Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4546/15.8T8VCT.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
PRÉDIO CONFINANTE
DEMARCAÇÃO
RECTIFICAÇÃO DE ESTREMAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Não há nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia que os apelantes tenham legitimidade para arguir no recurso se o tribunal, por expressamente os ter considerado inúteis e desnecessários face ao decidido, não conheceu os pedidos reconvencionais formulados pelos apelados de aquisição por acessão industrial imobiliária e de reconhecimento de uma servidão legal de escoamento.

2. Embora seja exígua a motivação da decisão da matéria de facto, nunca daí advém nulidade da sentença com fundamento na alínea b), do nº 1, do artº 615º, do CPC. A eventual nulidade da decisão da matéria de facto enquadra-se no regime da alínea c), do nº 2, do artº 662º, do CPC.

3. A disputa entre as partes de uma parcela de terreno, de reduzida área, situada na confluência de dois prédios, que cada uma daquelas reclama integrar o seu e, por isso, pertencer-lhe em função da localização controversa da estrema respectiva, nem sempre configura acção de reivindicação ou de demarcação ou exige a alegação e prova dos pressupostos fácticos inerentes em conformidade com o quadro legal respectivo (artºs 1311º e 1353º, do Código Civil).

4. Conquanto, para demonstrar que a parcela faz parte ou se integra nos limites de um ou outro prédio, possam ser alegados factos relativos ao exercício da posse sobre a mesma ou de outro modo por via do qual tenha sido adquirido o domínio sobre a mesma, tal litígio pode ser resolvido como em qualquer acção declarativa comum e, assim, com base em qualquer meio de prova admissível.

5. O acordo, entre titulares de prédios confinantes, de cedência graciosa de uma pequena parcela de terreno para rectificação do muro demarcatório da estrema entre eles, não integra um contrato de doação, nem carece de forma especial. Pode ser realizado e provado por qualquer meio.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO


Os autores Eduardo e mulher Maria intentaram, em 10-12-2015, no Tribunal de Viana do Castelo, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra os réus José e mulher Manuela.

Formularam o seguinte pedido:

“…deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, por via disso, serem os RR., condenados:

A)- A reconhecer que os Autores são donos e legítimos proprietários com exclusão de outrém do imóvel identificado no art. 1º e 12º da petição inicial e com os limites assinalados a ponteado preto na planta junta sob os documentos nºs 6 e 7 com a petição inicial;
B)- Absterem-se de toda e qualquer utilização presente ou futura do prédio em questão, não devendo ainda por qualquer meio ou forma invadir o mesmo ou turbar a posse e o direito de propriedade dos AA. sobre o mesmo;
C)- Serem condenados a restituir aos AA., a faixa de terreno, com vinte e três metros quadrados, identificada a tracejado vermelho na planta junta sob o documento número sete com a petição inicial, de que ilicitamente se apropriaram.
D) Bem como serem os condenados a dentro prazo máximo de dez dias, após trânsito em julgado da sentença, a demolir o muro divisório, identificado no artigos 22º e 23º deste articulado, e construir um novo muro, com a mesma altura e materiais, que respeite os limites e configuração do prédio dos AA., que constam da planta junta sob o documento nº 6 e 7 juntos com a petição inicial.
E) Serem os RR., condenados a se absterem de conduzir todas e quaisquer águas do seu prédio para o prédio dos AA.
F) Serem os RR. condenados no pagamento da quantia de cem euros, por cada dia no atraso, na reposição do muro.
G) Serem os RR., solidariamente, condenados a pagar a quantia de 4.000,00 €, cada a um dos AA, titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, por invasão da sua propriedade;
H) – E em todo o caso, a serem os RR., obrigados a indemnizar os AA a título de danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe tem causado, até cessar a turbação da sua posse, a liquidar em execução de sentença, ao abrigo do disposto no artigo abrigo do disposto no número 2 do artigo 564º do Código Civil.
I) e finalmente no pagamento de custas e procuradoria condigna.”.

Para tanto, alegaram, na petição inicial (1), que, por aquisição originária (usucapião) e derivada (compra), são proprietários, como se presume da inscrição feita no registo predial, de uma moradia, sita na Rua …, em Santa Marta de Portuzelo, com área total de 2.112,93m2, composta, além do mais, por um logradouro, que confronta pelo lado Norte com os réus. Foi construída por si num prédio rústico, com a área de 2.176,59m2, que adquiriram por compra, em 2000. Desde então, estão na posse de tal prédio, sobre ele exercendo inerentes actos de posse, inclusive sobre “a área descoberta”.
Os réus, por sua vez, são donos de uma moradia, também com logradouro, confrontante pelo Sul.
O prédio dos autores, do lado norte, sempre teve a configuração e limites que constam da planta anexa (doc. 6). Assim, desse lado, era delimitado por um muro divisório, em toda a sua extensão, construído em parte por blocos e outra parte em tijolos, e na parte superior por uma rede, muro divisório esse que atento o sentido nascente/poente, se iniciava na Rua .... e vinha alinhado e a direito numa extensão de 58 metros, até muito próximo da moradia dos réus, após o que fazia aí um recorte/dente ou angulo com noventa graus, no sentido sul, com cerca de 2,5 metros de comprimento, e depois desenvolvia-se de forma enviesada até a extrema poente, ou seja, a actual Rua P., numa extensão de 25,70 metros.
Os réus, em 2010, deitaram abaixo parte do dito muro divisório, numa extensão de 16m + 2,5 m de cumprimento, e voltaram a construí-lo de novo, mas para o efeito, “entraram” no terreno dos autores, apropriando-se de uma faixa de terreno em forma triangular, com 16 metros de cumprimento por 2,5 de largura, a acabar em ponta aguda.
Desse modo, apropriaram-se de uma área de terreno não inferior a 23m2, conforme melhor consta do documento anexo e aí identificado a tracejado vermelho (doc. 7).
Depois disso, os ergueram, de novo, um muro, assim passando a referida faixa de terreno a estar do lado de dentro do seu prédio.
Concomitantemente, alteraram, mediante declarações falsas, a área e confrontações na Matriz e Registo, tendo o prédio crescido cerca de 221 m2 acima do que constava no respectivo processo de obras (no qual haviam inicialmente feito menção dos limites correctos ao legalizarem as construções clandestinas que foram fazendo), sendo que 23m2 correspondem à parcela subtraída ao prédio dos autores.
Estes não cederam, de forma válida, qualquer porção do seu terreno. Os réus, apesar de notificados para reporem o seu muro dentro dos limites do seu prédio não o fizeram.
Acresce que, no último inverno, os réus fizeram, no citado muro divisório, diversos buracos. Dessa forma, as águas pluviais do seu prédio, por eles impermeabilizado, em vez de irem para as Ruas (… ou P.), passaram a ir directamente para o prédio dos autores.
Com tais atitudes, os réus estão a causar aos autores prejuízos patrimoniais e não patrimoniais.

Na sua longa contestação, os réus impugnaram a factualidade alegada. Acrescentaram que “o prédio dos autores só teve a configuração e limites que constam da planta que juntam como doc. 6 apenas até ao ano de 2006”. O muro divisório a que os autores aludem (itens 20º e 21º) é sua pertença exclusiva, estava e está construído em tijolo e/ou blocos de cimento, vai, da Rua P. até um pouco mais de metade da sua propriedade, continuando, depois, a divisão daquelas propriedades até à Rua .... a ser efectuada através de rede de arame e ferros de suporte, implantados em sapata de cimento, igualmente propriedade dos réus, muro esse que era alinhado, como é, quer pelo Nascente, quer pelo Poente, com o comprimento de 58 m. Junto à fachada Nascente da casa de habitação dos Réus, tal muro fazia um pequeno ângulo de 90 graus, cujo lado, medido no sentido Poente – Nascente, tinha 10,00 metros de comprimento, e o outro lado desse ângulo, medido no sentido Norte – Sul, tinha 1,90 metros de comprimento, formando no terreno uma reentrância com tal forma e uma a área de 9.50 m2.
Aconteceu que, em Julho de 2006, os réus solicitaram aos autores que lhes cedessem essa minúscula parcela de terreno que fazia o ângulo recto junto à sua casa, pois pretendiam ganhar aí, se possível, um pequeno espaço junto à esquina da sua casa e endireitar o seu muro. Os autores prontamente comunicaram aos réus a sua total disponibilidade e concordância para tal fim e que nenhum dinheiro queriam pela cedência de tal terreno, dada a exiguidade da sua área, dizendo que até ficava mais bonito. Os réus agradeceram a simpatia e disponibilidade e logo nesse mesmo mês fizeram a obra, derrubando a parede de tijolo que constituía o tal ângulo e dando continuidade ao muro existente de forma mais alinhada, ainda que ligeiramente curvo, através de uma parede em blocos, rebocada a cimento, sem pintar. Assim, apenas integraram no seu prédio a referida área de 9,50m2.
Ao contrário do que os autores alegam, os réus não abriram no último inverno diversos buracos no muro divisório, lado norte, para a passagem da água para o prédio daqueles. Na verdade, esse muro sempre teve tais buracos para a passagem da referida água, pelo menos, desde há 30 anos, data em que os réus construíram a sua casa e o aludido muro divisório. Dada a existência de um ligeiro declive, no sentido Norte – Sul, entre os terrenos agrícolas aí existentes, o prédio dos ora réus recebia, como sempre recebeu, as águas pluviais que provinham, como provêm, dos terrenos a Norte do seu prédio, as quais, por sua vez, chegadas a este, corriam em direcção a Sul, para o terreno que ficava ligeiramente com inclinação mais baixa que o seu prédio, ou seja, dirigiam-se para o prédio que agora é dos autores. Quando os réus construíram o muro divisório entre os dois prédios, colocaram nele, na sua base, 2 tubos em plástico, ao nível do solo, unicamente para permitir o aludido curso da água, sem aumentar e/ou diminuir a intensidade da passagem dessa água, pelo que esse escoamento, com aqueles 2 tubos, permaneceu inalterável em relação ao momento anterior à sua colocação. Acresce que, estando tais tubos lá colocados há mais de 30 anos, de forma permanente e inalterável até hoje, nunca os anteriores proprietários do prédio que agora pertence aos autores e que apenas o adquiriram no ano de 2000, colocaram objecção alguma à sua colocação e/ou à passagem da referida água. Jamais os réus procederam à impermeabilização do seu prédio, ou causaram, ou causam, quaisquer prejuízos aos autores; ademais, alegam que estes contribuíram para o derrube do muro existente na sua propriedade, sem que tivessem diligenciado pela sua reposição.

Em reconvenção, alegando a factualidade inerente, deduziram os seguintes pedidos:

A) - deve a presente acção ser julgada improcedente, por não provada, com as legais consequências, devendo, ainda, os Autores ser condenados como litigantes de má-fé, em multa e indemnização, esta a favor dos Réus, em montante não inferior a 3.000 €uros, para além das custas;
B) – por outro lado, caso assim se não entenda, deve a reconvenção deduzida ser julgada procedente, por provados os requisitos legais aplicáveis, o pedido reconvencional ora formulado de Acessão Imobiliária Industrial, nos seus precisos termos, com as legais consequências, isto é, que aos Réus Reconvintes seja reconhecido o direito de adquirirem por acessão imobiliária industrial a parcela de terreno em causa na presente acção, com a área de 9.50 m2, melhor identificada nos itens 11º e 12º supra, contra o pagamento da importância de 98,00 €uros a que se alude no item 81º, ou outra que o tribunal, em sede de avaliação ou prova, venha a determinar, em prazo a fixar-se na decisão a proferir-se, sendo os Autores Reconvindos condenados a reconhecer essa aquisição, com as legais consequências;
C) – serem os AA. Reconvindos condenados, face ao alegado nos art. 85º a 112º supra, a receber no seu prédio identificado no art.1º da PI as águas pluviais que derivam do prédio dos RR. Reconvintes, identificado no art.17º do mesmo articulado, por escoamento natural das águas, ao abrigo do disposto no art.1.351º do Código Civil;
D) - serem os AA. Reconvindos condenados a retirarem imediatamente os tapumes que colocaram nos tubos de passagem de água que se aludem no item 94º supra, devendo ser condenados, caso o não façam, no pagamento da sansão pecuniária compulsória não inferior a 100 €uros diários enquanto tal situação se mantiver;
E)caso não seja procedente o pedido formulado na alínea C), o que se não concebe, devem os AA. Reconvindos ser condenados a reconhecer a servidão legal de escoamento, no seu prédio, nos termos e circunstâncias peticionadas nos itens 113º a 128º supra e, em consequência, serem os AA. Reconvindos condenados a receber no seu prédio identificado no art.1º da PI as águas pluviais que derivam do prédio dos RR. Reconvintes, identificado no art.17º do mesmo articulado, por constituição da peticionada servidão legal de escoamento, nesse terreno, naquelas circunstâncias, face ao disposto na 2ª parte do n.º2 do art.1.351º do Código Civil e art.1.563º, n.º1, alínea b), do mesmo diploma;
F)sempre e em todo o caso, com a condenação dos AA. Reconvindos a retirarem imediatamente os tapumes que colocaram nos tubos de passagem de água que se aludem no item 94º supra, devendo ser condenados, caso o não façam, no pagamento da sansão pecuniária compulsória não inferior a 100 €uros diários enquanto tal situação se mantiver;
G) – serem os AA. Reconvindos condenados a pagar aos Réus Reconvintes a quantia de 6.000 €uros a título de danos não patrimoniais;
H) – serem os AA. Reconvindos condenados a reporem o muro divisório entre ambos os prédios, a que se alude nos itens 140º a 148º supra, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da douta decisão que vier a proferir-se, devendo ser condenados, caso o não façam, no pagamento da sansão pecuniária compulsória não inferior a 100 €uros diários enquanto tal situação se mantiver;
I) – serem os AA. Reconvindos condenados no pagamento das custas.”

Em resposta, os autores refutaram a factualidade invocada pelos réus, designadamente quanto à área da parcela integrada no prédio destes e ao alegado acordo de cedência, mantiveram a sua e pugnaram pela improcedência da reconvenção e procedência da acção.

Simplificada a tramitação mediante dispensa da audiência prévia, bem como da identificação do objecto do litígio e da enunciação dos temas da prova, foi fixado o valor da causa, saneados tabelarmente os autos, admitida a reconvenção, apreciados os requerimentos de prova e ordenadas diligências.

Realizada a perícia, teve lugar a audiência de julgamento, com inspecção ao local, nos termos, com as formalidades e resultado que constam das actas respectivas.

Por fim, com data de 14-06-2017, foi proferida a sentença que culminou na seguinte decisão:

“Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente acção totalmente improcedente, sendo parcialmente procedente o pedido reconvencional, termos em que, em consequência, se decide:---

i) absolver os réus dos pedidos contra si formulados pelos autores;---
ii) condenar os autores/reconvindos a receber no seu prédio as águas pluviais que derivam do prédio dos réus/reconvintes, por escoamento natural das águas, ao abrigo do disposto no art.1.351º do Código Civil;---
iii) condenar os autores/reconvindos a reporem o muro divisório entre ambos os prédios, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença;---
iv) condenar os autores/reconvindos a pagar solidariamente aos réus/reconvintes a quantia de € 1.500,00, com relação a cada um, a título de danos não patrimoniais sofridos;---
v) absolver os autores/reconvindos do demais contra si peticionado.---

Mais, julga-se procedente o incidente de litigância de má fé suscitado pelos réus contra os autores, condenando-se estes em multa que se fixa em 5 (cinco) Uc’s, com relação a cada um, bem como em indemnização aos réus, em montante a fixar oportunamente.---
Custas da acção a cargo dos autores, sendo os da reconvenção na proporção dos respectivos decaimentos, os quais se fixam em 1/3 para os réus/reconvintes e 2/3 para os autores/reconvindos.---
Registe e notifique.---
*
Após trânsito, conclua a fim de dar cumprimento à previsão do nº 3 do artº 543º do Cód. Proc. Civil.”.

