Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
228/11.8TBBCL.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
GUARDA DE MENOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - O menor, pela especialidade da sua situação face ao adulto, tem direito a uma proteção especial que lhe preserve o seu futuro e o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, congregando-se essa ideia na expressão "superior interesse" da criança.
2 - O exercício do poder paternal deve estar submetido ao interesse da criança, devendo dar-se prevalência à continuidade da estabilidade psicológica e afetiva que vem sendo vivenciada pelas crianças.
3 - Aí se incluindo a necessidade de a criança manter a continuidade da relação afetiva com a pessoa de referência - aquela com quem mantém uma relação afetiva recíproca e estável, quem lhe presta os cuidados, que a ama e protege, quem lhe proporciona condições para o seu desenvolvimento físico e psíquico, que a integrou na sua vida familiar e no meio que a circunda.
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

Esta acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais foi intentada pelo Ministério Público em representação dos menores B.. e T.. filhos dos requeridos A.. e M...
Cumprida a notificação prevista no 175º, nº 1 da OTM, veio a requerida por carta endereçada aos presentes autos referir que se tinha ausentado para França, indicando a morada onde passou a residir com os filhos, dizendo não ter possibilidades económicas para se deslocar a Portugal.
Agendada nova conferência para o período de férias da Páscoa e a progenitora informou que não iria comparecer.
O requerido informou os autos, dizendo estar há vários meses sem ver os filhos, tendo a requerida abandonando a casa sem que nada o fizesse prever, levando várias poupanças do casal, pelo tem possibilidades económicas de se deslocar a Portugal.
O requerido é ouvido em declarações a fls. 74, onde refere que a requerida está a arranjar desculpas para impedir que o mesmo veja os menores. Referiu ponderar apresentar queixa-crime pelo rapto dos seus filhos.
A requerida é instada pelo tribunal no sentido de saber se promoveu pela regularização da situação dos menores e do pai dos mesmos em França, tendo apresentado uma participação efectuada junto das autoridades francesas, onde refere ter abandonado Portugal com os filhos menores, por ter sido vitima de violência domestica por parte do requerido. Foi visitada no apartamento onde vive pelas autoridades francesas, onde se encontravam os menores.
A requerida remeteu uma missiva aos autos na qual refere que o requerido lhe dava maus tratos, era um pai ausente, não tinha paciência para os filhos, não os acompanhando nos estudos e na doença e já não contribuía praticamente para as despesas doméstica, para além de se embriagar frequentemente. Referiu ainda que o mesmo aproveitando uma procuração que a requerida lhe passou há 15 anos vendeu a casa, móveis que eram sua propriedade e da sua família. Referiu que no início o requerido telefonava, mas não era para falar com os filhos, antes com a requerida. Depois de ter vendido a casa, deixou de o fazer e quando esta ou a família lhe telefonam são insultadas.
Foram solicitados relatórios sociais, mostrando-se junto aos autos o do requerido.
O da requerida não está junto aos autos pois segundo o tribunal recorrido” a “tensão” exercida pelo requerido quanto ao desfecho dos presentes autos nas várias conferências que tiveram lugar e ao longo dos autos, impediu que se aguardasse por uma resposta cabal das justiças francesas”
O requerido apresentou alegações, onde alega que é bom pai e tem condições para ficar com a guarda dos menores, sendo que a requerida agride os menores.
Procedeu-se à realização de audiência de julgamento.
No final foi proferida a seguinte sentença
«Pelo exposto, decido regular o exercício das responsabilidades parentais, em representação dos menores pela forma seguinte:
1- Os menores B.. e T.. ficam confiados à guarda e cuidados da progenitora M...
2- As responsabilidades parentais relativa aos menores serão exercidas por ambos os progenitores M.. e A...
3- O requerido A.. poderá visitar os menores sempre que o entender em França desde que avise a progenitora com 24 horas de antecedência e sem prejuízo dos períodos de repouso e escolares dos menores. Também o progenitor passará com os menores metade de todas as férias escolares de Natal, Páscoa e de Verão, devendo a progenitora assegurar o transporte dos menores. Este Natal de 2012, excepcionalmente, uma vez que o progenitor já não contacta com os filhos há cerca de dois anos, todo o período de férias será passado com o pai.
