
17. Foi erradamente dado como provado no ponto 1.5 a seguinte factualidade: "1.5. – Vendo frustrada essa sua intenção, o arguido enviava várias vezes mensagens para o telemóvel de S. T. nas quais manifestava o desejo de equacionar um relacionamento amoroso consigo, ligava-lhe frequentemente a perguntar com quem estava acompanhada, procurava saber do seu quotidiano, dando-lhe conta que a mantinha vigiada";
18. Ora, o Tribunal deu por assente esta factualidade baseando-se essencialmente nas declarações da ofendida S. T., as quais, contudo, parcialmente infirmam esta factualidade em particular no que se refere aos telefonemas a perguntar com quem esta estava acompanhada ou a procurar saber do seu quotidiano ou sobre a manifestação transmitida intencionalmente àquela de a manter vigiada. Aliás, salvo o devido respeito, nenhuma prova validamente produzida permite afirmar que o arguido ligasse com frequência à ofendida S. T. e com esse objetivo, ou seja, de a vigiar ou conhecer o seu quotidiano. O arguido apenas no dia dos factos em julgamento e na véspera demonstrou preocupação com o bem-estar da ofendida porque em momento anteriormente aquela estivera doente, e como a mesma não respondia, receou pelo seu bem-estar.
19. Provas que impunham e impõem decisão diversa: Declarações da assistente S. T., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 01:31:34 (ficheiro 20190919110917_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019 e que parcialmente supra transcrevemos, e declarações do arguido H. M., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 01:19:12 (ficheiro 20190919094944_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019 e ainda depoimento da testemunha M. P., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 00:14:39 (ficheiro20190919145955_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019, e que supra parcialmente se transcreveram e que aqui se dão por reproduzida para todos os efeitos legais. Também impõem decisão diversa as mensagens extraídas do telemóvel da supra referida testemunha M. P., reproduzidas através de fotografia e juntas aos autos a fls. 441 a 443;
20. Resulta das declarações da ofendida, do arguido e ainda do depoimento da testemunha M. P., que as poucas chamadas e mensagens trocadas com a S. T. ou por causa da S. T. não tinham por objetivo vigiar ou saber do quotidiano daquela e por quem esta estava acompanhada, mas sim, como aconteceu no dia dos factos em julgamento, saber do seu bem-estar, uma vez que conforme resulta das declarações, depoimento e mensagens, o arguido não estava a ter notícias da ofendida, pelo que estava preocupado com ela, nomeadamente, reitere-se, com o seu estado de saúde;
21. Acresce que, conforme resulta das declarações da ofendida e do arguido, transcritas nesta motivação, e também das declarações do arguido, este estava pessoalmente com aquela diariamente, com exceção do dia de folga, pelo que também, e por esse facto não carecia de ligar com esse objetivo;
22. Foi erradamente dado como provado a factualidade vertida nos pontos 1.6, 1.7, 1.8 e 1.9 a qual aqui se dá por integrada e reproduzida para todos os efeitos legais;
23. Ora, o Tribunal deu erradamente como provada esta factualidade, nomeadamente a supra transcrita - pontos 1.6, 1.7, 1.8 e 1.9 -, uma vez que, salvo o devido respeito não corresponde à verdade nem resultou da prova produzida desde logo que o arguido tivesse empurrado o A. C., cliente do bar. Tal resulta das declarações da ofendida S. T. e das declarações do arguido H. M.. Particularmente nas declarações do arguido, que é perentório em afirmar que não tinha sequer confiança para falar com o tal cliente, muito menos empurrá-lo.
24. Provas que impunham e impõem decisão diversa: Declarações do arguido H. M., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 01:19:12 (ficheiro 20190919094944_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019, e ainda declarações da assistente S. T., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 01:31:34 (ficheiro 20190919110917_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019 e que parcialmente infra transcrevemos e ainda depoimento da testemunha M. P., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 00:14:39 (ficheiro20190919145955_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019, e que supra parcialmente se transcreveram e que aqui se dão por reproduzida para todos os efeitos legais. Também impõem decisão diversa as mensagens extraídas do telemóvel da supra referida testemunha M. P., reproduzidas através de fotografia e juntas aos autos a fls. 441 a 443;
25. Acresce que o arguido na noite em referência nos factos assentes não teimou em levar a ofendida a casa, sendo que já estava previsto fazê-lo e ser o normal, aos domingos, aquele levar a ofendida a casa, era isso que estava, reitere-se, previsto, era o normal acontecer. Nesse sentido cfr. declarações do arguido H. M., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 01:19:12 (ficheiro 20190919094944_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019, e que supra parcialmente se transcreveu e que aqui se dá por reproduzida;
26. Nesse sentido e resulta das declarações supra transcritas que o arguido, ao contrário do que o Tribunal deu por assente no ponto 1.8, não se mostrou desagradado, simplesmente e uma vez que pretendia ter um relacionamento sério com a ofendida, se ela vendesse o bar estava preocupado com a possibilidade de deixar de a ver a S. T. com tanta frequência;
27. Acresce que, e conforme já se referiu supra resulta das declarações da ofendida, do arguido e da testemunha M. P. que as chamadas e mensagens trocadas com a S. T. ou por causa da S. T. não tinham por objetivo vigiar ou saber do quotidiano daquela e por quem esta estava acompanhada, mas sim, como aconteceu no dia dos factos em julgamento, saber do seu bem-estar, uma vez que conforme resulta das declarações, depoimento e mensagens, o arguido não estava a ter notícias da ofendida, pelo que estava preocupado com ela, nomeadamente, reitere-se, com o seu estado de saúde.
28. Acresce que, conforme resulta das declarações da ofendida transcritas nesta motivação, e também das declarações do arguido, este estava pessoalmente com aquela diariamente, com exceção do dia de folga, pelo que também, e por esse facto não carecia de ligar com esse objetivo. A assistente S. T. afirma, nas suas declarações, ter mensagens do arguido para ele sobre o relacionamento e desta para com ele a manifestar não desejar esse relacionamento. Contudo, apesar de estar alegadamente na posse dessas mensagens, o certo é que não as junta ao processo. Aliás refere também ter bloqueado aquele no messenger, e em nenhum momento faz prova disso, nem junta aos autos as mensagens trocadas anteriormente com aquele, o que permitiria, a existir, confirmar a sua versão. Porém aquela não junta essas mensagens e não o faz porque aquelas nunca foram enviadas. A assistente faltou à verdade diversas vezes no decurso do julgamento, tendo contudo o cuidado de em alguns aspetos afirmar factos que poderiam afigurar-se em abono do arguido - e que eram verdadeiros -, mas simultaneamente imputando-lhe outros factos falsos ou comportamentos que aquele não teve. De realçar que a assistente S. T. é pessoa inteligente e instruída, sendo licenciada, enquanto o arguido H. M., conforme resulta dos factos assentes, abandonou os estudos no 6º ano de escolaridade e tem um discurso semanticamente pobre, tendo por vezes dificuldades em expressar o que pensa e de verbalizar com correção tudo o que vivenciou ou que quer dizer. Acresce de notar, que a assistente S. T. quase nunca teve dificuldades em ouvir as perguntas do Ilustre Magistrado do Ministério Público e da sua Ilustre Mandatária, mas já teve dificuldades de ouvir as perguntas do mandatário do arguido, aqui signatário, apesar de este ser quem seguramente fazia as perguntas num volume mais alto. O que mais não era que uma estratégia levada a cabo por aquela para ter mais tempo para raciocinar antes de responder. O Tribunal a quo, convencido desde o início da culpabilidade do arguido H. M., e sensibilizado pela violência dos factos, não logrou aperceber-se disso, dando aquela credibilidade, ao contrario do que fez com o arguido, não valorando devidamente as declarações, e ostensivamente descredibilizando a versão do arguido e até a sua linguagem corporal, quando na realidade quem faltou à verdade, em substancial parte das declarações, foi a assistente S. T. como esperamos conseguir lograr demonstrar neste recurso, esperando naturalmente que o Tribunal ad quem, apesar dos factos em julgamento, consiga apreciar a prova com outra objetividade e sem preconceito intelectual;
29. Foi erradamente dado como provado a factualidade vertida nos pontos 1.11 e 1.12 a qual aqui se dá por integrada e reproduzida para todos os efeitos legais;
30. Ora, o Tribunal deu como assente a referida factualidade com base, no essencial, nas declarações da ofendida S. T.. Contudo, resulta inequívoca a preocupação do arguido em relação à ofendida, pois face à ausência de resposta por parte da testemunha M. P., o arguido pediu à M. O. que tentasse verificar se estava tudo bem, tendo esta última referido que a ofendida estava com o pai no bar, e nesse sentido o arguido comunicou à testemunha M. P. que estava tudo bem e que a ofendida estava com o pai no bar.
31. Provas que impunham decisão diversa: Depoimento da testemunha M. P., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 00:14:39 (ficheiro20190919145955_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019, e que supra parcialmente se transcreveu e que aqui se dá por reproduzida;
32. Foi erradamente dado como provado a factualidade vertida nos pontos 1.16, 1.17, 1.18, 1.19, 1.20, 1.21, 1.22, 1.23, 1.24, 1.25, 1.28, 1.31, 1.32, 1.34, 1.35, 1.36, 1.37, 1.38 a qual aqui se dá por integrada e reproduzida para todos os efeitos legais;
33. Ora, o Tribunal deu como assente a referida factualidade com base, no essencial, nas declarações da assistente S. T..
34. Provas que impunham e impõem decisão diversa: Declarações do arguido H. M., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 01:19:12 (ficheiro 20190919094944_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019, e ainda declarações da assistente S. T., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 01:31:34 (ficheiro 20190919110917_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019 e que parcialmente infra transcrevemos e ainda depoimento da testemunha M. P., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 00:14:39 (ficheiro20190919145955_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019, e que supra parcialmente se transcreveram e que aqui se dão por reproduzida para todos os efeitos legais. Também impõem decisão diversa as mensagens extraídas do telemóvel da supra referida testemunha M. P., reproduzidas através de fotografia e juntas aos autos a fls. 441 a 443; depoimento da testemunha T. S., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 00:21:59 (ficheiro 20190919140855_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019, depoimento da testemunha F. T., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 00:17:30 (ficheiro 20190919153345_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019: depoimento da testemunha F. M., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 00:33:45 (ficheiro 20191010152259_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 10.10.2019, inspeção judiciária de fls. 111 a 122, relatórios periciais de fls 188 a 189, e de fls..... junto aos autos em 17.09.2019;
35. O Tribunal a quo, conforme já referimos supra, erradamente descredibilizou as declarações do arguido H. M. e credibilizou em absoluto as declarações e versão da assistente S. T., apesar desta última não merecer essa credibilidade, como se afigura resultar de toda a prova validamente produzida. A assistente S. T. conhecia a versão do arguido, porque este, inclusivamente, participou criminalmente contra esta por denúncia caluniosa e porque este deduziu contestação, tendo visivelmente adotado uma estratégia que, infelizmente, o Tribunal a quo não detetou, visando negar os factos essenciais quanto à agressão inicial por esta levado a cabo quanto ao confronto que ocorreu subsequentemente e para o qual aquela contribui decisivamente. Também procurou negar qualquer tipo de relação, bem como procurou ocultar o seu caráter explosivo e por vezes insultuoso no que contou com a colaboração da maioria das testemunhas, fazendo crer ao Tribunal que era pessoa calma, que nunca dizia palavrões e que nunca recorria à violência ou ao uso de força em situações de conflito ou em que as suas mudanças de humor ocorriam. A assistente com esse objetivo reconheceu parcialmente alguns factos abonatórios para o arguido no que ao crime não dizia respeito, fazendo crer que, apesar de tudo, não o demonizava, nem, alegadamente, acrescentava ou descrevia factos falsos. Contudo a assistente fê-lo e com o propósito daquele vir a ser condenado no crime de homicídio na forma tentada e ainda, se possível no crime de roubo;
36. A ofendida, conforme já referimos, é licenciada, inteligente, tem discurso elaborado e sempre que carecia de uma pausa para refletir na resposta alegava não ter ouvido ou percebido a pergunta, o que maioritariamente só aconteceu a instância do mandatário do arguido, aqui signatário. Naturalmente, como da luta ou confronto só resultaram lesões para a assistente, as quais infelizmente resultaram na perda total da reduzida visão que a assistente tinha e na diminuição da sua acuidade auditiva, a qual, também, já estava afetada, infelizmente em momento anterior. Aquela rapidamente adquiriu estatuto de vítima, que também o é de facto, tentando contudo escamotear o seu papel de agressora, o que logrou alcançar com sucesso.
37. O arguido, por sua vez, abandonou os estudos no 6º ano de escolaridade como resulta do relatório pericial, tem dificuldades cognitivas e em verbalizar e descrever os acontecimentos e vivências, bem como uma tendência para parcialmente diminuir a violência da sua retorsão e da sua concreta culpa, porque, de facto, poderia, após ser vítima da agressão, ter fugido do local, como o mesmo reconheceu nas suas declarações. Mais também tem o arguido uma tendência para se autocentrar. O que tudo em nada o beneficiou, falhando na demonstração da realidade histórica dos factos, conforme resulta da factualidade veio a ser dada por assente pelo Tribunal a quo;
38. O arguido na data dos factos aqui em julgamento não vigiava a assistente nem a procurava controlar, antes estava preocupado com o seu bem-estar, como supra referimos, e com a ausência de respostas, uma vez que anteriormente estivera doente. Preocupação essa que se acentuou com a ausência de resposta e de contacto por parte da assistente, a qual, apesar de se ter apercebido da preocupação do arguido, por esquecimento ou intencionalmente, não respondeu nem àquele comunicou que estava tudo bem;
39. A assistente S. T. cedo percebeu na relação que mantinha com o arguido H. M. que este era submisso e disponível, independentemente da forma que o tratasse, percebia que ele ficava cabisbaixo ou com cara de cachorrinho ou amuado, mas que sempre cedia às vontades daquela e sempre procurava estar presente na vida da mesma tentando que a relação existente entre ambos se solidificasse numa relação de namoro. A assistente visivelmente em muitos episódios diminuiu o arguido, discutindo e falando sobre a relação entre ambos, negando-a, com terceiros e em público, apesar de todos, nomeadamente os clientes do espaço de diversão noturna que aquela explorava, se aperceberem da proximidade e intimidade que existia entre ambos;
40. O arguido no dia 3 de julho de 2018 compareceu no bar da assistente quando neste se encontravam presentes funcionários de uma empresa que presta serviços à Agente de Eletricidade ..., tendo, naturalmente, após a saída daqueles perguntado àquela porque não tinha respondido às suas mensagens, deixando-o preocupado. Esta, visivelmente irritada com o teria sucedido em momento anterior e relacionado com a deslocação ao estabelecimento dos funcionários daquela empresa que ali se dirigiram para proceder ao corte de energia elétrica, dirigiu-se ao arguido com modos irritados imputando-lhe responsabilidade pelo sucedido e, sem que nada o fizesse prever, e já depois de lhe ter servido uma cerveja, e de o ter insultado, tentou agredir o mesmo com um copo, o que este teve que repelir, envolvendo-se de seguida nos termos que aquele descreve nas suas declarações e que aqui damos por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos - cfr. Declarações do arguido H. M., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 01:19:12 (ficheiro 20190919094944_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019, e que supra parcialmente se transcreveram e que aqui se dão por reproduzida para todos os efeitos legais;
41. O arguido, ao contrário da factualidade dada como provada não se mostrava muito nervoso e inquieto e sempre a bufar, mas apenas preocupado e porventura um pouco chateado pelo facto da assistente o ignorar e não lhe dar notícias, descansando-o assim sobre o seu estado de saúde;
42. O arguido em momento algum muniu-se de uma garrafa para desferir uma pancada na assistente, nomeadamente no ouvido esquerdo, nem em momento algum muniu-se de um saco plástico de cor verde ou outra que colocou sobre a cabeça da S. T. para a asfixiar, apertando-o junto ao pescoço, nem sequer, em momento algum, se muniu de qualquer pau e comprimiu o pescoço da ofendida para a estrangular. Todos esses factos resultam de efabulações da assistente visando imputar ao arguido uma tentativa de homicídio que em momento algum teve lugar. Aliás a assistente perante o perito de medicina legal, com esse mesmo objetivo de imputar a intenção de matar e de imputar um comportamento premeditado do arguido, descreveu àquele uma versão dos factos que nem agora em julgamento teve a coragem de repetir, mas que claramente se insere na estratégia supra referida. Nomeadamente referiu aquele perito, e passamos a transcrever "que um empregado do seu estabelecimento, desenvolveu uma obsessão por si e após várias ameaças de que se não encetasse relacionamento amoroso com o mesmo a iria matar, no dia mencionado, pelas 17:15, iniciou violenta agressão com vários meios, incluindo instrumentos contundentes e cortantes e tentativa de esganadura, tentativa de sufocação e tentativa de estrangulamento." - cfr. relatório da perícia de avaliação de dano corporal junto aos autos em 17.09.2019;
43. Contudo, a versão da assistente soçobra se o Tribunal atentar em pequenos mas relevantes pormenores das declarações da assistente, os quais revelam que a versão mais próxima da realidade dos factos é a versão trazida aos autos pelo arguido e que entre este e a assistente existiu uma luta e foi esta última quem iniciou essa luta. Pormenores esses que o Tribunal a quo não se terá apercebido ou que não deu o devido crédito, quando o deveria ter feito, percebendo assim que a versão do arguido, apesar das suas limitações de verbalização e um discurso pobre e imbuído de alguma desculpabilização e diminuição da sua responsabilidade e violência na retorsão, correspondia no essencial à realidade histórica dos factos que importava apurar e dar por assente, para a realizar a tão esperada Justiça;
44. Senão vejamos como a assistente S. T. descreve numa palavra os acontecimentos aqui em julgamento, reconhecendo momentaneamente nas suas declarações a realidade do que de facto aconteceu entre si e o arguido, nomeadamente quando relata o momento em que recobre os sentidos e recupera consciência do sucedido depois de ter perdido, momentaneamente a noção do que se passava: "CONFRONTO" - cfr. declarações da assistente S. T., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal (ficheiro 20190919110917_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019, ao minuto 00:39:06: "Provavelmente. Porque eu não me lembro de mais nada a partir daí. Eu só me lembro depois de, pronto, lá está talvez perder os sentidos, não sei… nem senti ninguém a mexer, porque eu já estava apagada, não é? Só sei que acordei de repente, não sabia quanto tempo é que tinha passado, não sabia o que é que tinha acontecido, mas depois apercebi-me que não estava bem, que estava no chão frio, deitada no chão e recordei-me daquilo que tinha acontecido. Do confronto.";
45. Ora, se a versão que aquela carreou para os autos e que foi vertida na acusação quase in totum correspondesse à realidade, aquela seguramente não descreveria o sucedido como "CONFRONTO", mas sim como agressão ou ataque. O Tribunal a quo não atentou nesta descrição exata do sucedido porque, com o devido respeito, desde o início formou um preconceito sobre o sucedido naquele dia 3 de julho, preferindo, sem fundamento, com o devido respeito, descredibilizar a versão do arguido, quando esta correspondia de facto e no essencial à realidade histórica. Nesse sentido, o Tribunal a quo procurou sobrevalorizar e distorcer o sentido das expressões que o arguido empregou após os factos para descrever o sucedido junto de amigo e familiar, perante os quais assumiu de cabeça perdida e percebendo que se excedera na legítima defesa, que fizera "asneira" e que matara ou podia ter morto a S. T. pois aquela ficara visivelmente ferida e eventualmente, usando uma linguagem semanticamente pobre, "rebentada";
46. Com essas expressões o arguido assumia a sua responsabilidade pelo sucedido, porque tem consciência que usou de força excessiva e que deveria ter fugido após a primeira agressão de que foi vítima, sendo certo que nunca enjeitou essa responsabilidade, pelo que com aquelas expressões descrevia um sentimento que o assaltou, pois acreditara, face à perda de sentidos daquela, que a mesma podia ter morrido, o que o deixou absolutamente transtornado e o levou a, como a maioria dos seres humanos, fugir do local, sem saber exatamente o que fazer tendo, inclusivamente, depois de ter desabafado e comunicado ao seu amigo T. S. e ao seu familiar N. C. o que acontecera que descreveu genericamente como uma asneira e que com esta poderia ter tirado a vida à pessoa por quem estava apaixonado, à assistente S. T., o que, inclusivamente, ponderasse seriamente o suicídio, tendo inclusivamente o OPC encetado diligência para localizar o arguido e evitar esse desfecho, o qual, felizmente, não veio a acontecer;
47. Acresce que, a descrição levada a cabo pela assistente dos factos que aqui vieram dar por assentes não só é contraditória como contrária às regras da experiência, chegando aquela, inclusivamente a afirmar que o arguido a agarrava pelo pescoço, esganando-a, o que também fazia, quando esta caía, para a proteger e que num período temporal alargado - tendo em conta o confronto, no seu todo, o qual apesar de tudo terá ocorrido durante algumas dezenas de segundos - em que o arguido a agrediu, esta encontrava-se deitada no chão de barriga para baixo enquanto este a agredia e aquela apenas punha as mãos debaixo do rosto para não bater com a cabeça no chão. Ora, não só essa realidade se afigura incongruente como se afigura encontrar-se infirmada nos relatórios periciais supra identificados, bem como, inclusivamente na factualidade dada como provada nessa parte;
48. Sem prescindir ainda, e apesar de tudo, a assistente embora tenha efabulado a utilização do saco plástico verde para a alegada tentativa de asfixiamento, que não aconteceu nem resulta demonstrada pela reportagem fotográfica - cfr. fotografia 21 a fls. 119 onde é visível que o saco se encontra numa zona com sangue, mas parcialmente dentro de outro saco, o que não se afigura compatível com a utilização supra descrita, sem prescindir a fotografia de fls. 27, que retrata esse mesmo saco, mas já deslocado do local - o certo é que a sua descrição da forma como alegadamente o arguido o teria utilizado, não corresponde à forma como é dada por assente, nomeadamente no ponto 1.22, uma vez que em momento algum, aquela refere que aquela refere nomeadamente que quando rasgou o saco, ou melhor "rifou o saco", este não se encontrava enfiado na sua cabeça, mas sim à volta do seu pescoço. Ora, não só a posição em que se encontra o saco que é retratado na fotografia 21 junta a fls. 119 dos autos, torna inverosímil que aquele tenha sido utilizado sequer naquelas circunstâncias de tempo, modo e lugar, estando aquele já rasgado no interior de outro saco e tendo, no confronto que teve lugar, sido aquele outro saco projetado para o meio do espaço entre os balcões em que ambos os sacos ficaram "contaminados" pelo sangue que se encontrava no chão, como é visível na referida fotografia 21. Nessa sequência inverosímil de circunstancialismo descrito pela assistente, aquela refere que o arguido ainda foi buscar "líquidos de limpar os balcões" para lhe verter ou introduzir "dentro da boca", tendo aquela cerrado "a boca completamente para não deixar beber aquele líquido" - cfr. declarações da assistente S. T. que e que supra parcialmente se transcreveram e que aqui se dão por reproduzida para todos os efeitos legais;
49. O arguido reconheceu que tentou segurar a assistente pelo pescoço, contra o solo, tentando imobilizá-la para que ela parasse, porque aquela não parava de o agredir, nunca tendo contudo, utilizado para esse efeito, um pau, nomeadamente o retratado na fotografia 21 de fls. 119, o qual, pela posição em que se encontra, nitidamente não foi utilizado nas circunstâncias supra descritas, sendo que aquele tem vestígios hemáticos por contaminação, que pode ter acontecido em diversas circunstâncias, sendo que, inclusivamente, a assistente refere que após recuperar os sentidos tinha sede e dirigiu-se à banca, sendo que sangrava abundantemente uma vez que tinha a orelha parcialmente seccionada - deixando inclusivamente posteriormente um rasto de sangue até à janela onde pediu socorro -, para beber água porque estava cheia de sede. Ora, a banca onde aquela bebeu da torneira água é a banca retratada na referida fotografia 21 junto à qual se encontra localizado o pau em causa. Logo fica infirmada, com o devido respeito, a utilização do pau nas circunstâncias supra descritas, sendo certo que as marcas de esganadura retratadas e juntas aos autos a fls. 72 não apresentam marcas visíveis da utilização desse pau, ou mesmo, com o devido respeito de qualquer objeto tipo corda, ou saco plástico utilizado enquanto tal, mas sim, apresentam marcas correspondente à apreensão por mãos, o que o arguido reconheceu ter feito, mas em circunstâncias absolutamente distintas das descritas pela assistente. Acresce que, os relatórios periciais apenas confirmam as lesões no pescoço, admitindo, como fazem genericamente, poderem ter sido provocadas por diversas formas, nomeadamente as descritas pela assistente. Porém, se o esganamento tivesse lugar nos termos descritos pela assistente, seguramente que as lesões no pescoço não seriam, no essencial, hematomas, nomeadamente aqueles que são visíveis nas referidas fotografias de fls. 72;
50. Acresce ainda que, nenhuma prova foi produzida, que permitisse de forma segura e inequívoca dar por assente que a assistente tinha no bolso das calças a quantia de € 200,00 e as chaves do estabelecimento e que o arguido, em algum momento, depois do confronto, as retirou. Sem prescindir e ao contrário do que foi dado como assente, a assistente não afirmou ter o telemóvel no bolso, antes admitiu que ele estaria pousado.
51. Acresce que, nenhuma prova foi produzida que pudesse dar por assente que o arguido, e após a perda dos sentidos da assistente, mexeu no corpo desta, para lhe retirar dinheiro que se encontrava no bolso de trás das calças e as chaves. Aliás, o arguido negou, conforme resulta das declarações que infra transcreveremos, mas confessou espontaneamente ter retirado € 80,00 da caixa registadora e o telemóvel, o que não precisava quanto àquele valor que retirou da máquina registadora porque nenhuma prova existia que corroborasse essa retirada de dinheiro. Ora, era absolutamente indiferente para o preenchimento do crime em discussão e de que estava acusado o arguido, este confessar ter-se apropriado também dos € 200,00 e das chaves. Este não retirou esse valor nem a existência do mesmo não se afigura demonstrada nos autos. A assistente afirmou que, já após lhe terem retirado e recolhido a roupa, perguntou aos bombeiros se nas calças se encontrava aquela quantia em dinheiro e as chaves, o que estes terão negado. Contudo, mesmo que as chaves e dinheiro estivessem guardados nas calças que a assistente trajava, nos termos dados por assentes, aqueles podem ter sido retirados ou caído em circunstâncias muito diversas e não relacionadas com o arguido;
52. Por último, nenhuma prova foi produzida que permitisse com o mínimo de segurança dar como provado que a assistente ficou trancada no interior do bar, porque, na realidade, ninguém afirmou que a porta que usualmente dava acesso ao bar estivesse trancada e não apenas batida ou fechada. A assistente não sabe se em algum momento se aproximou sequer dessa porta, admitindo como possível ter-se dirigido logo e apenas à janela próxima do balcão, janela essa onde pediu socorro. Mais aquela afirmou que a porta em causa se apenas for batida não abre pelo exterior - cfr. declarações da assistente S. T. que supra transcrevemos e que aqui damos por reproduzidas.
53. Também o agente da GNR que se deslocou ao local, F. T., ouvido em julgamento não foi capaz de afirmar que a porta em causa estivesse trancada, mas apenas que, do exterior, não constataram existir nenhuma porta aberta. Acresce que, aquele também referiu que tiveram que arrombar uma porta não tendo contudo, infelizmente, feito a melhor opção porque escolheram uma porta que se encontrava com grades colocadas no interior, o que dificultou os trabalhos de acesso ao espaço interno do estabelecimento para auxiliarem a assistente S. T.;
54. Este agente da GNR, tal como a testemunha T. S. não tiveram dúvidas em afirmar que o cenário que encontraram no interior do bar, nomeadamente na zona do balcão era um cenário de luta, confronto, facto realçado por nós em sede de alegações e que o Tribunal a quo expressamente procurou desvalorizar no douto Acórdão, afirmando que esta testemunha "não fundamentou a sua expressão "marcas de luta, de agressão e de defesa de parte a parte";
55. Ora aquela testemunha esclareceu o porquê de ter ficado com essa perceção, como resulta do depoimento que infra transcreveremos. Porém o Tribunal a quo, na altura não ficou com dúvidas, mas antes esclarecido sobre essa afirmação do agente em causa, porque, se não, naturalmente, questionaria o mesmo para poder compreender a razão de ciência, o que não fez, omitindo assim, então, um esclarecimento que era para o Tribunal, fundamental à descoberta da verdade;
56. As testemunhas T. S. e F. T. estavam, como se vem de referir, certos, porque de facto conforme a assistente referiu nas suas declarações existiu um confronto entre assistente e arguido, do qual, infelizmente, resultaram as lesões para aquela, as quais, infelizmente, são irreversíveis.
57. O Tribunal também ignorou o depoimento da testemunha M. P., e do pai da assistente, F. M., os quais confirmaram a personalidade forte da arguida e que em situações de tensão ou stress aquela é explosiva e usa linguagem vernacular - como é normal nesta região do país e usual em estabelecimentos de diversão noturna - e que não evita uma discussão. As testemunham em geral tentaram omitir esse caráter porque sabiam, até pela contestação, que a defesa procuraria demonstrar o mesmo. A própria assistente nega esse caráter e personalidade, contudo o mesmo resultou do depoimento daquelas testemunhas;
58. Também resultou não só do depoimento daquelas testemunhas e em particular da M. P. que a assistente era pessoa capaz de por alguém fisicamente fora do estabelecimento de diversão noturna, como, inclusivamente o tinha feito em relação àquela. Mais resulta das declarações da assistente que esta é forte, e ao contrário do que refere o Tribunal a quo, e sem prescindir já na altura ter reduzida acuidade visual, não é frágil, mas antes vigorosa e forte - tendo sido professora de educação física - e lutadora, tendo, como a própria admitiu, lutado com o arguido, apesar de afirmar apenas o ter feito defensivamente. Quando questionada pela defesa quais foram os gestos defensivos em concreto, aquela visivelmente desconfortável pela pergunta, apenas descreveu um ato defensivo, o que não é nada verosímil e até contraditório com o que foi dizendo ao longo do seu depoimento;
59. Conferir nesse sentido declarações do arguido H. M., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 01:19:12 (ficheiro 20190919094944_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019, e ainda declarações da assistente S. T., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 01:31:34 (ficheiro 20190919110917_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019 e que parcialmente infra transcrevemos e ainda depoimento da testemunha M. P., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 00:14:39 (ficheiro20190919145955_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019, e que supra parcialmente se transcreveram e que aqui se dão por reproduzida para todos os efeitos legais. Também impõem decisão diversa as mensagens extraídas do telemóvel da supra referida testemunha M. P., reproduzidas através de fotografia e juntas aos autos a fls. 441 a 443; depoimento da testemunha T. S., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 00:21:59 (ficheiro 20190919140855_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019, depoimento da testemunha F. T., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 00:17:30 (ficheiro 20190919153345_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019: depoimento da testemunha F. M., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 00:33:45 (ficheiro 20191010152259_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 10.10.2019, inspeção judiciária de fls. 111 a 122, relatórios periciais de fls 188 a 189, e de fls..... junto aos autos em 17.09.2019, que e que supra parcialmente se transcreveram e que aqui se dão por reproduzida para todos os efeitos legais;
60. Assim, a aqui impugnada factualidade vertida nos pontos 1.16, 1.17, 1.18, 1.19, 1.20, 1.21, 1.22, 1.23, 1.24, 1.25, 1.28, 1.31, 1.32, 1.34, 1.35, 1.36, 1.37, deveria ter sido dada como não provada ou ter a redação supra referida e que aqui se dá, por brevidade, por reproduzida;
61. Foi erradamente dado como provado no ponto 1.50 a seguinte factualidade: "1.50. – Os rendimentos da ofendida, constituíam o único meio de subsistência da família";
62. Ora, o Tribunal deu como assente a referida factualidade com base, no essencial, nas declarações da assistente S. T.;
63. Provas que impunham e impõem decisão diversa: Depoimento da testemunha F. M., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 00:33:45 (ficheiro 20191010152259_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 10.10.2019, depoimento supra transcrito e que aqui, por brevidade se dá integrado e reproduzido para todos os efeitos legais;
64. Conforme resulta do depoimento da testemunha F. M., a assistente vivia no bar, só regressando a casa daquele no dia de folga sendo este que suportava as despesas da casa e nomeadamente do neto, filho da assistente, o qual, a si está confiado, de facto, desde os quatro anos de idade daquele (menor). A assistente apenas e exclusivamente se sustentava a si própria, e mesmo assim por vezes, o progenitor desta tinha de a ajudar.
65. Assim, a aqui impugnada factualidade vertida no ponto 1.50, deveria ter a seguinte redação: 1.50. – Os rendimentos da ofendida, constituíam o seu único meio de subsistência;
66. Foi erradamente dado como provado no ponto 1.60 a seguinte factualidade: "1.60. – Não foi efetuada interrupção de fornecimento de energia à instalação em causa com fundamento em mora do cliente, apesar de ter sido enviada ao local uma equipa para o efeito.";
67. Ora, o Tribunal deu como assente a referida factualidade com base, no essencial, nas declarações da assistente S. T.;
68. Acontece que, quanto a este concreto ponto da matéria de facto, o Tribunal omitiu diligência essencial à descoberta da verdade, uma vez que o arguido/recorrente, em sede de contestação requereu para prova do alegado no artigo 6 º da referida contestação [Conforme resulta desta participação, os factos naquelas circunstâncias de tempo, modo e lugar foram distintos, nomeadamente no pretérito dia 3 de Julho de 2018, cerca das 17:30 horas, o participante deslocou-se àquele estabelecimento comercial, onde trabalhava em part-time, tendo encontrado a participada no exterior daquele, visivelmente alterada, porque lhe tinha sido cortado o fornecimento de energia pela Distribuidor de Eletricidade ...], e na sequência da informação prestada a fls. 547 dos autos, que se oficiasse à Agente de Eletricidade ... - …, S.A., com sede social na Av. …, , para esta vir informar os autos se foi efetuada a interrupção de fornecimento de energia à instalação em causa com fundamento em mora do cliente. Mais requereu e para melhor identificação que fosse junta cópia da informação prestada pela Agente de Eletricidade ... Comercial de fls. 547 dos autos. Uma vez que essa informação se afigurava útil, essencial à boa decisão da causa;
69. Porém, sem prescindir o Tribunal a quo ter determinado que se oficiasse à Agente de Eletricidade ... nos termos requeridos, certo é que tal informação não foi facultada, não tendo sido obtida resposta por parte da Agente de Eletricidade ..., sendo certo que aquela remeteu apenas aos autos ofício datado de 02.08.2019 ofício esse informando conforme anteriormente o fizera que “não está ao alcance desta empresa comercializadora a prestação de informação, pois que, por imposição legal, se trata de matéria de natureza técnica da exclusiva competência do Operador da Rede de Distribuição na sua dupla qualidade de proprietária das equipas de medida e entidade à qual compete a exploração das redes elétricas públicas de baixa tensão”. Ofício esse que além de não satisfazer o solicitado, não foi notificado ao arguido, para ele querendo pronunciar-se e poder insistir com o cumprimento do solicitado e determinado pelo Tribunal a quo;
70. Ora, o Tribunal a quo, não só não ouviu o arguido sobre aquele ofício do qual este não teve conhecimento, como omitiu diligência que se afigurava essencial à descoberta da verdade, podendo assim ficar esclarecido pelo Operador de Rede de Distribuição que diligência os respetivos funcionários efetuaram no referido estabelecimento de diversão noturna da assistente. Aliás, conhecer-se a identidade desses funcionários era relevante para chamar os mesmos a depor e assim perceber o estado de humor da assistente e a sua conduta perante aqueles e quando o arguido ali chegou;
71. Ora, o Tribunal a quo omitiu diligências – insistência junto da Agente de Eletricidade ... para cumprir com o solicitado - que se reputava essencial a boa decisão da causa, o que consubstancia uma nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120, n.º 2, al. d), que aqui se suscita e alega para os devidos e legais efeitos. Mais violou o princípio do contraditório nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 327º do CPP, uma vez que o arguido não foi notificado do supra identificado ofício nem sobre este se pode pronunciar nem requerer ou renovar a diligência de prova requerida ou requerer outra que se afigurasse pertinente. O arguido só agora a estudar o processo após o julgamento verificou a existência desse ofício suscita essa omissão em sede de recurso;
72. Pelo exposto não só as declarações da assistente não eram credíveis para dar como provado este ponto da matéria de facto dada como assente, como também, visivelmente quer a assistente quer o seu pai, F. M., procuraram contrariar essa realidade, sempre omitida por estes na fase de inquérito e que só foi conhecida porque o arguido descreveu e referiu a ida ao local desses técnicos na participação que juntou aos autos. Até esse momento a assistente S. T. nunca fez qualquer referência nos seus depoimentos à ida ao estabelecimento daqueles técnicos após o seu pai se ter ausentado do mesmo;
73. Pelo exposto, há uma manifesta insuficiência de produção de meios de prova, pelo que o tribunal não deveria ter dado por assente aquele facto, como deu. Logo deveria tal facto ter sido dado como não provado.
74. Do que se vem de expor, e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, resulta que não se provou ou não se produziu qualquer prova de que o arguido H. M. praticou o crime de homicídio qualificado na forma tentada p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1, 22.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), 23.º, n.º 1 e 2, 30.º, n.º 1, 73.º, 131.º, 132.º, n.º 2, als. c) e j), todos do Código Penal;
75. Dispõe o artigo 32.º do Código Penal: Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão atual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro;
76. Mais dispõe o artigo 33.º do Código Penal: 1 - Se houver excesso dos meios empregados em legítima defesa, o facto é ilícito mas a pena pode ser especialmente atenuada; 2 - O agente não é punido se o excesso resultar de perturbação, medo ou susto, não censuráveis;
77. Ora, salvo o devido respeito, e conforme se vem de referir supra, é nosso entendimento, que quanto ao arguido, tendo em conta à prova validamente produzida, devera ter sido ditada uma absolvição do arguido pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada, reconhecendo-se, se não a legítima defesa, o excesso de legítima defesa, nos termos e com os efeitos do artigo 33º do Código Penal, devendo "apenas" considerar-se e dar por assente, neste último caso, que a sua conduta ilícita era não integradora do tipo legal do crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 22.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), 23.º, n.º 1 e 2, 30.º, n.º 1, 73.º, 131.º, 132.º, n.º 2, als. c) e j), todos do Código Penal, mas sim integradora do crime de ofensa à integridade física grave, prevista e punida pelo artigo 144º, alínea b) do Código Penal;
78. Dispõe que o artigo 144º do Código Penal que: Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a: b) Tirar-lhe ou afetar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem; (...) é punido com pena de prisão de dois a dez anos.
79. A alínea b) – aquela que nos interessa para o caso em apreço – contempla as chamadas lesões funcionais.
80. Podemos ler, a seu propósito, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, na página 228: «(…) Em causa tanto poderá estar a perda completa dessas faculdades, como parece indicar a expressão “tirar-lhe”, como a sua diminuição, ou seja, perdas da ordem de percentagem, de capacidade de visão, auditiva, de trabalho, etc. Quer a perda quer a diminuição terão que ser graves, ou seja, não poderão ser insignificantes, transitórias, muito embora não se exija a permanência das lesões.»;
81. Na página 230, da obra citada, pode, também, ser lido: "Há a perda de um sentido quando se verifica a privação absoluta do mesmo sentido";
82. Ora, as lesões sofridas pela assistente S. T., no caso em concreto, não podem deixar de ser consideradas graves, naturalmente, contudo, estas não foram provocadas através de uma conduta que visava tirar àquela a sua vida, conforme supra referido na impugnação da matéria de facto, nem sequer provocar-lhe em concreto aquelas lesões, porque estas ocorrerem num quadro de retorsão, em que o arguido, numa luta iniciada por aquela, se envolve em confronto com a mesma, e nesse circunstancialismo, sem controle e num quadro emocional instável, desferiu golpes na assistente, sem visar atingir em concreto aquela nos órgãos que veio de facto a atingir, nomeadamente olho esquerdo e ouvido direito, os quais vieram, em consequência da conduta do recorrente a, infelizmente, ficarem com diminuições funcionais, apesar daqueles já serem, por motivos de doença prévia, órgãos com reduzida acuidade visual e auditiva. Ora, essa conduta, nos termos e pelas razões supra referidas, só pode, e deve integrar, entendendo-se que há excesso de legítima defesa, o crime previsto e punido pelo artigo 144º do Código Penal, devendo, nessa parte, ser alterada a qualificação jurídica dos factos, os quais deverão ter a redação supra referida na impugnação de facto;
83. A assistente/demandante S. T. (solteira, desempregada, residente na Rua ..., n.º …, …, Santo Tirso) deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido/demandado H. M., pelos fundamentos expostos no pedido de indemnização civil por si deduzido, peticionando a condenação deste a pagar- lhe a quantia global de 382.010 € (trezentos e oitenta e dois mil e dez euros), sendo 80.000 € (oitenta mil euros) a titulo de indemnização por danos não patrimoniais, 300.000 € (trezentos mil euros) referentes aos lucros cessantes pela perda do rendimento de trabalho emergente, 1.190 € (mil cento e noventa euros) referentes aos custos suportados com as mensalidades e despesas à ACAPO, 390 € (trezentos e noventa euros) referentes à compra de um telefone adaptado iphone 7, 50 € (cinquenta euros) referentes à compra de uma bengala, tudo acrescido de juros legais, a contar da notificação do pedido até efetivo e integral pagamento;
84. A demandante declarou relegar a fixação do pedido de indemnização quanto aos custos do aparelho auricular e do pagamento do salario de uma empregada, para decisão ulterior, atento o previsto no artigo 564.º, n.º 2 do Código Civil;
85. Ora, após análise dos factos provados (supra elencados) constata-se que o arguido/demandado H. M., considerando que existiu excesso de legítima defesa, e que a sua conduta é integradora do crime ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144º do Código Penal, ao praticar os referidos factos ilícitos, dolosos e danosos está obrigado a indemnizar pelos danos causados;
86. Assim, quanto aos danos não patrimoniais sofridos pela demandante S. T. causados necessariamente pela conduta do arguido, ponderados todos os factos referidos, o grau de culpa, o modo de execução, o contributo da assistente para que os factos ocorressem - conduta esta que não pode ser ignorada e desvalorizada objetiva e subjetivamente -, aos meios utilizados para perpetrar as lesões físicas, tendo em conta a concreta situação económica do arguido (cujos factos estão elencados na matéria assente mormente no relatório social), bem como a medida jurisprudencial deste Tribunal em casos idênticos, considera-se desajustada e infundada a indemnização de 50.000,00 € (cinquenta mil euros) a pagar pelo arguido H. M. à assistente. A fixação deste concreto valor não está fundamentado e devidamente concretizado, não se logrando perceber o raciocínio do Tribunal, que permitiu fixar aquele valor, e não outro, o que se afigura consubstanciar a nulidade de falta de fundamentação prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea a) ex vi artigo 374º, n.º 2, alínea b) do Código Processo Penal, o que aqui se alega e suscita para os devidos e legais efeitos, importando a nulidade do douto Acórdão condenatório;
87. Quanto aos danos patrimoniais sofridos pela demandante S. T., entendeu também o Tribunal a quo considerando os factos que deu por assentes, entendeu que os pedidos de 1.190 € (mil cento e noventa euros) referentes aos custos suportados com as mensalidades e despesas à ACAPO, 390 € (trezentos e noventa euros) referentes à compra de um telefone adaptado iphone 7, e 50 € (cinquenta euros) referentes à compra de uma bengala, deviam proceder, razão pela qual foi o arguido/recorrente H. M. pagar esses montantes à ofendida;
88. A demandante S. T. peticionou ainda € 300.000 (trezentos mil euros) referentes aos lucros cessantes pela perda do rendimento de trabalho emergente, no entanto, considerando o Tribunal a quo, no que acompanhamos, que a mesma nada provou em julgamento (e o ónus da prova sobre a mesma impende, cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), o pedido improcedeu;
89. Ora, conforme supra referido, afigura-se que a indemnização fixada a título de danos não patrimoniais foi excessiva, uma vez que não podemos ficar alheios, não só à respetiva conduta da assistente e contributo para que os factos tivessem lugar, como também ao facto desta, infelizmente, à data em que os factos aqui em julgamento tiveram lugar, já não ter visão no olho direito, ao contrário da factualidade dada por assente pelo Tribunal a quo, como também já só tinha 20% de visão no olho esquerdo, e ainda ao facto de, nessa data também já ter graves problemas ao nível de audição, aliás conforme resulta do relatório pericial junto aos autos a fls. .... dos autos;
90. Acresce que, ao contrário do referido no douto Acórdão, não resultou da prova produzida que o arguido tivesse qualquer intenção de provocar a morte à vítima. Aliás, basta uma leitura atenta às próprias declarações prestadas pela assistente em audiência de discussão e julgamento para perceber que essa intenção nunca existiu, e que esta, ao contrário do valorado pelo Tribunal a quo faltou à verdade, não assumindo a sua conduta que despoletou o confronto, nem assumido os seus atos praticados e que visavam atingir o corpo do arguido, para além de ter descrito uma dinâmica dos factos que não tinha qualquer relação da realidade histórica dos factos, efabulando atos e uma dinâmica que não existiu de facto;
91. É certo que o arguido temeu que do confronto tivesse resultado a morte, mas nunca foi sua intenção, mesmo a título de negligência, alcançar esse resultado. E estamos em crer que a assistente não temeu a morte, ou se tal aconteceu, tal ocorreu pelo natural medo que decorre da luta travada e dos golpes provocados e que para além das naturais dores, atingiram-na - e retiram - a visão e que a impediram percecionar o desfecho daquela luta e a concreta atuação do oponente;
92. Pelas razões supra expostas, para além de não existir a prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada, reconhecendo-se, se não a legítima defesa, o excesso de legítima defesa, nos termos e com os efeitos do artigo 33º do Código Penal, devendo "apenas" considerar-se e dar por assente que a sua conduta ilícita era integradora do crime de ofensa à integridade física grave, prevista e punida pelo artigo 144º do Código Penal, também se afigura que a indemnização a que o arguido foi condenado foi excessiva e desajustada e desproporcional, mais a mais, que a arguida não logrou demonstrar sequer os rendimentos que auferia à data da pratica dos factos, sendo certo que inclusivamente nessa altura já não tinha a seu cargo o filho menor, estando este a cargo dos avós do menor, com quem aquele residia desde os quatro (4) anos, como o reconheceu o pai da assistente, face ao decesso do progenitor e tendo em conta que a assistente vivia e dormia no estabelecimento de diversão noturna de terça-feira a domingo - cfr. depoimento da testemunha F. T., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 00:17:30 (ficheiro 20190919153345_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019, e que supra parcialmente se transcreveram e que aqui se dão por reproduzida para todos os efeitos legais;
93. Não querendo ser desumano, porque não pode, não quer e não deve, mas carecendo de ser objetivo, não pode o recorrente deixar de referir, e reiterar, que a assistente S. T. já infelizmente era, à data da prática dos factos, cega de um olho e pouca acuidade visual lhe restava no outro, sendo certo que essa reduzida visão, apesar de ser preciosa (ou até mais valiosa para a própria), mas que não pode deixar de ser, nesta matéria e para este fim indemnizatória, deixar de ser considerado que o dano em concreto provocado em resultado da conduta do arguido/demandado resultou na perda de 20% da visão que infelizmente restava à assistente. O mesmo se refira quanto à audição, uma vez que, como resulta das declarações da assistente S. T. - gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 01:31:34 (ficheiro 20190919110917_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 19.09.2019 e que parcialmente supra transcrevemos e aqui damos por reproduzidas - esta, à data dos factos já quase não tinha audição no ouvido esquerdo;
94. O dia a dia da S. T. já estava bastante condicionado, carecendo sempre de ser transportada, não logrando ter autonomia nesse sentido, e se apesar de ter mais autonomia do que a que agora tem - agora é reduzida, carecendo de adaptação para recuperar parcialmente a mesma porque mesmo sendo invisual é possível ter alguma autonomia - já estava limitada aquela, realidade que não pode nesta matéria ser desconsiderada pelo Tribunal a quo, o que foi, com o devido respeito. É difícil ao arguido suscitar esta questão, e ainda mais ao signatário, mas por dever de ofício, não o podemos deixar de fazer, porque deve e tem de ser considerado concreto dano verificado e indemnizável neste âmbito. Sem prescindir, conforme supra referimos, para além de o Tribunal não ter considerado devidamente os concretos danos provocados pela conduta do recorrente, no circunstancialismo já supra descrito, também não fundamentou devidamente o seu raciocínio e o processo lógico mental que conduziu a determinação da concreta indemnização pelos danos não patrimoniais em que veio aqui a ser condenado o aqui recorrente e que aqui se impugna;
95. A escolha da pena reconduz-se, numa perspetiva politico-criminal a um movimento de luta contra a pena de prisão. A este propósito dispõe o art.º 70º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Assim exprime, o legislador, a preferência pelas penas não privativas da liberdade;
96. É certo que a única vantagem que a pena de prisão pode apresentar face a qualquer outra pena não privativa da liberdade, reside precisamente na circunstância de corresponder ainda hoje ao sentimento generalizado da comunidade a convicção de que, em muitos casos criminais, a privação de liberdade é o único meio adequado de estabilização contrafáctica das suas expectativas, se em seu entender “fazer-se justiça”, abaladas pelo crime, na vigência da norma violada, podendo ao mesmo tempo servir a socialização do transgressor;
97. Todavia não se poderá corresponder a tal sentimento generalizado da comunidade, condenando em penas de prisão efetiva. Antes de mais há que atender às constatações da moderna criminologia tendentes à afirmação de que “aquele que cumpre uma pena de prisão é desinvestido profissional e familiarmente, sofre o contágio prisional, fica estigmatizado com o labéu de ter estado na prisão e não é compensado, muitas vezes, com uma efetiva socialização”. Para além de que a privação da liberdade pode representar um peso diferente consoante a personalidade de quem a sofre sem que essa diferente “sensibilidade á privação da liberdade” possa ser adequadamente levada em conta na medida da pena. Não se olvidem, por fim, embora num plano diferente, os elevadíssimos custos financeiros públicos do sistema prisional;
98. Tudo o exposto, é nosso entendimento que, no caso concreto, a pena aplicável ao recorrente, caso se entenda que a sua conduta se subsume ao crime p. e p. pelo art. 144º, alínea b) do Código Penal, deverá, tendo em conta os critérios definidos pelo Tribunal a quo e as circunstância que depõem contra e a favor do arguido e as concretas necessidades de prevenção geral e especial consideradas por aquele quanto ao crime de homicídio qualificado na forma tentada, e aqui para o crime de ofensa à integridade física grave ser de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
99. Não podemos esquecer que o arguido nunca esteve preso, e sem prescindir já ter sido condenado pelo crime de violência doméstica, o certo é que nunca aquele, quer nessas circunstâncias em que foi condenado por esse crime de violência doméstica, quer quanto aos demais crimes por si praticados, atentou contra a vida ou integridade física de qualquer pessoa. Isto apesar de inclusivamente a sua filha mais velha sido abusada sexualmente pelo padrasto, este não procurou revidar ou vingar-se do comportamento daquele, através de violência, como foi confirmado pela testemunha C. M. (mãe daquela e ex-mulher do arguido) em sede de audiência de discussão e julgamento - cfr. depoimento da testemunha C. M., gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal iniciada às 16h18m57s e o seu termo às 16h24m17s, conforme ata de audiência de julgamento de 10.10.2019, que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais;
100. Acresce que o arguido, conforme resulta da factualidade assente, esteve em prisão preventiva durante 1 (um) mês, e está atualmente, e há mais cerca de 16 (dezasseis) meses, sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, tendo já sentido à reclusão e as consequências do seu ato e da sua conduta ilícita;
101. Acresce que, também neste período, e por motivo de infeção que não foi devidamente tratada, e que se agravou durante a reclusão, o arguido teve que ser internado mais do que uma vez, tendo sido amputados dedos em ambos os pés;
102. O arguido manifestou arrependimento, o qual não foi considerado erradamente pelo Tribunal como sincero - mas até o pai da ofendida percebeu que o arguido não se "sente bem" com o que fez ([00:19:18] F. M.: O Sr. H. M. conhece-me e sabe bem, pronto, daquilo que falo e aquilo que, pronto, que tenho cá dentro que é assim, e, portanto, eu não sei, ele próprio também não se sente bem. Não se sente bem, porque a situação é como acabámos de relatar - cfr. depoimento da testemunha F. M., gravadas em CD através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal desde o minuto 00:00:01 a 00:33:45 (ficheiro 20191010152259_5706427_2870533.wma), conforme ata de audiência de julgamento de 10.10.2019) -, procurou pedir desculpa à assistente pelos seus atos e pelo seu desgraço contributo no confronto para as lesões da mesma. É pessoa humilde, pacata e calma, bem vista socialmente, apesar de introvertido e pessoa de não frequentar cafés, apesar de ter trabalhado no espaço de diversão noturna da assistente;
103. Ora, tendo em conta os mesmos critérios seguido pelo Tribunal a quo e as necessidades e fins das penas, o arrependimento, o facto de o arguido ter sido diminuído, insultado e menosprezado pela ofendida e tendo em conta a paixão que sentia pela mesma, situação essa (insulto e menosprezo) que contribuiu para o descontrole após o primeiro ataque levado a cabo por aquela, e tendo ainda em conta a sua personalidade e afetuosidade, nomeadamente para com os seus filhos - isso mesmo resulta das declarações das suas ex-companheiras - e ainda o comportamento de profundo respeito por todos - deveria a concreta pena aplicada ao arguido, mesmo considerando-se o crime de homicídio qualificado, na forma tentada, ser reduzida, neste último caso a 5 anos de prisão;
104. Sem prescindir, se este Venerável Tribunal da Relação de Guimarães entender, como deve entender, que a conduta do recorrente se subsume ao crime previsto e punido no art. 144º do Código Penal, tendo em conta os mesmos critérios e necessidades e fins das penas, o arrependimento, que ao contrário do alegado pelo Tribunal, foi sincero, de facto, e todos as circunstâncias que depunham a favor do arguido que não foram, quanto a escolha da medida da pena integral e convenientemente consideradas, nomeadamente o facto de o arguido estar, reitere-se sinceramente arrependido, ter confessado parcialmente os factos, ser educado e respeitador, integrado socialmente, entendemos que a pena a aplicar nunca deveria ser superior a 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, ou no limite, 4 (quatro) anos de prisão;
105. No que se refere ao crime de furto qualificado, é nosso entendimento que tendo em conta os fins das penas, as concretas necessidades de prevenção geral e especial, e todas as circunstâncias que depõem a favor do arguido, o que tudo supra referimos e aqui damos por reproduzido para todos os efeitos legais, é nosso entendimento que a pena aplicável não deveria ser superior a 6 meses de pena de prisão;
106. Em cúmulo jurídico, considerando as penas que em nosso entendimento deveriam ser aplicadas, deveria o recorrente H. M. ser condenado na pena única de 4 anos, considerando que agiu em excesso de legítima defesa, nos termos e para os efeitos do artigo 33º do código penal, e/ou considerando-se que os factos efetivamente praticados pelo arguido deveriam consubstanciar o crime de ofensas integridade física grave e um crime de furto qualificado, ou se assim não se entender, e se mantiver as qualificações jurídicas operadas pelo Tribunal a quo, o que só se admite para mero efeito de raciocínio, deveria o arguido ser condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, devendo a mesma ser suspensa na sua execução, uma vez que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma suficiente e adequada as finalidades da punição, nos termos do disposto no artigo 50º do Código Penal;
107. Disposições violadas: as referidas supra e as V. Exas. suprirão, nomeadamente, artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, os artigos 32º e 33º e 144º, 131º, 132, n.º 2, al. c), e) e al. j), 210º, n.º 1 e n.º 2, al. b), este por referência ao disposto no artigo 204º, n.º 2, al. f) do Código Penal, art. 22º, n.º 1 e n.º 2, al. b), 23º, n.º 1 e 2, 30º, n.º 1 e 14º, n.º 1 do Código Penal, artigos 120, n.º 2, al. d), 127º, 327º, 340º, 374º e 379º do Código de Processo Penal.