Os autores não se conformaram e recorreram para esta Relação, alegando e apresentando, depois de convidados a aperfeiçoá-las, as seguintes conclusões:

- Entendem os AA./Recorrentes que o Tribunal “a quo”, não atendeu nem valorou devidamente todos os elementos de prova constantes dos autos, na elaboração da douta decisão proferida, pelo que não podem conformar-se com a mesma.
- Os Apelantes impugnam a decisão sobre a matéria de facto nos termos do Artigo 662º, do Código de Processo Civil, porque, na decisão ora recorrida, foram considerados provados os factos constantes dos pontos, 3.13, 3.15 e 3.18, da factualidade dada como provada, bem como os factos constantes das alíneas c) e d) da matéria de facto dada como não provada.
- Os depoimentos gravados R./Recorrido José, a matéria constante da alínea c) dos factos não provados, deveria ser dado como provado, conforme se retira dos depoimentos com início às 26.45 e termo 27:37 e início as 30:41 a 30:53; início às 36:22 e termo 37:03; início às 51:36 e termo 52:00; inicio às 10:00 e termo 10:01:11; início às 10:03:50 e termo às 1.04.53; início às 1.10:03 e termo às 10:11:18; início às 1.14:40 e termo às 1.14:52, assim como os depoimentos gravados do Autor Eduardo, com início 10:04 termo 11:00; Início 10:46 termo 10: 22; Início 18:41 termo 19:00; Início 18:41 termo 19:00; Início 21:53 termo 21:55; Início 22:58 termo 23:13; Início 25:16 termo 26:00; Início 30:03 termo 31:00;Início 32:44 termo 32:55; Início 32:44 termo 37:47: Início 4.55 termo 5:19; o depoimento de Maria com Início 5.39 termo 6:00; Início 6.48 termo 7:17 ; Início 9.38 termo 10:27; Início 11.36 termo 11:50- depoimento da testemunha António, Início 4.22 termo 4:56; Início 5.55 termo 6:58; Início 8.00 termo 9:30 - o depoimento da testemunha G. P. com Início 1.44 termo 1:52; Início 4.40 termo 5:23; Início 6.04 termo 6:51; Início 7.12 termo 7:30; Início 7.37 termo 8:20- o depoimento da testemunha João, com Início 1.35 termo 1:53; Início 3.19 termo 3:55- Início 5.25 termo 6:25; Início 7.39 termo 10:45; Início 14.32 termo 16:29;Início 18.11 termo 18:44;- testemunha, A. C., com Início 2.37 termo 3:50; Início 5.02 termo 6:57 - Início 11.48 termo 12:00; Início 13.12 termo 14:00; Início 15.30 termo 18:00; Início 25.27 termo 25:53; Início 25.58 termo 26:39, inicio 29.05 termo 29:41;Início 30.11 termo 30:25 Início 31.26 termo 32:54, impõe uma resposta negativa, aos pontos 3.13, 3.15 e 3.18, e uma resposta positiva aos factos constantes das alíneas c) e d) da matéria de facto dada como não provada.
- Além dos depoimentos mencionados na conclusão anterior, o Tribunal “a quo”, na inspecção ao local realizada no dia 23 de Maio de 2017, pelas 14.45 horas, verificou também conforme consta da foto nº 2, inserta nos autos com a referencia citius 41106285, que na caixa construída pelo R./Recorrido, dentro do seu prédio, encostado ao muro divisório que separa do prédio dos AA./Recorrentes, não existem quaisquer tubos direccionados para o lado sul, e também por esta foto nº 2, e pela foto nº 1, se verifica que os RR./Recorridos, impermeabilizaram o seu prédio, e que houve intervenção humana.
- Das fotografias e documentos juntos aos autos, nomeadamente as plantas e levantamentos topográficos dos prédios dos AA./Recorrente e dos RR./Recorridos, insertas nos autos a fls. (ver CD, facultado pela Câmara Municipal), e cotejados os seus depoimentos, com facilidade se retira que factos constantes dos pontos 3.13, 315, e 3.18 bem como das alíneas c) e d) foram incorrectamente julgados.
- Efectivamente, o Tribunal “a quo”, devia ter dado como não provados os factos constantes dos pontos 3.13, 3.15 e 3.18.
- Não valorizar devidamente, a prova documental (levantamentos topográficos, fotografias), insertas nos autos conjugada com as declarações prestadas pelos AA/Recorrentes, e das testemunhas por estes arroladas, assim como as próprias declarações do R./Recorrido José, salvo o devido respeito configura um tremendo erro judiciário.
- Estão os AA./Recorrentes em crer que o princípio da livre apreciação da prova, não tem abrangência que o Tribunal “a quo” lhe deu e não concede ao julgador uma margem de subjetividade tão grande, pelo que atendendo à prova produzida, quer aos documentos supra mencionados, e há objectiva ausência de prova em contrário, deverão os factos considerado nos pontos 3.13, 3.15 e 3.18, ser alterados, atribuindo-lhe resposta negativa, face aos depoimento dos AA/Recorrentes e do R./Recorrido, e das testemunhas inquiridas.
-Atento todo o exposto, a decisão da matéria de facto, proferida pelo Tribunal “a quo”, quanto aos pontos, 3.13, 3.15, 3.18 tem que se alterada por essa Relação, uma vez que do processo constam elementos probatórios que impunham uma decisão/resposta diversa da que foi proferida conforme o disposto nos números 1, 2 e 3 do Artigo 662º do C.P.C.
10ª- A cedência a titulo gratuito de um bem imóvel, ou cedência de uma parcela de terreno, ou de alguma área de um bem imóvel, configura juridicamente uma doação, e as doações de bens imóveis, estão sujeitas a requisitos de forma, conforme o nº 1 do artigo 847º do Código Civil, que estipula que a doação de coisas imóveis só é valida se for celebrada por escritura pública, ou actualmente, também através de documento equivalente, nomeadamente, documento particular autenticado.
11ª- Assim, a cedência gratuita, sempre seria nula por inobservância de forma legal, a ex vi dos disposto no nº 1 do Artigo 847º e Artigo 220º, ambos do Código Civil, pelo que se impunha ao Tribunal “a quo”, que declara-se a nulidade da doação por vicio de forma, daí retirando todas as necessárias consequências.
12ª- Face à exigência de escritura pública ou documento particular autenticado, imposta para a doação de bens imóveis, como formalidade ad substantiam, está vedada a possibilidade de a sua prova ser efectuado por outro meio, designadamente por depoimentos testemunhais, e declarações de parte.
13ª- Pelo que salvo o devido respeito, a falta de escritura pública ou documento particular, constitutivos da doação de bem imóvel, obsta à validação do negócio jurídico, ou seja, impede que se produzam os efeitos inerentes ao mesmo, como se fosse válido.
14ª-Ao assim, decidir o Tribunal “a quo”, violou a disposto no nº 1 do Artigo 364º e o nº 1 do Artigo 393º do Código Civil.
15ª- Face ao supra exposto, e a resposta dada aos pontos 3.1, 3.2., 3.3, 3.4, 3.5, 3.6, 3.7, 3.8, e 3.9, o Tribunal “a quo”, devia ter considerado procedente os pedidos formulados pelos AA./Recorrentes sob as alíneas a) e b) do pedido.
16ª- Relativamente, aos pedidos formulados pelos AA./Recorrentes sob as alíneas c) e d), face à resposta dada ao ponto 3.15, dos factos provados, sempre deveriam os RR./Recorridos ser condenados a restituir a área que de 10.20 m2, e serem condenados a construir o nove muro com a mesma altura e materiais, respeitando os limites e configuração do prédio dos AA./Recorrentes.
17ª- A abertura dos buracos, a construção da caixa, e a colocação dos tubos, ficaram a dever-se a mão humana.
18ª- A própria construção da moradia unifamiliar e respectivo logradouro cimentado, e impermeabilizado tornaram diferente o caudal, aumentando-o, e a sua condução para o prédio dos AA./Recorrentes, causa-lhes necessariamente, malefícios que nunca causaria a chuva que cai naturalmente, resultaram da intervenção humana.
19ª-Havendo intervenção humana, não podem os Autores/Recorrentes ser obrigados a receber as águas, ao abrigo do n.º 2 do citado art.º 1351º, uma vez que estes não são obrigados a receber todas as águas, pluviais conduzidas para o seu prédio, provenientes do prédios dos RR./Recorridos, pelo que podem exigir destes a destruição das obras tendentes a alterar o curso normal das águas e a realização das obras adequadas a evitar o escoamento ilícito
20ª- De acordo com o supra exposto o Tribunal “a quo”, devia condenar os RR./Recorridos, a absterem-se de conduzir todas e quaisquer águas do seu prédio para o prédio dos AA./Recorrentes, de acordo com o pedido formulado por estes sob a alínea e).
21ª- O tribunal “a quo”, condenou os AA./Recorrentes a titulo de indemnização por danos não patrimoniais, na quantia de 1500,00 €, em relação a cada um.
22ª-Não respeitou o Tribunal “a quo” princípio da equidade, (Artigo 494º do Código Civil) pois nem sequer levou em consideração as possibilidades económicas do AA./ Recorrentes e as suas condições de vida, e que estes não tiraram qualquer lucro ou proveito, ou vantagem antes pelo contrário só tiveram prejuízos, pois eles é que foram privados de uma parcela de terreno da sua propriedade, assim como viram a sua propriedade devassada, sendo também por demais evidente a falta de fundamentação.
23ª- Ora, nos termos do Artigo 496º do Código Civil, são indemnizáveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, e nessa conformidade, os simples incómodos não justificam a indemnização por danos não patrimoniais.
24ª- Neste domínio, é parca a factualidade provada, dela não resultando a gravidade necessária que a coloque ao abrigo da tutela do direito, pelo que se entende ser justo equitativo, não haver lugar a indemnização a título de danos não patrimoniais.
25ª- A existir condenação dos AA./Recorrentes, é um caso notório de abuso de direito, o que se deixa aqui invocado para os devidos e legais efeitos.
26ª- Os RR./Recorridos, formulam no final do articulado de contestação /reconvenção pedidos a título principal, A) B) C) D) e pedidos a título subsidiário sob a alíneas E) e seguintes.
27ª- O Tribunal “a quo” não conheceu do pedido formulado a titulo principal, sob a alínea B), ou seja, não se debruçou sob o pedido reconvencional de acessão imobiliária industrial.
28ª-E para além disso o Tribunal “a quo”, também de forma deliberada, não conheceu a apreciação do pedido reconvencional de reconhecimento de uma servidão legal de águas, deduzido sob a alínea E)
29ª-Serve isto para dizer que a sentença recorrida omitiu o conhecimento de questões de que lhe competia conhecer, o que salvo o devido respeito, gera nulidade, o que aqui se deixa expressamente, alegado.
30ª- Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
31ª- Ora, na douta sentença o Tribunal “a quo”, não se pronunciou quer quanto as questões, constantes do pedido formulado sob a alíneas B) e D) do Articulado de Contestação/Reconvenção, pelo que se pode concluir que a decisão recorrida enferma de nulidade por omissão.
32ª- Lamentavelmente, o Tribunal “a quo”, condenou os AA./Recorrentes como litigantes, de má-fé, fixando a respectiva multa em cinco ucs, para cada um.
33ª- Salvo o devido respeito, dos autos, não resulta que os AA./Recorrentes, tenham violado os deveres de boa-fé processual, pelo menos, de forma gravemente negligente.
34ª- O que os AA./Recorrentes alegaram em sede de petição inicial e réplica, foi dar a sua versão dos factos, uma vez que como estes confirmaram no seu depoimento, nunca cederam aos RR./Recorridos qualquer parcela de terreno, seja, em 2006, seja em qualquer outra data.
35ª-Em tudo o supra exposto, não se vê que na litigância em sede de articulados e audiência de discussão e julgamento, tenham os AA./Recorrentes de alguma forma violado os referidos deveres que estão na base da condenação como litigante de má-fé, pois não se mostra que aqueles tenham violado os citados deveres processuais como integradores deste instituto, pelo menos da forma grave que a lei exige.
36ª- Tal conclusão resulta desde logo da circunstância de, como se refere na decisão recorrida, terem resultado provados factos contrários ou em oposição directa com os factos alegados pelos AA/Recorrentes, e é certo que a falta de prova de um facto não importa, de per si, a comprovação do facto contrário.
37ª- A circunstância de se dar como provada uma versão factual contrária à alegada pela parte não é suficiente para fundar a condenação desta como litigante de má-fé, muito menos poderá fundar tal condenação a circunstância da parte (apesar de não ter ficado demonstrada a inveracidade do facto por si alegado – e por isso indemonstrada a sua falta de probidade, de boa fé e de cooperação, de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça) não ter carreado ao processo provas destinadas a demonstrar a realidade da matéria alegada.
38ª-Acolher o argumento aduzido pelos RR/ Recorridos significaria violar, de forma intolerável, a garantia do amplo acesso aos tribunais, ao direito de acção e de defesa, próprias de um Estado de Direito.
39ª-Acresce que dos presentes autos, não resulta nenhuma alegação ou prova dos factos constitutivos desse direito, nomeadamente que a conduta do AA/Recorrentes fosse ilícita (traduzida numa litigância censurável), e tivesse dado origem a despesas acrescidas, nomeadamente com pagamento acrescido de taxas de justiça, mais articulados, mais tempo na fase instrução do processo, necessidade de recurso a outro meios de prova, mais tempo do processo, etc. etc.
40ª- A demais, era sob ao RR./Recorridos que impendia o ónus de alegar e provar os factos constitutivos desse seu direito, até a prolação da sentença, o que também não foi feito.
41ª-Pelo que na ausência total de elementos fornecidos pelo RR/Recorridos, até à prolação da sentença pelo Tribunal “a quo”, tendente a permitir a fixação da indemnização pelo valor das despesas ou prejuízos sofridos em decorrência directa ou indirecta dessa litigância, não deverá ser fixada qualquer indemnização a esse título.
42ª- Do supra exposto, resulta poder concluir-se pela inexistência de má-fé, por parte dos AA/Recorrentes.
43ª- Sem prescindir, e se assim, senão entender, sempre deverá a mesma ser reduzida ao mínimo legal.
44ª- Decidindo, como decidiu, a douta sentença recorrida fez errada apreciação da prova e violou, designadamente, o disposto nos arts. 204º, 220º, 286º, 334º, 342º, 364º, nº 1, 393º, nº1, 496º, 847º nº 1, 1351º, 1561º nº1, 1563º nº 4 do Código Civil e assim como o disposto nos Artigos, 542º, 608º nº 2, 615º 1 b) e d), e 662º do C.P.C.

Pelo que, a sentença deverá ser revogada, por douto acórdão em conformidade com o supra exposto, considerando a tudo com acção procedente e a reconvenção improcedente, tudo com as legais consequências.
ASSIM DECIDINDO FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.”.

Os réus contrapuseram-se-lhes, dizendo, apenas, que aderem e subscrevem os fundamentos da sentença recorrida e que ela deve ser confirmada porque “os Recorrentes distorcem a seu bel-prazer a prova testemunhal e apenas transcrevem pequenos extractos da mesma, desinseridos do contexto global de toda a matéria, quando bem sabem que lhes não assiste rezão alguma e fundamentam a sua acção em verdadeira mesquinhez, com intuitos persecutórios, de forma indevida e insustentada, como melhor o demonstra as fotografias juntas aos autos e demais elementos de prova nele incorporados”.

Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, desprezando as infundamentadas e inconsequentes alusões feitas, ao longo da sua peça recursiva, pelos inconformados apelantes, a “tremendo erro judiciário”, apreciação “de forma arbitrária”, com “violação do princípio da isenção e imparcialidade do julgador” e à falta de “uma análise mais descomprometida e isenta”, mas procurando identificar, nas múltiplas conclusões que apresentaram, interpretadas à luz das prolixas e pouco metódicas alegações, as verdadeiras questões que pretendem ver reapreciadas por este Tribunal e ordená-las logicamente, resulta que, se bem as percebemos e captámos, consistem elas em saber:

a) Se, por não ter conhecido dos pedidos (principal) da alínea B) e (subsidiário) da alínea E) da reconvenção, relativos à acessão industrial imobiliária e servidão legal de águas (embora, dizem, legalmente impossível de constituir), respectivamente, a sentença é nula, nos termos da alínea d), do nº 1, do artº 615º, CPC.
b) Se a decisão da matéria de facto está errada e deve ser modificada, em sentido oposto, relativamente aos pontos provados 3.13, 3.15 e 3.18 e às alíneas não provadas c) e d).
c) Se a pelos réus alegada doação da parcela em causa tem de ser formalizada e só pode ser provada por meio de escritura pública ou documento particular autenticado (não por outros meios – artºs 364º e 393º, CC) e, em todo o caso, sendo tal negócio formalmente nulo, se a nulidade devia ter sido oficiosamente conhecida.
d) Se deve alterar-se a sentença e julgar-se procedente a acção quanto aos pedidos das alíneas a) e b).
e) Se, mesmo mantendo-se o ponto 3.15 como provado, sempre deveriam os réus ser condenados a restituir a área de 10,20m2 e a construir novo muro (pedidos das alíneas c) e d).
f) Se, quanto à alínea e), do pedido formulado pelos autores, devem os réus ser condenados a abster-se de conduzir as águas do seu prédio para o dos autores (por não se tratar de escoamento natural mas de obra humana: buracos, caixa, tubos e impermeabilização).
g) Se a condenação dos autores no pagamento aos réus de indemnização, no valor de 1.500,00€ cada, por danos morais, não tem fundamentação fáctica bastante, nem preenche os pressupostos legais e enferma de abuso de direito, não respeita os critérios legais, nomeadamente o da gravidade e equidade (artºs 494º e 496º, CC) e nunca deveria ser superior a 500,00€ por cada autor.
h) Se inexiste litigância de má-fé ou se, pelo menos, “deverá a mesma ser reduzida ao mínimo legal”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido, nesta sede, decidiu considerar relevantes e julgar como provados os seguintes factos:

3.1. Os AA. são donos e legítimos proprietários com exclusão de outrém, do seguinte imóvel: Prédio urbano, sito na Rua ...., freguesia de Santa Marta de Portuzelo, concelho de Viana do Castelo, composto de moradia unifamiliar, composta de cave, rés-do-chão e logradouro, com a área total de 2.112,93 m2, área coberta de 247,00 m2 o qual confronta de norte com José, sul com J. S., nascente com Rua .... e do poente com Rua P., actualmente inscrita na respectiva matriz sob o artigo 2611º. e se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ... da freguesia de Santa Marta de Portuzelo.---
3.2. O referido imóvel veio à sua posse, dos AA., através de escritura pública de compra e venda, celebrada no dia 10 de Agosto de 2000, no Cartório Notarial e aí exarada de fls.31 verso a fls. 32 do Livro 73-E.---
3.3. Os AA. compraram a A. A. e mulher M. R., o prédio rústico sito em …, freguesia de …, concelho de Viana do Castelo, composto terreno de cultura e vinha, com a área de 2.176,59 m2, a confrontar do norte com José, Sul com J. S., nascente com Caminho Público (Rua ....) e do poente com Caminho Público (Rua P.) inscrito na respectiva sob o artigo 807º o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o número 452.---
3.4. A predita aquisição favor dos AA. encontra-se inscrita no registo predial através da inscrição Ap. 40 de 2000/09/11.---
3.5. Desde o ano de 2000, os AA. entraram na posse, uso e fruição do referido prédio, com o firme propósito de nele procederem à edificação da sua moradia unifamilar, pelo que para o efeito contrataram os serviços de arquitecto, que lhes elaborou o projecto de arquitectura e das respectivas especialidades., projecto esse que foi submetido a apreciação pela Câmara Municipal, o qual veio a ser aprovado no ano de 2010 e para o qual foi emitido, em 30/12/2010, o alvará de licenciamento de edificação nº 496/10.---
3.6. Nessa sequência foi participado o prédio como parcela de terreno para construção urbana, a que foi pela Autoridade Tributária e Aduaneira, atribuído o artigo 2546º urbano da freguesia de Santa Marta de Portuzelo.---
3.7. De seguida, os AA.. iniciaram a construção da sua moradia unifamiliar, e foram em simultâneo, cultivando, agricultando e zelando a parte rústica.---
3.8. Após a conclusão das obras de construção, foi a casa, participada a na Repartição de Finanças, em 12 de Setembro de 2012, passando deste então a ter os seguintes elementos de identificação: Prédio urbano, sito na Rua ...., freguesia de …, concelho de Viana do Castelo, composto de moradia unifamiliar, composta de cave, rés-do-chão e logradouro, com a área total de 2.112,93 m2, área coberta de 247,00 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2611º e se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ... da freguesia de Santa Marta de Portuzelo.---
3.9. Por si e seus antecessores, estão os AA. na posse do mencionado imóvel que detém materialmente há mais de 5, 10, 15, 20, 30, 35 e mais anos, nele habitando, zelando-o, tratando-o e cultivando a área descoberta, e de um modo geral retirando todas as suas utilidades que este é susceptível de produzir e proporcionar, e suportando as respectivas contribuições e encargos, procedendo à sua conservação, limpando-o e agricultando a área descoberta, cortando as silvas e deitando herbicida na vegetação infestante, plantando árvores de fruto, semeando e colhendo frutos e legumes, praticando todos esses actos, sem qualquer interrupção temporal, à vista, com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, na intenção de exercerem todos os poderes correspondentes e inerentes ao direito de propriedade.---
3.10. Por sua vez os RR. são titulares do prédio urbano sito na Rua P., freguesia de …, concelho de Viana do Castelo, composto de moradia unifamiliar, composta de rés-do-chão e logradouro, a confrontar de norte com Rosa, sul com Eduardo, nascente com Caminho e do poente com A. P., actualmente inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2568º P e se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número .....---
3.11. O prédio dos AA. supra identificado confina com o prédio dos RR. descrito em 3.10. pelo seu lado norte.---
3.12. Entretanto, os prédios em sujeito eram delimitados por um muro divisório, em toda a sua extensão, construído em parte por blocos e outra parte em tijolos, e na parte superior por uma rede, muro divisório esse que atento o sentido nascente/poente, iniciava a nascente (Rua ....) e vinha alinhado e a direito numa extensão aproximada de 58 metros lineares de cumprimento, até muito próximo da moradia dos RR., após o que fazia ai um recorte/dente ou angulo com noventa graus, no sentido sul, com cerca de 2,5 metros de cumprimento, e depois desenvolvia-se de forma enviesada até a extrema poente, ou seja, a actual Rua P., numa extensão aproximada de 25,70 metros.---
3.13. Em Julho de 2006, os RR. solicitaram aos AA. que lhes cedessem a parcela de terreno que fazia o ângulo recto junto à sua casa, com vista a endireitar o muro ali existente, no que estes consentiram, de forma gratuita.---
3.14. Nesse mesmo mês os RR. procederam ao derrube da parede de tijolo que constituía o tal ângulo e dando continuidade ao muro existente de forma mais alinhada, ainda que ligeiramente curvo, através de uma parede em blocos de cimento, rebocada a cimento.-
3.15. Nestes termos, a parcela cedida configura um triângulo rectângulo, cujo cateto maior tem uma extensão de 10,20m e o menor de 2,00m, correspondendo a respectiva área a 10,20m2, com um valor, à data, de € 312,53 e, actualmente, de € 350,03.---
3.16. Por sua vez, as obras executadas pelos RR. na parcela em questão, consubstanciadas na demolição do muro existente, construção de um novo muro e respectiva fundação, revestimento numa das faces, pintura da mesma, rede de vedação e prumos de apoio, aterro e pavimentação da superfície, consubstanciaram um custo, à data, de calculado em € 515,68 e, actualmente, estimando em € 577,56.---
3.17. Dada a existência de um ligeiro declive, no sentido Norte – Sul, entre os terrenos agrícolas aí existentes, o prédio dos ora Réus recebia, como sempre recebeu, as águas pluviais que provinham, como provêm, dos terrenos a Norte do seu prédio, as quais, por sua vez, chegadas a este, corriam em direcção a Sul, para o terreno que ficava ligeiramente com inclinação mais baixa que o seu prédio, ou seja, dirigiam-se para o prédio que agora é dos Autores.---
3.18. Quando, há mais de 30 anos, os Réus construíram o muro divisório entre o seu terreno e o terreno que agora é dos Autores, colocaram nele, na sua base, 2 tubos em plástico, ao nível do solo, os quais desembocam numa caixa por aqueles igualmente construída, situada junto ao muro de separação do respectivo prédio com o que actualmente pertence aos Autores, tudo com vista a permitir o aludido curso da água, sem aumentar ou diminuir a intensidade da passagem dessa água.--- [2]
3.19. Quando os Autores/Reconvindos, entre Novembro de 2010 e Janeiro de 2011, deram início à construção da sua casa, mais concretamente quando procederam ao desaterro do terreno onde ia ser implantada, como foi, a garagem da sua casa, fizeram-no junto à linha divisória do seu terreno, do terreno dos ora Réus/Reconvintes, tendo provocado o derrube da rede e dos ferros que a suportavam.---
3.20. Os Autores/Reconvindos, por força da construção do muro da respectiva propriedade, impedem a passagem da água que, de forma natural, corre nos termos descritos em 3.17.---
3.21. Os Réus/Reconvintes manifestaram aos Autores/Reconvindos o seu desagrado pelo sucedido.---
3.22. O descrito comportamento dos Autores/Reconvindos tem causado profundo desgosto, incómodos, angústia e stress aos Réus/Reconvintes.”

Decidiu, ainda, o tribunal a quo julgar não provados os seguintes pontos de facto:

a) No ano de 2010, os RR. deitaram parte do muro divisório abaixo, do lado norte do prédio dos AA., numa extensão de 16,00m por 2,50m, apropriando-se de uma faixa de terreno pertencente ao prédio dos AA.com a área não inferior a 23m2, tudo sem o conhecimento ou consentimento destes últimos.---
b) Os RR. foram notificados pelos AA., para reporem o seu muro dentro dos limites da sua propriedade, o que não diligenciaram.---
c) No inverno de 2014/2015, os RR efectuaram no muro divisório do lado norte do respectivo prédio com o dos AA. diversos buracos, por forma a que a água que provinha do primeiro, em vez de seguir para a via pública (Ruas … ou da Paz), passasse a ir directamente para o prédio dos AA..---
d) Os RR. procederam ainda à impermeabilização do seu prédio.---
e) Toda a actuação dos RR. tem causado, e causará para o futuro, aos AA. prejuízos económicos, designadamente associados à perda de qualidade de vida, bem como à sua saúde, equilíbrio emocional, bem-estar, repouso e sossego.---
f) Ao executarem a cave do seu prédio, os AA. Reconvindos apoderaram-se de cerca de 0.15m de terreno por 30m de comprimento, executando as fundações do muro dentro da parcela dos RR, visível nas fotos anexas, uma vez que, nessa extensão, os esteios dos RR foram removidos, tendo-se apoderado de tal parcela.---
g) Entre os esteios que separava o prédio dos AA e o dos RR, existia uma distância de 30cm, sendo 15cm de cada um dos lados, de que os AA se apoderaram indevidamente.-

Apelidando-a de análise crítica da prova, para decidir como decidiu o tribunal expendeu a seguinte motivação:

“O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como provada e não provada, no teor conjugado dos documentos juntos a fls. 12vº, 17 e 18 (cadernetas prediais), 13-14 e 18/18vº (certidões prediais), 14vº-16 (escritura pública), 16vº (autorização de utilização), 21-22 (projecto de arquitectura), 22vº-24 (declarações de IMI), 24vº-25vº, 46vº-56, 72-75vº e 196-207 (fotografias), do relatório pericial e subsequentes esclarecimentos, quer por escrito que em sede de audiência final, prestados pelo respectivo subscritor, da inspecção judicial levada a cabo, bem como das declarações e depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento.---
Desde logo, pelo resultado da perícia efectuada resulta clara a área da parcela em discussão nos autos, bem como os valores à mesma respeitantes, em nada contribuindo para a colocar em questão o resultado da inspecção judicial entretanto levada a cabo nos autos.---
Por sua vez, ouvidos em depoimento/declarações quer o réu/reconvinte marido quer ambos os autores resultou por todos terem sido infirmadas as alegações constantes dos respectivos articulados.---

Sucede porém, que a versão dos factos trazida a juízo pelos réus veio a ser, na nossa opinião, confirmada pelo teor da prova testemunhal produzida, em particular das declarações prestadas pelas testemunhas arroladas pelos réus/reconvintes – designadamente V. B. e M. M. (irmãs do réu marido), Joaquim (cunhado dos réus), Ana e Carla (filhas dos réus), J. A. e P. S. – as quais se demonstraram claras e objectivas, consonantes entre si, demonstrando todos dos factos terem conhecimento directo e, por isso, merecendo um correspondente juízo de credibilidade por parte do tribunal.---
Na verdade, por um lado, ficou confirmada a realização da obra no muro no ano de 2006, após para tal terem os réus obtido a devida autorização dos autores, resultando igualmente claro que, após, por questões referentes ao posterior decurso das obras de construção da casa dos autores, estes e os réus se desentenderam, o que terá motivado a interposição dos presentes autos. Por outro lado, resultou igualmente provada a existência de um escoamento natural de águas, independente de qualquer intervenção humana, e sem prejuízo de o mesmo se ter atenuado com o passar dos anos por forma da construção de muros a norte da propriedade dos réus, escoamento esse desde os prédios mais a norte, entre os quais o dos réus, até ao rio, a sul da propriedade dos autores. Mais provados resultaram os danos causados aos réus/reconvintes pela conduta dos autores/reconvindos.---
De contrário, a prova testemunhal produzida do lado dos autores não chegou para convencer o tribunal da veracidade da versão trazida a juízo por aqueles, nem sequer para abalar a convicção atribuída à prova pelos mesmos produzida.---
De facto, não resulta provado que a obra levada a cabo no muro tenha sido feita apenas em 2011, como o defendem os autores. Por outra via, não se coaduna com uma alegada posse contínua e permanente, nos termos defendidos pelos autores, que os mesmos não se tenham apercebido antes da concretização da obra que, alegadamente, não autorizaram e que consideram abusiva. Ainda, não resulta apurado qua qualquer obra dos réus tenham alterado o curso das águas pluviais no local em sujeito, designadamente encaminhando-as para o prédio dos autores.---
A demais factualidade não apurada resulta da falta de prova ou de prova suficiente quanto à respectiva realidade.”.

IV. APRECIAÇÃO

A) Quanto à validade da sentença

Nos termos da invocada alínea d), do nº 1, do artº 615º, do CPC, a sentença é sancionada com nulidade quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

Preceitua-se no artº 608º, nº 2, o âmbito das questões a resolver pelo juiz: todas as que as partes tenham submetido à sua apreciação ou cujo conhecimento oficioso a lei imponha.

Exceptuam-se, porém, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

O conceito de questões e de nulidade está abundantemente tratado e sedimentado na Doutrina e na Jurisprudência.

Veja-se, sobre isso, a título de exemplo, o Acórdão do STJ, de 20-11-2014 (3):

I - É jurisprudência consensual dos tribunais portugueses que importa não confundir questões (cuja omissão de pronúncia desencadeia nulidade da decisão nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 615º do actual CPC) com argumentos, razões ou motivos que são aduzidos pelas partes em defesa ou reforço das suas posições. II - Esta é também a lição da generalidade da doutrina, como ensinou, além do eminente processualista que foi Alberto dos Reis, também Antunes Varela, de cuja lição permitimo-nos transcrever a seguinte passagem: «Não pode confundir-se de modo nenhum, na boa interpretação da alínea d) do artº 668º do CPC, as questões que são colocadas que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto e de direito), os argumentos e pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão» (A. Varela, Rev. Leg. Jur., ano 122º, pg. 112). III - De igual sorte, esta também é a orientação consensual da nossa jurisprudência, como se pode ver, inter alia, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 27- 03-2014 (Pº 555/2002.E2.S1, disponível em www.dgsi.pt) assim sumariado na parte que ora interessa: «Para efeitos de nulidade de sentença/acórdão há que não confundir «questões» com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes nos seus articulados, e aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada». IV - Com efeito, as nulidades não são, em regra, vícios que inquinem a generalidade das decisões judiciais nem correspondem, em regra, ao que as partes, com muito maior frequência do que seria de desejar, consideram como tal, pois o legislador português foi deveras cauteloso em não fulminar com nulidade toda e qualquer omissão ou insuficiência da decisão que a parte entenda haver ou possa mesmo ter ocorrido, aliás em consonância com a orientação perfilhada por vários ordenamentos jurídicos tendo, como trave mestra, o vetusto princípio francês «pas de nulité sans texte». Elas estão devidamente fixadas em «numerus clausus» na lei, presentemente no artº 615º no NCPC/2013. V - Por outro lado, de há muito que a nossa jurisprudência, designadamente a deste Supremo Tribunal, tem densificado o conceito de todas as nulidades legalmente previstas, sendo incontestável que em matéria de sentenças/acórdãos a lei teve o cuidado de criar um regime tipológico ou taxativo (numerus clausus) que é o consagrado no actual 615º no NCPC/2013 (artº 668º do CPC revogado).