4- O requerido contribuirá, para o sustento “latu sensu” dos menores, com a quantia global mensal de € 140,00 [cento e quarenta euros » 70 + 70], quantia essa que será, anualmente, actualizada, de acordo com o índice de inflação publicado pelo INE, com exclusão da habitação.
Custas pelos requeridos, na proporção de 1/3 para o requerido e 2/3 para a requerida».
Inconformado o progenitor veio interpor recurso da sentença no qual apresenta as seguintes conclusões
1ª Vem o presente recurso da sentença – citada na alegação - proferida nos autos de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, dos menores B.. e T.. e também quanto à proporção da responsabilidade das custas, que fixou de 1/3 para o requerido e de 2/3 para a requerida.
2ªO Tribunal recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto, que reproduzimos da sentença:
 Os requeridos viveram em união de facto desde Março de 1994 até Dezembro de 2010.
 Dessa união nasceram em 06.11.2003 B.. e aos 14.10.2007 T...
 Em 14.10.207, o requerido contava com 59 anos e a requerida com 24 anos.
 Os requeridos acabariam por estabelecer a sua vida em Barcelos onde viviam com os menores e a mãe da requerida, sendo tidos como uma família unida.
 Grande parte da família da requerida reside em frança.
 O requerido era empreiteiro.
 A requerida fazia o trabalho de casa, ajudava o marido na gestão da actividade empresarial que o mesmo exercia.
 A requerida apresenta rendimentos declarados para a SS entre Outubro/2004 e Setembro/2009.
 O requerido não tem uma noção exacta da situação escolar dos seus filhos.
 O requerido vive actualmente sozinho num apartamento arrendado, pelo qual paga € 250 e aufere € 500 de subsídio de desemprego.
 Tenciona via a auferir duas reformas, já que trabalhou na construção civil em Portugal e em França.
 O requerido é considerado pessoa correcta e honesta.
 Em Dezembro de 2010, a requerida veio (deve ler-se: foi) com os menores para França, sem o consentimento do requerido.
 O requerido ficou muito desgostoso com a partida da requerida e dos seus filhos por quem nutre muito carinho.
 A requerida participou às autoridades francesas que era vítima de violência doméstica em Portugal por parte do requerido, tendo ido para França para perto dos seus familiares, vivendo em casa da sua mãe com os filhos, não pagando renda de casa.
 Disse auferir o vencimento global de € 1150 como secretária e empregada de limpeza.
 Referiu que o B.. frequenta o 3º ano de escolaridade e o T.. a pré-primária. Referiu frequentar com os menores a piscina, parques temáticos, cinema e parques de diversão.
 Na participação que apresentou às autoridades francesas, a requerida acusa o requerido de andar com o seu veículo, de ter vendido a sua casa, fazendo uso de uma procuração que esta lhe passou há cerca de 15 anos.
 O requerido já contactou telefonicamente com o filho B.. desde que o mesmo foi para França.
3ª Os menores são cidadãos portugueses, os seus pais e familiares são portugueses, os menores falam português, sempre viveram em Portugal e estavam social e familiarmente inseridos em Portugal, onde eram crianças integradas e felizes, até que, em 13 Dezembro de 2010, ilicitamente, sem consentimento do recorrente, a recorrida fugiu com os menores para França.
4ª Porém, o Tribunal recorrido não retirou quaisquer consequências desta conduta ilícita da mãe, apesar de o considerar expressamente, e entendeu que a guarda dos menores lhe deveria ser entregue, acabando por sanar o impedimento do contacto do dos filhos com o pai.
5ªViolando o princípio do interesse dos menores inserto no artigo 1905º do Código Civil, incorreu também em violação do artigo 11º da Convenção de Haia, de 25 de Outubro de 1980 e do artigo 11º, nº 3 do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003.
6ªTambém, a requerida mãe, tendo sem o consentimento do requerido pai e sem que nada o fizesse prever deslocado os menores para França, procedeu ao rapto dos menores.
7ªDe modo que, o Tribunal recorrido, ao decidir como decidiu também violou o disposto no nº 1, do artigo 1887º, do Código Civil, e o disposto no nº 5, do artigo 36º da Constituição da República Portuguesa, que preceitua que os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
8ªCompulsada a factualidade assente, e, bem assim, a fundamentação da respectiva convicção, que constam da alegação e que para lá se mete, podemos concluir que o Tribunal “a quo” apesar de ter ponderado tais factos como provados, ao decidir que os menores ficassem à guarda e cuidados da progenitora, decidiu em contradição com os mesmos.