Termos em que, se deverá revogar o douto Acórdão condenatório nos termos e pelas razões supra expendidas, absolvendo o arguido do crime de homicídio qualificado na forma tentada, e condenando-se antes pelo crime de ofensa à integridade física grave e pelo crime de furto qualificado, na penas supra propugnadas, assim se fazendo, uma vez mais,
JUSTIÇA!»

3. Tendo o recurso sido interposto no 3º dia útil subsequente ao termo do respetivo prazo, o arguido e demandado, ao abrigo do disposto no n.º 8 do art. 139º do Código de Processo Civil, ex vi art. 107º, n.º 5, do Código de Processo Penal, requereu a dispensa do pagamento da multa devida ou, subsidiariamente, a redução do respetivo montante, requerimento esse que foi indeferido pelo Mmº. Juiz titular do processo, mediante despacho de 18-12-2019.

4. Igualmente inconformado com esta decisão, também dela interpôs recurso o arguido e demandado, extraindo da respetiva motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:
«CONCLUSÕES

1. O Arguido H. M. não se conforma com o douto despacho prolatado em 18.12.2019, o qual indeferiu a dispensa ou a redução da multa devida por prática do ato (interposição de recurso) no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo;
2. Por requerimento apresentado nestes autos, o aqui Recorrente invocou e requereu que, nos termos do nº 8 do artigo 139º do Código de Processo Civil ex vi artigo 107º, nº 5 do Código de Processo Penal, fosse o Arguido/Requerente dispensado da multa devida, pela prática do ato – interposição de recurso – no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, ou que a mesma fosse reduzida, face à sua manifesta desproporcionalidade e face a manifesta insuficiência económica do Requerente - cfr. requerimento que supra se transcreveu;
3. Todavia, foi esse requerimento de dispensa ou redução da multa, indeferido nos termos e com os fundamentos que supra já se transcreveram e aqui se dão por reproduzidos;
4. Dispõe o artigo 107º-A alínea c) que “Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, à prática extemporânea de atos processuais penais aplica-se o disposto nos n.os 5 a 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil – agora, artigo 139.º do mesmo Código, desde a reforma de 2013 - com as seguintes alterações: c) Se o ato for praticado no 3.º dia, a multa é equivalente a 2 UC.”;
5. Por sua vez dispõe o artigo 139º nº 5 do Código de Processo Civil: “5 - Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos: a) Se o ato for praticado no 1.º dia, a multa é fixada em 10 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 1/2 UC; b) Se o ato for praticado no 2.º dia, a multa é fixada em 25 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 3 UC; c) Se o ato for praticado no 3.º dia, a multa é fixada em 40 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 7 UC.”;
6. O Arguido interpôs recurso do douto acórdão condenatório prolatado nestes autos no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo;
7. O arguido, e seu mandatário, não só teve que desde logo estudar e analisar o douto Acórdão condenatório - que só ficou disponível, via Citius, no dia 1 de Novembro de 2019, dia feriado e que teve lugar neste ano de 2019 numa sexta-feira, uma vez que o texto do Acórdão apenas foi disponibilizado por essa via, sendo certo que, como é do conhecimento comum, os mandatários só têm acesso aos documentos e movimentações processuais levadas a cabo por aquela plataforma no dia imediatamente posterior ao dia da publicação, a partir das 00:01 horas -, como teve que, uma vez que ia recorrer de facto e de direito, e uma vez que tinha que dar cumprimento ao disposto no n.º 4 do artigo 412º do Código Processo Penal, proceder à transcrição de várias horas de declarações e depoimentos, o que naturalmente consumiu centenas de horas de trabalho, uma vez que não só o douto Acórdão condenatório e respetiva fundamentação teve que ser analisado cuidadosamente, antes da elaboração da motivação do recurso, como cada minuto de transcrição de declarações ou depoimentos demora em média cerca de 20 minutos, para ser realizado com rigor e face às dificuldades de audição da gravação e pronúncia;
8. Assim, não existiu, por parte do aqui Recorrente, qualquer comportamento omissivo, apenas as dificuldades inerentes a um recurso desta natureza e complexidade, em que está em causa a reapreciação da prova gravada e uma condenação em pena de prisão;
9. Naturalmente, tendo ultrapassado o prazo fixado na lei, e no uso de uma prerrogativa legal, o arguido, por se encontrar numa situação de manifesta carência económica, conforme resulta do douto acórdão, nomeadamente do ponto 1.61 dos factos provados, uma vez que se encontra desempregado e sujeito e medida coativa privativa da liberdade, sendo sustentado pelos pais, reformados e de humilde condição económica, requereu a dispensa ou redução da multa, a qual deveria ter sido deferida, mais a mais a extrema importância do ato que foi praticado no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, em que está em causa a liberdade do recorrente;
10. Pretende o douto Tribunal a quo, imputar ao Mandatário, aqui signatário, a interposição do recurso do acórdão prolatado nos presentes autos no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo;
11. Porém, salvo o devido respeito e melhor opinião, tal fundamento não deverá, nem poderá, ser tido em consideração para decidir da verificação e preenchimento dos pressupostos legais que justificariam a dispensa/redução da multa devida pela interposição de recurso no terceiro dia útil posterior ao termo do prazo. A não ser assim, e a considerar-se como relevante ser o ato praticado por advogado, sem se curar de saber se existe uma situação de manifesta carência económica, haverá manifesta discricionariedade e desigualdades de armas nomeadamente com o Ministério Público, o qual está isento do pagamento dessa multa, caso pratique o ato num dos três subsequentes ao termo do prazo, sendo certo que, aquele critério, que presidiu a presente decisão, aqui posta em crise, não foi considerado pelo legislador, o qual, naturalmente o plasmaria se fosse essa a sua intenção;
12. Acresce que, o despacho recorrido carece de fundamento, quer de facto, quer de direito, uma vez que ressalta dos autos e da própria factualidade dada como provada no douto acórdão condenatório - cfr. ponto 1.61 dos factos provados - que o Arguido já antes da sua detenção tinha parcas condições financeiras, com o salário penhorado, sendo essa situação se agravou porque, para além de não ter bens, atualmente encontra-se sem emprego e a ser sustentado pelos pais, reformados e de condição humilde. Acresce que, inclusivamente por isso o arguido beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e custas;
13. Dispõe o artigo 139º, n.º 5 do Código de Processo Civil que “independentemente do justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis, subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa fixada nos seguintes termos: a) Se o ato for praticado no primeiro dia, a multa é fixada em 10 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de meia UC; b) Se o ato for praticado no segundo dia, a multa é fixada em 25 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de três UC; c) Se o ato for praticado no terceiro dia, a multa é fixada em 40 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de sete UC;
14. Mais, dispõe o artigo 139º, n.º 8 do Código Processo Civil ex vi art. 107º, n.º 5 do Código Processo Penal: o Juiz pode excecionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respetivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas ações que não importem a constituição de mandatário e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte.(sublinhado nosso);
15. Ora, de acordo com as disposições que vimos de reproduzir, qualquer sujeito processual – que esteja sujeito a prazos perentórios – pode praticar ato processual perentório dentro dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade apenas dependente do pagamento imediato de uma multa, a qual pode e deve ser reduzida ou o seu pagamento dispensado pelo Mmo. Juiz titular do processo (é um poder/dever), desde que preenchidos os requisitos consignados no n.º 8 do citado artigo 139º do Código Processo Civil;
16. Ora, os requisitos do n.º 8 do citado artigo 139º do C.P.C. estão claramente preenchidos de acordo com a prova produzida e dada como provada no douto acórdão, não podendo, nem devendo, sem qualquer prova nesse sentido, ser imputada a prática do ato só na data em que o foi, ao mandatário do Recorrente, sendo certo que também, de acordo com a intenção do legislador, as circunstâncias ou requisitos que o Tribunal a quo tinha que verificar o seu preenchimento, para dispensar ou reduzir a multa, pretendem-se com a situação económica do Requerente e não do seu mandatário, como também tal não ocorre com o Ministério Público, o que qual inclusivamente, em idênticas circunstâncias está isento do pagamento da multa;
17. Não foi essa a intenção do legislador e preconizando-se o entendimento posto em crise, o n.º 8 do artigo 139º do C.P.C, ex vi artigo 107º, n.º 5 do C.P.P. será completamente esvaziado uma vez que, sendo processos de obrigatoriedade de assistência por defensor, é a estes que compete sempre por zelar pela prática dos atos nos prazos definidos pela lei, sendo certo que contudo estes estão sempre condicionados por diversas circunstâncias, nomeadamente pela própria colaboração do defendido no processo de decisão de interposição de recurso, e as supra referidas, que por si não são suscetíveis de fundamentar a invocação do justo impedimento;
18. Ver quanto a esta matéria o esclarecedor Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, prolatado em 04-03-2013, no âmbito do Proc. n.º 1691/07.7PBAVR.C2: “Quanto à pretensão do recorrente, é evidente a sua razão. A posição do Ministério Público e do despacho em causa já está acima exposta, não carecendo ser agora repetida. Tal posição parece partir do pressuposto de que quem tem que ser "sancionado" é o advogado (constituído) do recorrente, que terá tido culpa no atraso, por falta de diligência sobre os seus deveres profissionais. Além de o advogado agir aqui como mandatário do seu constituinte, logo em seu nome, não há a mínima razão para se afirmar que, neste caso, tal atraso se deve única e exclusivamente ao ilustre advogado (do) requerente, ou seja que ele não foi diligente no exercício das suas funções, bem podendo acontecer que fosse precisamente o mandante que não tivesse colaborado atempadamente com aquele, atrasando a elaboração da peça processual por um dia. Mesmo assim, a eventual falta de diligência do advogado, na prática de atos das partes, não tem qualquer sanção processual, cabendo ao foro disciplinar (ou civil) a sua apreciação e decisão";
19. Note-se que o Ministério Público, enquanto "parte", pode praticar ato processual nos três dias úteis seguintes ao termo do respetivo prazo, ao abrigo do disposto no artigo 145°, n.° 5, do Código de Processo Civil, sem pagar multa ou emitir declaração a manifestar a intenção de praticar o ato naquele prazo - cf. Ac. Fixação de Jurisprudência n° 5/2012, publicado no DR, l.ª série, n° 98, de 21 de Maio de 2012 - sem que se apure sequer da sua eventual falta de diligência. A questão tinha, pois, que ser apreciada apenas relativamente ao interessado na pretensão e neste âmbito, além de haver fundamento legal, há também fundamento de mérito.”.
20. Conforme supra referido, o Requerente não tem quaisquer rendimentos ou bens, está privado da liberdade. Logo deveria o Arguido, verificados que se encontram os requisitos objetivos e subjetivos, ser dispensado da multa;
21. O Tribunal a quo não averiguou, nem valorou, como devia, a concreta situação económica do Arguido, tendo decidido indeferir a dispensa da multa, omitindo a produção de qualquer diligência de prova (sem prescindir entendermos que já estava documentada nos autos a insuficiência económica do Arguido) que se reputasse essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da questão em apreço;
22. Pelo exposto, o indeferimento da dispensa da multa só poderia ocorrer, salvo o devido respeito, se o Tribunal a quo, depois de analisada e eventualmente produzida a prova requerida ou outra que entendesse oficiosamente ordenar, considerasse não existir manifesta carência económica;
23. Além de ter requerido a dispensa de multa pela prática do ato no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, o Arguido requereu também se não se entendesse dispensar a multa, que a mesma fosse reduzida;
24. Todavia, o despacho recorrido é, quanto a nós, omisso ou se assim não se entender infundamentado no que diz respeito à requerida redução da multa, uma vez que se limita, com o devido respeito, a pronunciar de forma conclusiva sobre a não desproporcionalidade da mesma e a decidir indeferir a requerida redução, sem contudo pronunciar-se de facto, fundamentado de facto e de direito, esclarecendo porque decidiu naquele sentido o Tribunal a quo;
25. Conforme é salientado e unanimemente aceite pela jurisprudência, a omissão de pronúncia pressupõe uma situação em que o Tribunal negligencia o dever de se pronunciar sobre todas as questões que deva conhecer e a falta de fundamentação ocorre quando o Tribunal não fundamenta devidamente e suficientemente a sua decisão, nem esclarece o processo lógico mental de formação da sua convicção;
26. De acordo com o n.° 1 do artigo 205° da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei;
27. O Tribunal a quo omitiu o dever que sobre ele recaía de se pronunciar, e do fazer de forma fundamentada, sobre as questões suscitadas pelo Requerente, nomeadamente sobre a redução da multa, não se limitando a indeferir a redução, sem ser avançado ou sequer gizado nenhum juízo é que abarque a análise duma redução,
28. Conforme acima referido, apesar se afigurar resultar dos autos a carência económica do Arguido, este, no seu requerimento de redução ou dispensa de multa, requereu “que seja oficiado ao Banco de Portugal para vir informar da existência de quaisquer contas bancárias, saldos, valores e títulos depositados em contas bancárias tituladas pelo aqui requerente em qualquer instituição financeira/bancária portuguesa”;
29. Todavia, o Tribunal a quo limitou-se a indeferir a produção do meio de prova requerido, omitindo-se assim diligência que se reputava essencial para a descoberta da verdade sobre a atual situação económica do aqui recorrente, sem prescindir aquela já estar espelhada nos autos;
30. Dispõe o nº 1 do artigo 340º do Código de Processo Penal que “O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”, acrescentando-se no n.º 3 que “Sem prejuízo do disposto no art. 328.º, n.º 3, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou respetivo meio forem legalmente inadmissíveis”;
31. Este normativo é pois um afloramento do princípio da verdade material ou da investigação, que deve presidir à atividade do julgador, impondo que o mesmo persiga a verdade material dos factos sujeitos à sua apreciação;
32. Pelo exposto, o indeferimento da dispensa da multa só poderia ocorrer, salvo o devido respeito, se o Tribunal a quo, depois de analisada e eventualmente produzida a prova requerida ou outra que entendesse oficiosamente ordenar, considerasse não existir manifesta carência económica;
33. O Tribunal a quo não averiguou, nem valorou, como devia, a situação económica do Arguido, a qual se encontra espelhada nos autos, tendo antes preferido simplesmente indeferir a dispensa da multa em sentido desfavorável ao mesmo, omitindo assim diligências que se reputavam essenciais para a descoberta da verdade e não se pronunciando sobre fundamentos de facto e de direito que permitiriam, salvo o devido respeito e melhor opinião, decidir pela dispensa da multa;
34. Pelo exposto, salvo o devido respeito e melhor opinião, o citado despacho deverá ser revogado e ordenada a sua reforma, devendo, a final, dispensar-se ou reduzir-se a multa devida pelo Arguido/Requerente H. M.;
35. Disposições violadas: Foram violadas a disposições referidas supra, nomeadamente o disposto no artigo 107º, n.º 5, 107º-A alínea c) e 340º todos do Código Processo Penal, artigo 139º, n.º 5, nº 6 e e nº 8 do Código Processo Civil e 32º e 205º da Constituição da República Portuguesa, e as demais disposições que V. Exias suprirão.
36. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 408º, n.º 2, alínea a) do Código Processo Penal, o Arguido procedeu ao depósito da quantia correspondente à multa, utilizando a guia remetida para o efeito, devendo por isso ser atribuído, em consequência, efeito suspensivo ao presente recurso - cfr. doc. n.º 1 que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais.

Termos em que se deverá revogar o douto despacho, substituindo-se por outro que supra os vícios suscitados e que dispense ou reduza a multa devida pelo Requerente H. M., ou, se se entender haver insuficiência de elementos de prova, deverá ser ordenada a realização das diligências de prova requerida ou que se ordene outras que se reputem necessárias e que, a final, se dispense a multa devida pela prática do ato no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, ou se assim não se entender, e face ao depósito do valor, seja a mesma considerada paga.
Assim se fazendo, uma vez mais,
JUSTIÇA!»

5. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância respondeu à motivação de cada um dos recursos, pugnando pela improcedência de ambos, concluindo nos seguintes termos (transcrição):

5.1 - Conclusões relativas ao recurso da decisão final:

«(…)
3 - Com relação ao invocado erro de julgamento, para além de na nossa perspetiva, a argumentação aduzida se assumir como uma visão redutora e simplista na forma como o recorrente analisa o demais conjunto de prova constante dos autos e produzida em audiência, o facto é que para além do que surge referido no douto acórdão a propósito do que foram os diversos depoimentos não surge minimamente beliscado por aquilo que o recorrente refere na sua motivação, ela prende-se essencialmente com o juízo que formula e das considerações que realiza relativamente ao teor das declarações da assistente;
4 - Contudo, seja do respetivo teor seja ainda do todo feito constar na motivação do tribunal a quo não assiste razão ao recorrente naquilo que concluiu da análise da prova produzida, resultando, ao invés, que a matéria de facto dada como provada faz pleno, justo e adequado eco da prova efetivamente produzida em audiência de julgamento e onde, ao fim e ao cabo, a questão central que a motivação de recurso coloca prende-se com o princípio da livre apreciação da prova.
5 - E, perante o todo exposto no douto acórdão condenatório que até escalpeliza aquilo que envolve a negação por parte do aqui recorrente e/ou versão que apresentou, em contraposição com aquilo que é referido na motivação de recurso, é nosso modesto entendimento que a prova produzida em audiência, não desmente, minimamente, o juízo efetuado pelos MM.ºs Juizes a quo quanto à credibilidade daquelas declarações na qual estribou a sua convicção e que ali consta expressamente vertido e à análise da prova documental na sua integração e compreensão com as declarações do próprio arguido e a demais prova pessoal, documental e pericial para a afirmação daquela convicção.
6 - A convicção do tribunal formou-se com base numa análise crítica cuidada dos diversos elementos de prova, não se verificando que o juízo de credibilidade efetuado pelo tribunal ou a sua análise conflitue, de algum modo, com a boa lógica e a experiência comum, não ressaltando que outra pudesse ou devesse ter sido a decisão sobre a matéria de facto.
7 - Resulta à evidência do texto da decisão recorrida, designadamente da motivação da decisão de facto, que o Tribunal formou a sua livre convicção segundo as regras de experiência comum, na contraposição entre os diversos elementos de prova produzidos em audiência, como aliás estabelece o artigo 127.º do Código de Processo Penal.
8 - E naquilo que aliás surge referido na fundamentação do douto acórdão, o tribunal firmou a sua convicção, justificando-a, tendo decidido com base na certeza alcançada sobre a realidade dos factos, no quadro de uma verdade histórico-prática e processualmente válida.
9 - Por isso, não vislumbramos razões para que seja alterada a matéria de facto provada com base nas provas indicadas e assim considerado, vista a matéria de facto dada como provada exibem quanto a nós preenchidos, efetivamente, os elementos típicos dos crimes pelos quais o mesmo foi condenado;
10 - Naquilo que foi o expendido no acórdão proferido nos autos (e ao qual aderimos), face aos factos dados como provados, a medida das penas parcelares e única aplicadas ao condenado proficientemente explicada no acórdão faz uma justa e adequada ponderação das circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depõem a favor e contra o agente, surgindo perfeitamente balizada naquilo que é o conjunto de factos em apreciação e a personalidade manifestada pelo arguido nos crimes em causa e contendo-se dentro dos limites da culpa do arguido.
11 - O douto acórdão não violou qualquer preceito legal e nele se decidiu conforme a lei e o direito.

Deve, assim, o recurso interposto ser julgado improcedente e, desta forma, mantido o douto acórdão recorrido nos seus precisos termos.»

5.2 - Conclusões relativas ao recurso interlocutório:

«1 - Por despacho proferido nos autos viu o arguido indeferida dispensa ou redução da multa devida pela prática do ato de interposição do recurso no 3.º dia após o prazo;
2 – A despeito do esforço argumentativo colocado pelo recorrente, constata-se linearmente que naquela decisão o tribunal a quo se pronunciou sobre o todo requerido pelo arguido, em tudo aquilo que envolvia a questão sobre dispensa ou redução da multa, no contraponto com o exposto pelo arguido e tudo aquilo que sobre a sua situação económica e financeira ressoa dos autos e em que o próprio funda o seu pedido, pelo que fenece razão ao recorrente nas invocadas nulidades.
3 – Não sendo despiciendo trazer à colação que a prática fora do prazo do ato de interposição de recurso da decisão final, como aquela que foi efetuada nos autos e que tem a ver com o recurso em matéria de facto de prova gravada, estará mais proximamente ligada ao mandatário que propriamente ao arguido, como aliás é o próprio a reconhecer – conclusão 7, “a dispensa ou redução, sem mais, do pagamento dessas multas em todos os casos de carência económica descaracterizá-las-iam na sua função desmotivadora da prática dos comportamentos que pretendem evitar e uma tal interpretação redundaria num alargamento injustificado dos prazos estabelecidos para quem se encontrasse numa situação de carência económica, com o que se poderia violar até o princípio da igualdade (…);
4 - Na consideração que para além da verificação da carência económica se deverá também atender “à natureza do ato e ao motivo pelo qual não foi respeitado o prazo inicial estabelecido”, não se vendo até à data daquele requerimento qualquer motivo pelo qual não foi respeitado tal prazo, chega-se à conclusão que não existe qualquer motivo que permita acolher o requerimento formulado pelo arguido.
5 – Desta forma, nenhuma censura deve merecer o despacho recorrido por ter indeferido o aludido requerimento de dispensa ou redução da multa.
Deve, assim, o recurso interposto deve ver julgado improcedente e, desta forma, mantido o douto despacho recorrido nos seus precisos termos.»
6. Também a assistente e demandante civil, S. T., em resposta à motivação do arguido e demandado relativa ao recurso da decisão final, defendeu que o mesmo deve ser julgado improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos, tendo formulado as conclusões que a seguir se transcrevem:

«(…)
3 – Relativamente ao alegado erro de julgamento, o recorrente, pretende, desconstruir a apreciação da prova feita pelo tribunal a quo, limitando-se a assinalar que a prova produzida deveria ter sido valorada em sentido inverso. E segundo o mencionado na motivação de recurso, só valora como certas as declarações do arguido coincidentes com as declarações da assistente e afirmando que quando são contrárias aquilo que pretende fazer valer, a assistente faltou à verdade.
4 - O recorrente, argumenta, e utiliza a prova testemunhal, documental e pericial constante dos autos e produzida em audiência, relativamente à matéria dada como provada nos pontos assinalados no douto acórdão, concluindo, existirem provas em sentido contrário aquelas que o tribunal a quo deu como provados, para fazer demonstrar a este tribunal superior, que a sua versão dos factos é a que deve ser dada como provada.
5- Porém, conclui-se, que o tribunal a quo se socorreu dos mesmos meios que o recorrente utiliza, dando-lhe, este último, outro entendimento, e que decidindo o tribunal dessa forma, seriam, para si, mais convenientes.
6- Contudo, segundo refere o douto acórdão “o arguido não foi minimamente convincente nas suas declarações (eivadas por uma séria frieza para com as consequências físicas da ofendida) as quais demonstraram uma débil tentativa desresponsabilizadora da sua conduta. Verbalizou de forma inverosímil uma versão díspar dos factos relatados na acusação, pela ofendida e pelas testemunhas que o tribunal julgou credíveis”.
7- Por oposição, ao que o douto acórdão considerou das declarações prestadas pela assistente, apresentando-as, como válidas e credíveis, isto porque apresentou um raciocínio coerente, e nunca demonstrou contradição dos factos atentas as circunstâncias de como ocorreram.
8- Analisando a fundamentação da matéria de facto do acórdão, facilmente se percebe como é que de acordo com as regras da experiência comum e da lógica o tribunal formou a sua convicção, tendo por base uma análise crítica e cuidada de toda a prova, fazendo alusão, ainda, às regras da experiência comum, pelo que não poderia ter decidido de modo diverso.
9- Tendo, o tribunal indicado as provas que serviram de base à formação da sua convicção, tendo efetuado um exame crítico das mesmas e explicado a credibilidade oferecida por cada uma das testemunhas, tendo, formado a sua livre convicção segundo as regras de experiência comum, considerando, todos os elementos de prova produzidos em audiência, como estabelece o artigo 127.º do Código de Processo Penal.
10- Considerando a posição da assistente sobre o julgamento dos factos e que é profundamente oposta à do recorrente, é nosso entendimento que a correta qualificação jurídica dos factos, foi aquela que foi efetuada pelo tribunal a quo, e que, não merece nenhuma censura em relação à medida das penas parcelares e única, considerando os factos dados como provados no acórdão, pois foi feita, uma justa e adequada ponderação das circunstâncias.
11- Pois, quem desfere com o manípulo uma pancada na cabeça de outra pessoa provocando-lhe a queda imediata com perda dos sentidos, pratica um crime de homicídio na forma tentada e não um crime de ofensa à integridade física grave, conforme pretende o recorrente.
12- Além do mais, alude o recorrente à confissão parcial dos factos e ao arrependimento, como uma das razões pelas quais entende que se justificava a opção pela suspensão da pena de prisão.
13 -Concluindo, que o arrependimento que o recorrente levou ao tribunal a quo não é mais do que decorre da situação de privação de liberdade, com tudo o que isso implica em termos familiares, pessoais e sociais. E, não se apresenta com a relevância e capacidade atenuativa reclamada pelo recorrente.
14- Assim tudo ponderado, tendo em conta o grau de culpa do arguido que é elevado, as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, a matéria de facto dada como provada, considera-se que estão preenchidos, os elementos típicos dos crimes pelos quais o mesmo foi condenado, considerando-se justa e adequada a pena de prisão aplicada ao arguido, pelo que concluímos que a mesma não poderá ser suspensa.
15- Defende o recorrente, que a indemnização fixada a título de danos não patrimoniais foi excessiva, considerando-a desajustada e infundada.
16- Relativamente ao Quantum fixado a título de danos não patrimoniais, alega que o mesmo foi excessivo, considerando-o desajustado e infundado, alegando que a fixação do “valor não está fundamentado e devidamente concretizado, não se logrando perceber o raciocínio do Tribunal, que permitiu fixar aquele valor, e não outro, o que se afigura consubstanciar a nulidade de falta de fundamentação prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea a) ex vi artigo 374º, n.º 2, alínea b) do Código Processo Penal, o que aqui se alega e suscita para os devidos e legais efeitos, importando a nulidade do douto Acórdão condenatório”.
17- Ora, para a fixação deste valor, o Tribunal a quo considerou e fundamentou a sua decisão, relativa a toda a matéria de prova levada à apreciação e com relevo para a decisão. Tendo, enumerado com descrição especificada todos os factos que resultaram provados e não provados, submetidos à sua apreciação e sobre os quais incidiu a sua decisão.
18- Nomeadamente, quanto aos danos sofridos pela assistente, causados necessariamente pela conduta do arguido, ponderando, o grau de culpa, o modo de execução, os meios utilizados para perpetrar as lesões físicas com vista a tentar provocar a morte, que só não foi conseguida por razões alheias à vontade do arguido, a idade da vítima, a debilidade física da vítima que o arguido conhecia e que aproveitou para perpetrar os factos, a zona do corpo atingida intencionalmente - cabeça, aos extensos, demorados e notoriamente dolorosos tratamentos médicos efetuados na vítima, as terríveis consequências permanentes e irreversíveis, quer físicas e psíquicas causadas na vítima, todas elas comprovadas por testemunhos, relatórios médicos e periciais.
19- Olhando para a decisão recorrida, para as lesões sofridas que permanecerão na vida da assistente, justificam a fixação num valor que não sendo excessivo, não poderá, também, ser insignificante, pois, terá que constituir um conforto financeiro com algum significado para quem decorrente das lesões ficou com uma incapacidade total para o trabalho, com consequências permanentes que se traduzem na perda total da visão e perda parcial grave de audição, com dano estético importante, e, que desde a data da ocorrência dos factos, vive angustiada, por carência de meios de subsistência para si e para o seu filho. Além de se sentir triste e infeliz por se ver deficiente e com necessidade de ser assistida de modo permanente e continuado para toda a vida.
20- Atendendo-se às consequências físicas e morais que para a assistente resultaram da tentativa de homicídio, entende-se ser justo e adequado o montante fixado, resultando da matéria de facto provada, que a assistente sofreu graves lesões que lhe provocarão sequelas para toda a vida, sofrimentos e receios, sendo que antes dos factos destes autos, embora com uma incapacidade de 66% era uma mulher autónoma.
21- Tendo em conta, as circunstâncias do caso concreto, o modo de atuação do arguido, e o facto de a morte da assistente, só não ter ocorrido por circunstâncias alheias à sua vontade, aliadas ao sofrimento sentido e às sequelas graves entendemos que o valor foi atribuído com ponderação, bom senso, e equilibro.
22- Pelo que, a fundamentação da matéria de facto provada e não provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à prolação da decisão, assim como a fundamentação da convicção do tribunal a quo, foram feitas com clareza objetividade e discriminadamente.
23- Posto isto, verifica-se, que o tribunal atendeu ao disposto no art. 496 nº 3, 1ª parte, do Cod. Civil, que determina, que o montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixado por critério de equidade, tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494 do mesmo Código, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem.
24- O montante atribuído a título de indemnização por danos não patrimoniais, gera a possibilidade de algum modo compensar o sofrimento vivido. Porém, não sendo o sofrimento quantificável rigorosamente, há-se ser arbitrado o montante a atribuir pelo recurso à equidade, tendo em conta a gravidade das lesões, o grau de culpa do agente, as situações económicas do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso (artigo 496º nº 4 do Código Civil).
25- Ora, a não concordância do arguido, com a subsunção dos factos às normas jurídicas e ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum podem configurar caso de nulidade da sentença.
26– Concluímos referindo, que o douto acórdão não violou qualquer norma legal, pelo que a decisão está conforme a lei e o direito.
27- Deve, assim, o recurso interposto ser julgado improcedente e, desta forma, mantido o douto acórdão recorrido nos seus precisos termos.»
7. O Mmº. Juiz titular do processo, previamente a ordenar a subida dos autos a esta Relação, proferiu despacho a manter na íntegra a decisão recorrida.
8. Nesta Relação, o processo foi como vista ao Ministério Público, tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta tomado conhecimento do mesmo na parte relativa ao recurso da decisão final, já que foi requerida a realização da audiência, e emitido parecer em relação ao recurso interlocutório, pronunciando-se no sentido de não merecer provimento, manifestando a sua concordância com a resposta do Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância, que convoca, acrescentando que o princípio da investigação ou da verdade material consagrado no art. 340º rege a fase da audiência de julgamento, com vista à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, não se aplicando, pois, à situação em apreço, em que as diligências a efetuar pelo tribunal a quo foram requeridas depois da prolação do acórdão, nada tendo a ver com a decisão da causa, mais alegando que, no caso dos despachos, a falta de fundamentação constitui uma mera irregularidade, a ser arguida, em devido tempo, perante o tribunal recorrido, nos termos do art. 123º do Código de Processo Penal, o que o recorrente não fez, pelo que, mesmo que se verificasse, sempre estaria sanada.
9. No âmbito do disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente respondeu a esse parecer, limitando-se, no essencial, a reafirmar o alegado na motivação do recurso.
10. Tendo o recorrente - em face da excecionalidade da situação decorrente da declaração do estado de emergência ocasionada pela epidemia da doença COVID-19 - prescindido da realização da audiência, foi novamente aberta vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, a fim de, querendo, se pronunciar sobre o recurso relativo à decisão final, o que fez, aderindo e acompanhando a resposta apresentada pelo Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância, acrescentando que não tendo a nulidade a que alude o art. 120º, n.º 2, al. d), parte final do Código de Processo Penal sido arguida antes do encerramento da audiência, a mesma, a ter sido cometida, sempre estaria sanada, termos em que, convocando o que demais vem respondido pelo Ministério Público, emitiu parecer no sentido de também este recurso não merecer provimento.
11. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, em relação a tal recurso, o recorrente respondeu a esse parecer, reiterando os fundamentos aduzidos e concluindo nos mesmos termos da sua motivação.
12. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, n.º 3, al. c), do citado código.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente (cf. art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal), não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso[2].

Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, elencadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência, reconduzem-se a saber:

A) Em relação ao recurso interlocutório (do despacho proferido a 19-12-2019):

a) - Se, em face dos elementos já disponíveis nos autos, estavam verificados os pressupostos para a dispensa do pagamento da multa devida pela prática do ato de interposição do recurso fora do prazo;
b) - Em caso de resposta negativa, se o tribunal a quo omitiu a realização de diligências essenciais para o apuramento da situação económica do requerente, por ele requeridas, com vista a apreciar esse pedido;
c) - Também em caso de resposta negativa, se o tribunal a quo omitiu pronúncia ou, pelo menos, pronúncia fundamentada, sobre o pedido subsidiário de redução do montante da multa formulado pelo requerente.

B) Relativamente ao recurso da decisão final:

a) - Se o tribunal a quo incorreu na nulidade processual prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Penal, por ter omitido uma diligência essencial à descoberta da verdade, bem como se violou o princípio do contraditório (conclusões 68ª a 71ª);
b) - Se o acórdão recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação, nos termos previstos no art. 379º, n.º 1, al. a), ex vi art. 374º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal, no que concerne à fixação do montante da indemnização por danos não patrimoniais (conclusões 86ª e 94ª in fine);
c) - Se a decisão sobre a matéria de facto padece de erro de julgamento (conclusões 3ª a 67ª e 72ª a 73ª);
d) - Se o arguido atuou em legítima defesa ou, pelo menos, com excesso de legítima defesa e se a sua conduta integra apenas o crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art. 144º do Código Penal (conclusões 74ª a 82ª);
e) - Se as penas parcelares e única são excessivas e se esta última deve ser suspensa na sua execução (conclusões 95ª a 106ª);
f) - Se o montante fixado para indemnização dos danos não patrimoniais é excessivo (conclusões 86ª e 89ª a 94ª).

2. Decisões recorridas

2.1 - No que concerne ao acórdão recorrido, é do seguinte teor a respetiva fundamentação de facto (transcrição):

«1. Factos provados

Discutida a causa provaram-se os seguintes factos com relevo para a decisão:

1.1. – Desde Fevereiro de 2018 que o arguido H. M. (divorciado, operário têxtil, natural da freguesia de ..., Guimarães, nascido a -/12/1975, titular do Cartão de Cidadão n.º ……, filho de … e …, atualmente em Obrigação de Permanência na Habitação na Rua …, n.º .., ..., Guimarães), conhecido pela alcunha “…”, trabalhava na empresa “X” e, a tempo parcial (sexta e sábado), no estabelecimento de diversão noturna denominado “Y”, sito na Rua da …, …, Vila Nova de Famalicão, explorado por S. T. (viúva, desempregada, nascida em -/10/1980, titular do Cartão de Cidadão n.º …, filha de … e …, residente na Rua ..., n.º …, Santo Tirso) desde 29 de Dezembro de 2017.
1.2. – A partir do final desse mês passou a trabalhar diariamente (à noite) no referido estabelecimento noturno folgando à segunda-feira. 1.3. – O arguido sabia que S. T. não tinha 90% de visão no olho direito e no esquerdo tinha apenas 20%.
1.4. – O arguido foi manifestando perante S. T. o desejo de namorar consigo, ao que esta nunca acedeu, passou a ficar obcecado por ela alegando ser sua namorada perante amigos e colegas de trabalho, o que nunca chegou a existir e que aquela nunca equacionou puder vir a verificar-se entre ambos.
1.5. – Vendo frustrada essa sua intenção, o arguido enviava várias vezes mensagens para o telemóvel de S. T. nas quais manifestava o desejo de equacionar um relacionamento amoroso consigo, ligava-lhe frequentemente a perguntar com quem estava acompanhada, procurava saber do seu quotidiano, dando-lhe conta que a mantinha vigiada.
1.6. – Na madrugada do dia 1 de Julho de 2018, a ofendida falou com A. O., cliente do bar, sobre a possibilidade de o comprar, tendo o arguido empurrado e questionado a ofendida “hoje não queres ir embora mais cedo?”.
1.7. – Nessa madrugada, o arguido teimou em levar a ofendida a casa, ao que ela acabou por anuir e insistiu para terem um relacionamento amoroso que a S. T. voltou a declinar.
1.8. – O arguido mostrou-se desagradado com a ofendida persistindo na intenção de manter com ela um relacionamento amoroso, dizendo-lhe que não a ia ver mais face à sua intenção de vender o bar e ir viver para Santo Tirso.
1.9. – No dia seguinte, dia 2 de Julho de 2018, segunda-feira, dia de folga, o arguido ligou várias vezes e enviou várias mensagens para a ofendida querendo saber se A. O. a tinha contactado, se a tinha chateado, tendo-lhe enviado uma mensagem com o seguinte teor “dava a vida por ti”.
1.10. – No dia 3 de Julho de 2018, pelas 15h00, a ofendida foi juntamente com o seu pai para o bar, tendo aquele ali permanecido durante um jogo de futebol.
1.11. – Durante a manhã e tarde do dia 3 de Julho de 2018, o arguido pediu a T. S., H. M., J. M., seus colegas de trabalho na referida empresa, que lhe emprestassem os seus telemóveis, referindo que era para contactar com a mulher com quem tinha um relacionamento amoroso.
1.12. – Depois de contactar M. P., que não anuiu à vontade do arguido, acabou por pedir a M. O., sua amiga, que fosse ao bar para ver se a ofendida ali se encontrava tendo sido informado por aquela que ali se encontrava aparcado um carro que o descreveu e o arguido logo associou à viatura que o pai da ofendida normalmente utiliza.
1.13. – Nessa altura, o arguido enviou-lhe uma mensagem dizendo “já sei que estás aí e o teu pai também”, não tendo a ofendida respondido.
1.14. – O arguido acabou o seu turno às 17h00 e dirigiu-se para o referido estabelecimento noturno.
1.15. – Entretanto o pai da ofendida ausentou-se pelas 16h15/16h30 e o arguido chegou ao bar pelas 17h15 queixando-se por a ofendida não ter respondido à sua mensagem.
1.16. – O arguido mostrava-se nervoso, muito inquieto, sempre a bufar e a consumir uma cerveja.
1.17. – Pelas 17h47m, a ofendida percebendo que o arguido não estava normal enviou uma mensagem para A. O. para que ele se deslocasse ao bar.
1.18. – Vendo que se encontrava sozinho no bar com S. T., repentinamente acedeu à zona do balcão e munido com uma garrafa de 75 cl, desferiu-lhe uma violenta pancada no ouvido esquerdo, provocando de imediato a queda dos óculos da ofendida. 1.19. – Logo de seguida desferiu um violento murro no olho esquerdo da ofendida, causando-lhe a perda imediata da visão de tal olho.
1.20. – O arguido muniu-se ainda de um manípulo da máquina de café desferindo-lhe várias pancadas bem como murros no crânio, pontapés nos membros inferiores e, com a força das suas mãos, projetou-a contra o solo, provocando-lhe a queda desamparada.
1.21. – Colocou-se, então, em cima de S. T. e com as duas mãos apertou-lhe com força o pescoço enquanto lhe dizia “Não andas comigo, não andas com mais ninguém”.
1.22. – Em seguida, dirigiu-se a uma banca de lavar loiça ali existente de onde retirou um saco plástico de cor verde, que colocou sobre a cabeça de S. T., apertando-o junto ao pescoço com o propósito de asfixiá-la.
1.23. – Porque a ofendida conseguiu rasgar o mencionado saco, o arguido utilizou-o como uma corda para a estrangular.
1.24. – Depois, o arguido muniu-se de um pau, que se encontrava junto à máquina registadora, e comprimiu-o no pescoço da ofendida contra o chão para a estrangular, momento em que esta simulou perder os sentidos por asfixia, para dissuadir o arguido de prosseguir com os seus intentos.
1.25. – O arguido, achando que S. T. estava morta, levantou-se e retirou-lhe do bolso de trás das calças a quantia de € 200 (duzentos euros), um telemóvel da marca “...”, com capa de cor dourada e a frente preta, as chaves do estabelecimento e ainda mais € 80 (oitenta euros) que estavam na máquina registadora, ausentando-se do bar trancando todas as portas.
1.26. – Pelas 19h30 o A. O., na sequência da mensagem enviada pela ofendida foi ao estabelecimento, mas deparou-se com o bar fechado, enviando-lhe uma mensagem, questionando-lhe se estava no interior e com o arguido, tendo recebido uma mensagem do telemóvel da ofendida, que já estava na posse do arguido, dizendo que estava lá dentro com o arguido e muito bem, “desaparece de uma vez tu porco e hoje não abro o bar vou jantar fora e só amanhã é que vou desaparece”.
1.27. – A ofendida acabou por desmaiar retomando os sentidos algum tempo depois, arrastou-se até uma janela do salão de jogos abrindo-a, gritando por auxílio, tendo ali chegado um vizinho.
1.28. – Entretanto o arguido pelas 19h26 telefonou para T. S. dizendo-lhe que tinha morto S. T. e deixando-a trancada no interior do bar, afirmando que precisava de ajuda para fugir.
1.29. – Pelas 19h33 T. S. ligou para o 112 relatando o teor da conversação.
1.30. – Pelas 19h44 F. T., GNR, que se encontra nesse dia ao serviço, deslocou-se juntamente com P. T., também GNR, ao referido bar tendo constado que vítima se encontrava junto a uma janela de um anexo.
1.31. – Os referidos militares juntamente com os Bombeiros de Riba de Ave para aceder à vítima tiveram que arrombar uma das portas e bem assim o gradeamento interno instalado em todas as saídas do edifício, que o arguido havia trancado.
1.32. – Em consequência direta e necessária da conduta do suspeito, S. T. sofreu na postura, deslocamentos e transferências condicionadas por amaurose e por hipoacusia severa; na manipulação e preensão condicionada por amaurose e por hipoacusia severa; na cognição e afetividade condicionada por amaurose e por hipoacusia severa; várias soluções de continuidade suturadas no crânio, com vestígios hemáticos secos dispersos, na face equimose e edema periorbitário bilateral em reabsorção; na região malar esquerda equimose roxa com 2 cm de diâmetro; no pavilhão auricular direito, solução de continuidade em cicatrização; equimose no lóbulo do pavilhão auricular esquerdo, com solução de continuidade em cicatrização; no pescoço equimoses petequiais vestigiais dispersas nas regiões lateral direita e lateral esquerda do pescoço, rouquidão ligeira na fala; no membro superior direito, na face posterior do terço distal do braço equimose arroxeada em reabsorção com 5cm de diâmetro; na face posterior do cotovelo equimose e escoriação com crosta com 5cm por 3cm de maiores dimensões e maior no eixo horizontal; penso branco colocado no dorso da mão ao qual é subjacente ferida, no membro inferior direito, na face lateral do quadril, equimose arroxeada em reabsorção com 2cm de diâmetro; no membro inferior esquerdo, na face lateral do quadril, equimose arroxeada em reabsorção com 2 cm de diâmetro.
1.33. – Tais lesões determinaram incapacidade total para o trabalho com consequências permanentes que se traduzem na perda total da visão e perda parcial grave da audição, com dano estético importante.
1.34. – O arguido agiu com o propósito de tirar a vida à ofendida atuando da forma descrita face à recusa daquela em manter consigo um relacionamento amoroso, ciente que ao desferir-lhe murros, pontapés e ao asfixiá-la com um saco plástico e com um pau bem como utilizando um manípulo de café para a agredir, objetos cujas características letais não ignorava e ciente que tinha problemas visuais graves que a tornavam especialmente vulnerável, abandonando-a em seguida trancada no interior do referido bar, a poderia matar, resultado com o qual se conformou e quis, só o não logrando obter pelo facto de ofendida ter fingido estar morta e, consequentemente, por circunstâncias alheias à sua vontade.
1.35. – Atuou o arguido com calma e total indiferença e desprezo pelo estado em que deixava a ofendida, premeditadamente, sabendo que ao retirar-lhe o telemóvel e ao enviar as mensagens supra descritas coartava à ofendida a possibilidade de pedir socorro e de ser auxiliada.
1.36. – O arguido apoderou-se e fez suas as referidas quantias, telemóvel e chaves, integrando-os na sua esfera patrimonial, em prejuízo do seu legítimo dono e em seu único e em exclusivo proveito.
1.37. – Quis e logrou o arguido apossar-se do telemóvel da ofendida e das quantias monetárias (no montante de trezentos e oitenta euros) e chaves, sabendo que S. T. encontrava-se na impossibilidade de resistir.
1.38. – O arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser as suas condutas proibidas e punidas por lei.
1.39. – A ofendida sentiu dores com as agressões perpetradas pelo arguido e vivenciou os factos apurados, sentido terror, nervosismo, pânico e eminência do fim da sua vida.
1.40. – Tais sentimentos foram agravados pela ideia de que o seu filho, com 7 anos de idade, poderia ficar órfão de mãe, quando já o era de pai.
1.41. – Sente-se muito triste e infeliz por se ver deficiente e com necessidade de ser assistida de modo permanente e continuado para toda a vida.
1.42. – Iniciou apoio psicológico promovido pela APAV, em 27 de agosto de 2018, com periodicidade quinzenal, sob a orientação da Dra. J. P., que elaborou um relatório junto aos autos, onde consta, além do mais o seguinte:
“(...) o grau de traumatização na utente era especialmente evidente quando aquela verbalizava o medo da revitimação e a incapacidade de lidar com as rotinas face à limitação visual. Demonstrava, de igual forma, receios no desempenho do seu papel enquanto progenitora e cuidadora. (...) Expressou que a “consciência que vou ficar neste estado para sempre é difícil” (sic), associado à consciência da longevidade das limitações visuais e a impossibilidade de retorno. (...) Além das dificuldades supracitadas a utente manifesta desassossego e receio perante a possibilidade de voltar a ter contacto com o Sr. H. M. ou que o filho possa vir a sofrer retaliações por parte do mesmo. (...)”.
1.43. – Desde a data da ocorrência dos factos até ao presente, a ofendida vive angustiada, por carência de meios de subsistência para si e para o seu filho.
1.44. – Vive com os seus pais que a auxiliam, mas apreensiva em relação ao futuro.
1.45. – Sofre, por saber que a sua situação causa desgosto ao seu filho por ver a mãe incapacitada e, também, aos seus pais.
1.46. – Por sentir consciência de que não vai conseguir acompanhar conforme seria o natural o crescimento do seu filho.
1.47. – A incapacidade que afeta a ofendida levou-a a ter de interromper, por completo, a sua atividade profissional.
1.48. – Até à data dos factos a ofendida era autónoma para as suas atividades de vida diárias e independente financeiramente.
1.49. – E, apesar de, à data dos factos ter uma incapacidade de 66% para a profissão que anteriormente exercia - professora de natação -, sempre manteve, atividade profissional, noutras áreas que não se incompatibilizassem com a referida incapacidade.
1.50. – Os rendimentos da ofendida, constituíam o único meio de subsistência da família.
1.51. – Na sequência da conduta do arguido a ofendida esteve hospitalizada cerca de 20 dias, sendo portadora de uma deficiência, que lhe confere uma incapacidade permanente global de 97% (noventa e sete por cento), conforme Atestado Médico de Incapacidade junto, que se considera aqui integramente reproduzido.
1.52. – A ofendida foi submetida a uma cirurgia para colocação de prótese ocular, conforme relatório clínico junto, que se considera aqui integramente reproduzido.
1.53. – Perante a limitação visual, a ofendida beneficia, desde agosto de 2018, de acompanhamento especializado, 2 vezes por semana, na ACAPO, - Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal, numa ótica de promover maior autonomia, aprendizagem e adaptação às rotinas, pelo que gasta € 10 (dez euros) de mensalidade, e em despesas de transporte a quantia de € 40 por semana, o que perfaz o total de € 1.190 (mil cento e noventa euros).
1.54. – Comprou um telefone adaptado, iphone 7, já usado, despendendo a quantia de € 390 (trezentos e noventa euros).
1.55. – Comprou uma bengala pelo preço de € 50 (cinquenta euros).
1.56. – Necessita de um aparelho auricular, mas atualmente desconhece o seu preço.
1.57. – Vai necessitar contratar uma empregada, quando os pais deixarem de lhe poder prestar auxílio pela avançada idade, o que vai implicar despender uma verba mensal não inferior a ao salário mínimo nacional.
1.58. – O arguido apresentou participação crime contra a ofendida pelos motivos e nas circunstâncias aí descritas e que deram origem ao processo n.º 2234/18.2T9GMR, que foi apensado aos presentes autos e posteriormente desapensado, correndo os seus termos pela 2.ª Secção DIAP de Vila Nova de Famalicão.
1.59. – No interior do estabelecimento a assistente serviu uma cerveja ao aqui arguido.

Mais ficou provado:

1.60. – Não foi efetuada interrupção de fornecimento de energia à instalação em causa com fundamento em mora do cliente, apesar de ter sido enviada ao local uma equipa para o efeito.
1.61. – Consta do relatório social elaborado pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), quanto à inserção familiar e socioprofissional do arguido, com o objetivo de auxiliar no conhecimento da personalidade do arguido (cfr. Ref. 9119793), além do mais, o seguinte:
“I – Dados relevantes do processo de socialização
H. M. é o mais novo de três descendentes de um casal de modesta condição socioeconómica. Os progenitores exerciam atividade profissional como operários têxteis, auferindo vencimentos que permitiam satisfazer, de forma contida, as necessidades fundamentais do agregado. Foi descrito um ambiente familiar vinculativo, tendo o arguido percecionado positivamente o seu período de desenvolvimento infantojuvenil. Cerca dos seis anos de idade, sofreu um acidente doméstico, com queimaduras graves no rosto, o que lhe ditou diversas intervenções cirúrgicas e dano estético facial permanente, prejudicando o início do percurso escolar.
Frequentou o sistema de ensino registando algumas dificuldades de aprendizagem e duas retenções. Findo o sexto ano de escolaridade, optou por integrar o mercado de trabalho.
A sua primeira experiência profissional ocorreu como serralheiro / torneiro mecânico, funções que exerceu durante alguns anos, com interrupção de cerca de meio ano para cumprimento do serviço militar obrigatório, aos dezoito anos de idade.
Ao longo do seu percurso profissional desempenhou atividade como operário de indústria têxtil, motorista em empresa do ramo alimentar e operário em lavandarias / tinturarias têxteis.
Em 2015 integrou a empresa “X – Fábrica de Discos e Sabões de Polir, Lda.”, na categoria de “operador de produção”, na qual se manteve por cerca de três anos.
O arguido casou aos vinte e dois anos de idade. Desta relação nasceu uma filha, atualmente com vinte anos de idade. O casal acabou por divorciar-se cerca de nove anos depois na sequência de uma nova relação íntima do arguido, não tendo sido recolhidos indicadores de comportamentos agressivos deste para com a ex-cônjuge. H. M. manteve contactos regulares com a filha deste casamento até atualmente e uma relação de cordialidade com a ex-cônjuge.
Passou, então, a coabitar com a nova companheira, relação da qual nasceu mais um filho, atualmente com dez anos de idade. Contudo, também esta relação acabou por deteriorar-se na sequência de divergências que o arguido atribuiu à manutenção de relações extraconjugais por parte de ambos. Após rutura, H. M. manteve residência na casa de morada de família, em ..., preservando os contactos regulares com o descendente.
Cerca de 2014, o arguido iniciou outra relação afetiva, integrando o agregado da companheira (e filhas desta) em 2015. Esta relação assumiu uma dinâmica conflituosa que culminou na separação. O arguido evidenciou dificuldades em aceitar a rutura conjugal, mantendo crenças na sua reversibilidade e manifestando, após a separação, comportamentos desajustados sobre a ex-companheira, designadamente de importunação, perseguição e pressão para a reconciliação.
Estas circunstâncias acabaram por resultar na interposição de queixas-crime por parte da ex-companheira e na condenação do arguido pela prática dos crimes de violência doméstica, gravações e fotografias ilícitas e dano. Foi condenado, por sentença transitada em julgado em 22-10-2018, na pena única de dois anos e oito meses de prisão, suspensa por igual período e sujeita a regime de prova, ainda em curso.
Em 23-09-2015 H. M. foi internado no Hospital de Guimarães por doença do foro gástrico aguda (úlcera), tendo sido submetido a intervenção cirúrgica. Após alta médica, em 29-09-2015, o arguido regressou à casa dos progenitores, na qual reside até ao presente. Terá desenvolvido, nesta altura, sintomatologia ansio-depressiva aparentemente reativa à separação da última companheira.
Apesar de empregado, apresentava uma situação financeira limitada em virtude da execução de penhoras no seu vencimento mensal (que rondava os quinhentos e cinquenta e sete euros) relativas a pensões de alimentos devidas aos filhos menores, pelo que apenas conseguia fazer face às suas necessidades pessoais e de saúde através da ajuda financeira e solidária dos progenitores.
A partir de fevereiro de 2018, além do exercício profissional na “X”, em horário diurno, começou a trabalhar durante os fins-de-semana (a partir das 21h) no estabelecimento de diversão noturna “Y”, propriedade da ofendida no presente processo, bar que já conhecia e frequentava, habitualmente à noite.
H. M. deteve outros contactos anteriores com o sistema de administração de justiça penal, tendo beneficiado de uma suspensão provisória do processo por um período de oito meses, com obrigação de prestar oitenta horas de serviço público, que cumpriu, indiciado por um crime de detenção de arma proibida. Foi ainda condenado em penas de multa por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e por um crime de violação de obrigação de alimentos.

II – Condições sociais e pessoais

Tendo por referência a data dos factos, assim como no presente, H. M. integrava o agregado dos progenitores (sexagenários, reformados, cujas pensões totalizam cerca de oitocentos e cinquenta euros mensais), na freguesia de ... – Guimarães, em habitação propriedade destes, de tipologia T3, com boas condições de habitabilidade. A sustentabilidade financeira do agregado era principalmente suportada pelos pais do arguido, uma vez que este detinha algumas limitações económicas. Empregado na “X – Fábrica de Discos e Sabões de Polir, Lda.”, auferia um vencimento equivalente ao salário mínimo nacional, do qual era descontado o valor relativo às pensões de alimentos devidas aos descendentes. Aos fins-de-semana (de sexta-feira a domingo) exercia atividade no bar “Y”, propriedade da ofendida, em período noturno, entre as 21h e fecho do estabelecimento, auferindo cerca de vinte euros por noite. Era também cliente deste bar / danceteria, ao qual se deslocava durante a semana, à noite.
Segundo o arguido, este privava regularmente a ofendida, existindo entre si uma relação próxima de colaboração relativamente à manutenção do estabelecimento. Mais referiu terem mantido, pontualmente, relacionamento sexual, não tendo, porém, sido assumida qualquer relação amorosa entre ambos por recusa daquela.
H. M. descreveu algumas discordâncias entre ambos, relacionadas com a gestão financeira do estabelecimento noturno e com o facto de ter, alegadamente, salários em atraso. Referiu, neste contexto, a ocorrência de alguns comportamentos de hostilidade da ofendida relativamente a si, que percecionou como depreciativos dos seus esforços nos serviços e ajuda prestada àquela no bar, bem como de si próprio, suscitando-lhe, por vezes, sentimentos de humilhação e rejeição.
Alguns dias após os factos que estiveram na base do presente processo, o arguido foi hospitalizado no Hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães, por quadro infecioso nos pés, que exigiu cuidados de saúde subsequentes. Acabou por ser detido em agosto de 2018, tendo permanecido no Estabelecimento Prisional de Braga entre 09-08-2018 e 9-09-2019, data em que lhe foi aplicada de medida de obrigação de permanência na habitação, que se mantém até atualmente, sem ocorrência de incidentes.
Perdeu, desta forma, o enquadramento laboral que detinha, tendo optado por apresentar carta de despedimento. Desta forma, não recebe qualquer subsídio de apoio ao desemprego, dependendo totalmente dos progenitores para a supressão de todas as suas necessidades.
Não sanado o quadro infecioso que havia desenvolvido em julho de 2018, em dezembro do mesmo ano sofreu novo internamento hospitalar, tendo sido submetido a intervenção cirúrgica com amputação de dedos em ambos os pés. Daqui resultaram consequências ao nível da locomoção, dirimidas pelo uso de canadianas, o que se verificou ao longo de cerca de oito meses.
No presente está autorizado a saídas da habitação para consultas e tratamentos necessários. Recebe com regularidade visitas dos descendentes e da família alargada, com quem se relaciona positivamente.
O arguido beneficia de apoio dos progenitores, que se mostram emocionalmente afetados com a presente acusação e desgastados perante a morosidade do processo e com a duração da medida de coação, o que os condiciona um esforço financeiro adicional e, por vezes, a um ambiente familiar tenso. Descrevem o arguido como pessoa reservada e tendencialmente ansiosa / nervosa.
H. M. mostrou-se emocionalmente afetado pela natureza da acusação no presente processo e pela situação de confinamento à habitação, descrevendo dificuldades em movimentar-se, cumprindo medicação ansiolítica devidamente prescrita.
A família de origem do arguido é conhecida no seu meio residencial e positivamente referenciada. Não obstante, H. M. assume pouca visibilidade naquele meio de inserção comunitária, frequentando apenas pontualmente cafés da zona, inexistindo, desta forma, indicadores de rejeição à sua presença.

III – Impacto da situação jurídico-penal

Em contexto de entrevista, H. M. apresentou uma postura colaborante para com a intervenção da DGRSP, manifestando uma postura de conformidade face à atuação e decisões do sistema de justiça penal.
No que se refere ao crime de homicídio agravado na forma tentada o arguido reconhece, em abstrato, a sua gravidade e potencial dano causado, sobretudo ao nível das lesões físicas, tecendo um juízo crítico superficial relativamente a outros tipos de danos sobre as eventuais vítimas.
Relativamente ao crime de roubo, apesar de reconhecer a sua ilicitude, denotou, em abstrato, baixa consciência crítica, admitindo a existência de determinados contextos que diminuam a sua gravidade como, por exemplo, no caso de acertos de dívidas.
No geral, o arguido denota baixa empatia pelas vítimas, manifestando dificuldades em descentrar-se das consequências para si próprio, decorrentes diretamente da instauração do presente processo, posicionando-se ainda como lesado de alegado comportamento desafiante por parte da ofendida.
A instauração do presente processo alterou significativamente a situação de vida do arguido, precipitando, em concreto, a perda do enquadramento laboral, a dependência económica dos progenitores, o confinamento ao espaço doméstico (após imposição da obrigação de permanência na habitação) e o desenvolvimento de sentimentos de vergonha social. Vivencia com angústia a mediatização do caso em apreço, temendo a eventual retaliação de terceiros.
O arguido encontra-se em acompanhamento pela DGRSP – Equipa de Vigilância Eletrónica no âmbito de uma pena de prisão suspensa, com regime de prova, aplicada no processo número 76/16.9GCGMR, cujas condições judicialmente impostas passam pela obrigação de não contactar a ofendida por qualquer meio, pagar à ofendida uma indemnização de dois mil euros e efetuar entrevistas na DGRSP, com a periodicidade que vier a ser determinada.

IV - Conclusão

Do exposto, salientamos estar perante um arguido oriundo de uma família de estrutura coesa e apoiante, detentor de baixas competências escolares e um trajeto profissional relativamente regular, pese embora ao serviço de várias empresas. Beneficia de suporte familiar por parte dos progenitores, descendentes e família alargada, registando alguns problemas de saúde, devidamente tratados.
Deteve várias relações conjugais e maritais, o que sugere instabilidade nesta dimensão da sua vida. As circunstâncias da rutura da última relação marital, que acabaram por resultar na sua condenação por crimes de violência doméstica, fotografias ilícitas e dano, indiciam dificuldades do arguido em lidar com a rejeição íntima, diminuindo a sua capacidade de autocontrolo nestas situações.
A instauração do atual processo e a aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação terão ditado a perda do enquadramento profissional do arguido, o agravamento da sua já difícil situação financeira e a total dependência relativamente aos progenitores, situação que parece ter contribuído para algum desgaste emocional e o desenvolvimento de um quadro generalizado de ansiedade, agravado pela mediatização do processo e pelo receio das eventuais consequências para si próprio decorrentes da sua situação jurídico-penal atual.
Apesar de, em abstrato, reconhecer a ilicitude dos crimes pelos quais se encontra acusado, efetua um juízo crítico superficial relativamente ao seu potencial impacto sobre os lesados, tendendo a centrar-se nos prejuízos para si próprio resultantes da instauração do presente processo.
Assim, em caso de condenação, o processo de reinserção social do arguido deverá ser condicionado a ações que reforcem a interiorização do desvalor da sua conduta, promovendo a empatia para com as vítimas, o desenvolvimento de competências de resolução alternativa de conflitos íntimos e controlo da impulsividade, se necessário com intervenção médico-psiquiátrica e inserção em programas específicos de prevenção da violência nas relações íntimas.”
1.62. – Consta do relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal efetuada pelo Instituto de Medicina Legal de fls. 187-189 e Ref. 7400828 (datada de 20/07/2018, relativa à ofendida S. T.) além do mais, que:
“A examinanda sofreu lesões de elevada gravidade resultando delas, na atualidade a perda total da visão e a perda parcial grave da audição. Tais lesões, caso não sofram melhorias inesperadas, condicionam dependência de ajuda humana, dano estético importante e perda total da capacidade de ganho. A perda de consciência que alegadamente sofreu durante as tentativas de esganadura, é esclarecedora da elevada gravidade da compressão do pescoço, com limitação e detioração da circulação sanguínea ao cérebro. Da agressão e da grave incapacidade e fragilidade humana resultante dela, adveio situação social de dependência de ajuda, com necessidade urgente de apoio social e de medidas de tratamento e proteção.”
1.63. – Consta do relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal efetuada pelo Instituto de Medicina Legal de fls. 887-889 e Ref. 9093747 (datada de 13/09/2019, relativa à ofendida S. T.), além do mais, que:

“DISCUSSÃO
1. Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano.
2. A consolidação médico-legal das lesões é fixável em 24/07/2019, tendo em conta: a data da alta clínica, o tipo de lesões resultantes, o tipo de tratamentos efetuados e a data da observação pericial na qual se constata situação clínica estabilizada.
3. Apesar da estabilização das sequelas, a examinanda ainda se mantem em seguimento em consulta hospitalar, apesar de não se prever melhoria da sua situação sensorial, necessita aparelho auditivo à direita para melhor acuidade auditiva e prótese ocular esquerda, por motivos estéticos.

CONCLUSÕES
- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 24/07/2019.
- As lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza corto-contundente o que é compatível com a informação.
- Tais lesões terão determinado 386 dias para a consolidação médico-legal: com afetação da capacidade de trabalho geral (386 dias) e com afetação da capacidade de trabalho profissional (386 dias).
- Do evento resultaram para a Examinada as consequências permanentes descritas, as quais, sob o ponto de vista médico-legal, se traduzem em:
. Perda de importante órgão ou membro, nomeadamente perda total do globo ocular esquerdo, o que determinou perda da totalidade da visão.
. Perda grave das audição à direita.
. Perda total da capacidade de trabalho.
. Dano estético importante por ausência do globo ocular, cegueira, hipoacusia e dano estético dinâmico por dependência de ajuda humana na atualidade em virtude de perda sensorial grave.
. Cicatrizes auriculares e periauriculares à direita, percetíveis, com dano estético ligeiro.”
1.64. – Consta do relatório da Perícia Psiquiátrica Forense efetuada pelo Instituto de Medicina Legal de fls. 911-914 (datada de 16/09/2019, relativa ao arguido H. M., cfr. Ref. 9119530), além do mais, que:
“ENTREVISTA AO EXAMINANDO
O Examinando descreve que nasceu em no Hospital Senhora da Oliveira - Guimarães.
Conta que o seu pai tem 70 anos, está reformado e era operário têxtil. A mãe tem 67 anos também está reformada e era igualmente operária têxtil.
Diz ser o mais novo de uma fratria de três sendo que as irmãs são autónomas, saudáveis e se encontram emigradas.
Descreve que frequentou a escolaridade até ao 6º ano com registo de uma reprovação "da terceira para a quarta classe". Após o abandono escolar, iniciou a sua primeira atividade laboral, aos 14 anos, "numa fábrica metalúrgica", atividade que desenvolveu até ao cumprimento do Serviço Militar em Chaves. Reiniciou a atividade na área da metalurgia sendo que posteriormente desenvolveu atividade de motorista numa empresa de carnes e na área da metalurgia. Está desempregado desde Julho de 2018 coincidido "quando começou o processo... fui detido... e estou com pulseira eletrónica".
Relata que casou aos 22 anos sendo que se divorciou "há cerca de doze anos". A ex-mulher "anda na casa dos quarenta... e é empregada têxtil". O casal teve uma filha que tem 20 anos e que sempre morou com a mãe. Posteriormente teve uma nova relação "que durou nove anos” da qual tem um filho de 10 anos que reside com a mãe.
Atualmente reside com os pais "porque o meu ordenado não dava para as prestações de alimentos e para a renda”.
Ao nível dos cuidados de saúde primários é seguido no Posto Médico de ... pelo Dr. V. F.. Nos seus antecedentes descreve uma queimadura química por ácido sulfúrico aos seis anos de idade tendo sido submetido a diversas cirurgias. "Fiz mais de 8 operações plásticas". Aos 19 anos, após termo do serviço militar, padeceu de acidente de motociclo com fratura do tornozelo direito, bacia e da anca. Descreve ainda perfuração de uma úlcera gástrica há cerca de 4 anos. Conta que terá estado internado em Cirurgia Geral para amputação "de um dedo em cada pé" no contexto de um quadro infecioso.
Na atualidade não é acompanhado em nenhuma consulta hospitalar.
Nega antecedentes psicopatológicos e de acompanhamento em consulta de Psiquiatria.
É fumador de "um maço de tabaco por dia". Nega, atualidade, consumos etílicos ou tóxicos. Nega antecedentes médico-legais prévios assim como identificações ou detenções pelas Autoridades.
Tem carta de condução de veículos.
NARRATIVA DOS FACTOS NA VERSÃO DO EXAMINANDO
O Examinando, que é acusado de um crime de homicídio agravado, na forma tentada e de um crime de roubo agravado, descreve nos seguintes termos o evento em apreço: "foi no dia 3 de Julho... a senhora andava toda stressada... ela não era bem namorada... era uma amiga... ela tinha problemas de dinheiro... eu tinha emprestado dinheiro... e ela nunca tinha dinheiro para pagar a luz... naquele dia eu saí do emprego e fui lá... estavam lá os da Eletrominho... e cortaram a luz... e ela disse que a culpa era minha... chamou-me filho da puta... insultou a minha mãe... ela andava alterada... discutimos os dois... ela estava fora dela... ninguém é de ferro e eu por instinto dei-lhe com a coisa do café... depois ela também caiu... bati-lhe para ela não me magoar... andamos ao rebuliço... pus-lhe as mãos ao pescoço para a parar... não devia ter feito... estragou-me a vida... agora está-se a aproveitar".
Nega consumos etílicos ou tóxicos à data do evento em apreço.
Neste contexto encontra-se em obrigação de permanência na habitação mediante vigilância eletrónica.

EXAME DO ESTADO MENTAL

Entrou no consultório de forma adequada. Idade aparente coincidente com a idade real. Cuidados e higiene e vestuário adequados. Percebeu o motivo desta avaliação e colaborou parcialmente com a mesma. Apresenta uma postura adequada durante toda a entrevista embora apelativa. Mímica e gestualidade adequadas. Discurso espontâneo, pobre em conteúdo, mas lógico e coerente. Embora colaborante na entrevista, foi notório em algumas fases que foi omisso e vago, sobretudo quando se questiona aspetos relacionados com a agressão. Sem variações patológicas do humor. Sem sinais de depressão. Orientado auto e alopsiquicamente. Sem sintomatologia psicótica, nomeadamente delírios ou alucinações. Nível de conhecimentos adequado ao seu processo de aprendizagem e interação. Manteve-se bastante centrado no presente, desvalorizando os eventos do passado que conduziram à situação atual.

EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO

O estado clínico atual e os dados da anamnese, permitem dispensar a realização de exames complementares de diagnóstico

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

O Examinado apresenta um Exame de Estado Mental normal não tendo antecedentes psicopatológicos.
Assim, da análise da entrevista clínica, do exame do estado mental e da consulta de peças processuais é possível afirmar-se que, à data dos factos em apreço, o Examinado tinha consciência da ilicitude dos seus atos, conseguindo minimamente avaliar-se e autodeterminar-se de acordo com a sua própria avaliação, integrando, pois, genericamente os pressupostos médico-legais de imputabilidade.”
1.65. – Por sentença proferida em 7 de Abril de 2016, transitada em julgado em 5 de Janeiro de 2017, nos autos de Processo Comum Singular n.º 129/14.8GCGMR, do Juízo Local Criminal de Guimarães – J3, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi o arguido condenado pela prática, em 19 de Abril de 2014, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, o que perfaz o montante 250 euros e ainda na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses. Por despacho datado de 28 de Fevereiro de 2018 foi declarada extinta, pelo pagamento, a pena de multa. Por despacho datado de 8 de Maio de 2016 foi declarada extinta, pelo cumprimento, a sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.
1.66. – Por sentença proferida em 11 de Outubro de 2016, transitada em julgado em 5 de Janeiro de 2017, nos autos de Processo Comum Singular n.º 351/15.0GCGMR, do Juízo Local Criminal de Guimarães – J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi o arguido condenado pela prática, em 25 de Setembro de 2015, de 1 (um) crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. pelo artigo 250.º, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 7 (sete) euros, o que perfaz o total de 700 (setecentos) euros. A pena de multa foi substituída por 100 (cem) horas de trabalho a favor da comunidade. A pena de multa foi substituída por 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária. A pena de multa substituída por prisão subsidiária foi suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano.
1.67. – Por sentença proferida em 6 de Dezembro de 2017, transitada em julgado em 22 de Outubro de 2018, nos autos de Processo Comum Singular n.º 76/16.9GCGMR, do Juízo Local Criminal de Guimarães – J1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi o arguido condenado pela prática, em 12 de Março de 2016, de 1 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, pela prática, em 12 de Março de 2016, de 1 (um) crime de dano simples, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, e pela prática, em 12 de Março de 2016, de 1 (um) crime de gravações e fotografias ilícitas, p. e p. pelo artigo 199.º, n.º 2, al. b) do Código Penal, na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período e ainda na sanção acessória de proibição de contacto com a vítima pelo prazo de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses.

2. Factos não provados

De salientar, desde logo, que o Tribunal não se pronuncia quanto a juízos conclusivos e/ou de direito e/ou repetidos. Na audiência de julgamento não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão, designadamente:

2.1. – O arguido encetou uma conversa com a ofendida sobre a venda de um carro, o que lhe pareceu sem interesse e despropositado.
2.2. − E via, sem autorização da ofendida, as conversações que mantinha na internet e estavam guardadas no seu computador.
2.3. − No dia 3 de Julho de 2018, cerca das 17:30 horas, o participante encontrou a participada no exterior daquele, visivelmente alterada, porque lhe tinha sido cortado o fornecimento de energia pela Distribuidor de Eletricicdade....
2.4. − A assistente, depois de interpelada pelo participante do que estava a acontecer, começou logo a acusar aquele de ser o responsável pelo corte e pelo acréscimo de valor que aquela teria que pagar para o restabelecimento da energia.
2.5. − A assistente apelidou, nessas circunstâncias de tempo, modo e lugar, de “burro”, de “filho da puta, a culpa é tua”, o que fez com a intenção e o propósito de ofender a honra, o bom nome e a consideração do aqui arguido.
2.6. − Já no interior do estabelecimento, a assistente aparentou acalmar-se, porém, pouco depois, voltou a exaltar-se e a responsabilizar o aqui arguido pelo corte e pela despesa extra que importava a religação.
2.7. − O arguido pediu à assistente que se acalmasse, mas aquela, com os maus modos que lhe são característicos, voltou a dizer ao participante “a culpa é tua filho da puta”, ao que este último retorquiu que não era, mas, que se quisesse, que descontasse o valor quer tinha que pagar a mais pela religação no valor que lhe devia de salários atrasados.
2.8. − O arguido e a assistente, encontravam-se nessas circunstâncias de tempo, modo e lugar, no interior do balcão do estabelecimento, tendo o arguido pedido à assistente que parasse de lhe chamar “filho da puta”, o que esta não acatou, continuando a fazê-lo e acrescentando “põe-te no caralho, baza daqui”.
2.9. − De repente, e sem que nada o fizesse perder, e no momento em que o arguido desviou a sua atenção para a porta de entrada do estabelecimento, porque lhe pareceu ouvir chegar um carro, a assistente, sem que o arguido se apercebesse, pegou num copo, partiu-o, e quando o arguido, após ouvir o barulho da quebra do vidro, voltou a atenção para a assistente, já aquela fazia um movimento com aquele copo que segurava na mão direita, com a manifesta intenção de atingir o participante, o qual, em ato contínuo, apenas logrou, para se defender, dar uma sapatada na mão da participante que empunhava o copo, rechaçando a mão daquela, a qual, nessa altura, num movimento ascendente que descreveu, terá atingido a face ou orelha daquela, o que crê que provocou um ferimento na mesma (porque viu posteriormente que sagrava dessa zona).
2.10. − Ato contínuo, a assistente, que entretanto deixara cair o copo, agrediu a murro e sapatadas o arguido, e, enquanto o fazia, gritava e dizia “seu filho da puta, vou-te matar”.
2.11. − O arguido repeliu as agressões de que estava a ser vítima, exercendo retorsão.
2.12. − Sendo que, o rendimento da atividade desenvolvida pela ofendida, à data dos factos, computa-se, anualmente, em quantia não inferior a € 18.000,00.
2.13. − O arguido estaria à data dos factos aqui em julgamento transtornado, com intenções suicidárias, podendo, inclusivamente, sofrer de transtorno relacionado com os ciúmes, do tipo Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC).
2.14. − Tal transtorno limitava-o na sua capacidade de avaliar a ilicitude dos seus atos ou de se determinar de acordo com a avaliação feita, pelo que se afigura ser nesse estado, em que existe uma deficiência no funcionamento neurocognitivo, inimputável, ou se assim não se entender, sempre qualquer pena a aplicar deve ser especialmente atenuada, uma vez que se afigura estarmos no mínimo perante uma imputabilidade diminuída.

3. - Motivação da convicção do Tribunal

Nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
A convicção do Tribunal fundou-se em todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, nomeadamente, nas declarações do arguido H. M., da assistente/demandante S. T. e no depoimento das testemunhas T. S., A. O., M. P., N. C., F. T., J. P., F. M., T. J., S. C., R. C. e C. M..
Não foi feita prova bastante que afaste a genuinidade dos documentos juntos aos autos, pelo que relativamente aos documentos não autênticos (cfr. artigo 169.º do Código de Processo Penal, o qual refere que “consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa”), o seu teor pode ser valorado livremente pelo Tribunal, conjugando os mesmos com a demais prova produzida e as regras de experiência. Assim sendo, o Tribunal teve em consideração os documentos juntos aos autos (designadamente, Auto de Diligência de fls. 69-70;126; 140; Relatório de Urgência de fls. 71; Relatório Fotográfico da vítima de fls. 72-73; Informação extraída das bases de dados de fls. 74; 98 e ss; 108 e segs.; Termo de Consentimento de fls. 80, 173, 309; Exame a Telemóvel de fls. 81-96; Auto de Notícia de fls. 104 e v.; guia de depósito de objetos de fls. 130; Informação Clínica de fls. 141-155; 191-197; Auto de Apreensão de fls. 169; Auto de Busca e Apreensão de fls. 226-229; Auto de Colheita de Amostras e de Identificação de Pessoas de fls. 231-233; 293-295; Reportagem Fotográfica de fls. 301-304; Auto de Leitura de Mensagens SMS de fls. 308 e v; 441-443; Auto de Recolha de Vestígios Biológicos de fls. 310; Documentos de fls. 138; 178; 299-300;452-457; Apenso com a Faturação Detalhada; documentos juntos com o pedido de indemnização; o documento junto pelo arguido com a sua contestação; e o certificado do registo criminal junto aos autos na Ref. 164853585).

Assim, mais detalhadamente, quanto aos elementos documentais juntos aos presentes autos com relevância para a decisão importa salientar, além do mais, o seguinte:

- Autos de Diligências de fls. 69-70 e 140 (diligências efetuadas pelo OPC no Hospital de Braga relativamente ao estado de saúde da ofendida S. T. e ao apuramento dos demais factos);
- Auto de Diligência de fls. 126 (diligência efetuada pelo OPC para contactar com o aqui arguido);
- Guia de depósito de objetos de fls. 130 (um saco de papel pardo contendo sacos prova com fragmentos de vidro de garrafa, um copo de vidro, sacos em plástico e um manípulo de máquina de café);
- Relatório de Urgência de fls. 71 a 73 (efetuado quanto ao estado de saúde da ofendida S. T. com fotografias feitas no serviço de urgência do Hospital de Braga relativo aos ferimentos mais evidentes);
- Informação extraída das bases de dados relativamente à ofendida S. T. de fls. 74 (quanto aos dados pessoais de identificação civil da mesma, mormente filiação, residência, data de nascimento, estado civil, etc.);
- Informação extraída das bases de dados relativamente ao arguido H. M. de 98 e segs. e 108 e segs. (quanto aos dados pessoais de identificação civil do mesmo, mormente filiação, residência, data de nascimento, estado civil, etc.);
- Termo de Consentimento de fls. 80 (declaração de dispensa de sigilo de telecomunicações por parte de T. S. quanto ao iphone 8 plus com o IMEI ......... e o n.º 9…); de fls. 173 (termo de consentimento prestado no sistema de referenciação de familiares e amigos vítimas de crime de homicídio), de fls. 309 (termo de consentimento de S. T.; para recolha de zaragatoa bucal para obtenção de perfil de ADN para comparação com os vestígios recolhidos no local dos factos);
- Exame a Telemóvel de fls. 81-96 (efetuado ao telemóvel Apple iphone 8 plus TD-LTE com o IMEI .........; com transcrição dos dados dos contatos de e para esse telemóvel)
- Auto de Notícia de fls. 104 e verso (efetuado pelo OPC relativo aos factos do dia 03/07/2018, com a descrição das diligências feitas pela patrulha de ocorrências);
- Registo fotográfico feito pela equipa do Serviço de Perícia Criminalística de fls. 111 e segs. (com diversas fotografias feitas ao local da prática dos factos e objetos aí existentes, sendo evidentes mormente os sinais de sangue, o manípulo da máquina de café, do pau, dos vidros partidos, do saco plástico de cor verde, do copo, etc.);
- Informação Clínica de fls. 141-155; 191-197 (prestadas pelo Hospital de Braga e relativas ao estado de saúde de S. T.;
- Auto de Apreensão de fls. 169 (de um manípulo de máquina de café, vários fragmentos de garrafa de vidro de licor de amêndoa amarga, um copo de vidro, um pau com 83 cm de comprimento, um saco plástico de cor verde) os quais se encontravam no local das agressões com vestígios de natureza hemática;
- Auto de Busca e Apreensão de fls. 226-229 (onde se exararam pelo OPC as informações relativas à diligência em causa);
- Auto de Colheita de Amostras e de Identificação de Pessoas de fls. 231-233; 293-295;
- Reportagem Fotográfica de fls. 301-304 (de umas calças de ganga, de uma t-shirt, um par de botas);
- Auto de Leitura de Mensagens SMS de fls. 308 e verso (mensagens trocadas entre A. O. com o n.º 912984332 e a vítima S. T. com o n.º 9……); 441-443 (impressões das mensagens sms extraídas do telemóvel de M. P. com o n.º 9…… trocadas com o arguido H. M. com o n.º 9…… relativas ao dia 03/07/2018);
- Auto de Recolha de Vestígios Biológicos de fls. 310 (através da realização de zaragatoa bucal a S. T.);
- Documentos de fls. 138 (com fotografia da pessoa do arguido com os dizeres “Urgente procura-se. Contactem a polícia mais próxima caso vejam”); de fls. 178 (informação de tratamento médico ao aqui arguido H. M.); de fls. 299-300 (de cartão SIM, de suportes de cartões SIM, invólucros respetivos e talão referentes a telemóveis e que foram apreendidos no âmbito da busca domiciliária ao arguido H. M.); de fls. 452-457 (tabela de análise aos dados de tráfegos dos telemóveis da vítima e arguido e facultados pela operadora …);
- Apenso com a Faturação Detalhada (onde consta a faturação com dados de tráfego referentes a contatos quer efetuados quer recebidos pela vítima e arguido fornecidos pela operadora …), em que se podem observar as comunicações entre os aqui dois sujeitos processuais, mormente, data/hora, duração do contato e números dos telefones usados;
- Documentos juntos com o pedido de indemnização de fls. 593 e segs. (atestado médico multiusos de incapacidade multiusos, relatório de apoio à vítima, relatório clínico), cfr. Ref. 8467735;
- O documento junto pelo arguido com a sua contestação (participação criminal contra S. T.), cfr. Ref. 8942771;
- Informação da Agente de Eletricidade ... Serviço Universal (cfr. Ref. 8995313);
- Informação da Agente de Eletricidade ... Comercial (cfr. Ref. 8995920); e
- O certificado do registo criminal do arguido (Ref. 164853585).
O Tribunal tomou em consideração o teor do relatório social (cfr. fls. 915-918 e Ref. 9119793), elaborado pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), quanto à inserção familiar e socioprofissional do arguido, com o objetivo de auxiliar no conhecimento da personalidade do arguido e na correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada – artigos 1.º, n.º 1, al. g) e 370.º, ambos do Código de Processo Penal.

Valorou-se positivamente a prova pericial junta, i. e.:
- o Exame Pericial com Registo Fotográfico feito pela equipa do Serviço de Perícia Criminalística de fls. 111-123;
- o Relatório Pericial de Criminalística Biológica de fls. 413 e segs. (relativas a S. T. e H. M.);
- Perícia de Avaliação do Dano Corporal efetuada pelo Instituto de Medicina Legal de fls. 187-189 (datada de 20/07/2018, relativa à ofendida S. T.), cfr. Ref. 7400828;
- Perícia de Avaliação do Dano Corporal efetuada pelo Instituto de Medicina Legal de fls. 887-889 (datada de 13/09/2019, relativa à ofendida S. T.), cfr. Ref. 9093747; e
- Perícia psiquiátrica forense efetuada pelo Instituto de Medicina Legal de fls. 911-914 (datada de 16/09/2019, relativa ao arguido H. M.), cfr. Ref. 9119530.

Teve-se em consideração o teor da jurisprudência plasmada no Ac. do STJ de 31/05/2006, proc. n.º 06P1412, in www.dgsi.pt, de acordo com a qual “Os documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida.” e no Ac. do TRC de 06/01/2010, proc. n.º 20/05.9TAGD.C1, in www.dgsi.pt, segundo a qual “É permitida, mas não obrigatória, a leitura em audiência de julgamento dos documentos existentes no processo, independentemente dessa leitura, podendo o meio de prova em causa ser objeto de livre apreciação pelo tribunal, sem que resulte ofendida a proibição legal prevista no art. 355.º do Código de Processo Penal”.
Note-se que a prova produzida deve ser analisada atenta a segurança oferecida por cada elemento probatório (considerado individualmente, nomeadamente, quanto à sua credibilidade, isenção e fundamentação da razão de ciência), e bem assim ponderada de acordo com o seu confronto com os demais elementos de prova constantes nos autos (v.g., prova documental, pericial e testemunhal), por forma a que o resultado final não produza uma decisão injusta, insuficientemente segura em termos de corroboração factual, ou incoerente com a realidade e o normal acontecer dos factos.
Assim sendo, compreende-se que uma testemunha contribua ativamente para alicerçar o Tribunal na formação da convicção da realidade de um facto pela mesma relatado, atenta a sua isenção e fundamentação da razão de ciência quanto a esse mesmo facto, mas também pode acontecer que essa mesma testemunha transmita ao Tribunal outros factos que, quando confrontados com os demais elementos de prova produzida (e legalmente admissíveis), não sejam bastantes para fundamentar a resposta em determinado sentido dada pelo Tribunal à matéria factual em análise nos autos.
Cumpre salientar que tendo a prova testemunhal sido gravada, de modo algum se deve aqui reproduzir o teor da mesma, por tal não corresponder à letra e ao espírito da lei e ser inexequível na prática, mas sim frisar os pontos essenciais (nomeadamente no que respeita à fundamentação da razão de ciência, isenção, coerência, segurança e emotividade que pautaram em concreto cada depoimento) que determinaram que a convicção do julgador (relativamente ao qual a prova se produziu presencialmente) se formasse no sentido em que consta do elenco dos factos provados.
De referir ainda que a lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o ato de decidir numa tarefa impossível (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 258/2001: “não é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, quando interpretada em termos de não determinar a indicação individualizada dos meios de prova relativamente a cada elemento de facto dado por assente”).
Note-se que as transcrições infra exaradas podem não seguir a ordem cronológica em que foram proferidas em julgamento, mas foram agrupadas por assuntos, para melhor compreensão da temática e das versões apresentadas dos factos.
Quanto ao arguido H. M., o mesmo referiu, em síntese, que corresponde à verdade o teor dos artigos 1, 2 e 3 constantes na acusação; alegou que “tinha relação [amorosa com S. T.] mas não era pública, entre nós havia namoro”; negou ter enviado várias vezes mensagens para o telemóvel de S. T. nas quais manifestava o desejo de equacionar um relacionamento amoroso consigo, assim como negou o arguido ligar frequentemente para a mencionada S. T. a perguntar com quem estava acompanhada, procurava saber do seu quotidiano.
Como é fácil de ver pela análise das declarações não só da ofendida, mas também das demais testemunhas (mormente o pai da ofendida) essa alegada relação amorosa não existia, apesar de efetivamente o arguido a pretender.
Afirmou que “eu é que a levava sempre a casa… eu levava-a ao domingo e ao meio da semana; era pelo menos 2 vezes por semana, no mínimo”. Admitiu ser verdade o que consta exarado nos dos artigos 10, 11, 12, 13, 14 e 15 da acusação e admitiu que, nas circunstâncias de tempo e lugar ter pedido e foi-lhe servida por S. T. uma cerveja (que diz não ter consumido integralmente), sendo esses factos igualmente confirmados pela ofendida.
Confirmou que viu S. T. a enviar uma mensagem, que “ela estava a discutir comigo… ela vinha à traição com um copo; eu estiquei o braço para me defender” (gesticulou para exemplificar como fez) “eu sacudi ela eu dei-lhe uma ou duas pancadas… eu empurrei-a para o balcão; ela deu-me uma joelhada, eu empurrei-a contra o balcão… não apertei o pescoço… mentira eu com o desespero eu tirei 80 euros da caixa registadora…”, “verdade que eu mandei essa mensagem; eu pensei que ele vinha para me agredir” (cfr. artigo 27 da acusação).
Admitiu que se apoderou e fez suas a referida quantia de 80 euros da caixa registadora, assim como o telemóvel, mas não as chaves nem os 200 euros, no entanto a prova da subtração destes itens resultou segura com o depoimento da ofendida.
Referiu que “eu não tranquei qualquer porta; eu apenas puxei a porta ao sair…” (o que não corresponde à verdade tanto mais que a equipa de socorro médico e o OPC tiveram que arrombar uma porta, porquanto todas estavam trancadas, para aceder ao interior do estabelecimento e socorrer a ofendida), “eu só empurrei o pescoço dela com a mão… eu pensei que estava morta… eu tinha bocadito de ciúmes realmente, mas não era uma pessoa ciumenta… eu mandei a mensagem depois mais uma vez uns 30 minutos, eu já tinha saído; eu saí, tinha la um monte e lá em cima parei peguei no telemóvel e aí eu mandei a mensagem… eu telefonei para o T. S. e disse que me ia matar, eu pensei que ela estivesse morta… eu fugi lá para lá para o meio do monte… eu não apertei como alicate; eu pressionei com força contra a beira do balcão para ela parar (faz os gestos para descrever)”, “eu tive que usar da força mas ela é forte”, “ela até pegava nos clientes pela camisa e punha os clientes lá fora” (o que não foi corroborado por qualquer prova, antes pelo contrário foi negado expressamente pela ofendida e pela testemunha A. O., cliente habitual do estabelecimento).
O arguido negou ter acesso ao conteúdo do computador da S. T. (“eu nunca lhe mexia no computador”), o que foi corroborado pela mesma (referiu a ofendida que “eu tinha 3 computadores no estabelecimento, era só eu que mexia”).
Disse o arguido que “naquele dia havia o problema do corte de energia”, contudo, tal como assegurou a ofendida S. T., a eletricidade não foi cortada, apesar de efetivamente no dia 3 de Julho de 2018 ter estado no local uma equipa para esse efeito, mas como a ofendida beneficiava de um prazo provindo de um acordo de pagamento em prestações, não se procedeu ao corte de energia.
Admitiu também ter desferido com um manípulo da máquina de café várias pancadas na S. T., mas apenas com o intuito de se defender (“ela puxou-me os cabelos contra o balcão, eu peguei no manípulo da máquina do café e dei-lhe umas duas vezes, eu não sei onde lhe dei… eu tinha a cabeça para baixo, e não vi onde bati [com o manipulo], aquilo é muito pesado mesmo, eu tinha a noção que a podia magoar, sim, doutor, eu sabia”). Estranhamente o arguido enquanto verbalizava como alegadamente ocorreram os factos, igualmente gesticulava exemplificando como na altura supostamente fazia os movimentos com a mão e desses movimentos e das posições corporais dele e da ofendida (ora recriados pelo arguido em julgamento) resultou evidente que o arguido ao agredir a ofendida com o manípulo do café, fazia-o na cabeça desta, e apenas nessa parte do corpo sem possibilidade física de atingir outra parte. Assim, as suas declarações são contrárias aos seus movimentos exemplificativos, mas estes são consentâneos com o teor da acusação.
Referiu que depois destes factos nunca mais contactou a ofendida (nem para pedir desculpa ou para compensar a mesma total ou parcialmente), apesar disso refere “eu lamento a situação dela, estou profundamente arrependimento”, apesar de apenas admitir em julgamento que se defendeu, logo, nada de mal ter feito. Também aqui o alegado arrependimento do arguido surge desprovido de convicção, nulo na sua genuinidade.
Mais referiu que “ela era frequente me tratar mal, chamava-me nomes… ela tinha pelo menos 2 rendas em atraso, e tinha até agosto para tirar tudo para fora… ela acusava-me de ser o culpado daquela situação do corte de energia… nós tivemos 3-4 vezes relações sexuais dentro do bar… ela não queria assumir o namoro porque não queria perder clientes… ela tratou-me filha da puta cabrão…” (também nestes pontos nenhuma prova corrobora o declarado pelo arguido, antes pelo contrário, a prova testemunhal produzida pelos depoimentos não só da ofendida mas também por A. O., M. P. e F. M., indicia com segurança que a ofendida não usava linguagem imprópria e não tinha qualquer relação sexual e/ou amorosa com o arguido).
O arguido verbalizou assim de forma inverosímil, autovitimizadora e desresponsabilizante da sua conduta, uma série de acusações de injúrias e agressões físicas que alegadamente foram feitas pela ofendida à pessoa do arguido, contudo, tal não encontrou em julgamento a necessária sustentação fático-probatória.
Importa também frisar o facto que S. T. já antes dos factos tinha graves problemas de visão e o arguido sabia disso (o arguido sabia que S. T. não tinha 90% de visão no olho direito e no esquerdo tinha apenas 20%), logo, também por aí não se afigura sensata a posição do arguido em julgamento perante os factos, pois não se afigura credível a invocada “defesa” do arguido de uma pessoa quase cega.

Confrontado com fls. 112 e segs. (fotos do bar, nomeadamente com garrafas partidas), confirmou o naquelas retratado. Quanto a fls. 119, o arguido acha que S. T. na queda bateu na beira de baixo; referiu “ela tinha óculos, mas quando bate naquela beirada ela perde os óculos… o saco eu não lhe mexi, nós tínhamos produtos de limpeza lá dentro… eu nunca peguei no pau que estava perto da máquina registadora… eu nunca peguei nas garrafas, será na confusão que elas se partiram, ao agitar os braços…”.
Afirmou ainda que “aquilo foi tudo muito rápido, foram segundos… ela parecia um demónio, eu tive que usar um bocado mais de força… eu fiquei ali um bocado zangado, ela tratou-me filha da puta cabrão…”. Questionado o arguido porque razão não saiu/fugiu do local logo no início ou durante as alegadas agressões que disse ter a sido vítima, o arguido não adiantou qualquer justificação plausível, admitindo, no entanto, que devia ter feito isso.
Atente-se que o arguido apresentou ao tribunal (em julgamento) uma versão dos factos substancialmente diferente da que consta na acusação pública, em que friamente se recorda de tudo o que sucedeu, mormente na tarde do dia 3 de Julho de 2018, não resultando da sua defesa em julgamento que o mesmo sustente que naquela data o arguido estivesse alterado física ou psiquicamente, nem que na altura fosse portador de uma inimputabilidade total ou de uma imputabilidade diminuída.
Em sede de contestação o arguido apresentou outra defesa, a qual é também diferente da por si apresentada em julgamento, porquanto alegou que “o arguido estaria à data dos factos aqui em julgamento transtornado, com intenções suicidárias, podendo, inclusivamente, sofrer de transtorno relacionado com os ciúmes, do tipo Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), o que se impõe determinar, uma vez que, nesse caso, tal transtorno limitava-o na sua capacidade de avaliar a ilicitude dos seus atos ou de se determinar de acordo com a avaliação feita, pelo que se afigura ser nesse estado, em que existe uma deficiência no funcionamento neurocognitivo, inimputável, ou se assim não se entender, sempre qualquer pena a aplicar deve ser especialmente atenuada, nos termos dos artigos 72º e segs. do Código Penal, uma vez que se afigura estarmos no mínimo perante uma imputabilidade diminuída” (cfr. artigo 19.º da contestação).
De qualquer modo, do teor do relatório pericial de psiquiatria forense efetuada pelo Instituto de Medicina Legal, resulta que “à data dos factos em apreço, o Examinado tinha consciência da ilicitude dos seus atos, conseguindo minimamente avaliar-se e autodeterminar-se de acordo com a sua própria avaliação, integrando, pois, genericamente os pressupostos médico-legais de imputabilidade.” (cfr fls. 911-914 e Ref. 9119530).
O arguido não foi minimamente convincente nas suas declarações (eivadas por uma séria frieza para com as consequências físicas da ofendida), as quais demonstraram uma débil tentativa desresponsabilizadora da sua conduta. Verbalizou de forma inverosímil uma versão díspar dos factos relatados na acusação, pela ofendida e pelas testemunhas que o tribunal julgou credíveis nos termos infra expostos.
O arguido claramente demonstrou em julgamento não ter ainda interiorizado a gravidade das condutas que empreendeu contra a ofendida e as consequências que daquelas resultaram.
Todas as apontadas incoerências de declarações/defesa/raciocínio do arguido, assim como as contradições para com as regras da experiência e do normal acontecer dos factos, corroboram claramente a convicção que o mesmo faltou à verdade em julgamento no que concerne à sua atuação na tarde do dia 3 de Julho de 2018, tal como mais detalhadamente consta infra exarado.
O Tribunal valorou positivamente as declarações da assistente/demandante S. T. (solteira, desempregada, residente na Rua ..., n.º … Santo Tirso; disse conhecer o arguido por terem sido amigos).
Com efeito, porque sempre mostrou uma postura segura (na voz e na expressão corporal), um raciocínio coerente (nunca deixando transparecer qualquer contradição dos factos pela mesma relatados); atenta a circunstância dos factos terem sido corroborados pelos documentos juntos aos autos (cfr. ad exemplum, fotografias, relatórios periciais do Instituto de Medicina Legal, atestado médico multiusos de incapacidade multiusos, relatório de apoio à vítima, relatório clínico, Registo fotográfico feito pela equipa do Serviço de Perícia Criminalística) e pelas testemunhas que o Tribunal julgou credíveis (nos termos infra exarados), porque em momento algum invocou matéria fáctica que contrariasse as regras da experiência e do normal acontecer dos factos, a mencionada assistente/demandante logrou convencer o Tribunal sobre a realidade dos factos sobre que foi inquirida e tal como foram considerados provados (em especial, quanto à identidade do agente delinquente, ao modo de ocorrência dos factos e às consequências da conduta do arguido).
Referiu, no essencial, que “há um ano e dois meses que eu não vejo nada; nem o meu filho de 7 anos vejo… eu não tive qualquer relação com ele…ele tem uns 1,75 m e eu tenho 1,73 m…”, “ele tinha cabelo baixinho, muito curto, não era máquina zero…” mas que em momento algum o agarrou pelos cabelos (o que contraria frontalmente a defesa do arguido, que referiu que S. T. o agarrou pelos cabelos).
Confirmou que “ele era conhecido pela alcunha de …… ele trabalhava comigo às sextas e aos sábados e aos domingos nos outros dias ele é que aparecia lá… ele tinha amizade e gostava de mim… houve uma altura em que eu ainda tentei olhar para ele doutra forma, mas ele era muito controlador...”; que antes dos factos já tinha sérios problemas de visão.
Asseverou ao tribunal que “nunca fomos namorados; ele é que fazia passar essa mensagem… nunca tive relações sexuais com ele”, no domingo anterior (dia 1 de julho), foi lá um cliente (A. O.) e o H. M. não saía da beira para controlar as conversas. O Sr. J. M. falava comigo sobre a possível venda do bar…”, “ele [o arguido] foi fumar no bar; ele perguntou, não queres ir mais cedo embora?”, “era normal o H. M. levar-me para casa ao domingo”.

Referiu que no dia dos factos (i.e., dia 3 de Julho de 2018) “cheguei pelas 3 h da tarde, acompanhada pelo meu pai, o H. M. chegou lá pelas 17h15, eu estava com dois senhores da Agente de Eletricidade ..., eu tinha um acordo de pagamento que terminava naquele dia; a situação estava a ser resolvida quando o sr. H. M. chegou, eu disse-lhe (desabafando) como é possível virem cortar a luz… o H. M. pediu uma cerveja, ele estava muito cabisbaixo, tenso, eu não tinha razão para ter medo… ele estava a chatear e eu saí para a esplanada e ele veio atrás de mim…”, “eu peguei no telemóvel e mandei uma mensagem para o sr. J. M. para aparecer por aqui para falar-mos sobre a venda do comércio, a partir desse momento ele começou a ficar mais nervoso, deixei-me estar no bar… ele pegou na cerveja e da parte de fora do bar (balcão) colocou o telemóvel a carregar, não havia um ambiente para estarmos sozinhos… foi quando eu estava no telemóvel e ele passou para o meu lado direito (no sítio onde ele costumava carregar o telemóvel)”, “no momento em que eu ia guardar o telemóvel no bolso, eu senti uma pancada no ouvido direito, não sei se ele estava dentro do bar, os óculos saltaram… ele entrou no bar e senti uma pancada no olho esquerdo (eu estava de pé), um soco… o olho começou a inchar e a inchar… o H. M. agarrou-me o pescoço, e eu ofereci resistência… eu caí ao chão, foi me enfiar um saco na cabeça, eu tirei o saco fora… eu comecei a gritar e ele disse-me está calada… ele foi buscar líquidos de limpar para me meter na boca, e eu cerrei a boca para não entrar nada… ele começou a dar-me várias pancadas na parte de trás da cabeça, eu protegi a cara com os braços, ele começou a bater-me com vários objetos, acho que com um copo mas não partiu, várias pancadas na parte de trás da cabeça… eu pedi para parar… eu disse-lhe que eu ando contigo e ele não andas nada, não andas comigo, não andas com ninguém…”.
Realça-se a preocupação da ofendida S. T. em relatar ponto por ponto os factos, sem olvidar qualquer facto importante presenciado e a sua correta sequência temporal (o que conseguiu), plenamente compatível, além do mais, com o depoimento da testemunha A. O., e com teor dos relatórios periciais do Instituto de Medicina Legal e com as regras da experiência e o normal acontecer dos factos.
Atente-se ainda na circunstância da ofendida não ter caído na eventual tentação de diabolizar a pessoa do arguido, assim possivelmente exagerando atos/consequências ou aos mesmos acrescentando algo que não se sucedera na realidade. No relato dos factos, in casu, a ofendida manteve-se assim sempre fiel à verdade.
Quanto ao apertar do pescoço referiu que “eu tinha um pau (metade de um cabo da vassoura) e ele pegou nesse pau e apertou-me o pescoço contra o chão…. Eu imaginei que ia morrer, que me iam encontrar morta no chão, pensei que ia morrer sem ar, simulei que estava morta, fiz um barulho, perdi os sentidos”, “eu simulei a perda do ar e apaguei, não me lembro de mais nada”.
Note-se que o arguido apenas cessou a sua conduta quando a ofendida fingiu estar morta. Por outras palavras, pensando o arguido que tinha conseguido o seu objetivo (tirar a vida a S. T.) é que o mesmo parou de apertar o pescoço da ofendida. Nenhum ato o arguido fez depois para socorrer a ofendida, nem o próprio alegou isso em sua defesa. A vontade de matar foi clara e sustentada com a prática de atos idóneos a esse fim.
Após as agressões “acordei de repente, não sabia quanto tinha tempo passado”, tinha consciência que “não estava bem, estava no chão frio, tentei pedir ajuda, estava com muita sede, fui beber água, tentei chamar o 112 mas a pilha estava descarregada, fui para a janela pedir ajuda e foi assim que alguém me viu”, “eu não sei porque não sai pela porta, eu acho que não tinha muita força eu não conseguia andar muito, se calhar fui, mas não tenho ideia, não me lembro de nada…a minha ideia foi ir para a janela pedir auxílio, se calhar já tinha tentado sair pela porta e estava fechada… eu ouvi não dá para entrar, tá tudo fechado, vamos ter que partir a porta, eu ia morrer ali no chão até que me descobrissem”.
Do depoimento da ofendida resulta que o local onde ocorreram os factos necessariamente teria de ficar muito desorganizado, com sangue e com objetos partidos, o que se mostra compatível com o Registo fotográfico feito pela equipa do Serviço de Perícia Criminalística de fls. 111 e segs. (com diversas fotografias feitas ao local da prática dos factos e objetos aí existentes, sendo evidentes mormente os sinais de sangue, o manípulo da máquina de café, do pau, dos vidros partidos, do saco plástico de cor verde, do copo, etc.). Nenhuma falha se aponta à versão dos factos apresentada pela ofendida.
Sobre o dinheiro e bens que desapareceram referiu que “eu tinha chave no meu bolso esquerdo, ele sabia que eu guardava sempre a chave da caixa registadora no meu bolso esquerdo (da frente)… a bolsa nunca mais apareceu, nem as chaves… quando chegou a ambulância eles tiraram-me a roupa toda e eu disse que cuidado que eu tenho coisas nos bolsos e disse que tenho 200 euros no bolso de trás, um papel, a chave da registadora no bolso da frente e eles disseram que a senhora não tem nada”. Também aqui a ofendida foi segura no seu depoimento, sendo assim credível quanto aos itens de que foi desapropriada pelo arguido, explicando devidamente onde os tinha e quando se deu conta da sua falta.
Comentou, dando exemplos, situações em que o arguido demonstrou ser ciumento e possessivo, tanto que “num dos cartões eu já o tinha bloqueado porque ele não parava de mandar mensagens… já tinha-o bloqueado no Messenger”, “era sempre a mandar-me mensagens, a aborrecer-me a chatear-me… o conteúdo era eu sou homem de verdade…”, “comecei a perder clientes por causa da pressão do H. M. sobre os clientes”. Note-se que até o arguido referiu em julgamento que “eu tinha bocadito de ciúmes realmente, mas não era uma pessoa ciumenta”.
Negou perentoriamente ter batido no arguido, confirmando o que está descrito na acusação com sendo tal e qual o que aconteceu (apenas com a ressalva que o arguido apenas pediu uma cerveja e que não tinha acesso aos seus computadores).
Assim como negou ter alguma vez ter exercido força física sobre algum cliente (“nunca aconteceu arrastar um homem, ou pôr um homem lá fora”), sendo também nisso corroborada pela testemunha A. O.. Contrariou o arguido dizendo “eu não tinha rendas em atraso; eu tinha avisado a senhoria que ia vender ou se autorizava o trespasse” e, de facto, não se provou qualquer dívida desse género.
Falou pormenorizadamente sobre as consequências físicas e psicológicas, para si e para a sua família, que advieram da conduta do arguido. Atestou que “preciso sempre do apoio de alguém… não me consigo deslocar sozinha… está prevista uma prótese para aparelho auditivo, a prótese ocular também estou à espera desde outubro, não tenho possibilidade para adquirir… eu estou presa aqui dentro (dentro do corpo)… estou a frequentar aulas de braile… adquiri um telefone adaptado, custou 390 euros… os meus pais ajudam-me, eu vivo com eles, que já têm uma idade já avançada”, “tenho um filho de 7 anos, o pai do meu filho faleceu… sem possibilidade por agora de integrar o mercado de trabalho” e “na ACAP tenho consultas 2 dias por semana, é o meu pai que leva, é no Porto… o meu pai gasta volta de 30 euros; a mensalidade é 10 euros por mês… a bengala eu já consigo equilibrar-me mas não consigo ir para a estrada por causa da audição…”.
Tais consequências físicas e psicológicas mostram-se compatíveis não só com o teor dos relatórios periciais do Instituto de Medicina Legal (cfr. relatório de fls. 187-189 e Ref. 7400828, datado de 20/07/2018; e relatório de fls. 887-889 e Ref. 9093747, datado de 13/09/2019), com o atestado médico multiusos de incapacidade multiusos e com o relatório de apoio à vítima (cfr. documentos juntos com o pedido de indemnização civil de fls. 593 e segs. e Ref. 8467735), bem como são congruentes com o declarado em julgamento, mormente, pelas testemunhas J. P. (Psicóloga que faz o acompanhamento psicológico da ofendida) e F. M. (pai da ofendida e que diariamente presta auxílio à ofendida e ao filho desta) e coerentes com as regras da experiência e do normal acontecer dos factos (considerando o que sofreria física e psicologicamente uma cidadã colocada na mesma posição da ofendida S. T.).
Quanto aos rendimentos declarou que “eu auferia cerca de 700 euros [mensais] e subsídio de incapacidade de 150 euros [mensais], eu recebo agora 400 euros [mensais] de baixa, cerca de 200 euros [mensais] do subsídio de incapacidade e cerca de 38 euros [mensais] do subsídio de morte do ex-marido”, contudo sobre esta matéria nada se provou por inexistência de provas que sustentem essa alegação (mormente documentais, por exemplo, em sede de IRS quanto aos rendimentos e em sede de Segurança Social quanto aos subsídios), aliás resulta da audiência de julgamento (mormente das declarações da própria ofendida) que já aquando dos factos ora em análise estava a atravessar dificuldades económicas, por isso queria vender/trespassar o estabelecimento e estava a pagar em prestações a eletricidade.
Também se valorou positivamente o depoimento de T. S. (solteiro, desempregado, residente na Travessa … Guimarães; disse conhecer o arguido por ser seu colega de trabalho e a ofendida do bar de que era proprietária), pois sem demonstrar interesse pessoal na causa ou algum intuito de prejudicar ou beneficiar alguns dos seus intervenientes, foi dizendo o que sabe dos factos e justificou cabalmente porque tinha esse conhecimento.
Referiu, no essencial, que o arguido “vivia com os pais, tinha pais, tinha dificuldades económicas… ele já pediu na fábrica o telemóvel para fazer chamadas…nunca os vi como namorados, ele é que dizia que namorava com a S. T. (dona do bar)…”. Confirmou assim o declarado pela ofendida quanto à circunstância do arguido propalar que era namorado da S. T., mas que nunca foi visto qualquer ato que indiciasse que tal correspondia à verdade.
Mais referiu que no dia 3 de Julho recebi uma chamada desesperada, se calhar a pedir auxílio, dele que tinha feito uma asneira que a podia a ter matado, eu acreditei nas palavras dele e chamei o 112… que tinha feito uma asneira, que a tinha matado ou não no bar… eu segui caminho e só à noite é que fui ao bar, o meu pai foi para o bar e viu lá a ver a senhora a ser socorrida… acho que ele [o arguido] disse que lhe deu com um objeto na cabeça… penso que sim, a expressão eu rebentei-a toda… (de facto essa expressão traduz bem o estado físico da ofendida plasmado nas fotografias justas aos autos e narrado medicamente nos relatórios do Instituto de Medicina Legal).
Continuou a testemunha dizendo “ele estava transtornado… eu sugeri nas mensagens para ele se entregar… ele perguntou-me se já tinha recebido o ordenado, eu perguntei porquê? E ele disse que tinha feito uma asneira…”. O interesse do arguido em saber se a testemunha tinha recebido o ordenado, conjugado com a expressão tinha feito uma asneira que a podia a ter matado” atribuída ao arguido, indicia claramente que o arguido ponderou fugir, o que se mostra incompatível com a sua defesa em julgamento de que nada de mal fez, que apenas se defendeu das agressões de S. T.. Quem legitimamente se defende não faz uma asneira, nem procura fugir.
Mais asseverou que “eu não sei se eles tinham ou não uma relação… ele tinha problemas financeiros… ele era um bom funcionário… não sei se ele ficou com ferimentos dessa luta, mas que houve luta entre ambos houve porque fui ao local e coisas partidas no bar”.
Quanto a A. O. (divorciado, gerente, residente na Rua … Guimarães; disse conhecer o arguido e a ofendida), o mesmo depôs de modo credível, pormenorizado, baseado no conhecimento direto dos factos, coerente com o depoimento das testemunhas que o tribunal julgou credíveis (nos termos aqui expostos) e foi congruente com as regras de experiência e do normal acontecer dos factos.
Referiu, no essencial, que “conhece a S. T. para aí há nove anos; só conheci o H. M. neste estabelecimento, entre os dois apercebi-me que havia alguma coisa mas nunca via nada… ela queixava-se que ele andava sempre atrás dela, sempre a pressioná-la, mas que ela não queria um relacionamento…- quando eu estava lá ele [o arguido] estava obcecado sempre a ver a conversa entre os dois [entre a ofendida e a testemunha A. O.]… ela tentou, ela pediu-me que tentasse encontrar alguém que comprasse aquilo pois ela sentia-se cansada, pressionada”.