Trata-se de vícios formais ou de procedimento, essencialmente caracterizados por desvios às regras dos artºs 607º a 609º, que não podem nem devem ser confundidos com erros de julgamento, seja da matéria de facto seja da de direito, nem instrumentalizados para enfatizar o demérito da decisão.

Os apelantes (autores), não obstante, arguiram a nulidade com o pretenso fundamento de que a sentença não conheceu dos pedidos (principal) da alínea B) e (subsidiário) da alínea E) da reconvenção deduzida pelos apelados (réus), relativos à acessão industrial imobiliária e servidão legal de águas (cfr. conclusões 26ª a 31ª). (4)

De facto, naquele, depois de, na alínea A), se ter defendido que a acção deveria ser julgada improcedente e os autores condenados como litigantes de má-fé, pediram os apelados que:

caso assim se não entenda, deve a reconvenção deduzida ser julgada procedente, por provados os requisitos legais aplicáveis, o pedido reconvencional ora formulado de Acessão Imobiliária Industrial, nos seus precisos termos, com as legais consequências, isto é, que aos Réus Reconvintes seja reconhecido o direito de adquirirem por acessão imobiliária industrial a parcela de terreno em causa na presente acção, com a área de 9.50 m2, melhor identificada nos itens 11º e 12º supra, contra o pagamento da importância de 98,00 €uros a que se alude no item 81º, ou outra que o tribunal, em sede de avaliação ou prova, venha a determinar, em prazo a fixar-se na decisão a proferir-se, sendo os Autores Reconvindos condenados a reconhecer essa aquisição, com as legais consequências”.

Ao passo que neste, depois de, na alínea C), terem defendido a sujeição do prédio dos autores a receber as águas que naturalmente escoem do seu, pediram que:

caso não seja procedente o pedido formulado na alínea C), o que se não concebe, devem os AA. Reconvindos ser condenados a reconhecer a servidão legal de escoamento, no seu prédio, nos termos e circunstâncias peticionadas nos itens 113º a 128º supra e, em consequência, serem os AA. Reconvindos condenados a receber no seu prédio identificado no art.1º da PI as águas pluviais que derivam do prédio dos RR. Reconvintes, identificado no art.17º do mesmo articulado, por constituição da peticionada servidão legal de escoamento, nesse terreno, naquelas circunstâncias, face ao disposto na 2ª parte do n.º2 do art.1.351º do Código Civil e art.1.563º, n.º1, alínea b), do mesmo diploma”.

Ora, tendo a acção sido julgada totalmente improcedente, logo inverificada está a condição a que os apelados subordinaram o pedido reconvencional B) – aquisição da parcela com fundamento na acessão industrial imobiliária.

Com efeito, analisando-se a sentença, percebe-se que o tribunal a quo não só não deu como provados os factos em que os apelantes estribavam a pretensão de que a parcela disputada integra o seu prédio e lhes pertencia como, ao invés, julgou provado que a mesma foi cedida gratuitamente por eles aos apelados e, assim, que a integração da mesma no prédio destes foi consensual.

Daí que tenha, nessa parte, improcedido a acção.

Em consequência, a apreciação do pedido reconvencional B) ficou prejudicada.

Isso mesmo referiu o tribunal recorrido nos dois parágrafos (5) da sentença incidentes sobre a questão:

“Ora, a respeito de tal pretensão dos autores, resultou apurado – ao contrário do que os mesmos alegavam – que em Julho de 2006, os RR. solicitaram aos AA. que lhes cedessem a parcela de terreno que fazia o ângulo recto junto à sua casa, com vista a endireitar o muro ali existente, no que estes consentiram, de forma gratuita; e que nesse mesmo mês os RR. procederam ao derrube da parede de tijolo que constituía o tal ângulo e dando continuidade ao muro existente de forma mais alinhada, ainda que ligeiramente curvo, através de uma parede em blocos de cimento, rebocada a cimento.
Resulta, assim, evidente a improcedência das pretensões dos autores que a propósito foram feitas, desnecessário se tornando a apreciação do pedido reconvencional deduzido condicionalmente.”

É, pois, evidente que, ocorrendo a excepção prevista no nº 2, do artº 608º, não tinha o tribunal de apreciar e decidir o pedido de aquisição da parcela por acessão industrial imobiliária.

Logo, não tendo ocorrido omissão censurável de pronúncia, não se verifica a propalada nulidade.

De resto, nenhum interesse nem legitimidade têm os apelantes para a arguir, pois que não vencidos nem prejudicados.

Por sua vez, os apelados – que formularam o pedido – não reagiram, por óbvias razões.

Mesmo que, por efeito deste recurso, desaparecesse a notada prejudicialidade, se verificasse a condição de que aqueles fizeram depender a sua apreciação e, portanto, ressurgisse a necessidade de sobre ele recair pronúncia, a tal haveria de proceder-se, quiçá nos termos do nº 2, do artº 665º.

Tal seria uma consequência normal e regular. Nunca, o resultado de qualquer vício na sentença.

Situação idêntica ocorre quanto ao pedido reconvencional da alínea E).

Com efeito, ele contempla o pedido de reconhecimento de uma servidão legal de escoamento formulado para a hipótese de ser julgado improcedente o pedido C).

Tal hipótese não se verificou.

Na verdade, pelo contrário, este pedido foi julgado procedente – cfr. ponto ii) do dispositivo final da sentença.

Lê-se nos dois parágrafos (6) da sentença concernentes a esta questão:

“A propósito, resultou provado que dada a existência de um ligeiro declive, no sentido Norte – Sul, entre os terrenos agrícolas aí existentes, o prédio dos ora Réus recebia, como sempre recebeu, as águas pluviais que provinham, como provêm, dos terrenos a Norte do seu prédio, as quais, por sua vez, chegadas a este, corriam em direcção a Sul, para o terreno que ficava ligeiramente com inclinação mais baixa que o seu prédio, ou seja, dirigiam-se para o prédio que agora é dos Autores; bem como que quando, há mais de 30 anos, os Réus construíram o muro divisório entre o seu terreno e o terreno que agora é dos Autores, colocaram nele, na sua base, 2 tubos em plástico, ao nível do solo, os quais desembocam numa caixa por aqueles igualmente construída, situada junto ao muro de separação do respectivo prédio com o que actualmente pertence aos Autores, tudo com vista a permitir o aludido curso da água, sem aumentar ou diminuir a intensidade da passagem dessa água; e que quando os Autores/Reconvindos, entre Novembro de 2010 e Janeiro de 2011, deram início à construção da sua casa, mais concretamente quando procederam ao desaterro do terreno onde ia ser implantada, como foi, a garagem da sua casa, fizeram-no junto à linha divisória do seu terreno, do terreno dos ora Réus/Reconvintes, tendo provocado o derrube da rede e dos ferros que a suportavam. Provado ainda resultou que os Autores/Reconvindos, por força da construção do muro da respectiva propriedade, impedem a passagem da água que, de forma natural, corre nos termos descritos.---

Temos, desta feita, por provada a existência de um escoamento natural de águas, nos termos da previsão do artº 1351º do Cód. Civil, com a consequente improcedência do pedido dos autores e procedência do pedido reconvencional, em conformidade. Desnecessária se torna, entretanto, a apreciação do pedido reconvencional de reconhecimento de uma servidão legal de águas, deduzido subsidiariamente.”.

Logo, não havia que (nem tinha sentido) conhecer do pedido E).

Nem os apelantes, semelhantemente, têm legitimidade para tal questionar, uma vez que nenhum prejuízo daí lhes adveio.

De resto, quanto a tal pedido e quanto ao referido B), percutindo os apelantes na “omissão de pronúncia” não questionaram eles o aludido juízo de “desnecessidade” e, portanto, qualquer erro de interpretação e/ou aplicação da regra ou da excepção contida no nº 2, do falado artº 608º.

Improcede, pois, tal questão recursiva (conclusões 26ª a 31ª).

B) Matéria de Facto

Neste capítulo, pretendem os apelantes que se modifique, em sentido oposto, a decisão sobre os pontos provados 3.13, 3.15 e 3.18 e sobre as alíneas não provadas c) e d).

Refere-se nestes:

“3.13. Em Julho de 2006, os RR. solicitaram aos AA. que lhes cedessem a parcela de terreno que fazia o ângulo recto junto à sua casa, com vista a endireitar o muro ali existente, no que estes consentiram, de forma gratuita.
3.15. Nestes termos, a parcela cedida configura um triângulo rectângulo, cujo cateto maior tem uma extensão de 10,20m e o menor de 2,00m, correspondendo a respectiva área a 10,20m2, com um valor, à data, de € 312,53 e, actualmente, de € 350,03.
3.18. Quando, há mais de 30 anos, os Réus construíram o muro divisório entre o seu terreno e o terreno que agora é dos Autores, colocaram nele, na sua base, 2 tubos em plástico, ao nível do solo, os quais desembocam numa caixa por aqueles igualmente construída, situada junto ao muro de separação do respectivo prédio com o que actualmente pertence aos Autores, tudo com vista a permitir o aludido curso da água, sem aumentar ou diminuir a intensidade da passagem dessa água
c) No inverno de 2014/2015, os RR efectuaram no muro divisório do lado norte do respectivo prédio com o dos AA. diversos buracos, por forma a que a água que provinha do primeiro, em vez de seguir para a via pública (Ruas … ou da Paz), passasse a ir directamente para o prédio dos AA..---
d) Os RR. procederam ainda à impermeabilização do seu prédio.”

Comecemos, por esclarecer alguns aspectos relacionados.

A dado passo das alegações, os apelantes, a propósito de tais pontos, referem:

“Não fez o tribunal a quo qualquer referência, nem curou de demonstrar, ainda que sumariamente, em que argumentos e circunstâncias é que efectivamente fundou tal decisão, o que desde logo configura causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto no artº 615º, nº 1, alínea b), do CPC e que expressamente se invoca”.

Parece, assim, terem avistado na sentença o vício de falta de fundamentação da decisão de facto.

Em primeiro lugar, a questão não foi levada à síntese conclusiva apresentada. Logo, nem das questões que nos compete resolver faz parte.

Apesar disso, sempre se diga, em segundo lugar, que, olhando à motivação supra transcrita, dela resulta evidente que a observação não corresponde à verdade. Se não profunda nem exaustiva, a decisão está fundamentada, quiçá por referência a todos os meios de prova produzidos e ao resultado deles na formação da convicção. A falta de fundamentação nada tem a ver com o seu mérito e bondade.

E, em terceiro lugar, que jamais tal vício, a existir, integra o de nulidade previsto na alínea b), do nº 1, do artº 615º, do CPC. A falta de fundamentação nesta norma aludida contempla a não especificação de fundamentos de facto e de direito. Isso não se confunde conceitualmente. Nem em termos de regime. À falta de fundamentação devida da decisão da matéria de facto refere-se a alínea d), do nº 2, do artº 662º. Esta não dá lugar a nulidade mas, apenas, à baixa do processo para o efeito. (7)

Inconsequente, pois, nesta perspectiva, tal alusão.

A certa altura também das alegações, enfatizam os apelantes que “são manifestas as contradições entre os depoimentos prestados pelas referidas testemunhas e as declarações dos AA./Recorrentes, não se compreendendo, por isso como pode o Tribunal a quo formar a sua convicção”.

Ora, fique claro, por um lado, que eventuais contradições de tal espécie não integram qualquer vício da sentença, seja ao nível da decisão de facto seja da de direito. E, por outro, assinale-se que tal constatação em nada afecta a percepção do juízo empreendido pelo tribunal recorrido nem a sua correcção. Pelo contrário: não se tendo ele convencido da versão declarada pelos apelantes e baseando-se, para tal, na relatada pelas testemunhas, ou seja, na dos réus, é natural, lógico e compreensível que ambas sejam contraditórias.

Fique também consignado que não foi levada à síntese conclusiva e, por isso, não faz parte do objecto do recurso que nos compete apreciar a alegação de que “O tribunal a quo apreciou a prova de forma arbitrária, violando o direito a um processo equitativo, previsto no artº 6º, nº 1,da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 20º da CRP, quando determinou, sem sustentação legal e/ou factual” (sic).

De todo o modo, note-se que a sentença está legal e factualmente fundamentada e da “forma arbitrária” como a prova teria sido apreciada, para além do desencanto dos apelantes com o seu resultado, não apresentam eles o menor resquício demonstrativo. De resto, olhando-se a todo o processo, a toda a prova produzida e às decisões nele tomadas, sossegadamente se conclui que os invocados princípios convencional e constitucional, tal como devem ser e são geralmente entendidos, não foram beliscados.

Questão que, antes de entramos na apreciação da impugnação da matéria de facto, importa previamente resolver, isso sim, por respeitar aos meios de prova admissíveis, é a de saber se a pelos réus alegada doação da parcela em causa tem de ser formalizada e só pode ser provada por meio de escritura pública ou documento particular autenticado (não por outros meios – artºs 364º e 393º, CC) e, em todo o caso, sendo tal negócio formalmente nulo, se a nulidade devia ter sido oficiosamente conhecida.

Na verdade, tendo os apelantes alegado – recorde-se o relato inicial – que os apelados se apropriaram, ao deslocar o muro e eliminar o “bico” ou “dente” que, junto da casa destes, a estrema entre os dois prédios configurava, de uma parcela de terreno com a área de 23m2, contrapuseram tais réus que, sendo essa a configuração mas apenas de 9,5m2 a área em causa, tal sucedeu a seu pedido, aceite gratuitamente pelos autores concordantes e que foi nesse consenso que derrubaram e removeram o muro demarcatório antigo e construíram o novo mais à sua feição.

Assim se teria redefinido, realinhado ou acertado a estrema, naturalmente com a perda de uma pequena porção de terreno (que a peritagem viria afinal a apurar ser de 10,2m2 - ponto provado 15).

A alegada solicitação da cedência, a concordância sem qualquer contrapartida, a alteração da linha demarcatória mediante a reconstrução a direito do muro alguns metros quadrados dentro do terreno componente do prédio dos apelantes e a consequente integração da correspondente faixa no prédio dos apelados não integra um contrato de doação, tal como tipificado no artº 940º, do CC.

Não se trata de disposição da coisa – de coisa, no sentido dos artºs 202º e 204º - pertencente àqueles a favor dos apelados. Não se transmitiu para estes qualquer direito sobre ela, muito menos o de propriedade, como pressupõe o artº 954º.

Logo, não é aplicável a tal acordo o disposto no artº 947º, nº 1.

E que fosse, seria abusiva, nos termos do artº 334º, a sua invocação nestas e em circunstâncias congéneres, em que avulta o consenso duradouro sobre a nova situação e a conformação da conduta das partes em torno dele e em que a motivação real para aquela se prende, não com a parcela, mas com a desavença entre as partes por outras questões supervenientes.

Nem qualquer outra exigência de forma ad substantiam ou ad probationem resulta da lei.

É esta a orientação jurisprudencial dominante que, por acertada, aqui se acolhe.