9ªMotivo pelo qual, a sentença se encontra ferida de nulidade, nos termos do artigo 668º, nº 1, do CPC.
10ªAssim como, sem qualquer elemento de prova, dá como assente determinados factos, designadamente que a mãe dos menores tenha apresentado às autoridades francesas uma participação por ser vítima de violência doméstica em Portugal por parte do recorrente.11ª Como se referiu as declarações que a Requerida prestou foram-no no âmbito do pedido do Tribunal recorrido do relatório social a que alude o nº 3 do artigo 178º da OTM, bastando para tanto conferir o documento junto a folhas 122, que é a tradução do inquérito francês.
12ªConcluindo, o Tribunal recorrido, parece ter confundido tudo, dando como provados factos que não estão, factos que foram dados como provados mas com inexactidões ou deficiências e factos que não foram considerados embora se tenham provado.
13ªFace às posições assumidas nos autos pelo recorrente, designadamente de folhas 43, 44, 53, 54, 74, 88, 89, 90, aos documentos constantes dos autos e aos depoimentos das testemunhas, que constam da sentença recorrida, não poderá deixar-se de se entender que a decisão sobre a matéria de facto padece de obscuridade, deficiência e contrariedade, pelo que a sentença deve nos termos do nº 4, do artigo 712º do Código de processo Civil ser anulada.
14ª Por fim, não consta na sentença recorrida qualquer fundamento ou razão para que as custas sejam da responsabilidade do recorrente na proporção de 2/3 e à requerida de 1/3.
15ª Tal condenação é manifestamente arbitrária, violando o disposto no artigo 446º e seguintes do CPC.

Não foram apresentadas contra alegações
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:
A. nulidade da sentença
B. Incorrecto julgamento da matéria de facto
C. Guarda

FUNDAMENTAÇÃO
A) - OS FACTOS
Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos
Os requeridos viverem em união de facto desde Março de 1994 até Dezembro de 2010.
Dessa união nasceram aos 06.11.2003 B.. aos 14.10.2007 T...
Em 14.10.207, o requerido contava com 59 anos e a requerida com 34 anos
Os requeridos acabariam por estabelecer a sua vida em Barcelos onde viviam com os menores e a mãe da requerida, sendo tidos como uma família unida.
Grande parte da família da requerida reside em França.
O requerido era empreiteiro.
A requerida fazia o trabalho de casa, ajudava o marido na gestão da actividade empresarial que o mesmo exercia.
A requerida apresenta rendimentos declarados para a SS entre Outubro/2004 e Setembro/2009.
O requerido não tem uma noção exacta da situação escolar dos seus filhos.
O requerido vive actualmente sozinho num apartamento arrendado, pelo qual paga € 250 e aufere € 500 de subsídio de desemprego.
Tenciona vir auferir duas reformas, já que trabalhou na construção civil em Portugal e em França.
O requerido é considerado pessoa correcta e honesta.
Em Dezembro de 2010, a requerida foi com os menores para França, sem o consentimento do requerido.
O requerido ficou muito desgostoso com a partida da requerida e dos seus filhos por quem nutre muito carinho.
A requerida participou às autoridades francesas que era vítima de violência doméstica em Portugal por parte do requerido, tendo ido para França para perto dos seus familiares, vivendo em casa da sua mãe com os filhos, não pagando renda de casa.
Disse auferir o vencimento global de € 1150 como secretária e empregada de limpeza.
Referiu que o B.. frequenta o 3º ano de escolaridade e o T.. a pré-primária.
Referiu frequentar com os menores a piscina, parques temáticas, cinema e parques de diversão.
Na participação que apresentou às autoridades francesas, a requerida acusa o requerido de andar com o seu veículo, de ter vendido a sua casa, fazendo uso de uma procuração que esta lhe passou há cerca de 15 anos .
O requerido já contactou telefonicamente com o filho B.. desde que o mesmo foi para França.

B)- O DIREITO
Nulidade da sentença
Alega o recorrente que "Os menores são cidadãos portugueses, os seus pais e familiares são portugueses, os menores falam português, sempre viveram em Portugal e estavam social e familiarmente inseridos em Portugal, onde eram crianças integradas e felizes, até que, em 13 Dezembro de 2010, ilicitamente, sem consentimento do recorrente, a recorrida fugiu com os menores para França.