Relativamente à tarde do dia 3 de Julho de 2018 referiu que “eu cheguei lá e não vi ninguém, mas mandei mensagem e recebi… sim estou bem, desaparece porco [confirma a mensagem que recebeu e consta da acusação]”, “vi tudo fechado, nem saí fora do carro, segui a minha vida, fui jantar e depois um vizinho que também para lá foi que me ligou, disse que a S. T. está morta e fui lá nem acabei o jantar”, “a porta principal estava fechada, tudo, eu entrei pela porta do jogo, foi arrombada pelos bombeiros… a porta lateral dos clientes do jogo costuma estar sempre fechada… quando visitei-a no hospital ela contou-me que ele tentou abafá-la com um saco e que lhe deu com uma coisa. Ela disse que foi ela telefonar. Ela contou que se fez morta. Ela disse que lhe faltaram o telemóvel, que tinha desaparecido uma carteira com dinheiro, na maré de duzentos euros”. O que a ofendida disse na altura dos factos à testemunha continua a ser o mesmo que disse em julgamento.
A testemunha confirmou a atitude ciumenta do arguido para com a ofendida (“eu apercebi-me que ele tinha ciúmes de toda a gente que falasse com ela. Ela era simpática. Servia ao balcão, falava com todos”). Corroborou assim o declarado pela ofendida quanto ao carácter ciumento do arguido.
Mais referiu que “eu era cliente daquele bar já há algum tempo… ela não usava esse tipo de linguagem [linguagem imprópria/indecorosa] eu nunca vi ela a por alguém lá fora… era sempre a porta principal que estava aberta, aquela porta dava acesso para tudo”. Confirmou assim o declarado pela ofendida quanto à circunstância dela nunca ter usado de força física contra um cliente, nem ser mulher de usar linguagem imprópria/grosseira.
Sobre a sua memória referiu que “eu tive um traumatismo num acidente e não estou assim [bom de memória]”, por isso teve por vezes alguma dificuldade em se recordar de alguns factos.
O que a testemunha presenciou quanto aos queixumes da ofendida sobre o arguido em pretender um relacionamento, mensagens, ao estabelecimento e ao estado físico da ofendida é compatível com a produção da prova feita por S. T., circunstância que cimenta a sua credibilidade.
Igualmente se valorou positivamente o depoimento de M. P. (costureira, divorciada, residente no Bairro Habitacional … Vila Nova de Famalicão; disse conhecer o arguido de vista e ser amiga da assistente), pois sem demonstrar interesse pessoal na causa ou algum intuito de prejudicar ou beneficiar alguns dos seus intervenientes, foi dizendo o que sabe dos factos e justificou cabalmente porque tinha esse conhecimento.
Referiu, no essencial, que “nunca vi nada como [se fosse] namorado da S. T., as pessoas que paravam lá no bar diziam que ele dizia que ele andava com ela, mas que ela sempre negava… eu era amiga da S. T. há muitos ano… só no outro dia me apercebi que algo grave tinha acontecido… ela pedia-me ajuda, eu ajudava-a no bar mas ela dava-me 15-20 euros na altura… ela pedia-me ajuda porque queria tirá-lo do balcão… eu ajudava no balcão, no sábado ou à sexta… o bar não dava muito dinheiro… antes a S. T. era uma pessoa alegre, agora é uma pessoa triste, muito diferente”.
Confirmou as mensagens de fls. 441 e segs. do arguido para a testemunha.
O Tribunal valorou o depoimento da testemunha N. C. (casado, operário têxtil, residente na Av. … Guimarães; disse conhecer o arguido por ser seu primo e não conhecer a assistente), pois foi credível nas suas declarações, uma vez que justificou cabalmente a sua razão de ciência e não tomou partido por nenhuma das partes processuais.
Referiu, no essencial, que “o arguido é meu primo, não conheço a S. T.… eu vi as notícias e liguei para o meu primo, e acabou por fazer asneiras e que estava arrependido e que se ia matar, ele estava completamente confuso. Às vezes não dizia coisa com coisa, ele nunca negou que tinha feito asneiras, ele não sabia se ele estava morta ou não… como pessoa o H. M. é uma pessoa calma, boa pessoa”.
Igualmente a testemunha F. T. (militar da GNR, com domicílio profissional no GIPS de Mirandela; disse não conhecer o arguido e conhecer a assistente dos factos retratados nos autos) foi credível nas suas declarações, uma vez que justificou cabalmente a sua razão de ciência e não tomou partido por nenhuma das partes processuais.
Referiu, no essencial, que se deslocou ao local após receber uma “chamada da ocorrência para uma situação grave… o edifício estava todo fechado por grades, nós para entrar tivemos de partir completamente as grades e a porta, aquilo tinha grades por todo edifício todo, primeiro tentamos ajudar a vítima e procurar se estavam lá mais alguém, chamamos a Polícia Judiciária… a vítima estava maltratada, dizia que tinha sido agredida por uma pessoa do sexo masculino, nem soube dizer o nome, eu acredito que a pessoa que fez aquilo pensou que tinha matado a vítima, estava a cara toda a desfigurada, com sangue”. Ainda sobre o local referiu “preservamos o local, o bar estava todo remexido, existiam garrafas partidas por todo o lado, marcas de luta, de agressão e defesa de parte a parte, muito sangue no balcão e atrás de balcão e o rasto da dona S. T. se ter arrastado até à janela… uma orelha [da S. T.] faltava pouco para cair, a vítima estava em estado de choque”. O depoimento da ofendida mostra-se assim igualmente corroborado por esta testemunha. A testemunha não fundamentou a sua expressão “marcas de luta, de agressão e defesa de parte a parte”, nem a mesma resulta de qualquer elemento transmitido por essa testemunha ou por outrem (aliás, nem o próprio arguido enveredou a sua defesa por esse sentido, pois apenas se defendeu segundo o mesmo).
O Tribunal valorou positivamente o depoimento da testemunha J. P. (solteira, Psicóloga, residente na Rua da …, Porto; disse não conhecer o arguido e conhecer a assistente), porque mostrou uma postura calma (na voz e na expressão corporal) e um raciocínio coerente e isento (não demonstrando cumplicidade para com os interesses de qualquer dos sujeitos processuais).
Referiu, no essencial, que fez o acompanhamento psicológico, tentou diminuir o receio da ofendida de não ser capaz, procurou normalizar as competências de socialização da S. T., aliás ainda “estamos a tentar a normalização, os medos estão presentes, adaptação gradual… os encontros agora são com periodicidade mensal já foram quinzenais… é preciso continuar, mas não se consegue prever quanto tempo ainda vai ser preciso… ela já era praticamente cega mas era funcional”. Falou pormenorizadamente sobre o estado psicológico da ofendida e o trabalho que no futuro a espera nessa matéria.
Quanto a F. M. (residente na Rua ..., n.º …, Santo Tirso; disse conhecer o arguido e ser pai da assistente), o mesmo logrou auxiliar o Tribunal a captar a realidade dos factos, uma vez que prestou o seu depoimento de forma credível, porque objetivo, pormenorizado e baseado no conhecimento direto dos mesmos e foi congruente com a demais prova produzida e as regras de experiência e do normal acontecer dos factos.
Referiu, no essencial, que a S. T. “mudou catastroficamentefuturo muito difícil, ela vai ter muitas dificuldades para enfrentar a vida, ela e o meu neto precisam de ajuda e eu daqui por alguns anos já não estarei cá… o meu neto tem 7 anos, ela não o vê [o filho] eu sou pai, avô, sou avó, sou eu que eu faço este trabalho (leva-lo à escola, ao médico)… isto é catastrófico, eu não merecia isto… eu sempre o respeitei e ele sempre me respeitou mas isto não se faz… a Dra. J. P. tem-nos ajudado muito, sou eu que levo a filha para todo o lado (APAV, hospital),… gasto 75-80 km ida e volta ao hospital de Braga, alimentação… média mensal de …. O meu carro gastará uns 6 litros aos 100 km, eu nem com comprimidos consigo dormir… hoje sou eu e a minha esposa que cuidam da S. T. e do neto mas depois nem consigo pensar nisso, ela tem 97 % de incapacidade, ela vai fazer o quê?”.
A testemunha descreveu as dificuldades que a filha tem em casa: “fora ela não pode andar… problemas de visão e audição, ela antes algumas limitações, mas era perfeitamente autónoma; ela sempre manteve uma atividade física”. Sobre os rendimentos da sua filha a testemunha disse “penso eu que ela faria cerca de 2000 euros por mês, mas eu nunca me preocupei muito em saber se a coisa é rentável ou não”. Tal valor surge desacompanhado de qualquer fundamentação credível que a sustente.
Na sua opinião “é meu sentimento que o sr. H. M. não se sente bem com o que fez, o sr. H. M. gostava muito da minha filha, ele uma vez disse que «eu gosto muito da sua filha», a minha filha nunca se apaixonou pelo sr. H. M., a minha filha dizia não, está fora de questão, mas o sr. H. M. tentou.
De salientar a honestidade do depoimento desta testemunha, que apesar de ser pai da ofendida, não sucumbiu à possível tentação de dizer mais do que aquilo que sabe/presenciou, mostrando assim o seu depoimento compatível com os factos por si relatados e com as regras da experiência.
As testemunhas T. J. (solteiro, empregado de armazém, residente na Rua ..., n.º …, Santo Tirso; disse não conhecer o arguido e ser primo da assistente) e S. C. (divorciada, empregada de mesa, residente na Rua ..., n.º …, Santo Tirso; disse não conhecer o arguido e ser companheira do primo da assistente), depuseram de forma credível, porque foram isentas (os seus testemunhos não refletiram qualquer interesse em beneficiar qualquer dos sujeitos processuais, mas apenas revelaram a vontade em colaborar no apuramento da verdade), e justificaram pormenorizadamente a sua razão do conhecimento direto, e conforme ao testemunho de outras pessoas inquiridas que o Tribunal julgou credíveis.
T. J. referiu, no essencial, que “sou primo da ofendida, antes das agressões ela era alegre, bem disposta, amiga e autónoma, agora acho que foi muito abaixo mesmo no dia a dia dela, vejo-a triste, em baixo com esta situação… antes das agressões ela já padecia de uma incapacidade visual mas ela sempre trabalhou e sempre conseguiu lidar com as dificuldades, ela sempre teve a ajuda dos pais, eu e a minha companheira… eu penso que ela sempre irá necessitar de apoio e para a frente ainda mais, pois o seu filho irá crescer e os meus tios para novos não vão… ela tem tido o acompanhamento da ACAP e psicologia e ela tenta superar mas não está a conseguir, acho que até ela tem medo de mais tarde sofrer alguma retaliação”.
S. C. referiu, no essencial, que “sou companheira há dez anos do T. J. [anterior testemunha], ela [S. T.] antes não era pessoa de estar parada, agora se não sou eu e o meu companheiro a tirá-la de casa ela fica na cama todo o dia… ela na rua tem de ser apoiada, ela tem muitas limitações, ela vai fazendo o que pode… ela antes já padecia de uma certa incapacidade visual mas ela sempre trabalhou e tinha rendimento e vivia disso... isso eu nunca vi isso dela e o H. M., não sei se eles tinham um relacionamento.
As testemunhas R. C. (divorciada, costureira, residente na Rua …, Vila Nova de Famalicão; disse conhecer o arguido por ter sido seu companheiro até 2013 e não conhecer a assistente) e C. M. (divorciada, operária têxtil, residente na Rua …, n.º …, Vila Nova de Famalicão; disse ter sido casada com o arguido até 2007 e não conhecer a assistente) depuseram essencialmente sobre a personalidade, o caráter e as condições pessoais do arguido nisso sendo credíveis, tanto mais que não se apuraram factos em sentido contrário. Uma vez que as referidas testemunhas não tinham conhecimento direto dos factos imputados pelo Ministério Público ao arguido (nomeadamente quanto às circunstâncias de tempo, lugar e modo como os factos ocorreram), as mesmas não lograram auxiliar o Tribunal nessa matéria (cfr. artigo 128.º e 129.º, ambos do Código de Processo Penal).
R. C. referiu, no essencial, que “fui companheira do H. M. durante 9 anos até 2013, ele sempre foi boa pessoa, tenho um filho em conjunto, sempre foi uma pessoa presente, sempre pagou a pensão alimentos”.
C. M. referiu, no essencial, que “fui mulher dele, ele é uma boa pessoa”.
A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. Efetivamente o processo nasce porque uma dúvida está na sua base. No caso concreto, após a realização do julgamento nenhuma dúvida razoável persiste sobre os elementos essenciais do crime em análise. Com efeito, dos depoimentos conjugados resultou, no essencial, o apuramento seguro dos factos que constam no elenco dos factos provados (circunstâncias de modo de ocorrência, tempo e lugar), e a identidade do delinquente.
É certo que o arguido faltou à verdade e não contou todos os factos, mas a ocultação de factos ou o depoimento parcial são realidades que, infelizmente, o tribunal presencia quotidianamente em audiência de julgamento, pelo que a ocorrência das mesmas não obsta a que o tribunal decida com justiça sobre o caso concreto, desde que filtre a contradições e aproveite os factos que com segurança sejam transmitidos e se coadunem com a realidade e as regras de experiência, por forma que a matéria fáctica não fique inquinada com dúvida relevante ou falta de prova.
Dos depoimentos conjugados das mencionadas testemunhas resultou, no essencial, a confirmação das circunstâncias espácio-temporais em que os factos ocorreram, a dinâmica dos mesmos e as terríveis consequências materiais e humanas.
A atitude física em julgamento do arguido comprovou com segurança que o por si declarado quanto à sua atuação no evento era proferido sem convicção de veracidade. Note-se que as declarações do arguido foram contrariadas não só pela ofendida S. T., mas também por todas as testemunhas inquiridas quanto à alegada existência de um relacionamento amoroso entre arguido e ofendida, mas principalmente as declarações do arguido quanto à sua alegada atuação de defesa foram frontalmente contrariadas não só pelo depoimento da ofendida, mas também pelo teor dos relatórios periciais do Instituto de Medicina Legal (que confirmam que a conduta agressiva do arguido foi idónea a causar na ofendida as lesões pela mesma sofridas, cfr. relatório de fls. 187-189 e Ref. 7400828, datado de 20/07/2018, e relatório de fls. 887-889 e Ref. 9093747, datado de 13/09/2019), mas também pelas regras da experiência e o normal acontecer dos factos pois atente-se no lamentável estado em que ficou a ofendida (além das demais informações médicas juntas aos autos supra referidas, importa visualizar o Relatório de Urgência, de fls. 71 a 73, efetuado quanto ao estado de saúde da ofendida S. T. com fotografias feitas no serviço de urgência do Hospital de Braga relativo aos ferimentos mais evidentes, os quais são chocantemente graves) enquanto o arguido nada teve (nem este alegou qualquer lesão).
No que concerne ao elemento subjetivo, a comprovação do mesmo em qualquer ilícito faz-se, ou pela confissão do agente, ou pela existência de elementos fácticos objetivos dos quais aquele elemento se extrai com segurança por aplicação das regras da experiência e do normal acontecer dos factos.

No caso concreto em análise a comprovação do elemento subjetivo resultou, sobretudo, da conjugação das declarações do arguido (em especial no que se refere à falta de prova do por si declarado e às suas contradições com o declarado pelas testemunhas e com as regras de experiência) e da ofendida S. T. e dos depoimentos das testemunhas que o tribunal julgou credíveis nos termos supra expostos, dos demais elementos documentais e periciais constantes nos autos (em especial dos relatórios do Instituto de Medicina Legal, Informação Clínica, atestado médico multiusos de incapacidade multiusos, relatório de apoio à vítima, relatório clínico, Registo fotográfico feito pela equipa do Serviço de Perícia Criminalística, Auto de Leitura de Mensagens SMS, tabela de análise aos dados de tráfegos dos telemóveis da vítima e arguido, Apenso com a Faturação Detalhada) e das regras de experiência e do normal acontecer dos factos, uma vez que se afigura sobejamente conhecido que as ações do arguido ao agir do modo com está exarado nos factos provados implica o preenchimento dos crimes em questão.
O arguido sabia que a sua conduta lhe era proibida e punida por lei, dispondo, no momento da sua atuação, de vontade livre e de plena capacidade de avaliar o desvalor da sua conduta e de se autodeterminar de acordo com essa avaliação. Tal inclusive igualmente resulta do teor do relatório pericial de psiquiatria forense efetuada pelo Instituto de Medicina Legal, onde se conclui que “da análise da entrevista clínica, do exame do estado mental e da consulta de peças processuais é possível afirmar-se que, à data dos factos em apreço, o Examinado tinha consciência da ilicitude dos seus atos, conseguindo minimamente avaliar-se e autodeterminar-se de acordo com a sua própria avaliação, integrando, pois, genericamente os pressupostos médico-legais de imputabilidade.” (cfr fls. 911-914 e Ref. 9119530).
A comprovação da situação pessoal, familiar e profissional do arguido decorreu das declarações deste e do teor do relatório social (cfr. fls. 915-918 e Ref. 9119793), elaborado pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
A respeito da existência de antecedentes criminais averbados, foi determinante o teor do certificado do registo criminal junto aos autos.
Finalmente, na parte em que os factos não resultaram provados, tal circunstância deve-se quer à inexistência ou insuficiência de prova produzida, quer à circunstância de se terem provado factos contrários, quer ainda por aplicação do princípio in dubio pro reo (segundo o qual quando persista a dúvida se o arguido praticou ou não os factos imputados na acusação, sempre tem que ser resolvida a favor do arguido; é certo que a dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo, mas sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece a dúvida final, malgrado todo o esforço para a superar, pelo que em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá sempre a absolvição do arguido quanto à matéria sobre que incide a dúvida).»

2.2 - Por seu turno, o despacho recorrido, objeto do recurso interlocutório, é do seguinte teor (transcrição):

«Ref. 9481513 (requerimento do arguido) e Ref. 9498497 (promoção do Ministério Público):
O arguido veio aos autos alegar e requerer o seguinte: “vem o arguido, H. M., nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 8 do artigo 139º do Código Processo Civil ex vi artigo 107º, n.º 5 do Código Processo Penal, respeitosamente requerer que seja dispensado o arguido da multa devida, pela prática do ato (interposição de recurso) no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, ou que a mesma seja reduzida, face à manifesta desproporcionalidade da mesma e tendo em conta a manifesta insuficiência económica do requerente, encontrando-se o mesmo sujeito a medida de coação de obrigação de permanência na habitação há cerca de 16 meses, não exercendo qualquer atividade profissional desde essa altura, pelo que não aufere qualquer rendimento que lhe permita fazer face ao pagamento da multa. Vive as custas e dependente dos seus pais, conforme resulta do relatório social, como também resulta da factualidade dada como provada no douto Acórdão.
Acresce ainda que, conforme se referiu, o requerente vive em casa dos pais, cujos rendimentos daqueles resulta das pensões que auferem e que são a única fonte de subsistência do agregado familiar.
Acresce que o requerente requereu proteção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Para prova do alegado quanto a insuficiência económica, requer que seja oficiado ao Banco de Portugal para vir informar a existência de quaisquer contas bancárias, saldos, valores e títulos depositados em contas bancárias tituladas pelo aqui requerente em qualquer instituição financeira/bancária portuguesa.
Sem prescindir, se assim não se entender, requer passagem de guia para pagamento imediato de multa.”
Por despacho com a Ref. 166250845 determinou-se que “Cumpra-se o princípio do contraditório (cfr. artigo 3.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal), quanto ao requerimento que antecede do arguido para dispensa/redução da taxa de justiça.”
Apenas se pronunciou o Ministério Público (cfr. Ref. 9498497) dizendo que “No quadro legal do tempo dos atos processuais, a multa processual em causa tem que ser vista como uma sanção pela tolerância de uma última possibilidade de aceitação da prática do ato já fora do momento próprio, onde a dispensa ou diminuição do montante devido deverá constituir uma providência excecional (e não entendida como meio de um prolongamento generalizado dos prazos perentórios).
Na consideração que a utilização no preceito legal do advérbio excecionalmente remete necessariamente para situações extraordinárias, invulgares ou incomuns, a previsão normativa tem como objetivo adequar a sanção patrimonial em função da negligência da parte e da carência económica do beneficiário do exercício do direito e no sentido de assegurar plenamente os princípios da proporcionalidade e a igualdade substancial das partes.
Como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/9/2016 (processo n.º 1363/03.1TBBGC-B.G1) in www.dgsi.pt “I – As multas previstas, quer no nº 5, quer no nº 6 do artigo 145º do CPC/ actual 139º, têm a natureza de uma sanção civil de natureza processual integrada num sistema que, não pretendendo ser demasiado rígido, visa, no entanto, obstar à extensão indiscriminada dos prazos fixados na lei.
II. A dispensa ou redução, sem mais, do pagamento dessas multas em todos os casos de alegada e comprovada carência económica descaracterizá-las-iam na sua função desmotivadora da prática dos comportamentos que pretendem evitar e uma tal interpretação redundaria num alargamento injustificado dos prazos estabelecidos para quem se encontrasse numa situação de carência económica, com o que se poderia violar até o princípio da igualdade.
III. Impõe-se, por isso, que, para além da verificação da carência económica, se atenda também à natureza do ato e ao motivo pelo qual não foi respeitado o prazo inicial estabelecido e, no caso do nº 6, à razão pela qual o requerimento não foi apresentado em simultâneo com a prática do ato.”

Ora o ato em causa nos autos apenas através do mandatário poderia ser praticado e o arguido, por intermédio do ilustre mandatário, sabia desde a leitura da decisão que dispunha do prazo de trinta dias para elaboração e apresentação da motivação e até pelo tempo que o tribunal observou desde as alegações finais até à leitura do acórdão – 21 dias (cfr. fls. 932 e 936), e a despeito da extensão com que se apresenta a motivação de recurso podemos concluir que a elaboração de tal peça, ainda que envolvendo a apreciação da prova gravada e exigindo a audição e transcrições de depoimentos, assume uma complexidade mediana, comum a uma generalidade para processos de idêntica natureza, não se alegando nem vislumbrando uma dificuldade acrescida para a elaboração da peça processual.
Além do mais sempre se dirá que o ato em apreço (interposição de recurso) contende mais (se não de forma exclusiva) com a atividade do ilustre mandatário que propriamente do seu constituinte.
Assim sendo, na nossa perspetiva e com todo o respeito que sempre nos merece a opinião contrária, o valor da multa processual não se configura como flagrantemente injusto, despropositado ou exorbitante para a culpa evidenciada na inobservância do prazo legal, e onde resulta não é a insuficiência de meios económicos que impediu o requerente de praticar o ato processual em tempo.
No que se refere à insuficiência económica do arguido/requerente, para além do facto do mesmo ter mandatário constituído – que se presume por contrato oneroso (cfr. artigo 1158.º do Código Civil), a situação económica do arguido foi apreciada e fixada no acórdão condenatório sendo que, a invocada falta de rendimentos, designadamente a título de subsídio de desemprego apenas a si é imputável (cfr. fls. 941 verso – penúltimo parágrafo) e resultando ainda que o mesmo é titular de veículo automóvel e de telemóvel.
Neste sentido e face ao todo exposto pugnamos para que seja indeferida a requerida dispensa de pagamento da multa processual, por não se verificarem os pressupostos a que alude o artigo 139.º, n.º 8 do Código de Processo Civil aplicável por força do artigo 107.º n.º 5 do Código de Processo Penal, o que se requer, ou assim se não entendendo, na eventual redução entre um terço e um quarto do montante devido – cfr. artigo 107.º A, alínea c) do Código de Processo Penal.”
Concordamos integralmente com os fundamentos expostos pelo Ministério Público. Efetivamente a multa processual em causa é uma sanção pela permissividade de uma última possibilidade de aceitação da prática do ato já fora do momento próprio, onde a dispensa ou diminuição do montante devido deverá constituir uma providência excecional. O arguido não alegou qualquer motivo que pessoalmente o impediu de cumprir o prazo legal. Apenas diz que não tem possibilidades económicas para pagar a sanção legal e que agora (só agora) pediu o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, quando os alegados motivos que o sustentam já são muito anteriores (note-se que o arguido refere que “encontrando-se o mesmo sujeito a medida de coação de obrigação de permanência na habitação há cerca de 16 meses, não exercendo qualquer atividade profissional desde essa altura”).
A situação económica do arguido está vertida no acórdão proferido recentemente. O arguido não alegou uma súbita perda total de rendimentos nem muito menos a comprova. Cumpre ainda referir que o elemento pretendido (i.e., “que seja oficiado ao Banco de Portugal para vir informar a existência de quaisquer contas bancárias, saldos, valores e títulos depositados”) pode pelo requerente ser obtido, tanto mais que está representado por mandatário e não foi alegado qualquer fundamento bastante que justificasse séria dificuldade ou mesmo impossibilidade na sua obtenção.
Cumpre ainda salientar que a intervenção do Tribunal não serve para dar guarida à inércia ou falta de diligência do sujeito processual em empreender cabalmente a sua tarefa de fundamentar em termos probatórios a sua pretensão em litígio; e/ou isentar o mesmo sujeito processual dos custos inerentes à obtenção dos elementos/documentos; ou ainda de dispensar aquele da sua obrigação de juntar no momento processual adequado os elementos/documentos cuja junção ora pretende que o Tribunal o faça por si (cfr. artigo 165.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
Tal como refere o Ministério Público o ato em apreço (interposição de recurso) contende mais (se não de forma exclusiva) com a atividade do ilustre mandatário que propriamente do seu constituinte e nada fui alegado que impossibilitasse o cumprimento do prazo legal.

Em face do exposto, por não se verificarem os pressupostos a que alude o artigo 139.º, n.º 8 do Código de Processo Civil aplicável por força do artigo 107.º n.º 5 do Código de Processo Penal, decido indeferir o pedido do arguido de que “seja dispensado o arguido da multa devida, pela prática do ato (interposição de recurso) no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, ou que a mesma seja reduzida”.
Notifique.
Emita as peticionadas guias para pagamento da sanção legal.»

3. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

A) - RECURSO INTERLOCUTÓRIO

A).a) - Da verificação dos pressupostos da dispensa do pagamento da multa pela prática do ato de interposição do recurso fora do prazo

Entende o recorrente que, em face dos elementos factuais já disponíveis nos autos, estavam verificados os pressupostos legais para o Mmº. Juiz a quo o ter dispensado do pagamento da multa devida pela interposição do recurso do acórdão no 3º dia útil após o termo do respetivo prazo legal, pelo que o despacho que indeferiu o seu requerimento a solicitar tal dispensa violou os arts. 107º, n.º 5, e 107º-A, al. c), do Código de Processo Penal e os art.s 139º, n.ºs 5, 6 e 8, do Código de Processo Civil.
Aquele primeiro normativo prescreve que "[i]ndependentemente do justo impedimento, pode o ato ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações.".

Por seu turno, o Código de Processo Civil, no n.º 5 do art. 139º, estipula que "[i]ndependentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa (…)", multa essa cujo montante varia consoante o ato seja praticado no primeiro dia (al. a), no segundo dia (al. b) ou no terceiro dia (al. c).
Por força do disposto no art. 107º-A, do Código de Processo Penal, o montante da sanção pela prática extemporânea dos atos processuais nos termos no n.º 5 do art. 139º do Código de Processo Civil, não é a prevista nesta norma processual civil, mas sim naquele preceito processual penal, ou seja, o equivalente a 0,5 UC, a 1 UC ou a 2 UC, consoante o ato seja praticado, respetivamente, no 1º dia (al. a), no 2º dia (al. b) ou no 3º dia (al c).
O n.º 8 do art. 139º do Código de Processo Civil, dispõe, por sua vez, que "[o] juiz pode excecionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respetivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas ações que não importem a constituição de mandatário e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte.".
Pretende-se assim, assegurar plenamente os princípios da proporcionalidade e a igualdade substancial das partes, facultando ao juiz a concreta adequação da sanção patrimonial correspondente ao grau de negligência da parte ou à eventual situação de carência económica do beneficiário do exercício do direito.
Em face do exposto, fora das situações de justo impedimento, o sujeito processual só poderá praticar o ato processual extemporâneo, sem pagamento da sanção prevista no art. 107º-A do Código de Processo Penal, se o juiz, ao abrigo do n.º 8 do art. 139º do Código de Processo Civil, excecionalmente determinar a redução ou dispensa da multa.
Todavia, para tanto, torna-se necessária a demonstração de uma situação de manifesta carência económica da parte para poder efetuar o pagamento da referida multa ou, então, que o montante desta se apresente manifestamente desproporcionado face ao ato a praticar, apontando a lei, como uma dessas situações, as ações em que não é obrigatória a constituição de advogado e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte.
Como ensina Lebre de Freitas[3], «[n]este caso perguntar-se-á: desproporcionado a que realidade? Não, certamente, à situação económica da parte, pois essa já está considerada na situação. A comparação a estabelecer é com a gravidade da prática do ato fora de tempo.
Embora, à primeira vista, pareça que é sempre igual o grau de gravidade da inobservância dos prazos perentórios (todos são estabelecidos em razão de motivos ponderosos para o legislador), há que ter em conta que uns respeitam a atos do processo essenciais para a parte (a apresentação dum articulado, o requerimento de prova, a interposição de recurso), enquanto outros respeitam a atos menos importantes a praticar por ela (a resposta a certas arguições de nulidade, a impugnação de determinados documentos). Compreende-se que, no caso dos segundos, a multa se possa revelar concretamente desproporcionada. Por outro lado, pode variar a medida da culpa da parte no atraso verificado.».
Pode-se, pois, afirmar que a manifesta desproporção a ter em conta há de resultar da comparação do montante da multa com a gravidade da prática do ato fora de tempo, definida pela essencialidade do ato para a parte e pela medida da sua culpa no atraso verificado.
O mesmo autor refere ainda que, quer no caso de manifesta carência económica, quer quando o montante da multa se revele manifestamente desproporcionado, deverão ser invocadas, pela parte, as circunstâncias concretas que poderão levar à redução ou à isenção da multa, sem prejuízo do juiz poder oficiosamente reduzir ou dispensar a multa quando tais circunstâncias resultem já do processo.
No caso em apreço, o arguido invocou ambas as situações, ao requerer que fosse dispensado da multa devida ou que a mesma fosse reduzida, «(…) face à manifesta desproporcionalidade da mesma e tendo em conta a manifesta insuficiência económica do requerente, encontrando-se o mesmo sujeito a medida de coação de obrigação de permanência na habitação há cerca de 16 meses, não exercendo qualquer atividade profissional desde essa altura, pelo que não aufere qualquer rendimento que lhe permita fazer face ao pagamento da multa. Vive às custas e dependente dos seus pais, (…) cujo rendimento (…) resulta das pensões que auferem e que são a única fonte de subsistência do agregado familiar. Acresce que (…) requereu proteção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.».
Em relação à "manifesta desproporcionalidade da multa", pese embora o arguido não tenha concretizado no seu requerimento os motivos pelos quais considera que o montante da multa é manifestamente desproporcionado, relativos designadamente ao grau de negligência no atraso verificado na prática do ato, no despacho recorrido, o Mmº. Juiz (ainda que por adesão integral aos fundamentos expostos pelo Ministério Público na pronúncia sobre o requerido) considerou que o valor da multa processual não se configura como flagrantemente injusto, despropositado ou exorbitante para a culpa evidenciada na inobservância do prazo legal, salientando que o ato em causa apenas através do mandatário podia ser praticado, contendendo mais (se não de forma exclusiva) com a atividade do mesmo do que propriamente do seu constituinte, e que, a despeito da extensão da motivação do recurso, a sua elaboração, ainda que envolvendo a apreciação da prova gravada e exigindo a audição e transcrição de depoimentos, assume uma complexidade mediana, comum a uma generalidade de processos de idêntica natureza, não se vislumbrando uma dificuldade acrescida para a elaboração de tal peça processual, de cariz eminentemente técnico-jurídico.
Saliente-se que os referidos depoimentos nem sequer são em elevado número nem particularmente extensos.
Ora, ao fixar em 30 dias o prazo de interposição de recurso, o legislador já teve em consideração as normais dificuldades inerentes à elaboração da respetiva peça processual, apenas prevendo, no n.º 6 do art. 107º do Código de Processo Penal, a possibilidade de prorrogação desse prazo, até ao limite máximo de 30 dias, para os processos de especial complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do art. 215º, o que não é o caso.
Assim, e na falta de alegação de qualquer outro motivo justificativo de uma anormal dificuldade no cumprimento do prazo, conclui-se por um considerável grau de culpa no atraso verificado.
A que acresce, de acordo com os ensinamentos a que fizemos referência, a elevada gravidade da prática do ato fora de tempo, definida pela essencialidade do mesmo para o arguido, porquanto se trata da interposição de um recurso, para mais incidente sobre uma decisão condenatória em pena de prisão efetiva de considerável duração.
Assim, perante este ato processual, praticado no 3º dia após o termo do prazo, o montante da multa (€ 204), não se revela manifestamente desproporcionado, como bem foi considerado no despacho recorrido.
Por seu lado, no que concerne ao pressuposto da "manifesta carência económica", o Mmº. Juiz a quo considerou (também por adesão aos fundamentos invocados pelo Ministério Público) não estar o mesmo verificado, porquanto, para além de o arguido ter mandatário constituído (que se presume por contrato oneroso), de acordo com a respetiva situação económica apreciada e fixada no acórdão, a invocada falta de rendimentos, designadamente a título de subsídio de desemprego apenas a ele é imputável (cf. fls. 941 verso, penúltimo parágrafo) e o mesmo é titular de veículo automóvel e de telemóvel, acrescentando ainda que só agora é que o arguido pediu o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e de encargos com o processo, quando os alegados motivos que o sustentam são anteriores, e que não alegou uma súbita perda total de rendimentos nem muito menos a comprova.
Todavia, não acompanhamos esta argumentação, atenta, desde logo, a situação económica do arguido dada como provada no acórdão e os demais elementos resultantes dos autos.
Com efeito, na sequência da prática dos factos em apreço, o arguido encontra-se privado da liberdade deste 09-08-2018, tendo estado preso preventivamente até 09-09-2018, data em que passou a estar sujeito à obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
Nessa sequência, perdeu o emprego que tinha, tendo optado por apresentar carta de despedimento, não recebendo qualquer subsídio de apoio ao desemprego, dependendo totalmente dos progenitores para a satisfação das suas necessidades.
Acresce que, já anteriormente, apesar de empregado, o arguido apresentava uma situação financeira limitada em virtude da execução de penhoras no seu vencimento mensal (que rondava os € 557) relativas a pensões de alimentos devidas aos filhos menores, pelo que apenas conseguia fazer face às suas necessidades pessoais e de saúde através da ajuda financeira e solidária dos progenitores, com quem vivia, ambos reformados, cujas pensões totalizam cerca de € 850 mensais.
Em face deste quadro factual não se vê como afirmar que não está demonstrada uma súbita perda total de rendimentos, posto que o arguido, fruto da medida de coação de privação da liberdade que lhe foi aplicada, deixou de poder exercer a sua atividade profissional, única fonte de rendimentos de que dispunha.
Da mesma forma que nos parece irrelevante, para os efeitos em causa, que o arguido tenha constituído mandatário, desconhecendo-se se e quem suporta os respetivos honorários, bem como a circunstância de não beneficiar de subsídio de desemprego lhe poder ser imputada, por, ao ver-se impedido de exercer a sua atividade profissional, ter apresentado uma carta de despedimento, posto que, relevante é a sua concreta situação de carência económica, a qual não foi premeditada.
Por outro lado, não resulta da matéria de facto provada que o arguido seja titular de veículo automóvel e de telemóvel, sendo certo que, ainda que assim sucedesse, tais factos, sem mais elementos sobre o valor de tais bens, sempre seriam insuficientes para afastar uma situação de precariedade económica.
Quanto ao facto, alegado pelo arguido, de ter requerido proteção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não corresponde à verdade a afirmação feita no despacho recorrido de que só agora é que o arguido requereu tal benefício, quando os alegados motivos que o sustentam são muito anteriores.
Com efeito, como resulta do requerimento e do ofício juntos a fls. 319 a 323 e 369, o requerimento de proteção jurídica foi formulado em 30-08-2018, ou seja, poucos dias após o interrogatório e sujeição do arguido à obrigação de permanência na habitação, tendo sido deferido em 21-09-2018.
De todo o modo, sempre se dirá que o requerimento ou mesmo a concessão de apoio judiciário não seria motivo para o deferimento da dispensa ou redução da multa, pois para aquele basta alguma debilidade económica e para este é necessária prova de “manifesta carência económica”.
Posto isto, considerando a situação socioeconómica do arguido que resulta do acórdão e que ele se encontra sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, somos de opinião que se deve concluir que o mesmo vive num quadro de notória escassez de recursos para fazer face às necessidades básicas, e, consequentemente, que se encontra verificada a situação de manifesta carência económica que permite e justifica dispensá-lo, excecionalmente, do pagamento da multa pela prática do ato de interposição de recurso do acórdão condenatório no 3º dia útil subsequente ao termo do respetivo prazo, ao abrigo do disposto no art. 139º, n.º 8, do Código de Processo Civil.
Aliás, igual faculdade lhe foi reconhecida pelo Mmº. Juiz de Instrução Criminal em relação à abertura de instrução, requerida no primeiro dia útil subsequente ao termo do respetivo prazo, com fundamento, precisamente, em o arguido gozar do benefício de apoio judiciário e se encontrar em situação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (vd. despacho de fls. 643).
Ante a dispensa do pagamento da multa, fica naturalmente prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas no âmbito do recurso interlocutório, porque condicionada à improcedência dessa primeira questão.

Procede, assim, o recurso interlocutório.