Assim, vejam-se:

-Acórdão da Relação de Guimarães, de 05-02-2015 (8):

“Com efeito, a demarcação dos prédios pode ser efectuada extrajudicialmente e não carece de ser celebrada por escritura pública (vide Ac. do TRL de 13-07-2010, proc. 504/06.1TBMFR.L1-1 in dgsi.pt). Não é um meio de aquisição do direito de propriedade, que já se mostrava adquirido, mas tão só de rectificação de estremas, ainda que tal envolva a cedência de áreas entre os proprietários confinantes, situação que aliás é excepcionada da proibição geral de fraccionamento [al. c) do artº 1377º do CC]. E é excepcionada precisamente porque não importa a constituição de um novo prédio, nem a alteração substancial do qualquer um deles. Ora, a redacção do artº 875º do CC e do artº 89º do Cod. do Notariado, ao tempo vigentes, refere-se a bens imóveis, tal como definidos no artº 204º do CC. Não se tendo autonomizado aquela pequena parcela de terreno enquanto um novo prédio rústico, sendo tão só um acerto entre prédios confinantes, para permitir um melhor acesso e a respectiva demarcação, é defensável que tal operação se possa validamente efectuar por documento particular.”

-Acórdão da Relação do Porto, de 26-05-2004 (9):

“III – Demonstrando as respostas à matéria de facto a existência de uma acordo de cedência de terrenos, nulo por falta de forma, mas também que se verificou uma situação de confiança, originada pelo contrato e nas relações de amizade e familiares que as partes mantinham, um investimento de confiança no que concerne a efectiva utilização dos tractos de terreno, reciprocamente cedidos, pelas partes, ao longo de cerca de onze anos, bem como a imputação aos AA. da confiança na estabilidade do factum proprium, já que eles AA. viram integrada no seu prédio a parcela cedida pelos RR., agem em abuso de direito os AA., ao proporem contra os RR. uma acção de reivindicação tendo por objecto a parcela que eles AA. cederam aos RR., enquanto tal acção deixa incólume o benefício obtido com o negócio nulo. IV – A paralização dos efeitos da nulidade do negócio leva a que se considere, pelo menos no contexto da presente acção, operante o efeito de transmissão da propriedade, efectuada a favor dos RR., ainda que afectada pelo vício da nulidade.”

-Acórdão da Relação de Coimbra, de 12/12/1999 (10):

“O acordo de rectificação de estremas, entre dois proprietários de prédios rústicos entre si confinantes, não carece de ser formalizado com escritura pública para ser válido. Rectificar - rectus facere - é tomar recto, dispor em linha recta, ou corrigir o que está mal. Este negócio jurídico não é oneroso- artº 939º - na medida em que não há venda, nem compra, nem troca de terrenos; cada proprietário continua a ter o prédio que tinha, sem alteração substancial da área nem da configuração do terreno, só que a linha delimitadora das estremas foi agora corrigida, pois que a anterior, em seu entender, não traduzia a verdadeira estrema dos prédios. Não significa isto que, o mais das vezes, não acabe por traduzir-se em aumento de um dos prédios e diminuição do outro; mas isso é uma consequência normal da operação material da rectificação, que não traduz alienação ou aquisição de terreno, na medida em que cada um dos proprietários apenas fica com aquilo que lhe pertence, mas que por erro de demarcação, estava incluído no terreno do outro.”

-Acórdão da Relação de Lisboa, de 13-07-2010 (11):

“1. A demarcação extrajudicial não é meio de aquisição da propriedade e como tal não está sujeito a escritura pública podendo tal acordo ser feito, até, verbalmente.”

Não ocorre, pois, nulidade de que haja de conhecer-se nem qualquer obstáculo probatório do tipo do artº 393º, nº 1, do CC., assim se afirmando o demérito das conclusões a tal propósito elaboradas (10ª a 14ª).

Posto isto, prossigamos quanto à impugnação (conclusões 1ª a 9ª).

Os pressupostos e os requisitos do recurso de decisão proferida sobre a matéria de facto, que pode conter vícios geradores de anulação (12) ou erros de julgamento (13), decorrem, em geral, dos artigos 637º, nº 2, e 639º, nº 1, e, em especial, dos artºs 640º e 662º, do CPC.

Vale a pena relembrá-los, uma vez que, apesar do muito que sobre a sua interpretação e aplicação tem sido dito na Doutrina e na Jurisprudência, continua a notar-se grande dificuldade ou até uma inexplicável resistência à sua diligente, metódica e rigorosa observância pelas partes.

Podem eles esquematizar-se assim:

-especificação ou individualização concreta dos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, não sendo admissíveis recursos genéricos de tal matéria (14);
-especificação, de entre os constantes do processo, nele registados ou gravados em áudio ou vídeo, dos concretos meios de prova que, na perspectiva dele, teriam imposto decisão diversa de cada um de tais pontos e fundamentam a sua alteração, afastando-se a invocação in globo de “todos os elementos de prova constantes dos autos” ou da “prova produzida”, seja mediante estas ou expressões similares, seja mediante o arrolamento indicativo de todos os meios disponíveis nos autos;
-no caso de serem invocados meios probatórios que tenham sido gravados, indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso, mediante perfeita identificação e localização, sem prejuízo embora da possibilidade de o recorrente proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes mas, neste caso, devendo cuidar de a fazer fielmente;
-especificação da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida (alínea c), do nº 1, do artº 640º).

Todos estes requisitos devem ser observados pontual e rigorosamente, por forma a evidenciar os pretensos erros, respectivos fundamentos e a possibilitar a apreciação destes e eventual correcção daqueles, sempre sem se esqueceram as contingências decorrentes dos princípios da oralidade e da imediação e da liberdade de apreciação da prova e de formação da convicção do julgador de 1ª instância.

Tanto assim que a violação daqueles apontados ónus, precisos e rigorosos, conduz, nos termos expressos e intencionais da norma, à rejeição imediata do recurso na parte afectada, não havendo sequer lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento da falha (15).

Assim o diz, por exemplo, o Consº Abrantes Geraldes (16): “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2ª instância. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.

Não chega, pois, uma simples, ainda que acutilante, manifestação de discordância ou de inconformismo em relação à decisão proferida, por mais clamorosa que seja, mesmo que formalmente acompanhada das especificações e indicações requeridas e rematada com o concreto pedido.

Com efeito, sendo difícil conceber, e por isso raros de encontrar, casos em que, nas circunstâncias concretas em que se produz e em função dos parâmetros legais com que se gera o juízo da 1ª Instância, daquelas indicações logo ressalte uma notória e ostensiva incorrecção deste, o recorrente, nas suas alegações, deve identificar e localizar com evidência, clareza e concisão, o erro de julgamento em que o tribunal laborou, ou a invalidade que cometeu – justificativos da pretensão recursiva e da visada modificação da decisão (17) – de modo a que o tribunal ad quem possa reapreciar, como é sua função, o percurso decisório trilhado (o juízo feito) pelo tribunal a quo, avaliar a razão do inconformismo manifestado e o mérito da alteração pretendida pelo recorrente e decidir sobre esta. (18)

No caso, foram indicados os pontos questionados. Bem assim, a decisão que, no entender dos recorrentes, deve sobre eles ser proferida.

Se, à mistura com alusões à generalidade da prova produzida, apontam eles alguns dos meios concretos que, na sua perspectiva, imporiam decisão diversa, apenas em relação a alguns dos gravados indicam salteadamente, por referência horária complementada com a transcrição nem sempre fiel dos respectivos passos, passagens em que pretensamente se baseiam.

Não correspondendo isso a um exímio cumprimento dos ónus a tal respeito previstos no artº 640º, cremos que tal também não significa a sua falta absoluta nem implica a inerente cominação de rejeição, relevando, isso sim, no mérito da impugnação em cujo conhecimento devemos, apesar disso, prosseguir.

Ora, os vários pontos de facto referidos acima como sendo objecto da impugnação concernem às duas principais vertentes em que se divide o objecto desta acção: uma, relativa à parcela; outra, ao escoamento das águas.

Relativamente à primeira, estando em causa a disputa sobre uma porção de terreno situada na confluência de dois prédios, que os autores dizem integrar o seu e ter sido ilicitamente integrada no dos réus e estes defendem ter-lhes sido consensualmente cedida e incorporada no que lhes pertence, importa precisar e concretizar a natureza e objecto da acção, de modo a, mais correcta e justamente, a perspectivarmos, maxime no que concerne ao modo de provar a pretensão de cada uma das partes em torno da dita faixa.

Ela, com efeito, e em bom rigor, não configura uma típica e normal acção de reivindicação tal como prevista no artº 1311º, do CC, e, a propósito de tal norma, a Doutrina e a Jurisprudência em geral se lhe referem. (19)

Desde logo, porque nenhuma das pretensões sobre a faixa de terreno manifestada por qualquer das partes se refere à restituição de uma coisa (condemnatio) enquanto efeito jurídico típico decorrente da reposição em pleno dos poderes inerentes ao direito de propriedade sobre ela, conforme pressuposto no artº 1311º, CC. (20)

Tal norma refere-se a coisa nos termos dos artºs 202º, 204º e 1302º. A parcela não é, nesse sentido, uma coisa conforme ao chamado princípio da coisificação característico dos direitos reais. (21)

No caso, as partes reconhecem e respeitam mutuamente a existência de cada um dos imóveis como individualizados ou especificados e a respectiva titularidade do domínio pleno sobre tais coisas.

Se bem que os autores formalizem o pedido de restituição de uma faixa de terreno com certa área de que teriam sido pelos réus desapropriados, essa parcela não constitui uma coisa nem é objecto de um jus in re.

Por isso, na perspectiva daqueles, o problema que a presente acção suscita não consiste na aquisição (por qualquer dos modos previstos no artº 1316º, CC) do direito de propriedade sobre a parcela, já que dele não pode ser objecto.

Por outro lado, a titularidade pelos apelantes de tal direito sobre o prédio, tal como comprovadamente descrito nos pontos 3.1 a 3.9, e a respectiva aquisição não estão questionados. O mesmo sucedendo quanto aos apelados no que concerne ao prédio de 3.10.

Questionável é se, do lado em que o prédio daqueles confina com o destes, sempre ele, como alegaram, teve a configuração e os limites retratados na planta que anexaram e para a qual remeteram, ou seja, com o desenho e medidas que referiram, e, portanto, se, tendo os réus eliminado o muro que nesses termos o delimitava e construído outro implantado mais dentro e orientado de modo diverso, assim anexaram ao seu terreno a área referida.

Ou se, diferentemente, tal sucedeu mediante acordo entre as partes.

O problema, tal como quando, em geral, se discute entre vizinhos confinantes a definição exacta da estrema e, consequentemente, a parcela de terreno que, em função da sua localização, resultará integrada no prédio de um ou no do outro, é mais de prova dos limites e extensão do que real.

Tal se entende apelando, não só ao princípio já referido mas também ao da especialidade ou da individualização dos direitos reais, segundo o qual é necessária a especificação das coisas – especificação jurídica não apenas física ou natural – para que nelas incida um autónomo ius in re. (22)

Não é possível, em princípio, a constituição de um autónomo jus in re sobre uma parte de um bem sem que se proceda à individualização, separação, especificação ou desconexão – em termos típicos juridicamente admissíveis –dessa parte. (23)

Logo, não tem sentido falar-se de reivindicação da propriedade de uma parcela de terreno nem, para tal, dos modos de aquisição do respectivo direito.

Enquanto não ocorrer um fenómeno juridicamente constitutivo da coisa como autónoma e/ou aquisitivo dela através do estabelecimento de uma relação real diversa modificativa da organização do domínio, a coisa permanece como objecto do direito existente, à mercê dos poderes que o mesmo faculta ao respectivo titular. (24)

Conquanto, pois, os autores tenham alegado que são titulares do direito de propriedade sobre o prédio, invocado que o adquiriram derivadamente por compra e venda, originariamente por usucapião e que tal direito se presume por o terem inscrito no registo predial, não é isso que está em causa – tal como o não é quanto ao prédio dos réus.

O que está em causa, para os autores, é a demonstração da alegada configuração e limites, bem como o seu reconhecimento e declaração, com as inerentes consequências.

À pronuntiatio característica da normal acção de reivindicação não interessa, pois, por sobre tal não haver litígio, o reconhecimento do direito de propriedade. Assim como à condemnatio não importa a restituição da coisa objecto daquele, uma vez que desta não há desapossamento.

Assim, o quid disputatum não se refere a uma coisa em relação à qual as partes invoquem um direito real total ou parcialmente incompatível, nem a toda a coisa enquanto objecto dele. Com efeito, é pacífico que cada uma das partes é titular de um direito autónomo e que cada um dos dois incide sobre prédio distinto.

Onde tais direitos não se compatibilizam e as respectivas coisas não se harmonizam física e juridicamente, deste modo surgindo uma peculiar e local desorganização do domínio, é quanto à precisa configuração, extensão e delimitação de cada um dos dois prédios. A disputa incide sobre a parcela que, em razão da divergência quanto aos limites e em função dos que, cada um dos litigantes defende, integrará o prédio de um ou do outro: os autores porque assim era configurada e estava delimitada por um muro; os réus, porque lhe teria sido voluntária e gratuitamente cedida a pretexto da correcção da forma da estrema.

Só nestas medida e dimensão fácticas se pode considerar estar em causa o prédio de uns e o prédio de outros e só, portanto, fisicamente mas não jurídico-realmente, se pode dizer que está em questão, de modo indirecto e acessório, uma e outra coisas, enquanto objecto do direito de propriedade por cada uma das partes titulado.

Se, como no tempo dos romanos, para delimitar os fundi vizinhos, fosse deixada a faixa livre de qualquer utilização, cujo espaço era consagrado aos deuses e considerado, por isso, res sancta, logo extra commercium, e a sua violação um sacrilegium punível com pena de morte, seriam mais raros do que hoje são os litígios suscitados pela expansão de um fundus à custa do outro. (25)

Sendo outros os tempos e frequente a litigância gerada pela contiguidade dos prédios, é vasta a produção doutrinária e jurisprudencial na matéria a ter em conta, geralmente contrapondo as acções de reivindicação (artº 1311º, CC) às de demarcação (artº 1353º e 1354º). (26)

Sobre isso, diz A. Carvalho Martins (27), “embora nem sempre seja fácil distinguir a acção de demarcação, com o conteúdo que lhe atribui a nossa lei (actio finium regundorum), da acção de reivindicação, dado que, afinal, em qualquer dos casos, se discute uma questão de domínio relativamente a uma faixa de terreno”, o critério mais expedito será o de distinguir “entre um conflito acerca do título e um conflito de prédios”. E assim: “Se as partes discutem o título de aquisição, como se, por exemplo, o autor pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a faixa ou sobre uma parte dela, porque a adquiriu por usucapião, por sucessão, por compra, doação, etc., a acção é de reivindicação. Está em causa o próprio título de aquisição. Se, pelo contrário, se não discute o título, mas a relevância dele em relação ao prédio, como v. g., se o autor afirma que o título se refere a varas e não a metros ou discute os termos em que deve ser feita a medição, ou, mesmo em relação à usucapião, se não discute o título de aquisição do prédio de que a faixa faz parte, mas a extensão do prédio possuído, a acção é já de demarcação.”

Como, nesta linha, se refere no Acórdão do STJ, de 25-09-2012 (28). “Quando uma das partes sustenta que uma determinada parcela de terreno do seu prédio se encontra usurpada pelo vizinho, sempre que haja debate sobre a propriedade de certa faixa de terreno confinante e sobre os títulos em que se baseia, discutindo-se o título de aquisição, em vez da sua relevância em relação ao prédio, tratando-se de um conflito de títulos e não de um conflito entre prédios, quanto à sua fronteira e extensão, não se definindo apenas a linha divisória que ofereça dúvidas, face aos títulos existentes, a acção correspondente não é a acção de demarcação, mas antes a acção de reivindicação.”

Neste caso, escreve-se no dito aresto, “ao contrário do que sucede com a acção de demarcação, a causa de pedir consiste no facto que originou o invocado direito de propriedade, devendo o autor fazer prova da propriedade, designadamente, demonstrando a posse pelo tempo necessário à usucapião, ou seja, alegando e provando uma das formas originárias de adquirir.”