Porém, o Tribunal recorrido não retirou quaisquer consequências desta conduta ilícita da mãe, apesar de o considerar expressamente, e entendeu que a guarda dos menores lhe deveria ser entregue, acabando por sanar o impedimento do contacto do dos filhos com o pai.
Compulsada a factualidade assente, e, bem assim, a fundamentação da respectiva convicção, que constam da alegação e que para lá se mete, podemos concluir que o Tribunal “a quo” apesar de ter ponderado tais factos como provados, ao decidir que os menores ficassem à guarda e cuidados da progenitora, decidiu em contradição com os mesmos.
Motivo pelo qual, a sentença se encontra ferida de nulidade, nos termos do artigo 668º, nº 1, do CPC".
Deste extracto das alegações concluímos que o Recorrente entende que o acórdão recorrido é nulo, por contradição entre os fundamentos e a decisão, nulidade prevista no art.º 668º, n.º 1 alínea c) do Cód. Proc. Civil.
Esta causa de nulidade ocorre, como se sabe, quando “há um vício real no raciocínio do julgador em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente. A decisão proferida padecerá desse erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, se a argumentação desenvolvida ao longo da sentença/acórdão apontar claramente num determinado sentido e, não obstante, a decisão for no sentido oposto.
Contudo, não se verifica essa causa de nulidade quando o resultado a que o julgador chega deriva, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu melhor corresponder aos factos provados.
Em suma os “fundamentos” de que se fala na al. c) do nº 1 do art.º 668º do CPC são os fundamentos de direito; a oposição entre fundamentos de facto e a decisão não constitui o vício ali previsto mas sim erro de julgamento.
Significa isto que saber se as conclusões a que a decisão recorrida chegou relativamente à guarda dos menores são ou não as mais correctas ou se a decisão proferida não é conforme ao direito aplicável constitui matéria de que não cabe curar em sede de nulidade de sentença. Trata-se de questão de mérito, a envolver eventual erro de julgamento e nunca fundamento de nulidade de sentença/acórdão, que se prende tão só com a estrutura formal.
No caso, entendeu-se (não interessa, nesta sede, se bem ou mal) "que os menores deveriam ficar à guarda da progenitora que conta com 39 anos e que se revela interessada pelo processo de educação dos menores. O pai é bastante mais velho e revela alheamento relativamente ao percurso escolar dos menores. Apesar do comportamento ilícito da mãe dos menores – quando a requerida decidiu unilateralmente se ausentar levando os filhos consigo sem estar regulado o poder paternal- é esta que reúne melhores condições para lhe ser atribuída a guarda dos filhos".
Vale isto por dizer que tal decisão se encontra em perfeita e total sintonia com os fundamentos que lhe serviram de base, - a progenitora é que reúne melhores condições para ter os filhos deve ficar com a guarda dos mesmos , o que exclui obviamente a verificação da invocada causa de nulidade do acórdão, soçobrando tudo o que, em contrário, o recorrente alegou e conclui a este propósito.
. Da matéria de facto assente:
O segundo aspecto a considerar no recurso é justamente o da matéria a ter em conta na decisão.
Assim, o apelante começa por questionar a apreciação da prova que foi levada a cabo pelo Tribunal dizendo "Assim como, sem qualquer elemento de prova, dá como assente determinados factos, designadamente que a mãe dos menores tenha apresentado às autoridades francesas uma participação por ser vítima de violência doméstica em Portugal por parte do recorrente.
Como se referiu as declarações que a Requerida prestou foram-no no âmbito do pedido do Tribunal recorrido do relatório social a que alude o nº 3 do artigo 178º da OTM, bastando para tanto conferir o documento junto a folhas 122, que é a tradução do inquérito francês.
Concluindo, o Tribunal recorrido, parece ter confundido tudo, dando como provados factos que não estão, factos que foram dados como provados mas com inexactidões ou deficiências e factos que não foram considerados embora se tenham provado.
Face às posições assumidas nos autos pelo recorrente, designadamente de folhas 43, 44, 53, 54, 74, 88, 89, 90, aos documentos constantes dos autos e aos depoimentos das testemunhas, que constam da sentença recorrida, não poderá deixar-se de se entender que a decisão sobre a matéria de facto padece de obscuridade, deficiência e contrariedade, pelo que a sentença deve nos termos do nº 4, do artigo 712º do Código de processo Civil ser anulada".