B) - RECURSO DA DECISÃO FINAL

B).a) - Da nulidade processual por omissão de diligência essencial à descoberta da verdade e da violação do princípio do contraditório

A propósito da impugnação da decisão proferida pela primeira instância sobre o ponto 1.60, no qual foi dado como provado que «[n]ão foi efetuada interrupção de fornecimento de energia à instalação em causa com fundamento em mora do cliente, apesar de ter sido enviada ao local uma equipa para o efeito», o recorrente argui a nulidade processual prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Penal, compêndio a que pertencem os preceitos doravante citados sem referência a qualquer diploma, traduzida na omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, bem como a violação do princípio do contraditório (conclusões 68ª a 71ª).
Para tanto, alega ter invocado, no art. 6º da contestação, que no circunstancialismo em apreço nos autos, quando se deslocou ao estabelecimento comercial da assistente, encontrou-a visivelmente alterada porque lhe tinha sido cortado o fornecimento de energia pela Agente de Eletricidade..., o que, de acordo com o alegado nos artigos seguintes daquela peça processual, a terá levado a acusá-lo de ser o responsável pelo corte e pelo valor que teria de pagar para a religação, bem como a insultá-lo e a tentar atingi-lo com um copo partido, o que fez com que ele, para se defender, lhe desse uma sapatada na mão em que empunhava o copo, provocando-lhe um movimento ascendente que a atingiu na face ou orelha, ferindo-a, pelo que se limitou a repelir as agressões de que estava a ser vítima, exercendo retorsão.
Mais alega que, tendo requerido para prova daquele primeiro facto que se oficiasse à "Agente de Eletricidade ... - Energias, S.A." para informar se foi efetuada a interrupção do fornecimento de energia elétrica à instalação em causa com fundamento em mora do cliente, diligência essa que o tribunal a quo deferiu, o certo é que tal informação não foi facultada, uma vez que apenas foi recebido oficio informando que "[n]ão está ao alcance desta empresa comercializadora a prestação da informação solicitada pois que, por imposição legal, se trata de matéria de natureza técnica da exclusiva competência do Operador da Rede de Distribuição na sua dupla qualidade de proprietária das equipas de medida e entidade à qual compete a exploração das redes elétricas públicas de baixa tensão", ofício esse que, para além de não satisfazer o solicitado, não foi notificado ao arguido, para ele, querendo, se pronunciar e poder insistir com o cumprimento do solicitado e determinado pelo tribunal.
Assim, conclui o recorrente que o tribunal a quo, não só omitiu diligência que se reputava essencial para a boa decisão da causa (insistência junto da Agente de Eletricidade ... para cumprir com o solicitado), o que integra a arguida nulidade processual, como violou o princípio do contraditório nos termos do disposto no art. 327º, pois não foi notificado do mencionado ofício nem sobre ele se pôde pronunciar nem requerer ou renovar a diligência de prova requerida ou outra que se afigurasse pertinente.
Àquilo que é mencionado pelo recorrente sobre a diligência probatória em questão, efetivamente confirmado pelos elementos constantes dos autos, haverá apenas que adicionar a informação de que, perante a referida resposta obtida por parte das empresas comercializadoras "Agente de Eletricidade ... Serviço Universal, S.A." e " Agente de Eletricidade ... Comercial - Comercialização de Energia, S.A." (cf. ofícios de fls. 817 a 819 e 821), o tribunal a quo determinou que se oficiasse à segunda, no sentido de indicar a identificação do operador de rede de distribuição mencionado nos referidos ofícios (cf. ofício de fls. 849), a qual, todavia, não respondeu ao solicitado, limitando-se a repetir a informação anterior (cf. ofício de fls. 910, com a referência de entrada 9119075), e que, perante isso, o Mmº. Juiz titular do processo, no despacho de fls. 924, exarou o seguinte: "Ref. 9119075 (Agente de Eletricidade...): Visto", tendo esse despacho sido notificado ao arguido, na pessoa do seu Exmo. defensor (cf. fls. 930), nada mais tendo sido requerido ou ordenado a esse respeito.
1. Em face destas ocorrências processuais, apreciemos, pois, a nulidade invocada pelo recorrente, traduzida na omissão de diligência essencial à descoberta da verdade, por o tribunal a quo não ter insistido junto da Agente de Eletricidade... pela obtenção da informação sobre se foi efetivamente efetuada a interrupção de energia elétrica ao estabelecimento comercial da assistente, entendendo que tal elemento probatório se mostrava essencial à boa decisão da causa.
Como é sabido, em processo penal e em matéria de nulidades, vigora o princípio da legalidade, consagrado no art. 118º, n.º 1, segundo o qual "[a] violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei".
As nulidades dividem-se em dois grandes grupos: o das nulidades insanáveis, previstas no art. 119º e as que como tal forem cominadas noutras disposições legais, e o das nulidades sanáveis, previstas no art. 120º, dependentes de arguição, a ter lugar nos momentos processuais previstos no n.º 3 do mesmo preceito.
No recurso é invocada a nulidade prevista na al. d), parte final, do n.º 2 deste último artigo, que sanciona com tal vício, para além da insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, também a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
O segmento normativo em apreço reporta-se à nulidade derivada da omissão de atos processuais na fase de julgamento e de recurso, só podendo ser esse o sentido do adjetivo “posterior” utilizado na sua redação[4].

Como refere Paulo Pinto de Albuquerque[5], «(…) a omissão de uma diligência probatória essencial para a descoberta da verdade constitui a nulidade do artigo 120.º, n.º 2, al.ª d). A omissão de uma diligência probatória necessária ou útil, mas não essencial para a descoberta da verdade, constitui uma irregularidade.».

Ora, atento o facto que a informação em causa se destinava a provar (ter sido efetuada a interrupção do fornecimento de energia elétrica ao estabelecimento comercial da assistente), não se nos afigura haver razões bastantes para o tribunal reputar a solicitação de tal informação à Agente de Eletricidade... como essencial para a descoberta da verdade, assim se compreendendo que, perante o referido ofício em que esta entidade não respondeu ao solicitado, o Mmº. Juiz tenha exarado o despacho de fls. 924, com o teor de "Visto".
Com efeito, embora na alegação do arguido, se trate de um facto instrumental ou acessório destinado a comprovar o motivo pelo qual a assistente se encontrava visivelmente alterada e, por isso, o tentou agredir fisicamente, levando-o a defender-se, o certo é que, como melhor analisaremos em sede de impugnação da matéria de facto, existem elementos que inequivocamente infirmam essa intenção do arguido.
Acresce a circunstância de o facto em apreço, pela sua natureza, poder ser provado por outros meios, mormente pelo confronto e valoração das declarações do arguido ou da assistente, pressupondo que são contraditórias, corroboradas pelo depoimento de testemunhas que, na sequência dos acontecimentos, se deslocaram ao local. E, conforme a assistente esclareceu em audiência, a eletricidade não foi cortada uma vez que beneficiava de um prazo provindo de um acordo de pagamento em prestações, que terminava precisamente nesse dia, o que explicou à equipa, que, por essa razão, não procedeu à interrupção do fornecimento.
Mas, ainda que houvesse razões para reputar a diligência em apreço como essencial, a sua omissão tratar-se-ia de uma nulidade do procedimento, que respeita à aquisição de meios de prova, cometida em momento anterior à sentença, mais concretamente até ao momento em que terminou a produção da prova e foi concedida a palavra para alegações orais (art. 360º, n.º 1), ou, o mais tardar, até ao encerramento da discussão da causa (art. 361º, n.º 2), o que ocorreu na sessão da audiência que teve lugar no dia 10-10-2019 (cf. ata de fls. 932 a 934).
Se o Exmo. defensor do arguido entendia que a informação solicitada à Agente de Eletricidade ... era essencial à boa decisão da causa, aquele era o momento oportuno e adequado para, atuando com a normal diligência, se inteirar do estado da diligência, tanto mais que havia sido requerida por si, designadamente averiguando se a resposta já se encontrava junta aos autos e qual o respetivo teor ou, em caso negativo, requerendo que se insistisse pela mesma.
Sucede que nada fez nesse sentido, antes se quedando inerte e fazendo as respetivas alegações orais.
Assim, apesar de em processo penal vigorar o princípio da investigação ou da oficiosidade, devendo o tribunal ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade (art. 340º, n.º 1), o certo é que o tribunal a quo proferiu o acórdão condenatório sem a aludida informação, seguramente por não a reputar essencial para a descoberta da verdade material, conforme, aliás, já o indicava o teor do referido despacho de fls. 924.
Sucede que tal acórdão foi lido e depositado em 31-10-2019, sendo que o arguido apenas veio arguir a aludida nulidade em 05-12-2019, na própria motivação do recurso que interpôs do mesmo.
Todavia, como referimos, aquela nulidade é de procedimento e não do acórdão, sendo que estas são apenas as previstas no art. 379º, n.º 1, als. a) a c).
Somente as nulidades da sentença devem ser arguidas e conhecidas em recurso, nos termos do n.º 2 da mesma artigo, não podendo este regime ser extensivo às demais nulidades, que têm um regime próprio.
Significa isto que a nulidade por omissão de diligências, prevista no art. 120º, n.º 1, al. d), por não ser do acórdão mas sim do procedimento, não está sujeita ao regime do art. 379º, mas antes ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral, decorrente dos arts. 120º e 121º, pelo que tinha de ser invocada no prazo de dez dias (art. 105º, n.º 1), por outro momento ou prazo de arguição não resultar do n.º 3 do art. 120º.
Ou seja, tratando-se de vício procedimental, o seu prazo de arguição não é qualquer um dos assinalados nas diversas alíneas do n.º 3 do artigo 120º, mas o geral de 10 dias consagrado no n.º 1 do artigo 105º.
Mesmo que se considere que o recorrente só com o acórdão tomou conhecimento da imprescindibilidade, para os julgadores, da aludida informação a prestar pela Agente de Eletricidade ..., por até aí estar convencido da suficiência das provas existentes nos autos, então sempre teria o prazo de dez dias para invocar, junto do tribunal recorrido, a nulidade que invocou, não lhe sendo lícito invocá-la em sede de recurso e para além do aludido prazo.
Assim, tendo a nulidade sido invocada muito para além dos mencionados dez dias, ou seja, fora de prazo, encontra-se a mesma sanada.
A igual conclusão se chega se for adotado o entendimento[6] de que a invalidade resultante da omissão de diligência de prova essencial para a descoberta da verdade, ao constituir uma nulidade da audiência e não da sentença, deve ser arguida até ao encerramento da audiência, conforme estabelece o art. 120.º, n.º 2, al. d), e n.º 3, al. a), o qual dispõe que, tratando-se de nulidade de ato a que o interessado assista, a mesma deve ser arguida antes que o ato esteja terminado.

Pelo exposto, improcede a arguição da nulidade em apreço.

2. Analisemos agora a questão da violação do principio do contraditório, que o recorrente coloca ao alegar que o tribunal a quo «(…) violou o princípio do contraditório nos termos e para os efeitos do disposto no art. 327º do CPP, uma vez que o arguido não foi notificado do supra identificado ofício nem sobre ele se pôde pronunciar nem requerer ou renovar a diligência de prova requerida ou requerer outra que se afigurasse pertinente.».

Preceitua o n.º 5 do art. 32º da Constituição que [o] processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório”.
Sendo um dos princípios estruturantes do processo penal de estrutura acusatória, assegurando a participação constitutiva dos sujeitos processuais, o princípio do contraditório assume-se fundamentalmente como garantia para o arguido.
Como resulta do texto do citado preceito constitucional, enquanto nas fases de inquérito e de instrução o contraditório pode comportar as compressões que o legislador ordinário entenda impor em função das finalidades da investigação, já no julgamento esse princípio vigora sem limitações, assumindo aí a sua amplitude máxima.

É o art. 327º, invocado pelo recorrente, que concretiza e define o conteúdo do princípio do contraditório em sede de audiência de julgamento, ao dispor, sob a epígrafe "Contraditoriedade", o seguinte:

"1- As questões incidentais sobrevindas no decurso da audiência são decididas pelo tribunal, ouvidos os sujeitos processuais que nelas forem interessados.
2 - Os meios de prova apresentados no decurso da audiência são submetidos ao princípio do contraditório, mesmo que tenham sido oficiosamente produzidos pelo tribunal".

Tal princípio vale, pois, para o conhecimento das questões incidentais, nulidades e irregularidades sobrevindas no decurso da audiência, bem como para a decisão sobre a admissibilidade dos meios de prova.
À previsão em termos genéricos constante do n.º 1 do artigo, donde resulta que qualquer decisão relativa a questão incidental sobrevinda no decurso da audiência só pode ser tomada desde que observado o contraditório, acresce a consagração autónoma do princípio em termos de prova, através do n.º 2, segundo o qual nenhum meio de prova pode ser valorado pelo tribunal sem observação do contraditório.
Não prevendo o art. 327º a sanção para a violação deste princípio, há quem entenda que a decisão sobre questões incidentais sem audição contraditória prévia dos sujeitos processuais interessados é causa de irregularidade da decisão (art. 123º), ao passo que a produção de prova durante o julgamento sem sujeição à contraditoriedade constitui um vício mais grave, dando causa a uma nulidade sanável, com fundamento em se tratar de atos processuais essenciais para a descoberta da verdade [art. 120, n.º 2, al. d)][7].
Com efeito, atento o princípio da legalidade e taxatividade das nulidades consagrado no art. 118º, segundo o qual "[a] violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando eta for expressamente cominada na lei" (n.º 1) e que, "[n]os casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular" (n.º 2), numa interpretação meramente literal, a conclusão a extrair do art.º 327º, n.º 2, será de que a inobservância da contraditoriedade nele prevista é geradora de uma mera irregularidade ou, quando muito, de uma nulidade sanável.
Todavia, apelando ao conceito material de lei processual penal e partindo da consideração de que, na falta de disposição legal expressa, a taxatividade das nulidades não impede a destruição de um ato que atente contra a Constituição, tem vindo a ganhar adeptos o entendimento de que a irregularidade do procedimento por inobservância do contraditório na fase de julgamento consubstancia uma nulidade insanável, na medida em que se traduz na violação de uma norma constitucional respeitante a direitos, liberdades e garantias (arts. 18º, n.º 1, e 32º, n.º 5, da Constituição, na parte relativa à audiência de julgamento), sendo, por isso, diretamente aplicável e sem necessidade de conformação por parte do legislador ordinário através da previsão da consequência para a sua violação.
Assim, atenta a relevância dos princípios fundamentais do processo penal, convertendo-os em autênticos direitos fundamentais, torna-se possível abranger na figura da nulidade a violação do contraditório, porquanto o art. 118º, n.º 1, apenas abrange a violação ou inobservância das normas processuais penais strictu sensu, possibilitando, desse modo, a inclusão de normas constitucionais, mormente direitos, liberdades e garantias (ou direitos fundamentais de natureza análoga) que, pela sua natureza fundamental na arquitetura constitucional, são suscetíveis de integrarem a lei processual penal em sentido material.
A que acresce a consideração de que o procedimento tendente à obtenção da prova com violação do contraditório é nulo e, consequentemente, a prova dele decorrente não pode ser utilizada, porque proibida nos termos do art. 125º.
Densificando o conteúdo do princípio do contraditório, refere o sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-12-2008[8] que «[c]omo acentua a jurisprudência do TC, um dos princípios constitucionais que estruturam o processo penal de um Estado de direito democrático é o princípio da contraditoriedade, mais conhecido por princípio do contraditório. Tal princípio consiste em que nenhuma decisão pode ser tomada contra o arguido em processo penal sem que se lhe tenha dado a possibilidade de discutir essa decisão e os seus eventuais fundamentos, e de os discutir em condições de plena liberdade e igualdade com os restantes atores processuais, designadamente o MP. Inquestionável na sua dignidade constitucional – art. 20.º da CRP –, o princípio do contraditório tem subjacente uma conceção inerente ao princípio de audiência, consubstanciando a oportunidade conferida a todo o participante processual de influir, através da sua audição pelo tribunal, no decurso do processo.».
Menciona também o acórdão do mesmo Tribunal de 16-01-2008[9] que «[o] princípio do contraditório tem no moderno processo penal o sentido e o conteúdo das máximas audiatur et altera pars e nemo potest inauditu damnari (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, 1974, p. 149 e segs). O princípio, que deve ter conteúdo e sentido autónomos, impõe que seja dada a oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afete, nomeadamente que seja dada ao acusado a efetiva possibilidade de contrariar e contestar as posições da acusação.
A construção da verdadeira autonomia substancial do princípio do contraditório impõe que seja concebido e integrado como princípio ou direito de audiência, dando «oportunidade a todo o participante processual de influir através da sua audição pelo tribunal no decurso do processo» (cfr. idem, pág. 153).»
Posto isto, cremos, todavia, que a alegação do recorrente destinada a demonstrar a violação do princípio do contraditório não é suscetível de a consubstanciar, na medida em que o tribunal a quo não tomou qualquer decisão, mormente a relativa aos factos vertidos no ponto 1.60 da matéria de facto provada, com base na valoração do teor ofício que o recorrente sustenta não lhe ter sido notificado, nem tão pouco a ausência da informação solicitada à Agente de Eletricidade... teve qualquer interferência ou relevância na decisão sobre a matéria de facto, como claramente emerge da respetiva motivação.
Como salienta Paulo Pinto de Albuquerque, «(…), a arguição da violação do princípio do contraditório fica prejudicada se esta violação não se repercutiu na sentença», como parece ser inequivocamente o caso, em que o ofício em questão, em que a Agente de Eletricidade ... não prestou a informação solicitada, em nada relevou para a decisão da matéria de facto.
Como tal, a ausência de notificação do aludido ofício ao arguido apenas seria suscetível de integrar uma mera irregularidade processual, sujeita ao regime de arguição previsto no art. 123º, pelo que se encontra sanada, uma vez que não foi invocada até ao encerramento da discussão da causa, momento adequado para o arguido dela se aperceber, desde que agindo com a diligência devida, pelas razões explanadas a propósito da nulidade analisada supra.
De todo o modo, refira-se que o recorrente não pode argumentar que só ao estudar o processo, após o julgamento, é que verificou a existência desse ofício.
Na verdade, o seu Exmo. defensor foi notificado do despacho de fls. 924, no qual o Mmº. Juiz, remetendo para tal ofício, com indicação da respetiva referência eletrónica (9119075) e mencionando expressamente " Agente de Eletricidade...", apôs a menção "Visto". Ou seja, ainda que sem envio de cópia do ofício, mas apenas do despacho, o certo é que com tal notificação, o Exmo. defensor do arguido ficou em condições de saber que a Agente de Eletricidade... havia feito chegar algo aos autos, só se podendo reportar à informação por si pretendida, pelo que se lhe impunha que, por consulta ao histórico do processo, e por forma a compreender o alcance da notificação, se inteirasse do teor do dito ofício.

Improcede, pois, a invocação da violação do princípio do contraditório.

B).b) - Da nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação

Nas conclusões 86ª e 94ª in fine, invoca o recorrente que o acórdão recorrido padece de nulidade, nos termos previstos no art. 379º, n.º 1, al. a), ex vi art. 374º, n.º 2, al. b), no que concerne à fixação da indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00, alegando que o mesmo "(…) não está fundamentado e devidamente concretizado, não se logrando perceber o raciocínio do Tribunal que permitiu fixar aquele valor, e não outro".
É manifesta a sua falta de razão, pelos motivos que passamos a expor.
De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 205º da Constituição, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Concretizando essa estatuição, o Código de Processo Penal, no n.º 5 do art. 97º, impõe que os atos decisórios dos juízes sejam sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
Especificamente quanto à sentença, o art. 374º estabelece os respetivos requisitos, entre os quais a fundamentação, capítulo que se segue ao relatório, a qual, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito e no que agora interessa, consiste na exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão.
É sabido que à motivação da decisão é assinalada uma dupla dimensão finalística: de natureza intraprocessual e de natureza extraprocessual.
Através da função intraprocessual visa-se a explicitação da decisão, permitindo o controlo efetivo da sua racionalidade e legalidade, quer pelos seus destinatários diretos, quer pelo próprio julgador, quer ainda pelo tribunal de recurso, estando em causa funções de garantia, de impugnação e de defesa.
Com a função extraprocessual da fundamentação permite-se o controlo difuso da decisão pela comunidade em geral, no âmbito de um processo público, equitativo e decidido por um julgador independente e imparcial, nessa medida contribuindo para a própria legitimação do poder judicial.

Por sua vez, os arts. 379º e 380º estabelecem as consequências da inobservância dos requisitos previstos no art. 374º: a nulidade ou a mera irregularidade da sentença, consoante os casos. De acordo com a al. a) do n.º 1 daquele primeiro preceito, é nula a sentença que não contiver, entre outras, as menções referidas no n.º 2 do art. 374º, acrescentando o seu n.º 2 que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso.

A propósito da exigência de fundamentação em análise, a doutrina vem entendendo que só a sua falta absoluta é que conduz à nulidade da decisão. A fundamentação insuficiente, deficiente ou não convincente não constitui nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso[10].

Também a jurisprudência se orienta no mesmo sentido, defendendo que «a falta de fundamentação da decisão, seja ela um mero despacho ou uma sentença, há de revelar-se por ininteligibilidade do discurso decisório, por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira», e que «a nulidade da decisão não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente, ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final»[11].

No caso vertente, falece razão ao recorrente na alegada falta de fundamentação (de direito) na parte relativa à fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais atribuída à demandante, fundamentação essa que, apesar de sintética, consta do acórdão recorrido, tendo os Mmºs. Juízes valorado «(…) o grau de culpa, o modo de execução, os meios utilizados para perpetrar as lesões físicas com vista a tentar provocar a morte, que só não foi conseguida por razões alheias à vontade do arguido, à idade da vítima, à debilidade física da vítima que o arguido conhecia e que aproveitou para perpetrar os factos, à zona do corpo atingida intencionalmente (cabeça, aos extensos/ demorados / invasivos e notoriamente dolorosos tratamentos médicos efetuados na vítima, ao período de tempo de convalescença da vítima, às terríveis consequências permanentes / irreversíveis físicas e psíquicas/ mentais/ comportamentais causadas na vítima comprovadas por informações/relatórios médicos; considerando ainda que as condutas ilícitas-típicas foram praticadas no local de trabalho da ofendida, sítio onde a mesma por natureza se sentiria segura e com especial ligação emocional, a concreta situação económica do arguido (cujos factos estão elencados na matéria assente mormente no relatório social), bem como a medida jurisprudencial deste Tribunal em casos idênticos (…).».
O recorrente está no legítimo direito de discordar dessa decisão e da respetiva fundamentação, designadamente por não terem sido ponderados outros fatores, em seu entender relevantes, ou por os ponderados não o deverem ter sido, podendo inclusivamente recorrer desse segmento da decisão, como fez. O que, todavia, é distinto de uma ausência de fundamentação, enquanto causa de nulidade da sentença.
Em conclusão, o acórdão recorrido não padece da nulidade que lhe é assacada pelo recorrente, prevista na al. a) do nº 1 do art. 379º, cumprindo as exigências do art. 374º, n.º 2, pelo que improcede este segmento do recurso.

B).c) - Do erro de julgamento

Ao longo das conclusões 3ª a 67ª, o recorrente sustenta que se encontrar errada e incorretamente julgada a matéria de facto vertida nos pontos de facto que especifica.

1. A par da invocação dos vícios previstos no art. 410º, n.º 2 (mediante a chamada revista alargada), o regime processual penal consagra uma segunda forma de impugnar a matéria de facto, através da invocação de erro de julgamento (impugnação ampla), nos termos previstos no art. 412º, n.º 3, als. a), b) e c).
Este erro resulta da forma como foi valorada a prova produzida e ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tenha sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. O erro de julgamento pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.
Nesta forma de impugnação ampla, os poderes de cognição do tribunal de recurso não se restringem ao texto da decisão recorrida (como acontece com os vícios previstos no art. 410º, n.º 2), alargando-se à apreciação do que contém e se pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, sempre delimitada pelo recorrente através do ónus de especificação previsto nos n.ºs 3 e 4 do art. 412º, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431º, al. b).
Todavia, conforme jurisprudência constante[12], esse recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição de gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorreções da mesma, na forma como apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O que se visa é, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, através da avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida.
Como é salientado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-01-2010[13], "(…) o regime do recurso em matéria de facto, se não exige do tribunal de recurso uma avaliação global, impõe-lhe, todavia, como se referiu, que confronte o juízo sobre os factos do tribunal recorrido com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifica nas conclusões da motivação.
A decisão do recurso sobre a matéria de facto exige que aprecie se, no caso concreto, a matéria de facto, rectius, os pontos questionadas da matéria de facto, tem efetivo suporte, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados na decisão recorrida e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem «decisão diversa». (…)
Mas a convicção autónoma sobre o sentido da decisão em matéria de facto relativamente aos pontos questionados só poderá resultar da ponderação, em concreto, das provas identificadas pelo recorrente que o tribunal de recurso deve analisar em juízo e ponderação autónomos; as razões da convicção têm de ser as razões da convicção do próprio tribunal formadas perante os elementos de prova que ponderou nos limites do recurso, e não a assunção ou a recuperação genéricas da convicção ou dos termos da convicção do tribunal recorrido. (…)
Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto tem como pressuposto que o princípio da livre apreciação da prova (e a livre convicção, no sentido materialmente adequado do conceito) não esteja deferido, ou seja passível de aplicação, apenas ao tribunal de 1ª instância, mas também à instância de recurso no limite dos poderes de cognição definidos pela delimitação do recorrente.
A livre convicção do tribunal de recurso substitui-se, nos limites da cognição, à convicção do tribunal recorrido, aceitando-a na identidade de apreciação, ou sobrepondo-lhe, se for o caso, a sua própria convicção.".
Assim se compreende a exigência que é feita nas als. a), b) e c) do n.º 3 do art. 412º, no sentido de o recorrente que pretenda impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto ter de especificar, respetivamente, os concretos pontos da mesma que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e, sendo caso disso, as que devem ser renovadas.
Acresce que, de acordo com o n.º 4 do art. 412º, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em ata, nos termos do n.º 2 do art. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, cabendo ao tribunal da relação proceder à audição e visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (art. 412º, n.º 6).
Ao recorrente é, assim, exigível que quando efetue a indicação concreta da sua divergência probatória, fazendo-o para os suportes onde se encontra gravada a prova, remeta para os concretos locais da gravação que suportam a sua tese[14].
De acordo com o disposto no art. 417º, n.º 3, todas estas especificações deverão constar ou poder ser deduzidas das conclusões formuladas.

2. No caso em apreciação, o recorrente especifica, nas conclusões, como pontos de facto que considera erradamente julgados os itens 1.3, 1.4, 1.5, 1.6, 1.7, 1.8, 1.9, 1.11, 1.12, 1.16, 1.17, 1.18, 1.19, 1.20, 1.21, 1.22, 1.23, 1.24, 1.25, 1.28, 1.31, 1.32, 1.34, 1.35, 1.36, 1.37, 1.38, 1.50, 1.60 da matéria provada, defendendo que tais factos (ou, como veremos adiante, parte deles), deveriam ter sido antes dados como não provados, porque a prova produzida e a ausência de prova em sentido contrário assim o impunham.
Também nas conclusões, como se impunha, indica o conteúdo especifico dos meios de prova que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, com explicitação das respetivas razões, ou seja, referindo o que é que nesses meios de prova não sustenta o facto dado por provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que considera incorretamente julgado.
Todavia, as conclusões já apresentam deficiências quanto ao cumprimento do ónus previsto no n.º 4 do art. 412º.
Com efeito, o recorrente, apelando à prova gravada, todavia, não procede à especificação das concretas passagens da gravação onde se encontram registados os excertos das declarações e depoimentos que invoca para demonstrar a imposição de uma decisão diversa da recorrida, limitando-se a remeter para os mesmos na sua integralidade, indicando o momento temporal do respetivo início e fim, elementos estes absolutamente desnecessários e inúteis para a finalidade que se pretende com a exigência do referido ónus legalmente estabelecido.
Tal deficiência poderia constituir motivo para, ao abrigo do art. 417º, n.º 3, convidar o recorrente a completar as conclusões formuladas.
Não obstante, somos a entender que, se analisada a peça do recurso, constatarmos que a indicação das especificações legais, embora não constando das conclusões, consta do corpo da motivação de forma suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não se deverá ser demasiado formalista ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente e por recurso ao texto das motivações, as mencionadas indicações.
Acresce que, ainda por uma outra razão não se justificaria proceder a esse convite, tanto mais que o seu não acatamento não conduziria à rejeição do recurso na parte relativa à questão da impugnação da matéria de facto, apesar de tal consequência estar prevista no art. 417º, n.º 3.
Isto porque, como o Supremo Tribunal de Justiça vem considerando[15], ainda que no âmbito do processo civil, mas que entendemos ser transponível para o processo penal[16], relativamente aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto e de fundamentação concludente da impugnação, e um ónus secundário, este tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pelo tribunal da relação aos meios de prova gravados relevantes, atualmente consubstanciado na exigência de indicação concreta das passagens da gravação dos meios de prova oralmente produzidos e em que se funda a impugnação (art. 412º, n.º 4, in fine). Este ónus de indicação concreta das passagens relevantes das declarações e dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, mostrando-se satisfeito quando não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja baseado para demonstrar o invocado erro de julgamento.
É o que sucede no caso vertente, ainda que somente em relação a determinados pontos da impugnação deduzida pelo recorrente (1.3, 1.4, 1.5, 1.6, 1.7, 1.8, 1.9, 1.11, 1.12, 1.50 e 1.60), em que este, no corpo da motivação, indica os excertos das declarações e depoimentos que, em seu entender, impõem uma decisão diferente da que foi proferida pela primeira instância sobre esses pontos da matéria de facto por si impugnada, por referência aos minutos e segundos das passagens da gravação em que se encontram registados, procedendo inclusivamente à sua transcrição, permitindo, assim, ao tribunal da relação proceder à fácil localização e audição dos mesmos.
Por conseguinte, no que concerne a esses pontos da impugnação, entendemos que se mostra cabalmente cumprido o ónus de especificação previsto na al. b) do n.º 3 e no n.º 4 do art. 412º, pelo que serão os mesmos objeto de apreciação.
O mesmo já não sucede, como veremos, quanto aos demais pontos da impugnação, o que, como concluiremos, obstará ao seu conhecimento.

3. Posto isto, analisemos a impugnação da matéria de facto.

a) - Quanto ao ponto 1.3, no qual foi dado como provado que «1.3. – O arguido sabia que S. T. não tinha 90% de visão no olho direito e no esquerdo tinha apenas 20%», sustenta o recorrente que o tribunal a quo apenas considerou a documentação junta aos autos, que se encontrava, quanto ao diagnóstico e respetivas conclusões, desfasada da realidade, e não as próprias declarações da assistente e do arguido, particularmente da primeira, que afirmou expressamente que à data dos factos já não tinha qualquer acuidade visual ou visão no olho direito, pretendendo que esse ponto tenha antes a seguinte redação: «1.3. – O arguido sabia que S. T. não tinha visão no olho direito e no esquerdo tinha apenas 20%».
A impugnação circunscreve-se, pois, ao facto dado com provado de a assistente, no olho direito, não ter 90% de visão, sustentando o recorrente que a mesma não tinha qualquer visão.
De acordo com o que é referido na motivação da decisão de facto, a convicção do Tribunal Coletivo sobre essa factualidade terá assentado nas declarações do arguido, que confirmou o teor do art. 3º da acusação (coincidente com a redação dada àquele ponto 1.3).
Quanto às declarações da assistente, apenas é referido que a mesma confirmou "que antes dos factos já tinha sérios problemas de visão".
Embora sem estabelecerem expressamente uma ligação com esse facto, os julgadores aludiram ainda ao longo da motivação a determinados meios de prova com relevância para o mesmo, concretamente o auto de diligência de fls. 140 (efetuada pelo órgão de polícia criminal no Hospital de Braga relativamente ao estado de saúde da assistente), a informação clínica de fls. 141 a 145 e 191 a 197 (prestada pelo mesmo Hospital a esse respeito), o atestado médico de incapacidade multiuso de fls. 593 e os relatórios da perícia médico-legal efetuado à assistente, juntos a fls. 187 a 189 e 887 a 889.
Todavia, analisados esses meios de prova, constata-se que deles não resulta que a assistente não tinha 90% de visão no olho direito, conforme foi dado como provado no ponto 1.3, sendo certo que não conseguimos descortinar nos autos a fonte dessa percentagem, introduzida pela acusação e transposta para a sentença, já que a única referência percentual foi feita pela própria assistente nas declarações prestadas em inquérito perante o órgão de polícia criminal, mas relativamente ao olho esquerdo, afirmando que tinha apenas 20% da capacidade de visão (cf. auto de inquirição de fls. 154 e ss.).
Em primeiro lugar, como resulta da audição das respetivas declarações (cf. minutos 00:03:38 a 00:03:56), à pergunta sobre se "sabia que S. T. não tinha 90% de visão no olho direito e no esquerdo tinha apenas 20%", o arguido respondeu "Tinha, falou-me que tinha bastante, nunca me falou em percentagem de visão, mas disse que tinha". E embora, logo de seguida, ao ser questionado se "sabia que ela quase não via de um olho e do outro via pouco", o arguido tenha respondido "sim, sim, sabia, sabia, sabia", o certo é que essas respostas não podem sustentar o facto de que a assistente não tinha 90% de visão no olho direito.
Por seu lado, do teor do referido auto de diligência de fls. 140, consta que quando o inspetor da Polícia Judiciária se deslocou ao Hospital de Braga para proceder à inquirição da ofendida e recolher informações sobre o seu estado de saúde, o oftalmologista que a tinha sob a sua responsabilidade esclareceu que a mesma "não tinha visão da vista direita há cerca de nove anos decorrente do glaucoma de que padece".
De todo o modo, ainda que esse auto seja invocado na motivação da decisão de facto "relativamente ao estado de saúde da ofendida S. T. e ao apuramento dos demais factos", o certo é que se trata de uma informação recolhida pelo órgão de polícia criminal junto do médico que, no hospital e naquele momento, a tinha sob a sua responsabilidade, sem que o mesmo tenha sido ouvido em audiência, o que condiciona o valor probatório de tal meio de prova.
Acresce que dos igualmente mencionados elementos clínicos constam as seguintes informações "invisual do olho direito previamente", "antecedente de glaucoma com diminuição acuidade visual OD", "olho único OE", "antecedentes médicos: glaucoma com cegueira à dta e diminuição da acuidade visual à esq".
No que concerne aos referidos relatórios periciais, depois de mencionarem como antecedentes pessoais da assistente "cegueira do olho direito", "glaucoma de nascença, cega da vista direita", no último deles conclui-se que do evento resultou para a mesma "perda total do globo ocular esquerdo, o que determinou perda da totalidade da visão", o que pressupõe a ausência de visão no olho direito.
Por fim, o teor do mencionado atestado médico de incapacidade multiuso também não permite corroborar o facto ora impugnado, porquanto, embora atribuindo à assistente o coeficiente de 95% por hipovisão, o certo é que se trata de uma avaliação da incapacidade efetuada segundo a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Anexo I do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro), em que a cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade, e em que, como expressamente se refere no início do capítulo V (oftalmologia), a perda total da função visual não é, todavia, a perda total da capacidade de ganho ou para o trabalho.
Conclui-se, assim, que os próprios elementos probatórios invocados na motivação da decisão não sustentam o facto dado como provado e ora impugnado pelo recorrente.
A que acrescem as declarações da assistente em julgamento, invocadas por aquele para demonstrar a imposição de uma decisão diversa da recorrida. Com efeito, à pergunta sobre se "da vista do olho direito já não tinha visão 90%, a mesma respondeu "Eu não via nada do olho direito".
Por tudo quanto fica exposto, neste segmento da impugnação há que reconhecer razão ao recorrente, com a consequente alteração do ponto 1.3 dos factos provados, na parte impugnada, passando o mesmo a ter a seguinte redação: «1.3. – O arguido sabia que S. T. não tinha visão no olho direito e no esquerdo tinha apenas 20%».

b) - No que concerne ao ponto 1.4, com o teor «1.4 - O arguido foi manifestando perante S. T. o desejo de namorar consigo, ao que esta nunca acedeu, passou a ficar obcecado por ela alegando ser sua namorada perante amigos e colegas de trabalho, o que nunca chegou a existir e que aquela nunca equacionou puder vir a verificar-se entre ambos.», defende o recorrente que deve apenas ser dado como provado o seu segmento inicial, ou seja que «1.4 - O arguido foi manifestando perante S. T. o desejo de namorar consigo, ao que esta nunca acedeu.».
Assim, a impugnação restringe-se aos factos de o arguido ter ficado obcecado pela assistente, de dizer perante amigos e colegas que eram namorados, de tal relação nunca ter chegado a existir e de ela nunca ter sequer equacionado poder vir a verificar-se.
Como provas que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, invoca o recorrente as declarações da assistente, ao afirmar ter equacionado ou ponderado namorar com o arguido, bem como as declarações de ambos, segundo as quais, embora não tivessem um relacionamento de namoro formal ou assumido enquanto tal, a relação existiu, a ponto de a assistente saber e considerar a opinião do arguido quanto a pequenas e íntimas coisas, como o seu penteado, de se sujeitar a ser transportada todos os fins de semana para casa, gratuitamente, por ele, o qual até tinha dificuldades económicas, e que aceitasse que o mesmo, todos os dias, após o trabalho, comparecesse no seu estabelecimento, ajudando-a, e permanecesse junto dela, todo o tempo, fazendo com que os próprios clientes considerassem que existia uma relação entre eles e de alguns pensarem até que eram marido e mulher.
De acordo com a motivação da decisão de facto, embora o arguido tivesse afirmado que tinha uma relação amorosa com a assistente, ainda que não fosse pública, os julgadores, em face das declarações daquela e dos depoimentos testemunhais, mormente o pai da mesma, convenceu-se de que tal relação não existia, concluindo que "o arguido não foi minimamente convincente nas suas declarações (eivadas por uma séria frieza para com as consequências físicas da assistente), as quais demonstraram uma débil tentativa desresponsabilizadora da sua conduta, verbalizando de forma inverosímil uma versão díspar dos factos relatados na acusação, pela assistente e pelas testemunhas que o tribunal julgou credíveis".
Com efeito, a factualidade agora em análise resultou das declarações da própria assistente, que mereceram toda a credibilidade, pela postura segura (na voz e na expressão corporal) e pelo raciocínio coerente (nunca deixando transparecer qualquer contradição) que apresentou, para além da corroboração pela prova testemunhal.
Sucede que o recorrente faz assentar as razões da discordância relativamente à forma como o tribunal a quo decidiu a factualidade em apreço na circunstância de os julgadores terem atribuído inteira credibilidade às declarações da assistente, corroboradas pelos depoimentos testemunhais, que valorou em desfavor da sua própria versão, assentando, pois, a convicção sobre a decisão fática em elementos probatórios que, no seu entender, não permitem dar como provados os factos impugnados.
Não alega, pois, que a descrição que o acórdão recorrido, na motivação da decisão, faz do conteúdo desses meios de prova não corresponde ou contraria o que, na realidade, disseram os declarantes, antes se limitando a sustentar que, ao contrário do que sucedeu, não deveriam ter merecido credibilidade por parte do tribunal a quo ou que não poderiam ser valorados nos termos em que o foram.
Ora, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, importa ter presente que entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º, segundo o qual “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Tal não significa que a atividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, bem como por algumas restrições legais.
Concedendo esse princípio uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, o julgador deverá ser capaz de o fundamentar de modo lógico e racional.
A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária dos meios de prova, impondo-lhe a lei que extraia deles um convencimento lógico e motivado, avaliando-os com sentido de responsabilidade e bom senso.
Mais se exige que o julgador indique os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos pelos quais relevaram ou obtiveram credibilidade no seu espírito. Não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
Porém, na tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a primeira instância e a segunda, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando esta limitada à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
Sabemos que o julgador deve manter-se atento à comunicação verbal, mas também à comunicação não-verbal. Se a primeira ainda é suscetível de ser escrutinada pelo tribunal de recurso mediante a audição das gravações, já se fica impossibilitado de aceder à segunda para complementar e interpretar a comunicação verbal.
A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma perceção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão[17], confere ao julgador em primeira instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reações humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de fatores que só são apreensíveis mediante o contacto direto com os depoentes na audiência: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc..
As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de primeira instância, com base na imediação e na oralidade, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
Assim, embora a reapreciação da matéria de facto esteja igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova e sem limitação (à exceção da prova vinculada), no processo de formação da sua convicção, deverá o tribunal da relação ter em conta que dos referidos princípios decorrem aspetos de relevância indiscutível na valoração dos depoimentos pessoais, que melhor são percetíveis pela primeira instância.
Se a decisão factual se baseia numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível, optando o julgador por uma das soluções permitidas pelas regras de experiência comum e da lógica, a fonte de tal convicção, obtida com os benefícios da imediação e da oralidade, apenas deverá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização, pelas mesmas regras.
Não basta, pois, que o recorrente pretenda fazer uma revisão da convicção alcançada pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível, havendo antes que demonstrar que as provas indicadas a impõem, conforme resulta expressamente do art. 412º, n.º 3, al. b). Dito de outro modo, é necessária a demonstração de que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, que se demonstre não só a possível incorreção decisória, mas a imperatividade de uma diferente convicção.
Ao tribunal de recurso cabe, sem esquecer as limitações decorrentes da falta da imediação, analisar o processo de formação da convicção do julgador do tribunal a quo, verificando se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar, não bastando, para uma eventual alteração, uma diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova testemunhal produzida.
Por isso, a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzem a ela, já não o devendo ser quando, perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente. Ou seja, o tribunal da relação só pode e deve determinar uma modificação da matéria de facto quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão[18].
Ora, procedendo à audição das declarações da assistente, designadamente os excertos indicados pelo próprio recorrente no corpo da motivação, constata-se que foi perentória em afirmar que nunca foram namorados e que embora o arguido fizesse passar essa mensagem a toda a gente, chegou a discutir com ele sobre isso, na frente de outras pessoas, o que o deixava amuado.
Contrariamente ao sustentado pelo recorrente, a afirmação da assistente de que "(…) houve uma altura que eu ainda tentei olhar para ele de outra forma", não é apta para demonstrar que a mesma chegou a equacionar a existência de uma relação de namoro entre ambos, pelo menos com o mínimo de seriedade. Com efeito, com o emprego daquela expressão, a assistente apenas dá a entender que não passou de uma tentativa de ver até que ponto a relação lhe poderia interessar, o que logo pôs de lado, pois imediatamente afirmou que "(…) mas ele começou a controlar-me de todas as formas. E eu achei que era uma pessoa muito desconfiada e eu para isso mais valia estar sozinha".
Atente-se, também nas declarações da assistente na parte em que, a partir da 01h25m34s, refere que, às pessoas que lhe chegaram a recomendar que tivesse um relacionamento amoroso com o arguido, respondia que apenas podiam ser amigos, pois não encaixavam, porque ela é uma pessoa organizada e ele deixava para amanhã o que tinha de fazer hoje.
Da mesma forma que a circunstância de a assistente aceitar que o arguido a transportasse a casa nos fins de semana, após o fecho do bar que a mesma explorava, não pode ser mobilizada no sentido de contribuir para demonstrar que havia uma relação de namoro entre ambos, uma vez que se podia inserir perfeitamente na relação de amizade que a assistente confirmou existir, para mais necessitando ela de boleia, já que não podia conduzir.
O que também é válido para o facto de a assistente permitir que o arguido, durante a semana, após o trabalho, se deslocasse ao seu bar e aí permanecessem, inclusivamente ajudando-a.
Por seu lado, de parte alguma das invocadas declarações da assistente resulta que a mesma considerava a opinião do arguido sobre aspetos íntimos seus, como por exemplo, o facto de ele não gostar que ela usasse o cabelo esticado.
Refira-se que as declarações da assistente, enquanto meio de prova, estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (art. 127º) o que significa que, não obstante o interesse próprio que aquela possa ter na decisão a proferir, tal não implica, por si só, uma diminuição da aptidão probatória das suas declarações, embora se imponha ao julgador uma exigência acrescida na sua valoração, que se nota na bem elaborada motivação da decisão de facto.
Acresce que, como bem considerou o Tribunal Coletivo, as declarações da assistente negatórias da existência da relação de namoro, mostram-se corroboradas pela prova testemunhal, designadamente pelos depoimentos de T. S., A. O. e F. M..
Com efeito, o primeiro afirmou que nunca os viu como namorados, que o arguido é que dizia que namorava com a assistente, mas que nunca foi visto qualquer ato que indiciasse que tal correspondesse à verdade. A segunda declarou que nunca viu nada entre os dois, que a assistente se queixava que o arguido andava sempre atrás dela, sempre a pressioná-la, mas que ela não queria um relacionamento, bem como que, quando a testemunha se encontrava no bar, o arguido estava obcecado, sempre a ver a conversa entre os dois. E a terceira, pai da assistente, referiu que a filha nunca se apaixonou pelo arguido e que dizia que um relacionamento com ele estava fora de questão.
Assim se compreende que o tribunal a quo tenha considerado estes depoimentos testemunhais como cimentadores da credibilidade que a assistente lhe mereceu.
Por tudo quanto fica exposto, não logrou o recorrente demonstrar a imposição de uma decisão diversa da recorrida quanto aos factos agora em apreço, com a consequente manutenção da redação do ponto 1.4.