Assim, para se citar aresto mais recente da Relação de Guimarães, “Em acção de reivindicação em que está em causa o direito de propriedade sobre uma determinada leira/parcela de terreno (…), para a procedência da acção carece a demandante de alegar e provar os factos dos quais resulte a aquisição originária do domínio por parte da mesma - ou de um transmitente anterior - e que tenham por objecto tal parcela.” (29)

Na reivindicação questiona-se, em primeira linha, a aquisição do domínio controverso sobre a parcela, na demarcação discute-se, principalmente, a determinação e localização dos limites duvidosos e sua marcação in loco.

Se, naquele caso, se invoca, para o demonstrar, a aquisição originária por usucapião, é necessário, pois, alegar e provar a posse, tendo bem presente o que tal implica.

Alegar a posse (artº 1251º, CC) consiste em descrever factos simples e concretos pelo reivindicante praticados sobre a coisa – no caso sobre as indicadas parcelas de terreno discutidas –, correspondentes ao exercício dos direitos contidos no direito de propriedade (artº 1305º) e através dos quais se manifesta ou revela o “poder directo e imediato” sobre ela, “impondo-se à generalidade dos membros da comunidade jurídica”, constituindo “expressão plena do domínio”. (30)

Além disso, factos com as características e em termos susceptíveis de preencher os requisitos legais da usucapião (artº 1287º, CC).

Quando em causa está não todo o prédio (caso em que a sua extensão ou limites em regra são secundarizados) mas sim uma parcela disputada pelos vizinhos, a necessária referência e conexão de tais factos concretos à área objecto do litígio exige particular cuidado e rigor na alegação e no respectivo julgamento.

Dessa acuidade se tem feito eco a Jurisprudência, de que é bom exemplo o Acórdão da Relação do Porto, de 20-10-2009 (31), no qual, estudando-se esta problemática, de grande interesse prático, se concluiu: “Numa acção de reivindicação em que está em causa o direito de propriedade sobre uma determinada parcela de terreno e se esta faz parte integrante do prédio x ou do prédio y, têm de considerar-se não escritas, nos termos do n° 4 do art. 646° do CPC, as respostas dadas aos quesitos da BI que contêm as expressões “fazendo parte desse mesmo prédio...”, “faz parte do prédio...” e “como seus donos e legítimos proprietários”, por estas não serem «factos», mas meras conclusões e conceitos jurídicos”. (32)

O mesmo rigor tem de ser observado na acção de demarcação, como se observa no Acórdão da Relação de Coimbra, de 02-12-2014 (33): “No âmbito de uma acção de demarcação – que tem como objectivo a fixação da linha divisória entre dois prédios – é conclusiva e não deve ser inserida na matéria de facto a afirmação – resultante da ponderação de uma série de factos e da apreciação (implícita) de questões de direito relacionadas com os critérios legais de operar a demarcação – de que a linha divisória dos prédios deve passar por determinado local.”

E deve sê-lo também na apreciação e valorização das respectivas provas, como se diz no Acórdão da Relação do Porto, de 16-06-2014: “Em questões de direitos reais respeitantes à localização dos limites de prédios contíguos, os elementos de prova objetivos, por mais fiáveis, deverão sobrepor-se aos depoimentos testemunhais.” (34)

Em suma: não se negando que, neste tipo de litígios, mais comum tem sido equacionar-se o problema como de demarcação (no quadro do artº 1353º, do CC) ou de reivindicação (à luz do artº 1311º), afigura-se-nos que, em função da peculiaridade de cada caso concreto mas sobretudo quando, como aqui, não é especialmente em torno da definição e marcação in loco da estrema entre os prédios nem da aquisição do direito real sobre cada um deles que o litígio nasce e se desenvolve, mas apenas da alegação e prova de certa configuração e da precisa e localizada linha delimitadora do terreno, afigura-se-nos, dizíamos, que de nenhuma especificidade típica a acção se reveste, tudo se devendo passar no quadro de normal acção declarativa comum, sem especiais exigências quanto à causa de pedir (35) e ao modo e meios de provar a estrema, inclusive por actos de posse ainda que invocada não seja a usucapião em concreto sobre a faixa disputada ou eles se revelem insuficientes para demonstrar que, relativamente à mesma, aquela foi exercida do modo, pelo tempo e com as características indispensáveis à verificação da prescrição aquisitiva sobre ela.

Afinal de contas, a acção de reivindicação e a acção de demarcação apenas no direito substantivo assim são apelidadas (artºs 1311º e 1353º, CC), tendo esta desaparecido do direito processual onde se encontrava prevista entre as acções de arbitramento. E mesmo aí (artº 1058º, nº 3, alínea a), in fine, do CPC anterior a 1995) não se excluía, tal como hoje continua a admitir-se (artº 1354º, nº 1, in fine, do CC), o recurso a quaisquer outros meios de prova.

Entre estes os relativos a factos susceptíveis de desencadear a formulação de presunções judiciais ou naturais. (36)

Precisados, assim, estes pontos continuemos, então, com a apreciação da propriamente dita impugnação da decisão da matéria de facto

Além de genericamente alegarem que o tribunal recorrido “não atendeu nem valorou todos os elementos de prova” e que “tal prova foi incorrectamente julgada e que dos respectivos meios não resultou “prova suficiente” para decidir, como decidiu, os pontos 3.13 e 3.18, concretizaram que, quanto a este, da prova até resultou o contrário.

Vejamos, seguindo a ordem das alegações e os argumentos dos apelantes.

O ponto 3.18 refere como provado que os réus, quando construíram o muro divisório entre o seu terreno e o que agora pertence aos autores (situado a Sul e num plano mais baixo), colocaram na base dele, ao nível do solo, dois tubos em plástico, que desembocam numa caixa colocada junto ao dito muro de separação.

Foi isso que, com efeito, os réus alegaram, na contestação, para assim justificarem que, há mais de 30 anos, as águas pluviais sempre escoaram através desse muro para o terreno (mais baixo) dos autores e que, para tal, sempre nele existiram buracos.

Sobre tal aspecto, o tribunal a quo nada especificamente refere na motivação, na qual predominantemente indicou os meios de prova produzidos e afirmou a credibilidade dos dos réus e insuficiência dos dos autores, concluindo que, quanto às águas, “resultou igualmente provada a existência de um escoamento natural “desde os prédios mais a norte, entre os quais o dos réus, até ao rio, a sul da propriedade dos autores”.

Defendendo que tal ponto devia ser dado como não provado, enfatizem os recorrentes, que, contra, porém, o que consta escrito no articulado dos réus, o próprio José, no seu depoimento gravado que ouvimos, não disse isso.

Ora, a despeito da exígua motivação da decisão da matéria de facto consonante com a mui discreta condução da produção de prova, que se arrastou, por vezes em acaloradas e consentidas instâncias e com vários interlocutores a falarem ao mesmo tempo (37), por mais de sete horas e meia de gravação, mas em contraste com a multiplicidade das provas produzidas e do teor dos depoimentos – que, por certeza e segurança ouvimos integralmente –, nesta se descortinam elementos que realmente não sustentam, quanto a este aspecto, a decisão proferida.

Na verdade, resultou claríssimo que, apesar do alegado na contestação, o réu explicitou e reconheceu, ao longo do seu depoimento/declarações (cujo interrogatório foi feito, não pela Srª Juíza mas pelos Srs. Advogados, ao arrepio da lei e sem distinção entre a matéria susceptível de confissão e a matéria objecto de declarações de parte, nada se tendo assentado nas actas) que, na parede divisória do seu terreno com o dos autores não foram colocados quaisquer tubos. Esses tubos provêm da estrema contrária, lado Norte, estendem-se ao longo do prédio dos réus, estão enterrados e terminam numa caixa, essa sim junto à dita parede.

Tanto é assim que é perfeitamente audível na gravação o comentário, aliás repetido, do Sr. Advogado dos réus dizendo que foi um lapso a alegação de que os tubos estão colocados na parede divisória.

Desnecessário, pois, se torna até recorrer à demais prova, inclusive quanto à para tal indicada pelos apelantes e à demais produzida no decurso da audiência, designadamente por meio das fotografias constantes dos autos por vários dos depoentes explicadas (38), para concluirmos que efectivamente estes têm inteira razão quanto ao referido aspecto (dos tubos).

De resto, sendo claro que tais tubos nada têm a ver com os alegados buracos abertos no muro divisório que os autores referiram na petição como tendo sido abertos no Inverno de 2014 para passagem de água para o seu prédio – cfr. alínea c), dos factos não provados, adiante referida – e cuja cessação peticionaram e apenas foram invocados pelo réus no intuito de demonstrarem que, apesar deles e da caixa, nenhuma interferência daí resultou no escoamento natural das águas q ue sempre se fez, tal como provado no ponto 17 – este não questionado – e, assim, que a restante matéria nenhuma utilidade tem para a solução jurídica da causa, haverá que, como aqueles pretendem na impugnação, eliminar do elenco dos factos provados tal ponto 3.18.

Nesta parte, deve proceder, pois, a impugnação.

Prosseguindo pela mesma ordem.

Respeita a alínea c) dos factos não provados à feitura, pelos réus, no inverno de 2014/2015, no muro divisório do prédio dos autores (lado norte), de diversos buracos de forma a que a água do prédio daqueles passasse para o dests em vez de ir para a via pública.

Tal matéria assim foi também alegada pelos autores na sua petição como fundamento do pedido da alínea E).

Nada o tribunal recorrido especificou na motivação quanto ao decidido, havendo, por isso, de se entender tal alínea englobada na vaga e genérica “falta de prova ou de prova ou de prova suficiente” com que se rematou aquela.

Relevam os apelantes, para justificarem que tal ponto devia ter sido julgado provado, que o próprio réu José declarou, ao depôr, que efectivamente abriu esses buracos no muro.

Efectivamente tal é verdade.

O réu, no seu depoimento, aliás corroborado por diversas testemunhas, reconheceu que, no Inverno de 2014/2015, numa ocasião em que choveu abundantemente, viu o seu prédio inundado, com atingimento do interior do rés chão da casa e dos haveres nele instalados e que, em desespero, tanto mais que os Bombeiros, chamados a acorrer ao evento, teriam dito nada poder fazer por falta de material adequado, abriu, de facto, os buracos para, desse modo, escoar a água e evitar mal maior.

Ainda assim, o réu acrescentou, e disso não se duvida, que, tendo os autores feito queixa, foi por tal facto chamado ao Ministério Público e tendo-lhe sido dito que não podia fazer aquilo, tapou tais buracos do seu lado.

Sendo, pois, verdade incontornável o que como não provado foi julgado na alínea c), haveria que alterar tal decisão e passar a matéria dela constante para o elenco dos factos provados.

Sucede que tal, em bom rigor, não deveria ser feito sem se complementar a mesma com o referido aspecto: o réu tapou depois os buracos por si abertos.

A alteração, assim, revela-se inútil, uma vez que, tendo sido removido esse problema, sempre, a ser ele a causa da indevida e não querida recepção das águas pluviais no prédio dos autores, logo falece fundamento para a procedência do pedido E).

Mas não só por isso.

É que, por um lado, em face do ponto 3.17, verifica-se que, afinal, as águas pluviais escoam do prédio dos réus para o dos autores não por causa nem através de tais buracos mas devido ao declive existente nesse sentido e que naturalmente tal favorece e sempre assim aconteceu, não resultando provada qualquer outra obra interferente que tal condicione e deva ser removida.

E, por outro, pretendendo os apelantes, através do recurso, que se julgue procedente o concomitante pedido da alínea E) – condenação dos apelados a abster-se de conduzir as águas do seu prédio para o daqueles –, o certo é que o fundamentam na inexistência do escoamento natural todavia resultante do citado ponto 3.17 que não questionam e na realização de obra humana, todavia não demonstrada – ou, pelo menos, não comprovadamente geradora ou interferente em tal escoamento.

Daí que deva improceder a pretendida alteração quanto a este ponto c).

O mesmo acontece e, por isso, idêntico destino deve ser dado quanto à alteração do facto não provado da alínea d), respeitante à pelos autores alegada mas pelos réus negada – na contestação – impermeabilização do seu logradouro, e que, tendo em mira aqueles efeitos, os apelantes defendem que devia ser julgada provada.

Na verdade, além da invocada foto tirada no decurso da inspecção ao local, é abundante a prova, a começar na pericial, passando pelo depoimento do próprio réu, pelo de algumas testemunhas, designadamente as filhas, e outras fotos, que, na zona adjacente à edificações erguidas no prédio daqueles, do lado da Rua P., se vê o chão revestido com cimento e pedaços de mármore.

Porém, tal impermeabilização nada tem a ver com o escoamento natural das águas questionado e daí que nenhuma utilidade se veja na alteração do referido ponto.

Deverá, por isso, julgar-se improcedente a alteração da alínea d).

Quanto, por fim, aos pontos de facto provados 3.13 – relativo à solicitação pelos réus aos autores da cedência da parcela de terreno disputada e consentimento gratuito destes – e 3.15 – relativo à configuração triangular da parcela, suas medidas, área e valores, que os autores defendem dever ser julgados não provados, além de apontarem como “não valorizados devidamente” variados meios de prova que, sem mais, nomeiam, mencionando que não foi produzida prova em contrário, referem que foi violado o princípio da livre apreciação da prova, cometido “tremendo erro judiciário”, que “são manifestas as contradições entre os depoimentos prestados pelas referidas testemunhas e as declarações dos autores/recorrentes” (sem as identificar), que o tribunal “apreciou a prova de forma arbitrária” (violando o artº 6º, da CEDH e o artº 20º, da CRP) e em “violação do princípio da isenção e imparcialidade do julgador”, transcrevem parcelas dos depoimentos do autor Eduardo, da esposa Maria e das testemunhas António, G. P., João e A. C..

Além disso, remeteram para os depoimentos das testemunhas M. M., J. A. e P. S., mas limitando-se a indicar, quanto a cada uma, o início e o termo horário da respectiva gravação, sendo, por isso, de per si inconsequente tal indicação.

Ora, já atrás nos referimos a alguns dos criticados aspectos.

Sucede que, a despeito das já acima assinaladas tormentosas dificuldades de configuração da acção em que se discute a estrema e, indirectamente, a propriedade de uma faixa determinada de terreno situado na confluência de dois prédios, e de alegação e prova da pertença da mesma, no caso a resolução do problema está facilitada.

Os autores já fragilmente haviam alegado a factualidade inerente.

Com efeito, na petição, invocaram que adquiriram a propriedade do prédio por usucapião e por negócio de compra e venda, que a respectiva titularidade se presume em função da inscrição da aquisição no registo, e, quanto ao mais, que o prédio sempre teve a configuração e limites constantes do desenho anexo e que a delimitação sempre se fez por um muro conforme medidas e orientação que descreveram.

Tendo alegado embora que sobre a “área descoberta” do prédio exerceram actos de posse, não descreveram, porém, quais os actos concretos que tivessem incidido sobre a porção de terra em questão de modo a convencerem que até ao alegado limite a possuíram efectivamente, maxime que a aquisição por usucapião sobre ela operou.

Todavia, acontece que, na contestação, os réus reconheceram que “o prédio dos autores só teve a configuração e limites que constam da planta que juntam como doc. 6 apenas até ao ano de 2006”.

Tal como o réu marido no seu depoimento, sem que qualquer das demais testemunhas tal tenha posto em causa (pelo contrário), reconheceu que, de facto, a configuração e delimitação dos prédios foi a alegada pelos autores. Aliás, isso mesmo mostram as plantas, anteriores a 2006, com que instruíram o processo camarário de legalização das suas construções.

Explicaram, aliás, naquele articulado, que em Julho do referido ano, pediram aos autores que lhes cedesse aquela pequena porção de terreno e lhes permitisse endireitar o muro divisório, eliminando o “bico” em ângulo recto por ele configurado junto às edificações, com que se intrometia no logradouro destas, estreitando a passagem por aí, e que os autores a tal anuíram gratuitamente.

Os autores, logo na petição, tal como em depoimento de parte prestado na audiência, negando embora tal pedido e consentimento, sintomaticamente condicionaram a sua negação: não cederam de forma válida.

Ora, válida ou inválida a cedência, isso é problema de direito. O que parece é que, assim, os autores implicitamente admitiram o facto.