Tudo indica, por isso, que o apelante pretenderia questionar a matéria de facto que foi julgada assente.
No entanto, verificamos que o mesmo não observa, como lhe competia, o disposto no art. 685-B do C.P.C., aqui aplicável (como os demais mencionados do mesmo Código) por força do art. 161 da OTM.
Com efeito, de acordo com aquele normativo, ao recorrente que impugne a matéria de facto caberá indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões), e especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos. A não satisfação destes ónus implica a rejeição imediata do recurso.
"O ónus imposto ao recorrente que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto traduz-se, deste modo, na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento -o ponto ou pontos da matéria de facto - da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento - Lopes do Rego, Código de Processo Civil Anotado, 2.ª Edição, Vol. I, pág. 584, referindo-se à redacção que o artigo 690-A n.º 1 a) tinha antes da reforma introduzida pelo Decreto-Lei 303/2007 de 24 de Agosto, que era praticamente igual à do actual artigo 685.º-B n.º 1 a).
Estas "exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2.ª instância"- Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, pág. 142.
É, pois, certo que se impõe "ao recorrente um ónus rigoroso"- Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, 2.ª Edição, Vol. III, pág.61.
Por outro lado, "a fim de desincentivar claramente possíveis manobras dilatórias, deste preceito não previram o convite ao aperfeiçoamento da alegação que versa sobre a matéria de facto que se pretende impugnar e que, desde logo, não satisfaça minimamente, o estipulado nos n.ºs 1 e 2"Lopes do Rego, obra citada, pág. 585. Neste sentido pode ver-se também Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 141, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, pág. 181, nota 357 e o Ac. STJ de 8-3-06 acima citado.
E não sendo elaborada base instrutória há que especificar o(s) artigo(s) dos articulados cuja matéria de facto se considera mal julgada, pois é aí que o facto alegado, efectivamente, se encontra e é esse o facto que se entende ter sido objecto de erro de julgamento.
No caso dos autos, o recorrente não faz- nem na motivação nem nas conclusões - qualquer identificação dos concretos factos que impugna nos termos legalmente exigidos, o que implica portanto a rejeição do recurso quanto à matéria de facto.
Falta esta que se verifica quando invoca que a decisão sobre a matéria de facto padece de obscuridade, deficiência e contrariedade pois não indica em concreto a factualidade aonde tais vícios se verificam.
É verdade que entre os vícios que podem afectar a decisão da matéria de facto e cuja apreciação nem sequer está dependente da iniciativa das partes contam-se as respostas deficientes, obscuras e contraditórias”.
As respostas são contraditórias: “quando ambas façam afirmações inconciliáveis entre si, de modo a que a veracidade de uma exclua a veracidade da outra” Rodrigues Bastos in Notas ao CPC, Vol. III, 3ª ed., pág. 173
“Quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente” - Ac. do STJ, de 04.02.97, proferido no Proc. nº 458/96, da 1ª Secção – Conselheiro Ribeiro Coelho –, in “Sumários do STJ”, nº 8, de Fevereiro de 1997, pág. 17 e citado por Abrantes Geraldes, in «Recursos em Processo Civil – Novo Regime», 3.ª ed. revista e actualizada, pág. 331
Quando ocorre “oposição entre diversas respostas dadas a pontos de facto controvertidos ou entre tais respostas e os fatos considerados assentes na fase da condensação”- Abrantes Geraldes, ob. cit. pág. 332.
E, perante o conceito doutrinal e jurisprudencial do vício processual da “contradição”,acima referido, afigura-se-nos que, no essencial, não assiste razão ao recorrente, no referente às invocadas contradições da matéria de facto.
Na verdade, a redacção de tal factualidade é clara, precisa e neles não se “fazem afirmações inconciliáveis entre si, de modo a que a veracidade de uma exclua a veracidade da outra”,” não têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, não podem subsistir cada uma delas utilmente” “ não ocorre “oposição entre diversas as respostas ou entre tais respostas e os factos considerados assentes na fase da condensação”.
Diferente é depois o enquadramento jurídico que da factualidade é feito, mas se existir erro nesse enquadramento será erro de julgamento/de direito a apreciar de seguida e não erro no apuramento da matéria de facto.