c) - No que tange ao ponto 1.5, cujo teor é «1.5. – Vendo frustrada essa sua intenção, o arguido enviava várias vezes mensagens para o telemóvel de S. T. nas quais manifestava o desejo de equacionar um relacionamento amoroso consigo, ligava-lhe frequentemente a perguntar com quem estava acompanhada, procurava saber do seu quotidiano, dando-lhe conta que a mantinha vigiada.», alega o recorrente que a factualidade relativa aos telefonemas e respetiva finalidade é infirmada pelas próprias declarações da assistente, não tendo, aliás, sido produzida nenhuma prova sobre a mesma, pelo que deverá apenas ser dado como provado o seguinte: «1.5. – Vendo frustrada essa sua intenção, o arguido enviou algumas mensagens para o telemóvel de S. T. nas quais manifestava o desejo de equacionar um relacionamento amoroso consigo.».
Como meios de prova impositivos de decisão diversa quanto aos factos impugnados, invoca o recorrente as suas declarações e as da assistente, bem como o depoimento da testemunha M. P. e ainda as mensagens extraídas do telemóvel desta última e reproduzidas por fotografia a fls. 441 a 443.
Todavia, o indicado excerto das declarações da assistente em nada infirma tal factualidade, pois versa exclusivamente sobre um telefonema do arguido para si no dia anterior aos factos e, já neste dia, à descrição da chegada do arguido ao seu estabelecimento e do episódio relativo à tentativa do corte da energia elétrica, sem qualquer alusão ao envio de mensagens.
O mesmo sucede com o excerto do depoimento da referida testemunha e o teor das aludidas mensagens, que apenas incidem sobre o pedido que o arguido lhe fez no dia dos factos para enviar uma mensagem à assistente para saber se esta estava bem.
Ora, estes excertos não só não excluem que o arguido telefonasse frequentemente à assistente, perguntando-lhe com quem estava acompanhada, procurando saber do seu quotidiano e dando-lhe conta que a mantinha vigiada, como, por outro lado, de modo algum infirmam as declarações da assistente valoradas pelo Tribunal Coletivo para dar como provada tal factualidade, concretamente, ao dar exemplos de situações em que o arguido demonstrou ser ciumento e possessivo, referindo que “num dos cartões eu já o tinha bloqueado porque ele não parava de mandar mensagens… já tinha-o bloqueado no Messenger”, “era sempre a mandar-me mensagens, a aborrecer-me a chatear-me… o conteúdo era eu sou homem de verdade…”, “comecei a perder clientes por causa da pressão do H. M. sobre os clientes”, fazendo notar ainda que o próprio arguido referiu em julgamento que “eu tinha bocadito de ciúmes realmente, mas não era uma pessoa ciumenta”.
Em ordem a corroborar essas declarações, é ainda mencionado o depoimento da testemunha A. O., ao referir que quando se encontrava no bar, o arguido estava sempre obcecado a ver a conversa que mantinha com a assistente e que se apercebeu que ele tinha ciúmes de toda a gente que falasse com ela.
Acresce o facto de, nas declarações por si indicadas, o arguido admitir que, nos dias de folga do estabelecimento (2ª feira), ligava à assistente, pois, ao invés do que sucedia nos restantes dias da semana, não estava com ela ao fim do dia, após sair do trabalho.
Por ausência de demonstração da imperatividade de diferente decisão, é, assim, de manter a redação do ponto 1.5.

d) - Impugna também o recorrente, conjugadamente, os pontos 1.6, 1.7, 1.8 e 1.9, que têm a seguinte redação:

«1.6. – Na madrugada do dia 1 de Julho de 2018, a ofendida falou com A. O., cliente do bar, sobre a possibilidade de o comprar, tendo o arguido empurrado e questionado a ofendida “hoje não queres ir embora mais cedo?”.
1.7. – Nessa madrugada, o arguido teimou em levar a ofendida a casa, ao que ela acabou por anuir e insistiu para terem um relacionamento amoroso que a S. T. voltou a declinar.
1.8. – O arguido mostrou-se desagradado com a ofendida persistindo na intenção de manter com ela um relacionamento amoroso, dizendo-lhe que não a ia ver mais face à sua intenção de vender o bar e ir viver para Santo Tirso.
1.9. – No dia seguinte, dia 2 de Julho de 2018, segunda-feira, dia de folga, o arguido ligou várias vezes e enviou várias mensagens para a ofendida querendo saber se A. O. a tinha contactado, se a tinha chateado, tendo-lhe enviado uma mensagem com o seguinte teor “dava a vida por ti”.»
Todavia, como resulta das conclusões e da respetiva densificação no corpo da motivação, o recorrente apenas se insurge contra determinados segmentos dessa factualidade, pretendendo que seja dado como provado somente o seguinte (e como não provada a demais factualidade):
«1.6. – Na madrugada do dia 1 de Julho de 2018, a ofendida falou com A. O., cliente do bar, sobre a possibilidade de o comprar, e questionado a ofendida “hoje não queres ir embora mais cedo?”.
1.7. – Nessa madrugada, o arguido, como era habitual levou a ofendida a casa, e voltou a falar na possibilidade de terem um relacionamento assumido.
1.8. – O arguido mostrou-se triste com a possibilidade de a ofendida vir vender o bar e ir viver para Santo Tirso.
1.9. – No dia seguinte, dia 2 de Julho de 2018, segunda-feira, dia de folga, o arguido ligou para a ofendida, para saber do seu estado de saúde.»
Começa o recorrente por alegar que não corresponde à verdade nem resultou da prova produzida que tenha empurrado A. C., cliente do bar, como resulta, particularmente, das suas próprias declarações, ao afirmar que não tinha sequer confiança para falar com tal cliente, muito menos para empurrá-lo.
Lavra, porém, em erro, na medida o que o empurrão mencionado no ponto 1.6 não foi dado ao referido A. C., mas sim à assistente, pelo que se mostra prejudicada a apreciação desse segmento da impugnação.
Em segundo lugar, sustenta o recorrente que, na noite em referência nos factos agora em análise, não teimou em levar a assistente a casa, sendo que já estava previsto fazê-lo, como era normal aos domingos.
Neste ponto há que lhe reconhecer razão, porquanto, como se retira do excerto das declarações da assistente invocado no recurso (entre os minutos 00:13:42 e 00:15:24), esta afirmou expressamente que, como era normal aos domingos, estava disposta a que o arguido a levasse a casa, mas ele é que não a queria deixar sair do bar, porque queria conversar mais um bocado consigo, insistindo para terem um relacionamento, a ponto de lhe ter dito que se não a queria levar embora, então ficaria a dormir no bar, como já tinha feito noutras ocasiões, e no dia seguinte iria embora de autocarro, tendo, então ele cedido.

Assim, e não constando da motivação da decisão de facto nem se descortinando qualquer menção suscetível de pôr em causa essas declarações da própria assistente, impõe-se alterar a decisão sobre a matéria de facto vertida no ponto 1.7, o qual passa a ter a seguinte redação:

«1.7 – Nessa madrugada, o arguido levou a ofendida a casa e insistiu para terem um relacionamento amoroso, que a S. T. voltou a declinar.»

Em consequência, adita-se aos factos não provados o seguinte ponto:

«2.2.a) - Na madrugada do dia 01 de julho de 2018, o arguido teimou em levar a ofendida a casa, ao que ela acabou por anuir.»

Em terceiro lugar, defende o recorrente que, ao contrário do que o tribunal a quo deu como provado no ponto 1.8, não se mostrou desagradado, simplesmente e uma vez que pretendia ter um relacionamento sério com a assistente, se ela vendesse o bar, estava preocupado com a possibilidade de deixar de a ver com tanta frequência, pretendendo que seja antes dado como provado que se mostrou triste.
Não é, porém, o que emerge das próprias declarações do arguido por ele invocadas, já que, à pergunta do Mmº. Juiz Presidente sobre se se mostrou desagradado, o mesmo respondeu afirmativamente (cf. a partir do minuto 00:08:43).
A acrescer que, à luz das regras da experiência comum, as supra analisadas e comprovadas insistência do arguido em manter um relacionamento amoroso com a assistente, vontade de estar frequentemente com ela e atitude de controlo, vigilância e ciúme, são inteiramente compatíveis com uma manifestação de desagrado face à intenção da mesma em vender o bar e passar a residir noutra localidade.
Não está, pois, demonstrada a imperatividade de uma decisão diversa da recorrida quanto a esse facto, constante do ponto 1.8.
O mesmo se verifica, por fim, quanto à factualidade dada como provado no ponto 1.9 e impugnada pelo recorrente, relativa aos contactos que no dia 02 de julho tentou manter com a assistente para saber se A. O. a tinha contactado e se a tinha chateado.
Com efeito, não só no próprio excerto das declarações da assistente invocado pelo recorrente, a mesma confirma que nesse dia ele lhe ligou a perguntar se o referido J. M. a tinha voltado a chatear durante o dia, como do apenso com a faturação detalhada, contendo os dados de tráfego referentes às comunicações de voz e por mensagens entre os números de telemóvel do arguido e da assistente, resulta a existência, no dia 02 de julho de 2018, de quatro chamadas de voz (às 14:39:19, 15:15:46, 18:22:28 e 21:45:19) e de mais de meia centena de mensagens escritas (entre as 12:10:11 e as 23:04:26) do primeiro para a segunda, o que, conjugadamente, fornece sustentáculo para os factos vertidos no ponto 1.9.
Refira-se, por fim, que da audição da gravação dos excertos das declarações da assistente e do arguido que fizemos não nos são dadas a perceber as circunstâncias invocadas pelo recorrente para infirmar a credibilidade atribuída pelo tribunal a quo às primeiras, em detrimento das segundas.
Com efeito, não se notou que o menor grau de escolaridade do arguido (que possui apenas o 6º ano de escolaridade) em relação à assistente (que é licenciada) se tenha traduzido numa maior dificuldade de expressão verbal do primeiro, a ponto de condicionar a perceção das suas declarações pelos julgadores. Da mesma forma que de modo algum se nota que a assistente tenha invocado falsamente uma dificuldade de audição em relação às perguntas formuladas pelo Exmo. defensor do arguido, por forma a ter mais tempo para preparar a resposta.
Afigura-se-nos, antes, ser de subscrever integralmente as considerações tecidas pelo Tribunal Coletivo na motivação da decisão de facto sobre a credibilidade e incredibilidade das declarações, respetivamente, da assistente e do arguido.

e) - O recorrente impugna ainda os pontos 1.11 e 1.12 dos factos provados, que apresentam o seguinte teor:

«1.11. – Durante a manhã e tarde do dia 3 de Julho de 2018, o arguido pediu a T. S., H. M., J. M., seus colegas de trabalho na referida empresa, que lhe emprestassem os seus telemóveis, referindo que era para contactar com a mulher com quem tinha um relacionamento amoroso.
1.12. – Depois de contactar M. P., que não anuiu à vontade do arguido, acabou por pedir a M. O., sua amiga, que fosse ao bar para ver se a ofendida ali se encontrava tendo sido informado por aquela que ali se encontrava aparcado um carro que o descreveu e o arguido logo associou à viatura que o pai da ofendida normalmente utiliza.»

No seu entender, tais pontos deverão ter a seguinte redação (sendo dada como não provada a demais factualidade neles vertida):

«1.11. – Durante a manhã e tarde do dia 3 de Julho de 2018, o arguido pediu a T. S., H. M., J. M., seus colegas de trabalho na referida empresa, que lhe emprestassem os seus telemóveis.
1.12. – Depois de contactar M. P., que não logrou contactar a ofendida por se encontrar a trabalhar, acabou por pedir a M. O., sua amiga, que fosse ao bar para ver se a ofendida ali se encontrava tendo sido informado por aquela que ali se encontrava aparcado um carro que o descreveu e o arguido logo associou à viatura que o pai da ofendida normalmente utiliza.»
Do confronto dessas duas redações, conclui-se que a discordância do recorrente é circunscrita ao segmento final do ponto 1.11 ("… referindo que era para contactar com a mulher com quem tinha um relacionamento amoroso") e ao facto do ponto 1.12 traduzido em a referida M. P. não ter anuído à vontade do arguido [em contactar com a assistente], por se ter antes provado que a mesma não logrou contactar com ela por estar a trabalhar.
Todavia, o único meio de prova especificado pelo recorrente para demostrar a existência de erro de julgamento é o depoimento da testemunha M. P., em que esta relata que o arguido lhe telefonou várias vezes e que, como não podia atender por estar a trabalhar, o informou disso por mensagem escrita, tendo ele respondido a pedir-lhe que enviasse uma mensagem à assistente, pois tinha a certeza que se passava algo com ela, o que a testemunha fez, perguntando-lhe "olá amiga, está tudo bem?", não tendo obtido resposta.
Significa isto que, no que concerne ao ponto 1.12, apenas não tem adesão na prova produzida o facto dado como provado de a referida M. P. não ter anuído à vontade do arguido, uma vez que, como a própria refere, acedeu ao pedido do mesmo, chegando a enviar uma mensagem à assistente para saber como a mesma se encontrava.

Pelo exposto, impõe-se alterar o teor do ponto 1.12, que passa a ter a seguinte redação:

«1.12. – Depois de contactar M. P., que, anuindo à vontade do arguido, enviou uma mensagem à assistente, à qual, todavia, esta não respondeu, acabou por pedir a M. O., sua amiga, que fosse ao bar para ver se a ofendida ali se encontrava tendo sido informado por aquela que ali se encontrava aparcado um carro que o descreveu e o arguido logo associou à viatura que o pai da ofendida normalmente utiliza.»

No que respeita ao referido segmento do ponto 1.11, apesar de incluido na especificação dos factos impugnados, constata-se que a alegação do recorrente é completamente omissa quanto à necessária indicação do conteúdo específico dos meios de prova que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida quanto aos factos impugnados, com explicitação das razões desse entendimento, pelo que nada há a apreciar.

f) - Igualmente impugnada é, conjuntamente, a factualidade vertida nos pontos 1.16, 1.17, 1.18, 1.19, 1.20, 1.21, 1.22, 1.23, 1.24, 1.25, 1.28, 1.31, 1.32, 1.34, 1.35, 1.36, 1.37 e 1.38, com o seguinte teor:

«1.16. – O arguido mostrava-se nervoso, muito inquieto, sempre a bufar e a consumir uma cerveja.
1.17. – Pelas 17h47m, a ofendida percebendo que o arguido não estava normal enviou uma mensagem para A. O. para que ele se deslocasse ao bar.
1.18. – Vendo que se encontrava sozinho no bar com S. T., repentinamente acedeu à zona do balcão e munido com uma garrafa de 75 cl, desferiu-lhe uma violenta pancada no ouvido esquerdo, provocando de imediato a queda dos óculos da ofendida.
1.19. – Logo de seguida desferiu um violento murro no olho esquerdo da ofendida, causando-lhe a perda imediata da visão de tal olho.
1.20. – O arguido muniu-se ainda de um manípulo da máquina de café desferindo-lhe várias pancadas bem como murros no crânio, pontapés nos membros inferiores e, com a força das suas mãos, projetou-a contra o solo, provocando-lhe a queda desamparada.
1.21. – Colocou-se, então, em cima de S. T. e com as duas mãos apertou-lhe com força o pescoço enquanto lhe dizia “Não andas comigo, não andas com mais ninguém”.
1.22. – Em seguida, dirigiu-se a uma banca de lavar loiça ali existente de onde retirou um saco plástico de cor verde, que colocou sobre a cabeça de S. T., apertando-o junto ao pescoço com o propósito de asfixiá-la.
1.23. – Porque a ofendida conseguiu rasgar o mencionado saco, o arguido utilizou-o como uma corda para a estrangular.
1.24. – Depois, o arguido muniu-se de um pau, que se encontrava junto à máquina registadora, e comprimiu-o no pescoço da ofendida contra o chão para a estrangular, momento em que esta simulou perder os sentidos por asfixia, para dissuadir o arguido de prosseguir com os seus intentos.
1.25. – O arguido, achando que S. T. estava morta, levantou-se e retirou-lhe do bolso de trás das calças a quantia de € 200 (duzentos euros), um telemóvel da marca “...”, com capa de cor dourada e a frente preta, as chaves do estabelecimento e ainda mais € 80 (oitenta euros) que estavam na máquina registadora, ausentando-se do bar trancando todas as portas.
(…)
1.28. – Entretanto o arguido pelas 19h26 telefonou para T. S. dizendo-lhe que tinha morto S. T. e deixando-a trancada no interior do bar, afirmando que precisava de ajuda para fugir.
(…)
1.31. – Os referidos militares juntamente com os Bombeiros de Riba de Ave para aceder à vítima tiveram que arrombar uma das portas e bem assim o gradeamento interno instalado em todas as saídas do edifício, que o arguido havia trancado.
1.32. – Em consequência direta e necessária da conduta do suspeito, S. T. sofreu na postura, deslocamentos e transferências condicionadas por amaurose e por hipoacusia severa; na manipulação e preensão condicionada por amaurose e por hipoacusia severa; na cognição e afetividade condicionada por amaurose e por hipoacusia severa; várias soluções de continuidade suturadas no crânio, com vestígios hemáticos secos dispersos, na face equimose e edema periorbitário bilateral em reabsorção; na região malar esquerda equimose roxa com 2 cm de diâmetro; no pavilhão auricular direito, solução de continuidade em cicatrização; equimose no lóbulo do pavilhão auricular esquerdo, com solução de continuidade em cicatrização; no pescoço equimoses petequiais vestigiais dispersas nas regiões lateral direita e lateral esquerda do pescoço, rouquidão ligeira na fala; no membro superior direito, na face posterior do terço distal do braço equimose arroxeada em reabsorção com 5cm de diâmetro; na face posterior do cotovelo equimose e escoriação com crosta com 5cm por 3cm de maiores dimensões e maior no eixo horizontal; penso branco colocado no dorso da mão ao qual é subjacente ferida, no membro inferior direito, na face lateral do quadril, equimose arroxeada em reabsorção com 2cm de diâmetro; no membro inferior esquerdo, na face lateral do quadril, equimose arroxeada em reabsorção com 2 cm de diâmetro.
(…)
1.34. – O arguido agiu com o propósito de tirar a vida à ofendida atuando da forma descrita face à recusa daquela em manter consigo um relacionamento amoroso, ciente que ao desferir-lhe murros, pontapés e ao asfixiá-la com um saco plástico e com um pau bem como utilizando um manípulo de café para a agredir, objetos cujas características letais não ignorava e ciente que tinha problemas visuais graves que a tornavam especialmente vulnerável, abandonando-a em seguida trancada no interior do referido bar, a poderia matar, resultado com o qual se conformou e quis, só o não logrando obter pelo facto de ofendida ter fingido estar morta e, consequentemente, por circunstâncias alheias à sua vontade.
1.35. – Atuou o arguido com calma e total indiferença e desprezo pelo estado em que deixava a ofendida, premeditadamente, sabendo que ao retirar-lhe o telemóvel e ao enviar as mensagens supra descritas coartava à ofendida a possibilidade de pedir socorro e de ser auxiliada.
1.36. – O arguido apoderou-se e fez suas as referidas quantias, telemóvel e chaves, integrando-os na sua esfera patrimonial, em prejuízo do seu legítimo dono e em seu único e em exclusivo proveito.
1.37. – Quis e logrou o arguido apossar-se do telemóvel da ofendida e das quantias monetárias (no montante de trezentos e oitenta euros) e chaves, sabendo que S. T. encontrava-se na impossibilidade de resistir.
1.38. – O arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser as suas condutas proibidas e punidas por lei.»

Em causa está, pois, o núcleo da factualidade que constitui o objeto do processo, relativa ao comportamento do arguido para com a assistente, considerada como integrante dos elementos objetivos e subjetivos dos crimes de homicídio qualificado tentado e de furto pelos quais aquele foi condenado, entendendo o recorrente não ter sido feita prova sobre a quase totalidade dos factos vertidos nestes pontos, que deveriam ter a seguinte redação:

«1.16. – O arguido consumiu uma cerveja.
1.17. – Pelas 17h47m, a ofendida enviou uma mensagem para J. M. para que ele se deslocasse ao bar.
1.18. – A factualidade vertida neste ponto deveria ter sido integralmente dada como não provada.
1.19. – A factualidade vertida neste ponto deveria ter sido integralmente dada como não provada.
1.20. – O arguido muniu-se ainda de um manípulo da máquina de café́ desferindo-lhe várias pancadas.
1.21. – A factualidade vertida neste ponto deveria ter sido integralmente dada como não provada.
1.22. – A factualidade vertida neste ponto deveria ter sido integralmente dada como não provada.
1.23. – A factualidade vertida neste ponto deveria ter sido integralmente dada como não provada.
1.24. – A factualidade vertida neste ponto deveria ter sido integralmente dada como não provada.
1.25. – O arguido, achou que S. T. estava morta. Retirou € 80 (oitenta euros) que estavam na máquina registadora, ausentando-se do bar.
1.28. – Entretanto o arguido pelas 19h26 telefonou para T. S. dizendo-lhe que tinha morto S. T. e deixando-a no interior do bar, afirmando que precisava de ajuda para fugir.
1.31. – Os referidos militares juntamente com os Bombeiros de Riba de Ave para aceder à vítima tiveram que arrombar uma das portas e bem assim o gradeamento interno instalado em todas as saídas do edifício.
1.32. – Em consequência do confronto do arguido com a assistente, esta sofreu na postura, deslocamentos e transferências condicionadas por amaurose e por hipoacusia severa; na manipulação e preensão condicionada por amaurose e por hipoacusia severa; na cognição e afetividade condicionada por amaurose e por hipoacusia severa; várias soluções de continuidade suturadas no crânio, com vestígios hemáticos secos dispersos, na face equimose e edema periorbitário bilateral em reabsorção; na região malar esquerda equimose roxa com 2 cm de diâmetro; no pavilhão auricular direito, solução de continuidade em cicatrização; equimose no lóbulo do pavilhão auricular esquerdo, com solução de continuidade em cicatrização; no pescoço equimoses petequiais vestigiais dispersas nas regiões lateral direita e lateral esquerda do pescoço, rouquidão ligeira na fala; no membro superior direito, na face posterior do terço distal do braço equimose arroxeada em reabsorção com 5cm de diâmetro; na face posterior do cotovelo equimose e escoriação com crosta com 5cm por 3cm de maiores dimensões e maior no eixo horizontal; penso branco colocado no dorso da mão ao qual é subjacente ferida, no membro inferior direito, na face lateral do quadril, equimose arroxeada em reabsorção com 2cm de diâmetro; no membro inferior esquerdo, na face lateral do quadril, equimose arroxeada em reabsorção com 2 cm de diâmetro.
1.34. – A factualidade vertida neste ponto deveria ter sido integralmente dada como não provada.
1.35. – A factualidade vertida neste ponto deveria ter sido integralmente dada como não provada.
1.36. – O arguido apoderou-se e fez sua a referida quantia e telemóvel, integrando-os na sua esfera patrimonial, em prejuízo do seu legítimo dono e em seu único e em exclusivo proveito.
1.37. – Quis e logrou o arguido apossar-se do telemóvel da ofendida e da quantia monetária (no montante de oitenta euros).»
Todavia, como já deixámos antever supra, em relação a este segmento da impugnação, não se mostra cumprido o ónus de especificação previsto no art. 412º, n.º 4.
Com efeito, de acordo com este normativo, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c) do número 3 do mesmo artigo fazem-se por referência ao consignado em ata, nos termos do n.º 2 do art. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, cabendo ao tribunal de recurso proceder à audição e visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (art. 412º, n.º 6).
Ao recorrente é, assim, exigível que quando efetue a indicação concreta da sua divergência probatória, fazendo-o para os suportes onde se encontra gravada a prova, remeta para os concretos locais da gravação que suportam a sua tese[19].
Com a imposição legal desse ónus quis-se evitar que o recorrente se limitasse a indicar vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em referências não situadas, porquanto, de outro modo, os recursos sobre a matéria de facto constituiriam um encargo tremendo para o tribunal de recurso, que teria praticamente em todos os casos de proceder a novo julgamento na sua totalidade[20].
Ora, como já referimos, o recurso não é um novo julgamento, mas um mero instrumento processual de correção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada, sendo certo que a apreciação da prova no julgamento realizado em primeira instância beneficiou de claras vantagens de que o tribunal de recurso não dispõe (a imediação e a oralidade), constituindo uma manifesta impossibilidade que a segunda instância se substitua, por inteiro, ao tribunal recorrido, através de um novo julgamento.
Note-se que, o incumprimento desse ónus pelo recorrente afeta os direitos do recorrido. Este, para defesa dos seus direitos, tem de saber, para além dos pontos da matéria de facto de que o recorrente discorda e das provas exigem a pretendida modificação, também onde elas estão documentadas, pois só assim pode, eficazmente, indicar que outras provas foram produzidas quanto a esses pontos controvertidos e onde estão, por sua vez, documentadas. É que aos princípios da investigação oficiosa e da descoberta da verdade material contrapõem-se os do exercício do contraditório e da igualdade de armas, para que o processo se desenrole de acordo com o due process of law.

No caso vertente, em relação à especificação dos meios de prova que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida sobre os mencionados pontos de facto, o recorrente invoca as suas próprias declarações, as declarações da assistente e os depoimentos das testemunhas M. P., T. S., F. T. e F. M..
Omite, porém, toda e qualquer indicação relativa às concretas passagens da gravação onde se encontram registados os concretos excertos dessas declarações e depoimentos, dos quais pretende retirar a imposição de uma decisão diferente da proferida, de forma a permitir a este tribunal de recurso localizá-los e ouvi-los, em ordem a reavaliar esses meio de prova, aferindo se, efetivamente, os mesmos impõem uma decisão diversa quanto à factualidade impugnada.
Para tal desiderato apresenta-se como manifestamente insuficiente e inadequada a alusão, nas conclusões e no próprio corpo da motivação, ao teor de partes dessas declarações e depoimentos, nem tão pouco a transcrição, no corpo da motivação, do teor integral dos mesmos, ainda que com indicação do momento da indicação de cada pergunta e resposta, sendo certo que alguns deles, como é o caso das declarações do arguido e da assistente se prolongaram durante cerca de, respetivamente, uma hora e vinte minutos e uma hora e trinta minutos, sendo, pois, bastante extensos, e ocupando a referida transcrição cerca quase uma centena e meia de páginas.
Como referimos supra, o que se exigia ao recorrente, ao efetuar a indicação concreta da sua divergência probatória, era uma remissão para os suportes onde se encontra gravada a prova, remetendo para os concretos locais da gravação que suportam a sua tese, em vez de se estribar probatoriamente em referências genéricas e em transcrição integrais, impedindo, assim, a fácil localização e audição dos concretos excertos cujo conteúdo, em seu entender, impõe uma decisão diversa em relação a cada um dos pontos de facto impugnados, e convertendo o recurso sobre a matéria de facto num novo julgamento.
Com a revisão do Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/07, de 29 de agosto, foi abandonada a obrigatoriedade da transcrição dos depoimentos, uma vez que, tendo sido consignado em ata o início e o termo das declarações prestadas, a prova não deve ser transcrita, devendo o tribunal de recurso proceder ao controlo desta prova por via da audição ou da visualização dos registos gravados (art. 412º, n.º 6), com base na indicação concreta pelo recorrente das passagens da gravação em que funda a impugnação (art. 412º, n.º 4), sendo para esse efeito postas à disposição dos sujeitos processuais que o requeiram cópias da gravação (art. 101º, n.º 4), e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa (art. 412º, n.º 6).
O que se impunha é que em relação a cada um dos pontos de facto considerados erradamente julgados, o recorrente remetesse para as concretas passagens da gravação onde se encontram gravadas as declarações e os depoimentos cujos conteúdos específicos invoca para demonstrar a imposição de uma decisão diversa da recorrida, em vez de proceder à transcrição integral de tais declarações e depoimentos, obrigando à audição integral das gravações, em ordem a procurar localizar os trechos em que o recorrente se pretende estribar.
A referência aos suportes magnéticos torna-se, pois, necessária à praticabilidade do confronto da gravação com as indicadas passagens da prova gravada em que se funda a impugnação e com os pontos controversos da matéria de facto que se pretende ver alterada.
Compreende-se essa exigência legal, porquanto, repita-se, o recurso não é um novo ou melhor julgamento, mas um mero instrumento processual de correção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada.
De acordo com o disposto no art. 431º, al. b), havendo documentação da prova, a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto só pode ser modificada se esta tiver sido impugnada nos termos do art. 412º, n.ºs 3 e 4, o que, como vimos, não ocorre in casu, situação impeditiva da reapreciação dos referidos depoimentos e declarações orais.
Na verdade, o não acatamento do ónus de impugnação especificada faz com que não se verifique o circunstancialismo referido na citada al. b) do art. 431º, tornando inviável a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto.
Em suma, perante a falta de específica indicação, com remissão para os concretos locais da gravação onde se encontram registadas, das provas que, relativamente aos pontos de facto impugnados pelo recorrente e agora em questão, imporiam decisão diversa, comprometida ficou a possibilidade de este tribunal de recurso sindicar essa matéria de facto fixada no acórdão recorrido.
Refira-se que, não contendo também o corpo da motivação a especificação em apreço, exigida por lei, não estamos somente perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de deficiência substancial da própria motivação ou de insuficiência do próprio recurso, insuscetível de aperfeiçoamento, com a consequência de o mesmo, nessa parte assim afetada, não poder ser conhecido.
Na verdade, o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correção das conclusões. O aperfeiçoamento destas não pode servir para modificar o âmbito recursivo, tendo as conclusões aperfeiçoadas de se manter no âmbito da motivação apresentada, sem se traduzirem numa reformulação do recurso.
O Supremo Tribunal de Justiça[21] já se pronunciou no sentido de que o convite ao aperfeiçoamento conhece limites, pois que se o recorrente, no corpo da motivação do recurso, se absteve do cumprimento do ónus de especificação, que não é meramente formal, antes tendo implicações gravosas ao nível substantivo, não enunciando as especificações, então o convite à correção não comporta sentido porque a harmonização das conclusões ao corpo da motivação demandaria a sua reformulação, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a perentoriedade do prazo de apresentação do recurso.
Neste sentido se tem pronunciado também o Tribunal Constitucional, ao entender não haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento quando estejam em causa omissões que afetem a motivação do recurso e não apenas as conclusões.
Com efeito, esse Tribunal tem reiteradamente afirmado que da sua jurisprudência não pode retirar-se “(…) uma exigência constitucional geral de convite para aperfeiçoamento, sempre que o recorrente não tenha, por exemplo, apresentado motivação, ou todos ou parte dos fundamentos possíveis da motivação (e que, portanto, o vício seja substancial, e não apenas formal). E ainda, por outro lado, que o legislador processual pode definir os requisitos adjetivos para o exercício do direito ao recurso, incluindo o cumprimento de certos ónus ou formalidades que não sejam desproporcionados e visem uma finalidade processualmente adequada, sem que tal definição viole o direito ao recurso constitucionalmente consagrado”[22].
Assim, nos casos em que as omissões, insuficiências ou deficiências em causa ocorrem não apenas nas conclusões do recurso, mas também na respetiva motivação, o Tribunal Constitucional tem formulado juízos negativos de inconstitucionalidade em relação a interpretações normativas no sentido de que, em tais circunstâncias, não deverá ser conhecida a matéria em questão, improcedendo o recurso, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tais deficiências[23].
De todo o modo, não deixaremos de referir que, analisando a motivação do recorrente, se constata que este, mais uma vez, à semelhança do que sucedeu com a impugnação do ponto 1.4, analisada supra [al. b)], também faz assentar as razões da sua discordância relativamente à forma como o tribunal a quo decidiu a factualidade agora em questão, na circunstância de os julgadores terem atribuído inteira credibilidade às declarações da assistente, corroboradas por depoimentos testemunhais, em detrimento das suas próprias declarações, sustentando, pois, que a convicção sobre a decisão fática assenta em elementos probatórios que, no seu entender, não permitem dar como provados os factos impugnados.
Não alega, pois, o recorrente que a descrição que o acórdão recorrido, na motivação da decisão, faz do conteúdo desses meios de prova não corresponde ou contraria o que, na realidade, disseram os declarantes, antes se limitando a sustentar que, ao contrário do que sucedeu, não deveriam ter merecido credibilidade por parte do tribunal a quo ou que não poderiam ser valorados nos termos em que o foram. Ou seja, o recorrente faz uma leitura, que é sua, dessas declarações para, a partir de tais elementos, substituir a sua própria convicção à dos julgadores, concluindo pela inexistência de prova suficiente quanto aos factos impugnados, que foram considerados provados.
Ora, a crítica à convicção do tribunal a quo, sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência, não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.
São aqui aplicáveis as considerações tecidas a propósito da impugnação do ponto 1.4 sobre o princípio da livre apreciação da prova e sobre o significado da necessidade de demonstração da imposição de uma decisão diversa da recorrida [cf. supra, al. b), para onde remetemos por razões de economia processual].
Acrescente-se que num sistema de prova livre, como é o consagrado no art. 127º, a prova de um facto pode resultar da valoração de um único meio de prova, nomeadamente das declarações do assistente ou do depoimento de uma testemunha. O que é necessário é que esse meio de prova, fundamentador da convicção, seja credível e que o tribunal explique as razões que lhe determinaram a atribuição de credibilidade, como claramente sucede na situação dos autos. Não só há muito que deixou de vigorar a velha regra traduzida pelo brocardo latino "testis unus, testis nullus" (uma só testemunha, nenhuma testemunha), como os depoimentos não valem pelo número, mas pelo peso da credibilidade que merecem[24].