Não existindo quaisquer dúvidas – face à diversidade de prova produzida sobre isso – nem verdadeiramente elas se colocando de que a alteração levada a cabo ocorreu em 2006 (data corroborada pela testemunha A. C. que ajudou na execução do muro), estranha-se que os autores a localizem apenas em 2010/2011, o que retira assertividade e credibilidade à sua tese, não valendo os argumentos deles de que até aí nada se via.

A irregular e inestética forma do muro e o estorvo que ele constituía para os réus torna plausível o interesse e a motivação em pedirem aos autores a alteração da estrema.

A abundante área de que estes dispunham (2112m2) para erigirem a sua moradia – finalidade com que adquiriram o terreno e vieram a alcançar – na qual nenhuma diferença faziam os cerca de 10 m2 que, como se veio a pericialmente demonstrar, perderam, e o interesse no bom relacionamento com os vizinhos (a princípio, existente), a indiferença para a implantação da construção e algum interesse na rectificação do muro com a eliminação do inestético e inútil ângulo, tornam plausível a abordagem descrita pelo réu e a receptividade do autor.

Tanto mais que, segundo o réu, “assinou” abdicando do “direito de opção” oferecido pelos anteriores proprietários para os autores poderem comprar o prédio.

No seu depoimento, descreveu aquele, em tom e postura que nos parecem sérios, convincentes e não encenados, que, apesar de, de vez em quando, antes de começar a construção, ver os autores no terreno, procurou o autor marido, por duas vezes, uma na Câmara onde este trabalhava e outra no escritório que ele tinha na Rua do …, tendo-lhe ele dito que ia falar com a esposa e depois lhe diria.

Num dia em que, com outros familiares estava no seu logradouro e apareceram no terreno o autor e a esposa, dirigiu-se àquele lembrando a pretensão, tendo-lhe ele respondido “pronto, faça quando quiser, pode fazer”.

Esta conversa é, assim, em termos praticamente coincidentes, relatada pelas testemunhas V. B. (sua irmã) e Ana e Carla (filhas), que a presenciaram. O seu resultado e o contentamento daí resultante terão sido alardeados pelo réu, como disseram algumas das outras testemunhas (por exemplo, o cunhado Joaquim e a outra irmã M. M.).

O certo é que, logo após, o réu alterou o muro em conformidade. Apenas cerca de oito anos depois os autores reagiram, de nenhuma outra manifestação de contrariedade, por qualquer forma, havendo entretanto sinal.

E reagiram porque, ao que parece e é possível, na sequência da construção da sua moradia, portanto já, depois de 2010 ou 2011, por causa de um poço que abriram e tirou água ao réu e do muro que a este derrubaram ao escavar para implantação da garagem, as relações entre as partes se azedaram e deterioraram.

Apesar da negação disto por ambos os autores e de a prova sobre o facto produzida pelos réus não ser mais abundante, proveniente de pessoas mais distanciadas e mais peremptória (designadamente na reprodução dos diálogos porque, quanto às conversas na Câmara e na Rua do …, apenas o próprio réu as relata), cremos que também, nas concretas circunstâncias, outra melhor, para os fins práticos deste processo, não era de esperar nem exigível, designadamente que, dado o consenso pacífico e a escassa importância da cedência, qualquer das partes chamasse testemunhas ou elaborasse documentos prevenindo futuro litígio.

Como lapidarmente se escreveu no Acórdão da Relação do Porto, de 08-07-2015 (39):

“Como sabemos, no nosso sistema processual, com excepção das situações da chamada prova legal, isto é, das situações em que para a prova de um determinado facto a lei exige um específico meio de prova ou impede que o mesmo possa ser provado mediante certos meios de prova – que o legislador presume serem mais falíveis e inseguros –, vigora o sistema da prova livre. Este caracteriza-se por duas ideias força complementares: o tribunal aprecia livremente os meios de prova; o tribunal é livre na atribuição do grau do valor probatório de cada meio de prova produzido. Assim, em cada caso o tribunal é livre para considerar suficiente a prova testemunhal produzida ou para considerar que a mesma é afinal insuficiente e exigir outro meio de prova de maior valor probatório, leia-se, de maior capacidade para convencer o juiz da probabilidade do facto em discussão.
Diferente é a questão altamente complexa do standard ou padrão de prova. Questão que se interliga com a questão do ónus da prova ou da determinação do conceito de dúvida relevante para operar a consequência desse ónus – no sentido de que a lei manda que na dúvida o juiz decida contra a parte onerada com a prova: artigos 346.º do Código Civil e 516.º do Código de Processo Civil –, e que no caso assume contornos de relevância, precisamente porque como vimos foi assim que o Juiz “a quo” motivou a sua decisão, afirmando que na dúvida decidia contra a ré que estava onerada com a prova do facto.
Não havendo norma ordinária ou constitucional que se pronuncie sobre este aspecto, a nosso ver a prova de um facto num processo judicial e para fins jurídicos é a demonstração de um alto grau de probabilidade (e não de mera possibilidade) de o mesmo corresponder à realidade material dos acontecimentos (dita verdade ontológica). Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz a ideia de que o facto em discussão, mais do que ser possível e verosímil, possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, a um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso. Donde resulta que se a prova produzida for residual, o tribunal não tem de a aceitar como suficiente ou bastante só porque, por exemplo, nenhuma outra foi produzida e o facto é possível.
Contudo, esta não é uma regra imutável e insusceptível de adequação prática. Pelo contrário, é uma regra que o julgador, com recurso ao bom senso e ao justo equilíbrio das coisas, há-de definir e aplicar caso a caso, em função das exigências de justiça que o mesmo coloca, determinadas a partir de aspectos como o da acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da acção.
O julgador não pode nunca esquecer que num processo subordinado ao princípio do contraditório a colocação de um padrão de prova particularmente exigente pode conduzir à negação dos direitos, na medida em que dificulta a demonstração dos pressupostos de facto do direito, mas a aceitação de um padrão pouco exigente importa precisamente o mesmo risco, na exacta medida em que ao facilitar a prova de quase tudo acaba por contemporizar com estratégias processuais vagas, difusas e pouco sustentadas, seja do lado activo seja do lado passivo da lide e, portanto, potencia a possibilidade de se fazer a prova do que não é verdade, perturbando o reconhecimento dos direitos correspondentes ao que realmente sucedeu. Por conseguinte, caso a caso o juiz deve adequar essa regra – esse grau de exigência – aos contornos da concreta situação que tem para julgar e ao contexto da prova dos factos que a corporizam.

Assim, se o objecto da acção for absolutamente delimitado e as únicas hipóteses de explicação dos factos em discussão forem as que as partes avançam no processo (imaginemos uma acção de demarcação em que as parte só discutem se a linha de estrema passa do lado direito ou do lado esquerdo do tronco da árvore que aceitam sinalizar a estrema), parece que a decisão do tribunal deverá passar pura e simplesmente pela adesão à posição que entre as duas em confronto resultar mais sustentada (mais provável que a outra), independentemente da medida do grau de probabilidade que a mesma logrou obter dos meios de prova (agora pela inultrapassável razão de que o tribunal não se pode abster de julgar o conflito e o conflito é só aquele).”

Não vemos, portanto, que no seu julgamento o tribunal a quo haja incorrido em qualquer erro, nem, aliás, bem vistos os argumentos dos apelantes, estes mostram convincentemente que ele tenha existido ao percutirem mais em afirmações vagas e retóricas de que a prova foi apreciada “de forma arbitrária” ou em “tremendo erro judiciário” e outros congéneres, do que apresentarem razões sérias e sólidas retiradas dos meios de prova capazes de abalarem a apreciação e valoração que dela foi feita e de que não nos apartamos.

Sendo assim quanto ao ponto 3.13, por maioria de razão deve ser quanto ao 3.15.

Respeitando este à configuração triangular da parcela por efeito da alteração do muro incorporada no terreno dos réus, às respectivas medidas e área, baseando-se sobretudo na perícia, nos esclarecimentos escritos e orais prestados e nos meios utilizados pelo Perito (v.g., as plantas anteriores à demolição do muro primitivo constantes do processo camarário e disponíveis nos autos em CD requisitado à Câmara) e corroboradas pela testemunha P. S. que, com um irmão, possui gabinete de arquitectura e colaborou na sua elaboração e as situou no tempo, delas resultando a configuração do muro como ele era antes e como ficou depois, também quanto a tal ponto não se descortina nem, aliás, os apelantes se esforçaram por demonstrar qualquer erro de julgamento que deva ser corrigido.

Deve, pois, a impugnação improceder também quanto aos referidos dois pontos.

C) Matéria de Direito

Neste âmbito, preconizam os apelantes que deve julgar-se a acção procedente quanto aos pedidos das alíneas A) a D) – reconhecimento de que eles são donos e legítimos proprietários com exclusão de outrem do imóvel identificado no art. 1º e 12º da petição inicial e com os limites assinalados a ponteado preto na planta junta sob os documentos nºs 6 e 7 com a petição inicial; absterem-se de toda e qualquer utilização presente ou futura do prédio em questão, não devendo ainda por qualquer meio ou forma invadir o mesmo ou turbar a posse e o direito de propriedade dos autores sobre o mesmo; condenação dos réus a restituírem aos autores, a faixa de terreno, com vinte e três metros quadrados, identificada a tracejado vermelho na planta junta sob o documento número sete com a petição inicial, de que ilicitamente se apropriaram; bem como serem os mesmos condenados a dentro prazo máximo de dez dias, após trânsito em julgado da sentença, a demolir o muro divisório, identificado no artigos 22º e 23º deste articulado, e construir um novo muro, com a mesma altura e materiais, que respeite os limites e configuração do prédio dos AA., que constam da planta junta sob o documento nº 6 e 7 juntos com a petição inicial.

Ora, nenhuma questão verdadeiramente existindo, como já atrás se pôs em evidência, sobre a propriedade do imóvel e nenhum obstáculo pelos réus tendo sido erguido ao exercício de tal direito sobre o mesmo, o sentido útil e o efeito realmente visado com tais pedidos prendia-se, não com tal direito, mas apenas com a extensão e limites da coisa e com a amplitude à parcela controversa do exercício das correspondentes faculdades.

Não lograram os autores provar que a configuração e a delimitação do prédio é, actualmente, a que alegaram, nem, por isso mesmo, que a área em causa integra o seu prédio e que, portanto, sobre ela incide o seu direito real.

Provou-se, na verdade, que a mesma, em 2006, a pedido dos apelados e com acordo dos apelantes, foi cedida graciosamente com vista a endireitar o muro existente e, por efeito da reconstrução deste e inerente rectificação da estrema, a área de 10,20m2 (não de 23m2) passou consensualmente a integrar o logradouro do prédio urbano dos réus.

Por isso, nada têm estes, quanto a tal porção de terreno, que reconhecer, omitir, restituir ou demolir, não restando senão corroborar o que o tribunal a quo a tal propósito dos dois parágrafos citados quanto a tais pedidos entendeu e decidiu.

Por isso, devem improceder as conclusões 15ª e 16ª.

Relativamente ao pedido da alínea E) – condenação dos réus a absterem-se de conduzir todas e quaisquer águas do seu prédio para o prédio dos autores, não resultou provada a factualidade alegada em tal sentido, ou seja, que tal sucedeu por obra dos réus (buracos no muro, caixa, tubos e impermeabilização do solo).

Pelo contrário, resultou provado, conforme 3.17, que, dada a existência de um ligeiro declive, no sentido Norte – Sul, entre os terrenos agrícolas aí existentes, o prédio dos ora réus recebia, como sempre recebeu, as águas pluviais que provinham, como provêm, dos terrenos a Norte do seu prédio, as quais, por sua vez, chegadas a este, corriam em direcção a Sul, para o terreno que ficava ligeiramente com inclinação mais baixa, ou seja, dirigiam-se para o prédio que agora é dos autores.

Por isso, necessariamente tal pedido não podia proceder, também nesse ponto improcedendo a apelação e sendo de confirmar a sentença (conclusões 17ª a 20ª).

No que concerne à indemnização por danos não patrimoniais, entendem os recorrentes que a indemnização a esse título fixada na quantia de 1.500,00€, por cada um, não tem fundamentação fáctica bastante, nem preenche os pressupostos legais, constituindo abuso de direito, e que, em todo o caso, nunca deveria ser superior a 500,00€ cada.

A este respeito, deu-se como provado que “o descrito comportamento dos autores”, ou seja, o derrube da rede e dos ferros divisórios, consequente ao desaterro a que eles procederam no seu terreno contíguo para aí implantarem a garagem (3.19), e o obstáculo, resultante da construção por eles de um muro, ao escoamento natural das águas de um terreno para o outro (3.20), tem causado aos réus “profundo desgosto, incómodos, angústia e stress” (3.22).

Tal redundou numa manifestação de “desagrado” (3.21).

Em consequência, o tribunal, simplesmente, sem proceder a uma detalhada e fundamentante apreciação específica e concreta de tais factos e sua valoração em ordem a subsumi-los aos atinentes critérios legais e a verificar o preenchimento das normas respectivas (artºs 483º e 496º, do Código Civil), pressupôs reunidos tais requisitos e entendeu considerar devida e equitativa uma indemnização, que fixou no valor de 1.500,00€, por cada réu, a pagar solidariamente pelos autores.

Já na motivação se limitara a referir que “provados resultaram os danos causados aos réus/reconvintes pela conduta dos autores/reconvindos” sem, a partir da indicação precisa dos respectivos meios de prova, proceder, a tal propósito, a uma sua análise crítica evidente a partir da qual mostrasse como e de que modo, segundo o seu prudente convencimento, a partir de tais elementos conjugados com todas as circunstâncias percepcionadas, os referidos eventos (desaterro e derrube da rede e ferros; obstáculo, por via do muro construído, ao livre escoamento das águas) originaram aqueles efeitos subjectivos, muito menos a sua extensão, profundidade e manifestações objectivamente expressivas deles.

O artº 496º, do CC, manda, e apenas permite, atender aos danos de tal natureza que “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1). Para fixar o montante da indemnização, elege o critério da equidade, mandando ter em atenção sempre as circunstâncias descritas no artº 494º (nº 3).

Ora, perscrutando-se todo o contexto do caso emergente da audiência e expresso na parca factualidade a tal propósito alegada e dada como provada, não parece que o mal-estar obviamente decorrente do deteriorado relacionamento das partes como vizinhos e o consequente constrangimento reciprocamente criado com base nos problemas decorrentes da contiguidade dos prédios e respectivas pretensões individuais fundadas no direito de propriedade, assuma gravidade juridicamente relevante que os torne merecedores de tutela do direito e compensação indemnizatória.

A ligação causal afirmada entre a conduta dos autores manifestada naqueles actos (desaterro e construção do muro) e as perturbações experimentadas subjectivamente pelos réus, embora existente, não está suficientemente densificada em ordem a compreender-se e a poder avaliar-se seguramente como se desenvolveu tal efeito.

A exígua factualidade dada como assente não permite perspectivar nem avaliar, ainda que com grau mínimo de concretização, a extensão, profundidade, relevo e repercussões na vida dos réus nem discernir em que medida e com que importância o desgosto, incómodo, angústia e stress normalmente sentidos e vulgarmente exprimidos e referidos a propósito de tais desentendimentos atingiram um patamar que, por excessivo e intolerável, justifique qualificá-los de graves, censuráveis e carentes de indemnização reparadora.

Não sabemos em que se traduziu a “profundidade” do “desgosto”, a natureza, género e grau dos “incómodos”, nem a extensão e efeitos da “angústia”. Sendo de “stress” o estado comum da vida corrente da generalidade das pessoas resultante da multiplicidade de estímulos influentes do seu quotidiano (mormente os da vizinhança), ignora-se como foi este provocado e em que efeitos maléficos se traduziu, no réu e na ré, certamente pessoas diferentes na forma de sentir o “desagrado pelo sucedido” e na capacidade de reagir ou até de suplantar as adversidades, naturalmente pequenas em quem sofra de tendências depressivas (como no decurso da audiência quanto a esta foi referido suceder quanto à ré pelas suas filhas) e maiores quanto àquele (como notoriamente se depreende ouvindo-o na gravação).