. Regulação das responsabilidades parentais
Segue-se finalmente a apreciação da última questão.
E em causa está apreciar a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à guarda dos menores filhos da requerente e do requerido.
Importa sublinhar o que consta dos factos provados:
Os requeridos viverem em união de facto desde Março de 1994 até Dezembro de 2010.
Dessa união nasceram aos 06.11.2003 B.. e aos 14.10.2007 T...
Em 14.10.207, o requerido contava com 59 anos e a requerida com 34 anos
Os requeridos acabariam por estabelecer a sua vida em Barcelos onde viviam com os menores e a mãe da requerida, sendo tidos como uma família unida.
Grande parte da família da requerida reside em França.
O requerido era empreiteiro.
A requerida fazia o trabalho de casa, ajudava o marido na gestão da actividade empresarial que o mesmo exercia.
A requerida apresenta rendimentos declarados para a SS entre Outubro/2004 e Setembro/2009.
O requerido não tem uma noção exacta da situação escolar dos seus filhos.
O requerido vive actualmente sozinho num apartamento arrendado, pelo qual paga € 250 e aufere € 500 de subsídio de desemprego.
Tenciona vir auferir duas reformas, já que trabalhou na construção civil em Portugal e em França.
O requerido é considerado pessoa correcta e honesta.
Em Dezembro de 2010, a requerida foi com os menores para França, sem o consentimento do requerido.
O requerido ficou muito desgostoso com a partida da requerida e dos seus filhos por quem nutre muito carinho.
A requerida participou às autoridades francesas que era vítima de violência doméstica em Portugal por parte do requerido, tendo ido para França para perto dos seus familiares, vivendo em casa da sua mãe com os filhos, não pagando renda de casa.
Disse auferir o vencimento global de € 1150 como secretária e empregada de limpeza.
Referiu que o B.. frequenta o 3º ano de escolaridade e o T.. a pré-primária.
Referiu frequentar com os menores a piscina, parques temáticas, cinema e parques de diversão.
Na participação que apresentou às autoridades francesas, a requerida acusa o requerido de andar com o seu veículo, de ter vendido a sua casa, fazendo uso de uma procuração que esta lhe passou há cerca de 15 anos .
O requerido já contactou telefonicamente com o filho B.. desde que o mesmo foi para França.
Ora, pretende o progenitor que a guarda dos menores alegando que os filhos são portugueses e que o tribunal devia ter retirado consequências da conduta da progenitora que ilicitamente fugiu com os filhos.
Cumpre, pois, apreciar.
Quanto à fundamentação jurídica da sentença, colhe-se da mesma que o tribunal lançou mão do regime previsto para as responsabilidades parentais que harmonizou com o interesse do menor, fazendo especial referência ao artigo 1905.º, n.º 2 do Código Civil.
Defende o apelante que esta decisão viola normas jurídicas fundamentais, entre elas, o art.º 1905º do Código Civil, incorreu também em violação do artigo 11º da Convenção de Haia, de 25 de Outubro de 1980 e do artigo 11º, nº 3 do Regulamento CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003.
No que concerne a esta questão afigura-se-nos que o quadro legal mencionado na sentença é o estritamente necessário à resolução da questão decidenda,
E as normas referidas na sentença e também algumas das mencionadas ex novo pelo apelante podem – e devem – ser convocadas para a decisão a proferir, considerando que as mesmas estabelecem princípios orientadores subjacentes à intervenção dos tribunais em matéria de direitos e protecção da criança e dos jovens.
Avultam, ainda, relacionadas com os direitos das crianças, múltiplas Convenções e legislação avulsa que desde o dealbar do século passado tem reconhecido que o menor, pela especialidade da sua situação face ao adulto, tem direito a uma protecção especial que lhe preserve o seu futuro e o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, congregando-se essa ideia na expressão “superior interesse” da criança.
Entre esses vários instrumentos jurídicos, será de realçar a Convenção sobre os Direitos da Criança, espelhando os artigos 3.º, n.º1 e 9.º, n.º1 e 3, o princípio de que todas as decisões adoptadas, mormente por tribunais, se regem primacialmente pelo interesse superior da criança e que esta não será separada dos pais contra a vontade destas, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão das decisões, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Mas também, e exemplificativamente o Anexo à Recomendação n.º R (84) sobre as responsabilidades parentais (adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho de Ministros do Conselho da Europa em 28/09/1984), Princípio 2, do qual emerge o interesse do menor como leit motiv de toda a regulação da intervenção estadual, bem como a submissão do poderes-deveres que enformam as responsabilidades parentais àquele princípio.