No caso vertente, da leitura da motivação da decisão de facto resulta que, tal como se impunha, o tribunal a quo norteou-se pelo princípio da livre apreciação da prova e pelas regras da experiência comum, procedendo à avaliação global da prova produzida, numa perspetiva crítica, expondo de forma clara e segura as razões que fundamentam a sua opção decisória quanto aos pontos de facto agora em questão.
Concretamente, consignou não ter acreditado na versão apresentada pelo arguido, que negou essa factualidade, mostrando-se antes mais coerente e verosímil a versão da assistente.
Mais explicou as razões em que se baseia essa convicção, ou seja por a assistente ter sempre mostrado uma postura segura (na voz e na expressão corporal) e um raciocínio coerente (nunca deixando transparecer qualquer contradição no seu relato), a que acresce a circunstância de os factos terem sido corroborados pelos documentos que especifica, e por testemunhas que considerou credíveis (por razões igualmente explicitadas), bem como por, em momento algum, a assistente ter invocado matéria fáctica que contrariasse as regras da experiência comum e do normal acontecer, logrando, assim, convencer o tribunal sobre a realidade dos factos sobre que foi inquirida, designadamente o modo de ocorrência dos mesmos, tanto mais que essa sua descrição em julgamento foi coincidente com o que contou à testemunha A. O. quando este a visitou no hospital, em data muito próxima dos acontecimentos.
Valorada foi ainda a circunstância de o estado em que ficou o local onde os factos ocorreram, percetível no registo fotográfico junto a fls. 111 e ss., ser inteiramente compatível com a dinâmica dos factos descrita pela assistente, nenhuma falha se lhe podendo apontar, o que confere credibilidade às suas declarações.
O que também decorre da ausência de uma eventual tentação da assistente em diabolizar a pessoa do arguido, uma vez que não se notou qualquer exagero da sua parte na descrição dos atos do mesmo e das respetivas consequências ou qualquer acrescento de algo que não sucedera, como é o caso, designadamente, de ele, sem a sua autorização, ver as conversações que mantinha na internet e que estavam guardadas no seu computador, facto este que, apesar de alegado na acusação, a assistente não confirmou, sendo, por isso, dado como não provado.
Por fim, o tribunal a quo não ignorou as declarações do arguido, apenas não lhes atribuindo credibilidade, pelas razões que também explicitou, nomeadamente por o mesmo não ter sido minimamente convincente, sendo tais declarações eivadas por uma séria frieza para com as consequências físicas que advieram para a assistente, demonstrando uma débil tentativa desresponsabilizadora da sua conduta, ao verbalizar de forma inverosímil uma versão díspar dos factos relatados pela assistente e pelas testemunhas, consideradas credíveis.
Destaque-se a ponderação feita pelo Tribunal Coletivo no sentido de as declarações do arguido quanto à sua alegada atuação de defesa perante uma agressão pela assistente, terem sido frontalmente contrariadas, não só pelas declarações desta, mas também pelo teor dos relatórios periciais do Instituto de Medicina Legal (que confirmam que a conduta agressiva do arguido foi idónea a causar na ofendida as lesões pela mesma sofridas), mas também pelas regras da experiência e o normal acontecer dos factos, atento o lamentável estado em que ficou a assistente, como se infere das demais informações médicas juntas aos autos, do relatório de urgência junto a fls. 71 a 73, com registo fotográfico dos ferimentos mais evidentes, que são chocantemente graves), em contraposição com a ausência de ferimentos no arguido, que nem sequer alegou a existência de qualquer lesão.
Em síntese, os julgadores ficaram com a convicção de o arguido ter faltado à verdade em julgamento no que concerne à sua atuação em apreço.
Ora, o conteúdo dos meios de prova indicado na motivação confere inteira plausibilidade à convicção formada, fornecendo sustentáculo à decisão de facto, o que não é suscetível de ser validamente posto em causa pela argumentação desenvolvida pelo recorrente, como se pode constatar pela análise dos aspetos mais relevantes da mesma.
Com efeito, em ordem a pôr em causa a opção do tribunal a quo em descredibilizar as suas próprias declarações e em credibilizar em absoluto as declarações da assistente, começa o recorrente por invocar que esta conhecia a sua versão, por ter participado criminalmente contra ela por denúncia caluniosa e por ter deduzido contestação, podendo assim adotar a estratégia destinada a negar os factos essenciais quanto à agressão inicial levada a cabo pela mesma e ao confronto subsequente, bem como procurou ocultar qualquer tipo de relação entre ambos e o seu carácter explosivo e por vezes insultuoso, fazendo crer que era uma pessoa calma, que nunca dizia palavrões nem recorria à violência ou ao uso de força em situações de conflito ou mudança de humor.
Todavia, esta argumentação esbarra na circunstância, valorada pelos julgadores, de haver uma coincidência entre o relato feito pela assistente em julgamento e aquilo que contou à testemunha A. O. poucos dias após os factos, quando este a visitou no hospital, coincidência essa que se estende às declarações prestadas pela mesma durante o inquérito.
Por seu lado, quanto ao relacionamento afetivo, negado pela assistente, o tribunal a quo considerou que as declarações desta foram corroboradas por abundante prova testemunhal, juízo esse que se apresenta acertado, como verificámos aquando da apreciação da impugnação relativa ao ponto 1.4 [cf. al. b), para onde remetemos].
Quanto aos alegados traços de carácter e personalidade da assistente, o tribunal a quo também ponderou que a versão do arguido foi infirmada pelo depoimento da testemunha A. O., ao declarar que aquela não usava nem era mulher de usar linguagem imprópria/indecorosa e que nunca se apercebeu de a mesma usar força física. Conquanto o recorrente alegue que as testemunhas M. P. e F. M. confirmaram que a assistente, em situações de tensão ou stress é explosiva e usa linguagem vernacular e que não evita uma discussão, e que uma vez chegou a pôr a primeira fora do seu estabelecimento de diversão noturna, recorde-se que se absteve de indicar onde se encontram registados os concretos excertos desses depoimentos, impedindo, assim, a sua localização, como se impunha. Sem que se deixe de referir que, ainda que assim seja, nada nos permite inferir, com a necessária segurança, pela verificação, no concreto circunstancialismo em apreço, por uma situação de tensão justificativa da agressão que o arguido pretende imputar à assistente.
Invoca também o recorrente a diferença de grau de escolaridade e de nível cognitivo entre ele e a assistente, com reflexos na capacidade de expressão verbal, e a circunstância de ela, maioritariamente a instância do Exmo. defensor do arguido, alegar não ter ouvido ou percebido a pergunta, de forma a conseguir uma pausa para refletir na resposta.
Todavia, como também já referimos a propósito da impugnação dos pontos 1.6, 1.7, 1.8 e 1.9 [cf. al. d), para onde remetemos], esse alegado fundamento de incredibilidade da assistente não é percetível nos excertos das declarações da mesma aí especificados pelo recorrente, sendo certo que este não localiza, em relação aos pontos agora em análise, passagens da gravação. De todo o modo, não devemos olvidar as dificuldade auditivas que afetam a assistente, particularmente do lado direito, pelo que uma eventual dificuldade na perceção das perguntas que lhe eram formuladas por um específico interveniente processual se pode dever à localização e distanciamento deste em relação a ela.
Sustenta também o recorrente que os factos relativos à agressão que a assistente lhe imputa resultam de efabulações da mesma, visando imputar-lhe uma tentativa de homicídio que não teve lugar, pois não se muniu de uma garrafa, desferindo-lhe com ela uma pancada no ouvido esquerdo, não se muniu de um saco plástico que lhe colocou sobre a cabeça para a asfixiar, apertando-o junto ao pescoço, e não se muniu de um pau que usou para lhe comprimir o pescoço e a estrangular.
Olvida, porém, o recorrente que, a terem antes os factos ocorrido da forma como ele descreve, ou seja, uma mera defesa em relação a uma tentativa prévia de agressão por parte da assistente, ficariam de todo por explicar a extensão e a gravidade das lesões advindas para esta, bem como a desorganização do local.
Por seu turno, afigura-se-nos claramente excessiva a relevância que o recorrente pretende atribuir ao facto de a assistente, a dado passo das suas declarações, ter afirmado que houve um "confronto" entre ambos, pretendendo retirar do emprego desta expressão, em vez de, por exemplo "agressão" ou "ataque", a conclusão de que houve uma luta e iniciada por ela.
Com efeito, para além da hipótese de ter havido uma menor propriedade na utilização da palavra "confronto", o certo é que a esta pode perfeitamente ser atribuído o significado de que a assistente se procurou opor e resistir à agressão de que estava a ser vítima pelo arguido, coerente com a dinâmica por ela descrita.
Refira-se que, apesar de a testemunha F. T., militar da GNR que se deslocou ao local na sequência dos factos, ter referido que o estado em que encontrou o bar apresentava marcas de luta, de agressão e defesa de parte a parte, o tribunal a quo ponderou que a testemunha não fundamentou essa expressão, nem a mesma resulta de qualquer elemento transmitido por ela ou por outrem, incluindo o próprio arguido, cuja defesa enveredou no sentido de apenas se ter defendido da agressão por parte da assistente.
Por seu turno, de modo algum é revelador de qualquer preconceito sobre o sucedido, como defende o recorrente, a valoração que o tribunal a quo atribuiu ao facto de o arguido, logo após os factos, ter dito a um amigo e familiar que fizera "asneira" e que matara ou podia ter morto a S. T., pois esta ficara "rebentada", quando, em seu entender, pretendia apenas assumir a sua responsabilidade pelo sucedido, porque tinha consciência que usara de força excessiva e que se excedera na defesa perante a agressão por ela iniciada.
Bem ao invés, como bem ponderou o Tribunal Coletivo, o desespero revelado pelo arguido no telefonema que fez ao colega T. S., em que lhe confidenciou o referido comportamento, aliado ao facto de lhe ter perguntado se já tinha recebido o ordenado, indicia claramente que ponderou fugir, ciente da gravidade da sua conduta e que a mesma não seria justificável no quadro de uma defesa legítima nem de um eventual excesso. O mesmo sucede com o desabafo do arguido para com a testemunha N. C., seu primo, dizendo-lhe que acabou por fazer asneiras, que estava arrependido e que se ia matar.
Acresce ainda a incoerência decorrente de a alegada defesa ter sido perpetrada contra uma mulher, ainda que bem constituída fisicamente, mas quase cega, e que se dirigia ao arguido com um copo na mão, não tendo ficado demonstrado que este estivesse partido.
Mais uma vez, apesar de o recorrente invocar que das próprias declarações da assistente resulta que esta não é frágil, mas antes vigorosa e forte, tendo sido professora de natação e lutadora, mais uma vez não localiza na gravação esses excertos.
Por outro lado, apesar de também alegar que as declarações da assistente, quando afirma que no período de tempo em que o arguido a agrediu se encontrava deitada no chão, de barriga para baixo e que apenas punha as mãos debaixo do rosto para não bater com a cabeça no chão, são incongruentes e infirmadas pelos relatórios periciais, o certo é que o recorrente não concretiza tal alegação, sendo certo que não reconhecemos qualquer incongruência, tanto mais que, de acordo com a descrição da assistente constante da motivação da decisão, momentos houve em que esteve deitada em decúbito dorsal, nomeadamente quando o arguido a tentou sufocar com o pau que lhe encostou ao pescoço, empurrando-o em direção ao chão.
Também não vislumbramos qualquer inverosimilhança na utilização do saco de plástico (de cor verde) para asfixiar a assistente, conforme esta relatou, decorrente da circunstância de, na fotografia n.º 27 de fls. 119, tal saco se encontrar, já rasgado, parcialmente dentro de outro saco, encontrando-se ambos ensanguentados, porquanto se desconhecem as concretas circunstâncias em que o primeiro saco foi parar, parcialmente, ao interior do segundo, designadamente se tal sucedeu involuntariamente, em consequência dos movimentos durante o envolvimento físico, ou até por ação voluntária, designadamente do arguido. Que o saco verde foi utilizado no cometimento dos factos é algo que resulta claramente da circunstância de todo ele se apresentar ensanguentado, como se infere da fotografia n.º 27, inteiramente coerente com a tentativa de asfixiamento descrita pela assistente, que sangrava abundantemente da orelha direita, praticamente seccionada.
Igualmente insubsistente é a alegação do recorrente de que o local onde, na referida fotografia n.º 21, se encontra posicionado o mencionado pau (junto à banca, caído no chão), é incompatível com a sua utilização da forma descrita pela assistente, por esta ter afirmado que, quando recuperou os sentidos, se dirigiu a essa banca para beber água, dando, pois, a entender que a agressão teve lugar num ponto afastado desta. Ora, não só a mesma não refere que distância percorreu, sendo certo que o local da agressão é acanhado, como se infere da fotografia, como nada invalida que o pau tivesse sido utlizado algo afastado da banca e que, com os movimentos efetuados pelos intervenientes, sofresse um deslocamento para junto da mesma. Acresce que também não é de acompanhar a alegação do recorrente no sentido de que as marcas de esganadura visíveis na fotografia de fls. 72 (hematomas) não são compatíveis com a utilização de um pau nem de um saco plástico, forma de agressão mencionada pela assistente, mas sim com apreensão por mãos, como referiu o arguido. Contrariamente ao sustentado, a pressão exercida com um pau é inteiramente compatível com os aludidos hematomas ou equimoses. Aliás, do relatório médico legal junto a fls. 187 a 189 consta que «[a] perda de consciência que [a assistente] alegadamente sofreu durante as tentativas de esganadura, é esclarecedora da elevada gravidade da compressão do pescoço, com limitação e deterioração sanguínea ao cérebro».
Quanto ao facto de o arguido se ter apropriado da quantia de € 200,00 e das chaves do estabelecimento que a assistente tinha nos bolsos das calças, considerou o tribunal a quo que esta foi segura nas suas declarações, explicando devidamente onde tinha tais objetos e quando deu conta que lhe faltavam, ou seja, quando ainda estava a ser assistida no local e lhe tiraram a roupa, tendo alertado os bombeiros para o facto de ter coisas nos bolsos, ao que eles lhe disseram que não tinha nada.
Embora o recorrente invoque que tais objetos poderiam ter sido retirados ou caído em circunstâncias muito diversas e não relacionadas com a sua atuação, o certo é que tal não passa de uma conjetura sem o mínimo de sustentação, não só por não haver as mínimas razões para duvidar da honestidade das pessoas que prestaram auxílio à assistente, mas também porque caso tais objetos tivessem caído dos bolsos seriam seguramente encontrados no local, o que não sucedeu.
Contrariamente ao que o recorrente pretende fazer crer, não é indiferente para a sua responsabilidade pelo crime de furto que, para além dos € 80,00 que admitiu ter subtraído da caixa registadora, se tivesse apropriado ainda dos referidos € 200,00, que nega ter retirado, uma vez que, caso apenas fosse dado como provado aquele valor, que não excede uma unidade de conta (€ 102,00), o furto seria desqualificado, com evidentes reflexos na pena a aplicar.
Por fim, defende o recorrente não ter sido feita qualquer prova que permitisse, com o mínimo de segurança, dar como provado que a assistente ficou trancada dentro do bar, porque, na realidade, ninguém afirmou que a porta que usualmente dava acesso ao mesmo estivesse trancada e não apenas batida ou fechada, desconhecendo a assistente se em momento algum se aproximou sequer de tal porta, admitindo como possível ter-se dirigido logo e apenas à janela próxima do balcão, donde pediu socorro, mais esclarecendo que se a porta em causa apenas for batida, não abre pelo exterior. A que acresce o depoimento do militar da GNR F. T., incapaz de afirmar que a porta em causa estivesse trancada, mas apenas que, do exterior, constataram não existir qualquer porta aberta, pelo que se viram obrigados a arrombar uma porta.
Todavia, ao invés do que pretende o recorrente, tais declarações e depoimento são compatíveis e em nada infirmam o facto dado como provado na parte final do ponto 1.25, do qual apenas consta que o arguido ausentou-se do bar, "trancando todas as portas", o que não exclui a hipótese de essa trancagem apenas impedir a abertura pelo exterior, como resulta das referidas declarações e depoimento, e já não pelo interior.

De tudo quanto se vem de expor resulta que a argumentação do recorrente não apresenta potencialidade de arredar a convicção formada pelo tribunal a quo de que a assistente se manteve fiel à verdade, por não haver razões suficientes para não conferir total credibilidade às suas declarações, mesmo nos segmentos em que inexiste outra prova que as confirme.

g) - O recorrente impugna ainda o ponto 1.50, que tem a redação «1.50 – Os rendimentos da ofendida, constituíam o único meio de subsistência da família.», visando que que dele passe a constar que «1.50 – Os rendimentos da ofendida, constituíam o seu único meio de subsistência.».

Como meio de prova impositivo de decisão diversa da recorrida, é invocado o depoimento da testemunha F. M., na parte em que terá afirmado que a filha vivia no bar, só regressado a casa daquele no dia de folga, sendo ele quem suportava as despesas da casa e, nomeadamente, do seu neto, que lhe está confiado, de facto, desde os quatro anos de idade, pelo que aquela apenas se sustentava a si própria e, por vezes, ainda tinha de a ajudar.
Para além de, mais uma vez, o recorrente não localizar esses trechos do depoimento que invoca, limitando-se a remeter para a integralidade do mesmo, incumprindo, como vimos, o ónus previsto no art. 412º, n.º 4, o certo é que tal depoimento sempre seria insuscetível de infirmar a factualidade dada como provada no ponto 1.50, na medida em que neste não é concretizada a composição da família, designadamente se inclui mais alguém que não a própria.

h) - Por último, o recorrente impugna ponto 1.60, com o teor «1.60 - Não foi efetuada interrupção de fornecimento de energia à instalação em causa com fundamento em mora do cliente, apesar de ter sido enviada ao local uma equipa para o efeito.».
Fá-lo, porém, com a argumentação aduzida para as questões da nulidade processual por omissão de diligência essencial à descoberta da verdade e da violação do princípio do contraditório, já apreciadas no item B).a), apenas acrescentando que as declarações da assistente não eram credíveis para dar como provado aquele facto.
Todavia, como resulta da motivação da decisão, o tribunal a quo, perante a credibilidade merecida pelas declarações da assistente, valorou a afirmação desta de que a eletricidade não foi cortada uma vez que beneficiava de um prazo provindo de um acordo de pagamento em prestações, que terminava precisamente nesse dia, o que explicou à equipa, que, por essa razão, não procedeu à interrupção do fornecimento.
Apesar de alegar que essas declarações não eram credíveis, o recorrente não fundamenta minimamente essa asserção, limitando-se a referir que, quer o assistente quer o seu pai, procuraram contrariar essa realidade, sempre omitida em fase de inquérito e que só foi conhecida porque ele descreveu e referiu a ida ao local dos técnicos da Agente de Eletricidade ... na participação que juntou aos autos, sendo que até esse momento a assistente nunca lhe fez qualquer referência.

Ora, o facto de esta última e o seu pai, mormente durante o inquérito, nunca terem aludido à referida deslocação dos técnicos com vista a procederem ao forte do fornecimento de energia elétrica, de modo algum significa que pretenderam ocultar tal facto, antes se devendo, muito provavelmente, à circunstância de não lhe terem atribuído relevância, o que é compreensível, atento a natureza do mesmo e o objeto do processo.

Assim, a alegação do recorrente não é de molde a infirmar minimamente a motivação da decisão sobre esse facto exposta pelo tribunal a quo, pelo que também neste ponto improcede a impugnação.

Por todo o exposto, é de concluir que, com exceção dos segmentos supra referidos, o recorrente não logrou demonstrar a imposição de uma decisão diversa da recorrida quanto aos factos por si impugnados, nos termos exigidos pela al. b) do n.º 3 do art. 412º.

Nessa medida, procede apenas parcialmente a impugnação da matéria de facto com base em erro de julgamento, nos termos que ficam expostos.

B).d) - Da legítima defesa e da integração da conduta do arguido no crime de ofensa à integridade física grave

Nas conclusões 74ª a 82ª, sustenta o recorrente que "(…) tendo em conta a prova validamente produzida, deveria ter sido ditada uma absolvição do arguido pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada, reconhecendo-se, se não a legítima defesa, o excesso de legítima defesa, nos termos e com os efeitos do artigo 33º do Código Penal, devendo apenas considerar-se e dar por assente, nesse último caso, que a sua conduta não era integradora do tipo legal de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 14º, n.º 1, 22º, n.º 1 e n.º 2, al. b), 23º, n.º 1 e 2, 30º, n.º 1, 73º, 131º, 132º, n.º 2, als. c) e j), todos do Código Penal mas sim integradora do crime de ofensa à integridade física grave, prevista e punida pelo artigo 144º, alínea b), do Código Penal.
Todavia, é liminarmente de concluir pela improcedência dessa pretensão, desde logo na medida em que assenta exclusivamente na impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pela recorrente, a qual, como supra analisamos, improcede em praticamente toda a sua extensão, sendo que as alterações introduzidas nos restantes segmentos são completamente irrelevantes para a questão agora em apreço.

Improcede, pois, tal questão.

B).e) - Da medida das penas e da suspensão da execução da pena única

Discorda também o recorrente da medida de cada uma das penas parcelares e da pena única que lhe foram fixadas, pugnando por uma redução de todas elas, a pena única para um quantitativo inferior a 5 anos de prisão e, por via disso, pela suspensão da respetiva execução (conclusões 95ª a 97ª, 99ª a 103ª e 105ª a 106ª).
Note-se que o teor das conclusões 98ª e 104ª, atinentes à determinação da pena para o crime de ofensa à integridade física grave, ficou prejudicada com a improcedência da questão da alteração da qualificação jurídica da conduta do arguido do crime de homicídio qualificado tentado para aquele tipo legal de crime.
Subsidiariamente, defende o recorrente que, tendo em conta os mesmos critérios seguidos pelo tribunal a quo e as necessidades e fins das penas, bem como que nunca esteve preso nem atentou contra a vida ou a integridade física de qualquer pessoa, que já sentiu a reclusão e as consequência da sua conduta com a medida de coação de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação, que manifestou arrependimento, que foi diminuído, insultado e menosprezado pela assistente, o que, aliado à paixão que sentia por esta, contribuiu para o descontrole após o primeiro ataque levado a cabo pela mesma, e tendo ainda em conta a sua personalidade e afetuosidade, nomeadamente para com os seus filhos, e o comportamento de profundo respeito por todos, deveria a pena pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada ser reduzida para 5 anos de prisão, a pena pelo crime de furto qualificado para 6 meses de prisão e a pena única para 4 anos e 6 meses de prisão.
Refira-se, porém, que esta última pretensão nunca seria atendível, por a pena única propugnada pelo recorrente ser inferior à mais grave das penas parcelares, a qual constitui o limite mínimo da moldura do concurso de penas.
Analisemos, pois, a pretensão do recorrente em ver reduzidas as penas que lhe foram aplicadas.

1. De acordo com o disposto no art. 40º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança, tem como finalidade “a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
A proteção de bens jurídicos consubstancia-se na denominada prevenção geral, enquanto a reintegração do agente na sociedade, ou seja, o seu retorno ao tecido social lesado, se reporta à denominada prevenção especial.
O legislador quis, desta forma, oferecer ao julgador critérios seguros e objetivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, conforme dispõe expressamente o n.º 2 do referido art. 40º.
A culpa consiste num juízo de censura dirigido ao arguido em virtude de uma conduta desvaliosa, porquanto, podendo e devendo agir conforme o direito, não o fez.
Em consonância com estes princípios dispõe o art. 71º, n.º 1, do mesmo código que “[a] determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
Assim, prevenção – geral e especial – e culpa são os fatores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida, refletindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, a realização in casu das finalidades da pena, e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite inultrapassável da pena[25].
Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objetivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais, a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, n.º 1, do Código Penal). E ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos), pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências[26].
Neste sentido, diz-se que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto ótimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
Em suma, o limite mínimo da pena deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral que no caso se façam sentir, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva, ao passo que o limite máximo não deve exceder a medida da culpa do agente revelada no facto, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do mesmo; e, dentro desses limites mínimo e máximo, a pena deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível, sendo, pois, as razões de prevenção especial que servem para encontrar o quantum de pena a aplicar[27].
O n.º 2 do art. 71º do Código Penal estipula que “[n]a determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele”, nomeadamente as enunciadas nas suas várias alíneas, ou seja, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente [al. a)], a intensidade do dolo ou da negligência [al. b)], os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram [al. c)], as condições pessoais do agente e a sua situação económica [al. d)], a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime [al. e)], e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena [al. f)].
As circunstâncias e os critérios do art. 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente[28].

2. Depois de tecer considerações em tudo semelhantes às que antecedem, o tribunal a quo, fundamentou assim a determinação da medida concreta das penas parcelares (transcrição):

«No caso concreto, temos de considerar o seguinte:
- as exigências de prevenção geral (relativas à comunidade e à sua confiança na validade das normas violadas pelo arguido): no caso concreto são bastante elevadas atendendo ao conhecido (facto público e notório) elevado número de crimes praticados nesta Comarca e no país contra a vida das pessoas e o património em geral, bem como o crescente impacto que os crimes desta natureza tendem a provocar na população em geral, gerando receios e desconfiança (com efeito, como já supra e disse, importa combater a cada vez mais forte convicção existente na comunidade de que nada acontece aos delinquentes e que o crime compensa). Impõe-se assim que os tribunais transmitam para a sociedade que esses crimes têm consequências severas para quem os pratica;
- as exigências de prevenção especial (relativas ao arguido): no caso concreto são bastante elevadas atendendo ao facto do arguido H. M. ter registadas várias condutas criminosas no seu certificado do registo criminal (atente-se nas três decisões condenatórias pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, um crime de violação da obrigação de alimentos, um crime de violência doméstica, um crime de dano simples, e um crime de gravações e fotografias ilícitas), tendo já sido condenado em pena de prisão (embora suspensa na sua execução), o que não logrou dissuadir o arguido do cometimento de outros crimes, ao que acresce a circunstância de todos os crimes terem sido praticados datas relativamente próximas;
- o grau de ilicitude muito elevado quanto ao crime de homicídio qualificado, na forma tentada, considerando, mormente, o modo de execução, aos meios utilizados para perpetrar as lesões físicas com vista a tentar provocar a morte, que só não foi conseguida por razões alheias à vontade do arguido, à idade da vítima, à debilidade física da vítima que o arguido conhecia e que aproveitou para perpetrar os factos, à zona do corpo atingida intencionalmente (cabeça, aos extensos/ demorados / invasivos e notoriamente dolorosos tratamentos médicos efetuados na vítima, ao período de tempo de convalescença da vítima, às terríveis consequências permanentes / irreversíveis físicas e psíquicas/ mentais/ comportamentais causadas na vítima comprovadas por informações/relatórios médicos; considerando ainda que as condutas ilícitas-típicas foram praticadas no local de trabalho da ofendida, sítio onde a mesma por natureza se sentiria segura e com especial ligação emocional);
- o grau de ilicitude muito elevado quanto ao crime de furto qualificado, considerando o aproveitamento pelo arguido de um terrível estado de debilidade da vítima (que o arguido sabia à partida ser quase cega, ao que acresce que se encontrava prostrada no chão incapaz de reagir, necessitando cuidados médicos urgentes, sendo que o arguido perante esse quadro fático tomou a resolução criminosa de a desapossar de vários itens fazendo-os seus, integrando-os assim na esfera de propriedade do arguido);
- o grau intenso da culpa do arguido perpetrando com dolo as suas condutas;
- o arguido insistiu numa versão dos factos sem ter o mínimo suporte testemunhal / documental ou nas regras da experiência e do normal acontecer dos factos;
- não podemos valorar qualquer confissão dos factos nem um genuíno arrependimento pela prática dos factos imputados (o que o arguido fez em julgamento foi algo sui generis, desprovido de valor jurídico, social e até moral, i.e., pediu desculpa por se ter defendido);
- à circunstância do arguido não ter sequer tentado reparar (ou atenuar) o mal causado à ofendida.

Tudo o referido são circunstâncias que aumentam muito as exigências de prevenção geral e especial do caso concreto e que desfavorece um prognóstico favorável acerca do comportamento do arguido.
O passado recente de prática de vários crimes revela que o arguido tem uma personalidade alheada do dever-ser jurídico-penal, ignorando repetidamente as sucessivas advertências que lhe vêm sendo feitas através das decisões judiciais condenatórias, manifestando assim profundo desprezo pelas mesmas e pela normatividade jurídico-penal.
Considerando o elenco dos factos provados e o que supra já supra exarou entendemos que a comunidade não aceitaria que o arguido não fosse agora punido com pena privativa de liberdade em Estabelecimento Prisional, tanto mais que já é possuidor de um relevante passado criminal recente, não mostrou genuíno arrependimento nem compaixão para com a vítima (relativamente à qual nem tentou compensar / atenuar o mal que lhe fez causadoras de consequências físicas e psicologias permanentes).

Tendo em consideração os fatores de determinação da medida da pena que já foram postos em evidência decide-se aplicar ao arguido H. M. a pena de:

- 6 (seis) anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada; e
- 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado.»

Estamos de acordo com a elencagem dos referidos fatores e com a ponderação que deles foi feita pelo tribunal a quo, com uma única ressalva, relativa a parte dos elementos mencionados a propósito do grau de ilicitude do crime de homicídio, mormente a debilidade física da vítima, uma vez que tal circunstância já foi considerada para qualificar o crime ao abrigo da al. c) do n.º 2 do art. 132º do Código Penal, não podendo ser novamente valorada em sede de determinação da medida da pena (cf. art. 71º, n.º 2, do mesmo diploma), pelo menos desacompanhada de uma explicitação relativa à verificação de mais do que uma circunstância qualificativa. Sem que, todavia, tal afaste a caracterização do grau de ilicitude dos factos como muito elevado, atentos os demais elementos que militam nesse sentido.
Ao que é referido na referida fundamentação apenas aditaremos que esta circunstância também tem reflexos a nível das relevantes exigências de prevenção geral que se fazem sentir relativamente a este tipo de crimes.
Bem como que, para além da intensidade do dolo, também contribuem para elevar o grau de culpa os reprováveis sentimentos manifestados pelo arguido na prática do crime, ao revelar uma forte insensibilidade para com o bem jurídico protegido (a vida) e um desprezo pela vontade da vítima em recusar manter um relacionamento afetivo com ele, e a sua conduta anterior, traduzida no passado criminal com três condenações recentes (proferidas em 2016 e 2017), pela prática de cinco crimes (entre 2014 e 2016), porquanto, na determinação da pena adequada a sancionar a conduta agora em apreço, pode-se afirmar que “o facto revela desatenção ao aviso de conformação jurídica da vida contido nas condenações anteriores”, a ponto de "constituir índice de uma culpa mais grave"[29], por se verificar a anterioridade da solene censura penal decorrente das condenações, reveladora de uma personalidade desrespeitadora dos valores jurídico criminais, justificadora de uma agravação da pena.
O que, aliado à gravidade da sua conduta e das respetivas consequências, seja de pouco relevo a circunstância invocada pelo recorrente de nunca ter estado preso nem ter atentado contra a vida ou a integridade física de qualquer pessoa, tanto mais que olvida que uma das condenações anteriores respeita a um crime de violência doméstica, ou seja, em que incorreu na prática de maus tratos físicos e/ou psicológicos contra a então vítima.
Por fim, ao invés do alegado pelo recorrente, não têm qualquer respaldo nos factos provados a demonstração de arrependimento, que a medida de coação privativa da liberdade a que se encontra sujeito desde agosto de 2018 já serviu para se consciencializar das consequência da sua conduta nem que tenha uma personalidade afetuosa e respeitadora, sendo certo que, pela via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, também não logrou demonstrar a invocada contribuição da vítima para despoletar a agressão.
Pelo exposto, sobrepondo-se esmagadoramente as circunstâncias agravantes às atenuantes, nos termos supra expostos, e tendo presente que ao crime de homicídio qualificado na forma tentada corresponde a moldura abstrata de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão e ao crime de furto qualificado a moldura de 1 mês a 5 anos de prisão, afigura-se-nos que as penas encontradas pela primeira instância (6 anos de prisão e 1 ano e 3 meses de prisão, respetivamente), são equilibradas, situando-se, aliás, um pouco acima do primeiro quarto da moldura, sem atingir o primeiro terço, no caso do crime de homicídio, e ligeiramente acima do primeiro quinto da moldura, em relação ao crime de furto qualificado.
Conquanto o recorrente não invoque qualquer erro ou incorreção no procedimento de determinação da pena única, que importe analisar, limitando-se a pugnar por uma redução da mesma por força da redução das penas parcelares, sempre se dirá que, atenta a moldura aplicável (6 anos a 7 anos e 3 meses de prisão), a medida que foi encontrada (de 6 anos e 5 meses de prisão), se apresenta igualmente como equilibrada.
Refira-se que perfilhamos o entendimento[30] de que o tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar. A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato de pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada, como claramente sucede no caso vertente.

Termos em que também nesta parte o recurso improcede.

B).f) - Do quantitativo da indemnização por danos não patrimoniais

Por fim, o arguido e demandado civil insurge-se contra o quantum indemnizatório de € 50.000,00 que foi condenado a pagar à assistente e demandante a título de danos não patrimoniais, que considera excessivo, desajustado e desproporcional, embora sem indicar o valor que considera ajustado.
Para tanto, alega que não foi devidamente ponderado o grau de culpa, o modo de execução, o contributo da demandante para a ocorrência dos factos, os meios utilizados para perpetrar as lesões físicas, a sua situação económica, a ausência de demonstração dos rendimentos da demandante, cujo filho já estava a cargo dos avós, a medida jurisprudencial em casos idênticos e a circunstância de a mesma, anteriormente aos factos, já não ter visão do olho direito, apenas ter 20% de visão no olho esquerdo e quase não ter audição no ouvido esquerdo, pelo que o seu dia-a-dia já estava bastante condicionado e a sua autonomia limitada, carecendo de ser transportada (conclusões 86ª e 89ª a 94ª).

Vejamos se lhe assiste razão.

Considerando que a indemnização por perdas e danos emergentes da prática de crime é regulada pela lei civil (art. 129º do Código Penal), no caso em análise, a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, previstos no art. 483º, n.º 1 do Código Civil, decorre da circunstância de o demandado ter incorrido na prática de um crime de homicídio qualificado tentado na pessoa da demandante, causando-lhe com essa conduta danos, nomeadamente de ordem não patrimonial. Por conseguinte, constituiu-se sujeito passivo da obrigação de indemnizar a lesada pela ocorrência de tais danos.
Segundo o art. 496º, n.º 1, do Código Civil, apenas são atendíveis os danos morais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, ou seja, aqueles que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade moral.

No caso presente, não se suscitando dúvidas sobre a ressarcibilidade dos danos em apreço, tema não suscitado no recurso, a questão a apreciar radica apenas na determinação do montante devido à demandante a título de indemnização pelos danos morais por si sofridos em consequência da conduta ilícita do demandado, que o tribunal a quo fixou em € 50.000,00 e que este pretende ver reduzido, por o considerar excessivo.
Dado que os danos morais, pela sua natureza, são insuscetíveis de avaliação pecuniária, a indemnização a atribuir pela sua existência visa apenas compensar o lesado pela sua ocorrência, o que acarreta dificuldades na quantificação do montante a atribuir.
O montante da indemnização dos danos não patrimoniais deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, designadamente a sensibilidade do indemnizando e o sofrimento por ele suportado (n.º 4 do art. 496º, ao remeter para o art. 494º, ambos do Código Civil).
Nesta abordagem devemos ter presente o melindre e a dificuldade que a quantificação destes danos sempre acarreta, procurando obter-se a compensação possível.
Para além da equidade, como guia do julgador, e dos critérios estabelecidos no citado art. 494º do Código Civil, deverão ter-se em conta os padrões geralmente adotados pela jurisprudência, a qual tem vindo repetidamente a afirmar que a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance “significativo e não meramente simbólico”.
Com efeito, é entendimento praticamente unânime que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de compensação, não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios[31].

Aquando da fixação do montante em apreço, o tribunal a quo considerou o seguinte (transcrição):

«Assim, quanto aos danos não patrimoniais sofridos pela demandante S. T. causados necessariamente pela conduta do arguido, ponderados todos os factos referidos, o grau de culpa, o modo de execução, aos meios utilizados para perpetrar as lesões físicas com vista a tentar provocar a morte, que só não foi conseguida por razões alheias à vontade do arguido, à idade da vítima, à debilidade física da vítima que o arguido conhecia e que aproveitou para perpetrar os factos, à zona do corpo atingida intencionalmente (cabeça, aos extensos/ demorados / invasivos e notoriamente dolorosos tratamentos médicos efetuados na vítima, ao período de tempo de convalescença da vítima, às terríveis consequências permanentes / irreversíveis físicas e psíquicas/ mentais/ comportamentais causadas na vítima comprovadas por informações/relatórios médicos; considerando ainda que as condutas ilícitas-típicas foram praticadas no local de trabalho da ofendida, sítio onde a mesma por natureza se sentiria segura e com especial ligação emocional, a concreta situação económica do arguido (cujos factos estão elencados na matéria assente mormente no relatório social), bem como a medida jurisprudencial deste Tribunal em casos idênticos, considera-se adequada a indemnização de 50.000 € (cinquenta mil euros) a pagar pelo arguido H. M..»

Em primeiro lugar, a matéria de facto provada é efetivamente reveladora de um quadro de imenso sofrimento moral por parte da demandante.
Com efeito, esta foi barbaramente agredida pelo arguido, que, depois de desferir uma pancada no ouvido esquerdo com uma garrafa de 75 cl., um murro no olho esquerdo, várias pancadas na cabeça com o manípulo da máquina de café, murros no crânio e pontapés nos membros inferiores, projetando-a desamparada para o solo, colocou-se em cima dela e tentou asfixiá-la e estrangulá-la, com as duas mãos, com um saco plástico que utilizou como corda e ainda com um pau que comprimiu no pescoço da mesma contra o chão, deixando de a agredir quando ela simulou perder os sentidos, após o que a abandonou sozinha e trancada no interior do bar que a mesma explorava, convicto que a tinha morto.
Provou-se que no decurso e por causa dessas agressões, a demandante sentiu dores, terror, nervosismo e pânico com a iminência de perder a vida, sentimentos agravados pela ideia de o seu filho, com 7 anos de idade, ficar órfão, pois o pai já tinha falecido.
Ademais, das agressões advieram para a demandante lesões e sequelas que lhe demandaram 386 dias para consolidação médico-legal, todos com afetação da capacidade de trabalho geral e de trabalho profissional, e lhe causaram, causam e continuarão a causar um enorme sofrimento moral, na medida em que perdeu totalmente o globo ocular esquerdo, o que lhe determinou a perda total da visão, uma vez que já era invisual do olho direito, bem como perda grave da audição à direita, com a consequente perda da capacidade total para o trabalho e a necessidade de ser assistida de modo permanente e continuado para toda a vida em virtude da referida perda sensorial grave.
Note-se que, embora já sofresse de uma incapacidade de 66% para a profissão que anteriormente exercia (professora de natação), a demandante sempre manteve atividade profissional noutras áreas compatíveis com aquela incapacidade, designadamente e à data dos factos, explorando um bar.
Acresce que a demandante sofreu dano estético importante, pela ausência do globo ocular direito, com aplicação de uma prótese, para o que foi submetida a uma cirurgia, e ainda dano estético ligeiro derivado das percetíveis cicatrizes auriculares e periauriculares à direita.
Por fim, apurou-se que se sente triste e infeliz por se ver deficiente e com necessidade de ser assistida permanentemente para o resto da sua vida, bem como vive angustiada com a carência de meios de subsistência para si e para o seu filho menor e por não poder acompanhar o seu crescimento da forma que seria natural.
Atendendo à enorme extensão destes danos, bem como ao acentuado grau de culpa do agente, que atuou dolosamente, com intenção de atentar contra a vida da demandante (cf. ponto 1.34), à idade desta (apenas com 39 anos à data do encerramento da discussão da causa, sendo, pois, relativamente jovem, atenta a esperança média de vida), à modesta condição económica do demandado (que à data dos factos integrava o agregado dos progenitores, apresentando limitações económicas, pois auferia um vencimento equivalente ao salário mínimo nacional, do qual era descontado o valor relativo às pensões de alimentos devidas aos descendentes, tendo perdido esse enquadramento laboral por estar sujeito à medida de obrigação de permanência na habitação) e à precária situação económica da demandante (revelada pelo conjunto dos factos provados, mormente da incapacidade total para o trabalho de que ficou afetada), afigura-se-nos que o valor da indemnização por danos morais arbitrado pela primeira instância expressa uma correta e adequada ponderação desses fatores, pelo que é de manter.
Aliás, o principal argumento do recorrente para justificar uma redução desse valor assenta na alegada contribuição da demandante para a produção do evento lesivo, conforme o mesmo pretendeu demonstrar através da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mas em vão, como vimos.

Improcede, pois, este segmento do recurso.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em:

A) - Julgar procedente o recurso interlocutório e, em consequência, revogar o despacho recorrido, dispensando o recorrente do pagamento da multa devida pela interposição do recurso da decisão final no 3º dia útil posterior ao termo do respetivo prazo.
B) - Julgar parcialmente procedente o recurso da decisão final e, em consequência:
a) - Alterar a decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:
- O ponto 1.3 dos factos provados passa a ter a seguinte redação: «1.3. – O arguido sabia que S. T. não tinha visão no olho direito e no esquerdo tinha apenas 20%»;
- O ponto 1.7 dos factos provados passa a ter a seguinte redação: «1.7 – Nessa madrugada, o arguido levou a ofendida a casa e insistiu para terem um relacionamento amoroso, que a S. T. voltou a declinar.»;
- O ponto 1.12 dos factos provados passa a ter a seguinte redação: «1.12. – Depois de contactar M. P., que, anuindo à vontade do arguido, enviou uma mensagem à assistente, à qual, todavia, esta não respondeu, acabou por pedir a M. O., sua amiga, que fosse ao bar para ver se a ofendida ali se encontrava tendo sido informado por aquela que ali se encontrava aparcado um carro que o descreveu e o arguido logo associou à viatura que o pai da ofendida normalmente utiliza.»;
- Aos factos não provados é aditado o seguinte ponto: «2.2.a) - Na madrugada do dia 01 de julho de 2018, o arguido teimou em levar a ofendida a casa, ao que ela acabou por anuir.».
b) - Confirmar, quanto ao mais, o acórdão recorrido.
*
Recurso sem tributação na parte criminal (art. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a contrario), e, na parte cível, com custas a cargo do demandado (art. 527º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi do art. 523º do Código de Processo Penal - valor tributário para efeitos do recurso: € 50.000,00).
*
*
(Elaborado em computador pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)

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Guimarães, 11 de maio de 2020

(assinado eletronicamente, conforme assinaturas apostas no canto superior esquerdo da primeira página)



1. - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo a correção de gralhas evidentes, a formatação do texto e a ortografia utilizada, que são da responsabilidade do relator.
2. - Cf. o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995.
3. - In Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Coimbra Editora, 1999, pág. 255.
4. - Vd. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, pág. 306.
5. - Ob. cit., pág. 856.
6. - Plasmado no acórdão do STJ de 04-11-2009 (processo n.º 680/07.6GCBRG.G1.S1), disponível em http://www.dgsi.pt.
7. - Vd. Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit, anotação 5ª ao art. 327, pág. 823.
8. - Proferido no processo n.º 3934/08, disponível em http://www.dgsi.pt.
9. - Proferido no processo n.º 07P4565, disponível em http://www.dgsi.pt.
10. - Vd. Alberto do Reis, Código de Processo Civil, anotado, vol. 5, pág. 140; Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III (1972), pág. 246; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, pág. 669 e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 221.
11. - Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 26-03-2014 (processo n.º 15/10.0JAGRD.E2.S1), disponível em http://www.dgsi.pt., e de 30-04-2014, (processo n.º 330.08.3PATNV.C2.S1), disponível na Coletânea de Jurisprudência online, com a referência 8895/2014.
12. - Cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 18-01-2018 (processo n.º 563/14.3TABRG.S1), de 17-03-2016 (processo n.º 849/12.1JACBR.C1.S1), de 20-01-2010 (processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1), de 14-03-2007 (processo n.º 07P21) e de 23-05-2007 (processo n.º 07P1498) e do TRP de 11-07-2001 (processo n.º 110407), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
13. - Proferido no processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt.
14. - Cf. o acórdão do TRC de 24-02-2010 (proc. 138/06.0GBSTR.C1), disponível em http://www.dgsi.pt.
15. - Cf., nomeadamente, o acórdão de 29-10-2015 (processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1), disponível em http://www.dgsi.pt.
16. - Conforme foi entendido no acórdão desta Relação de 11-07-2017 (processo n.º 376/11.4TACHV.G2), disponível em http://www.dgsi.pt.
17. - Vd. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, pág. 232.
18. - Cf. o acórdão do STJ de 25-03-2010 (processo n.º 427/08.OTBSTB.E1.S1), disponível em http://www.dgsi.pt.
19. - Cf. o acórdão do TRC de 24-02-2010 (proc. 138/06.0GBSTR.C1), disponível em http://www.dgsi.pt.
20. - Cf. o acórdão do STJ de 27-04-2006, (processo n.º 06P120), disponível em http://www.dgsi.pt.
21. - Cf. o acórdão do STJ de 31-10-2007 (processo n.º 07P3218), disponível em http://www.dgsi.pt, bem como, em sentido coincidente, os acórdãos do mesmo Tribunal de 03-12-2009 (processo n.º 760/04.0TAEVR.E1.S1), de 28-10-2009 (processo n.º 121/07.9PBPTM.E1.S1), de 10-01-2007 (processo n.º 3518/06), de 04-01-2007 (processo n.º 4093/06) e de 04-10-2006 (processo n.º 812/06), disponíveis em http://www.dgsi.pt.
22. - Cf. o acórdão n.º 140/2004, disponível em http://www.tribunalconstitcional.pt.
23. - Vd., entre outros, os acórdãos n.ºs 259/2002, 140/2004 e 660/2014, todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt.
24. - Cf. os acórdãos do TRC de 15-12-2016 (processo n.º 55/15.3GCMBR.C1), do TRE de 30-06-2015 (processo n.º 1340/14.7TAPTM.E1), do TRG de 25-02-2008 (processo 557/07-1) e do TRP de 20-12-2011 (processo n.º 51/08.7GAMCD.P1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
25. - Vd. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, págs. 214 e ss.
26. - Cf., nomeadamente, o acórdão do STJ de 15-12-2011 (processo n.º 706/10.6PHLSB.S1), disponível em www.dgsi.pt.
27. - Vd. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 227 e ss..
28. - Cf. o acórdão do STJ de 28-09-2005, in Coletânea de Jurisprudência-STJ, 2005, tomo 3, pág. 173.
29. - Vd. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 253.
30. - Seguido, nomeadamente, nos acórdãos do TRL de 28-05-2019 (processo n.º 520/16.5PAMTJ.L1-9) e de 27-06-2019 (processo n.º 1429/09.4JDLSB.L2-9), do TRE de 22-04-2014 (processo n.º 291/13.7GEPTM.E1) e do TRP de 02-10-2013 (processo n.º 180/11.0GAVLP.P1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
31. - Cf., por todos, o acórdão do STJ de 20-02-2013 (processo n.º 269/09.5GBPNF.P1.S1), disponível em http://www.dgsi.pt, onde são citados outros arestos.