Assim, atendendo à exiguidade dos factos, à falta de densificação dos malefícios sentidos decorrente da vaga descrição e adjectivação, tendo em conta que, na base do mal-estar, está uma relação de vizinhança afectada por razões e queixas recíprocas (quiçá a ambas as partes censuráveis) e manifestamente, após o período de tréguas e de bom entendimento inicial (que motivou a cedência da parcela), deteriorada pelas atitudes de uns e outros, concluímos que a factualidade referida não é bastante para preencher o requisito de gravidade exigido no artº 496º, CC, nem os danos merecedores de tutela por via de compensação indemnizatória.

Neste particular os apelantes têm razão e deve julgar-se procedente o recurso quanto a esta questão e alterar-se a sentença em conformidade absolvendo os autores/reconvindos de tal pedido indemnizatório (conclusões 21ª a 25ª).

Assim como a têm quanto à ultima questão respeitante à litigância de má fé, aliás não convincentemente fundamentada pelo tribunal recorrido.

Na sua perspectiva, não está apurada factualidade que fundamente a sua condenação como litigantes de má-fé.

Limitou-se aquele, quanto ao caso, a salientar, em justificação da condenação de cada um dos autores na multa de 5 Uc´s que “Compulsados os factos, resultou efectivamente provado, ao contrário do que era alegado pelos autores para sustentar a respectiva pretensão, que pelos mesmos fora cedida gratuitamente aos réus a parcela em sujeito, donde se conclui não resultarem provados factos de onde se extrai que os autores, com dolo ou grave negligência, alegaram os factos, que fundamentam a respectiva pretensão, cuja inveracidade conheciam ou não podiam desconhecer”.

Além da deficiente redacção, quis-se o tribunal basear na circunstância de os autores omitirem terem concordado com a alteração do muro delimitador da estrema entre os prédios e consequente cedência da parcela situada entre o antigo e o novo.

Ora, não parece que, certa e seguramente, por isso esteja integrado qualquer dos pressupostos do artº 542º, do CPC.

É patente que os autores, mais do que negarem tal acordo, pretenderam valer-se, certamente aconselhados, sobre a sua eventual nulidade, porventura crendo que a simples autorização verbal por insusceptível, nessa óptica, de produzir efeitos, corresponderia à falta dela e os legitimaria a negá-la.

Em tais circunstâncias, não nos parece que haja, por parte deles próprios, litigância de má-fé.

Aliás, os réus também alegaram no seu articulado que o muro divisório sempre teve buracos, que colocaram nele dois tubos para escoamento e que jamais impermeabilizaram o solo. E provou-se que nada disso é verdade.

Sem embargo, a sua conduta não foi ponderada nem censurada como integrante de litigância de má-fé, como oficiosamente sempre está ao alcance do tribunal.

Trata-se de afirmações por vezes decorrentes de desfasamento comunicacional entre as partes e seus mandatários, ficando-se na dúvida sobre quem realmente deve por elas ser responsabilizado.

Por tudo isso, também nesta parte deve julgar-se procedente o recurso e absolverem-se de tal pedido os apelantes (conclusões 32ª a 43ª).

Em suma: a apelação merece ser provida, quanto à decisão de facto e à de direito, mas apenas nos supra apontados termos.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar em parte procedente e em parte improcedente o recurso e, em consequência, dando parcial provimento à apelação, alteram a decisão recorrida:

a) Eliminando dos factos provados o ponto 3.18.
b) Absolvendo os autores/reconvindos relativamente à condenação em indemnização por danos não patrimoniais (ponto iv do dispositivo final da sentença recorrida) e no pagamento de multa de cinco UC´s cada por litigância de má-fé (aí cominado).
*

Custas da apelação pelos autores/apelantes e réus/apelados, na proporção de 4/5 por aqueles e 1/5 por estes – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).

Custas da acção e da reconvenção conforme decidido na sentença, salvo a proporção relativa a esta última que se fixa em 40% para os réus/reconvintes e em 60% para os autores reconvindos.

Guimarães, 01 de Março de 2017

José Fernando Cardoso Amaral
Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
João António Peres de Oliveira Coelho


1. Alargámos a síntese dos articulados para melhor se compreenderem os contornos e o cerne do litígio.
2. Este ponto virá a ser eliminado em sede de decisão da impugnação da matéria de facto.
3. Proferido no processo nº 810/04.0TBTVD.L1.S1, relatado pelo Consº Álvaro Rodrigues.
4. Se bem que, na conclusão 31ª, refiram, em vez da E), a alínea D), cremos que tal se deve a lapso, uma vez que, nem aí nem nas alegações que aquela e as demais respectivas praticamente se limitam a reproduzir, se faz qualquer alusão à matéria de tal pedido, aliás consequente ao da alínea C).
5. E únicos, uma vez que, até aí, a parte da sentença relativa à aplicação do direito se limitou a historiar, de novo, as pretensões das partes e a teorizar sobre a acção de reivindicação.
6. Também únicos, uma vez que, além de enunciar o que cada uma das partes pretende sobre a questão das águas, a sentença apenas deambula abstractamente sobre o regime do artº 1351º, do CC.
7. Apesar de, no regime adjectivo actual, a sentença englobar a decisão da matéria de facto e a decisão da matéria de direito, os vícios de uma e outra e as respectivas consequências, tal como sucedia no anterior, continuam a ser distintas. Sobre isso, podem ver-se os Acórdãos do STJ, de 16-12-2004, proc. Nº 04B3896 (Ferreira de Almeida) e desta Relação, de 30-03-2017 e 20-04-2017, processos 6225/13.1TBBRG.G1 e 300/15.5T8VPA.G1 (ambos do mesmo relator deste).
8. Processo nº 344/09.6TCGMR.G1 (Eva Almeida).
9. Proc nº 902/04-2 (Vieira e Cunha).
10. Procº nº 1439/99 (Custódio M. Costa).
11. Proc. Nº 504/06.1TBMFR.L1-1 (Maria do Rosário Barbosa).
12. Efeito previsto, como já se disse atrás, na alínea c), do nº 2, do artº 662º, do CPC, que nada tem a ver com os vícios da sentença previstos no artº615º.
13. Na apreciação e valoração dos meios de prova quando livres e, consequentemente, na formação (também quando livre) da convicção.
14. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, página 124 e seguintes.
15. Nesse sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pág. 145 e seguintes.
16. Ob. citada, pág. 147.
17. “Uma manifestação genérica de inconformismo contra a generalidade da decisão da matéria de facto, sem uma concretização mínima da matéria que os recorrentes consideram incorrectamente julgada, não observa o ónus prescrito na alínea a), do nº 1, do artº 640º, do CPC” – Acórdão da Relação do Porto, de 19-05-2014 (Desembargador Carlos Gil).
18. Acórdão da Relação do Porto, de 17-03-2014 (Desembargador Alberto Ruço).
19. Se a presente acção fosse, como o tribunal a quo defende teoricamente, uma pura acção de reivindicação, seria incongruente julgá-la, como julgou, “totalmente improcedente” quando, nos pontos 3.1 a 3.9 julgou provados factos integrantes da aquisição do prédio por via originária (usucapião), por via derivada (compra e venda) e da presunção de titularidade derivada do registo predial, sendo certo que fora pedida a condenação dos réus a reconhecer que os autores são donos e legítimos proprietários do imóvel e a absterem-se de utilizar e invadir o prédio e de turbar a posse e o direito de propriedade deles sobre o mesmo. Embora ressalvando a parcela, este pedido seria procedente.
20. Referimo-nos a coisa no sentido jurídico-real – artºs 202º e 204º, CC.
21. Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, Centelha, Coimbra, 1977, páginas 189 e sgs.
22. Sobre isso, cfr. cit., páginas 220 a 225.
23. Ob. cit., nota 7, página 223.
24. É o que acontece no caso de fraccionamento quando admissível – artºs 1376º e 1377º, CC; ou de acessão – artºs 1325º e sgs.
25. António Santos Justo, A Propriedade no Direito Romano. Reflexos no Direito Português, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, LXXV, 1999, páginas 99 e seguintes.
26. Já se notou, a tal propósito, no Acórdão desta Relação de 09-04-2013 (Desemb. Maria Cecília Agante): “O critério diferencial das acções de reivindicação e de demarcação centra-se no «conflito acerca do título» e no «conflito de prédios»” não tendo tais acções “uma feição simplista”. Daí que mal se entenda o tratamento simplista que, por vezes, lhe é dado, a começar na alegação e prova dos factos em cada caso concretamente relevantes.
27. A Acção de Demarcação, Coimbra Editora, 1988, página 41.
28. Relatado pelo Consº Hélder Roque.
29. Acórdão de 15-09-2014 (relator: Desemb. António Santos).
30. Orlando de Carvalho, supra citado, página 155.
31. Relatado pelo Desemb. Pinto dos Santos.
32. São, aliás, muito pedagógicos estes extractos do seu texto: “As expressões «fazendo parte desse mesmo prédio…» (…) e «faz parte do prédio…», «antepossuidores» e «como seus donos e legítimos proprietários» (…), não são factos, são conclusões, nuns casos e conceitos jurídicos, noutros. Já Manuel de Andrade [in «Noções Elementares de Processo Civil», pg. 187] ensinava que «o questionário (ora correspondente à base instrutória) deve conter só matéria de facto», «deve estar rigorosamente expurgado de tudo quanto seja questão de direito; de tudo quanto envolva noções jurídicas»; «os factos materiais que possam interessar a estas noções é que devem ser quesitados». Anselmo de Castro [in «Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, 1982, pgs. 268 e 269], depois de dizer que «são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos», acrescenta que «só, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação (ora matéria de facto assente, na linguagem processual saída da Reforma de 1995-96) e questionário, o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste». Também Abrantes Geraldes [in «Temas da Reforma do Processo Civil», II vol., 1997, pg. 138] refere que «devem ser irradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que porventura tenham, simultaneamente, uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem (v. g., renda, contrato, proprietário, residência permanente, etc.)», logo acrescentando que «de nada vale a integração na base instrutória de verdadeiras questões de direito, na medida em que, se tal ocorrer e o tribunal, depois de produzida a prova, lhe der resposta, esta considera-se não escrita». «Facto» é, pois, tudo quanto respeita a ocorrências da vida real, materiais e concretas atinentes ao estado, qualidade ou situação de pessoas e coisas [Ac. do STJ de 22/02/95, disponível in CJ-STJ ano III, 1, 279 e citado no Ac. desta Relação do Porto de 04/12/2007, proc. 0725986, disponível in www.dgsi.pt/jtrp] ou, dizendo de outro modo, «factos» são os juízos que contenham a subsunção a um conceito geralmente conhecido, que seja do uso corrente na linguagem comum ou as relações que sejam elementos da própria hipótese de facto da norma [Ac. do STJ de 08/11/95, in CJ-STJ ano III, 3, 294, igualmente citado no dito acórdão desta Relação; com interesse veja-se, ainda, o recentíssimo estudo do Sr. Desembargador Henrique Araújo, publicado no sítio desta Relação do Porto, in www.trp.pt, estudos e intervenções, que refere que «questão de facto é, …, tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas» e que «além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais»]. Reconhecendo-se embora que a linha de separação entre matéria de facto e matéria de direito não é estável nem estanque e que a diferença entre ambas se vai diluindo com a crescente passagem para o elenco dos «factos» de conceitos jurídicos que ingressam na linguagem comum, toda a gente (jurisprudência e doutrina) está de acordo que quando está em causa, numa acção de reivindicação, o direito de propriedade de uma das partes (ou de ambas, quando cada uma delas reivindica para si esse direito) sobre uma determinada parcela de terreno e se essa parcela pertence (faz parte integrante) ao prédio de uma ou de outra delas, não devem ser incluídas na base instrutória, nem nas respostas aos pontos/quesitos da mesma, as expressões que acima se deixaram enunciadas (…), por não traduzirem factos da vida real, materiais e concretos, e por encerrarem em si – e sem mais – a solução jurídica do pleito. O conceito de propriedade (ou de proprietário) deve ser traduzido em factos integradores do modo de aquisição desse direito invocado pelo reivindicante. E perguntar se uma parcela de terreno «faz parte» ou «integra» o prédio x ou o prédio y é o mesmo que nada, já que a respectiva resposta constitui, ela própria, a solução da questão jurídica [cfr., i. a., os Acs. do STJ de 15/01/2004, proc. 03B3834, disponível in www.dgsi.pt/jstj e desta Relação do Porto de 27/01/2009, proc. 0827885, disponível in www.dgsi.pt/jtrp; no primeiro consideraram-se «não escritas as respostas sobre a matéria de facto da base instrutória constituídas essencialmente por terminologia conclusiva e de duplo uso (corrente e técnico-jurídico) – como «direito de propriedade» e «poderes inerentes a um proprietário» - quando a vertente conceitual dessa terminologia constitui o thema decidendum«; no segundo decidiu-se que «a questão jurídica não pode nunca ser resolvida por um quesito em que se pergunte se a parcela em discussão pertence ao prédio A ou (ao) B»]”.
33. Relatora: Desemb. Catarina Gonçalves.
34. Proc. 271/07.1TBMDL.P2 (Soares de Oliveira). Aqueles elementos colhem-se evidentemente por inspecção, perícia, documentos (nomeadamente fotos, plantas e desenhos) e avaliam-se, quando necessário, ouvindo as testemunhas falar livre e espontaneamente in loco.
35. Não faz sentido, por exemplo, à semelhança do que sucede nas acções de reivindicação, exigir que se alegue um modo de adquirir originário, como a usucapião, se a titularidade do direito real sobre o prédio ou coisa é pacífica.
36. Cfr., neste sentido, o Acórdão do STJ, de 11-02-2016, procº nº 6500/07.4TBBRG.G2.S3 (Lopes do Rego), de cujo sumário se recorta: “3. Incidindo a controvérsia, não sobre a titularidade dos prédios em confronto, mas, mais propriamente, sobre a sua precisa delimitação física, em consequência de ambas as partes se arrogarem a propriedade de determinada parcela de terreno situada na confluência dos lotes de que se reconhecem proprietários, a acção de reivindicação só poderá proceder na totalidade se puder considerar-se processualmente adquirido, como verdadeiro facto essencial, que o efectivo exercício de actos possessórios pelos AA e seus antecessores, susceptível de conduzir à usucapião, incidiu também sobre a parcela de terreno cuja titularidade é controvertida. 4. O quadro factual do litígio, relevante para operar a respectiva subsunção normativa, não se circunscreve apenas às respostas aos quesitos, complementadas e esclarecidas pela fundamentação ou motivação do julgador, já que incumbe às instâncias desenvolver e integrar toda a matéria factual relevante, complementando o quadro fáctico através da formulação de presunções judiciais ou naturais, assentes nas regras ou máximas de experiência, que permitem inferir factos que, constituindo lógico desenvolvimento dos que constam das respostas aos quesitos, contribuem para delinear de forma completa e integrada a matéria litigiosa. 5. Não competindo ao STJ sindicar a substância ou o mérito das presunções naturais que a Relação entendeu extrair da factualidade provada e por ela reapreciada, interpretar a matéria de facto apurada em acção de reivindicação, com vista a decidir se determinados actos possessórios dos demandantes, tidos por provados, abrangeram ou não determinada parcela de terreno do prédio reivindicado, é questão puramente factual, assente na livre valoração de provas desprovidas de valor legal ou tarifado, não incumbindo ao Supremo, no âmbito de um recurso de revista, sindicar o mérito de tal decisão das instâncias.”.
37. O que, obviamente, não nos facilita a percepção e compreensão do que se disse e de quem disse.
38. É lamentável que, nas múltiplas vezes em que vários dos depoentes foram chamados a pronunciar-se sobre fotos e outros documentos juntos aos autos, nem a Mª Juíza a quem cabe orientar e dirigir a audiência, acautelando a eficácia da gravação, nem os Srs. Advogados também nisso interessados, tenham o cuidado de fazer indicação sonora das folhas do processo em que os mesmos se encontram de modo a facilitar o seu reexame pelo tribunal superior, tanto mais que a numeração deles é insuficiente para tal.
39. Relatado no processo nº 4877/07.0TBAVR-P1, subscrito pelo Relator deste, ao que supomos não publicado.