Ao nível do direito constitucional, a Constituição da República Portuguesa estabelece princípios jurídico-constitucionais que estruturam as directrizes normativas de protecção da família, da infância e da juventude, consagrando que os direitos fundamentais dos pais – direito à educação e manutenção dos filhos – só podem ser restringidos em situações especialmente previstas na lei, sempre em prol da defesa dos direitos fundamentais da criança e sempre sujeitos às exigências da proporcionalidade e da adequação (cfr. artigos 18.º, n.º2, 36.º, n.º6, 67.º, 69.º e 70.º).
No que concerne à lei ordinária, os artigos 1901.º a 1920.º-A, do Código Civil (na redacção da Lei n.º 61/2008, por esta ser aplicável aos autos), regulam a matéria do ainda ali chamado poder paternal, sem olvidar a específica regulação prevista na OTM, nos artigos 174.º e seguintes.
Da conjugação desses preceitos, e considerando já a situação concreta apurada nestes autos, donde decorre que os progenitores dos menores não estão unidos pelo matrimónio mas viviam em condições análogas às dos cônjuges, pelo que resulta, mormente dos artigos 1911.º, 1901º a 1904º, 1905.º a 1908.º, que o poder paternal é exercido por ambos permitindo a lei, contudo, que o filho seja entregue a terceira pessoa quando a segurança, saúde, formação moral ou a educação se encontre em perigo (e não seja caso de inibição do poder paternal), estabelecendo-se, nessa situação, um regime de visitas aos pais, a menos que, excepcionalmente, o interesse do filho o desaconselhe.
No caso presente resulta dos factos provados que o progenitor/recorrente tem muito afecto pelos filhos. Nesta perspectiva, ou seja na óptica dos interesses do pai (mas que não é a única, como de seguida se referirá) a pretensão do progenitor, teria perfeito cabimento.
Porém, a questão é mais complexa, porque qualquer decisão judicial tem de obedecer aos princípios acima referidos, inseridos no conjunto normativo que regula o(s) direito(s) das crianças, e consequentemente, atender ao superior interesse da criança, dando prevalência à continuidade da estabilidade psicológica e afectiva que vem sendo vivenciada pelas crianças.
Não suscita qualquer dúvida, em face dos factos provados que a ruptura com a situação existente terá impacto negativo na estrutura psico-afectiva dos menores, gerando-lhes instabilidade emocional.
Não será demais acentuar o carácter funcional do poder paternal (responsabilidades parentais na terminologia mais actual), que é um poder-dever, estando o seu exercício submetido, altruisticamente, ao interesse da criança, de tal modo que esse princípio funciona como critério e limite do mesmo, não só nas situações que determinam a sua inibição, mas também na aplicação de providências que o limitam.
Conforme refere de forma lapidar o STJ: “Por mais que aceitemos a existência de um “direito subjectivo” dos pais a terem os filhos consigo, é no entanto o denominado “interesse superior da criança” - conceito abstracto a preencher face a cada caso concreto - que deve estar acima de tudo.
Se esse “interesse subjectivo” dos pais não coincide com o “interesse superior” do menor, não há outro remédio senão seguir este último interesse.” AC. STJ, de 04.02.2010, proc. 1110/05.3TBSCD.C2.P1, em www.dgsi.pt
A lei, porém, não define o que entende por superior interesse da criança. Trata-se de um conceito aberto, que só em concreto se concretiza, com a consciência que qualquer decisão tomada com base nesse critério reside na valoração – que tem sempre um resquício de subjectividade – que o julgador faça da realidade provada.
Daí ser pertinente a indicação de critérios objectivos e funcionais que presidam à decisão, englobando-se nos primeiros, as necessidades físicas, intelectuais, religiosas e materiais da criança, a sua idade, sexo e grau de desenvolvimento físico e psíquico, a continuidade das relações da criança, a sua adaptação ao ambiente escolar e familiar, bem como relações que vai estabelecendo com a comunidade onde se integra e nos segundos a capacidade dos pais para satisfazer as necessidades dos filhos, tempo disponível para cuidar deles, afectos, estilos de vida, estabilidade, etc. – neste sentido, Maria Clara Sottomayor,, in Exercício do Poder Paternal, Publicações Universidade Católica, Porto, 2003, de pág.s 100 a 103.
Como esta autora sintetiza, na sua obra, Exercício do Poder Paternal, a pág. 167: “O objectivo das normas sobre a regulação do poder paternal não é promover a igualdade entre os pais ou a alteração das funções de género mas sim garantir à criança a continuidade da relação afectiva com a pessoa de referência.”.
Citando ainda o referido acórdão do STJ
"Critério orientador, na regulação do poder paternal é o superior interesse do menor, conceito aberto que carece de concretização, por parte do Juiz, devendo tomar-se em linha de conta a disponibilidade afectiva demonstrada pelos progenitores, ou terceira pessoa, a capacidade, ou não, dos progenitores em promoverem o harmonioso desenvolvimento do menor e de se adaptar ás suas necessidades.
(..) e, modernamente, tem-se entendido que o factor relevante para determinar esse interesse é constituído pela regra da figura primária de referência, segundo a qual a criança deve ser confiada é pessoa que cuida dela no dia-a-dia".
Como refere a Drª Clara Sottomayor, "esta regra permite, por um lado, promover a continuidade da educação e das relações afectivas da criança e por outro, atribuir a guarda dos filhos ao progenitor com mais capacidade Casos de Divórcio, 3ª edição, página 46, Almedina, 2000.
Por outro lado, este critério está em harmonia com as orientações legais acerca do conteúdo do poder paternal - art. 1878° do C. Civil.
A regra da figura primária de referência é um critério objectivo e funcional, relacionado, como se disse, com o dia-a-dia da criança, ou seja, com a realização de tarefas concretas prestadas ao menor, no quotidiano.
Ou seja a figura primária de referência é aquela com quem a criança mantém uma relação afectiva recíproca e estável, quem lhe presta os cuidados, que a ama e protege, quem lhe proporciona condições para o seu desenvolvimento físico e psíquico, que a integrou na sua vida familiar e no meio que a circunda.
No caso em apreço tal figura primária é, pelo menos desde 2010 (altura da separação de facto) a mãe dos menores.
Menciona o recorrente as circunstâncias e a forma que determinaram esse afastamento e que a não serem prevalentes é errado (conduta ilícita da progenitora violadora do artigo 11º da Convenção de Haia, de 25 de Outubro de 1980 e do artigo 11º, nº 3 do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003)
Mas não são essas as circunstâncias que determinam a decisão. O que subjaz à decisão, é o superior interesses dos menores .
Nos termos já referidos o objectivo da regulação das responsabilidades parentais não é o de promover a igualdade entre os pais, defender os interesses dos pais, mas garantir que se atinja, no maior grau possível, a satisfação dos interesses dos menores, em que se inclui o de a criança manter a continuidade da relação afectiva com a pessoa de referência – no caso a mãe.
Quanto ao direito de a mãe dos menores procurar obter melhor vida na estrangeiro, o mesmo não lhe pode ser negado.
Está a usufruir do direito de livre de circulação, reconhecido na Europa e sem que possa ser posto em causa pelo facto de ter levado consigo os filhos.
É certo que tal deslocação dos menores não deveria ter sido efectuado sem consentimento do progenitor ou sem que a regulação das responsabilidades parentais tivesse sido objecto de decisão judicial e por isso tal actuação lhe acarreta riscos – por ex julgamento por processos crimes, violação da convenção de Haia e Regulamento citado pelo recorrente ou outros e priva o progenitor a quem não é concedida a guarda de ter menos contactos com os seus filhos.
Todavia não é esta a conduta que no processo está a ser apreciada e a correspondente legislação aplicável, como a convenção de Haia e afins que por tal não são aplicáveis ao caso em apreço.
De facto não é este um processo especial no qual se tenha pedido a entrega dos menores com fundamento na violação da referida convenção – pedido esse que o progenitor tinha legitimidade para iniciar nos termos previstos no artº 21 da Convenção de Haia de 1980 .
O processo destinado a obter o regresso de uma criança ilicitamente retida num Estado-Membro, previsto no artigo 11 do Regulamento nº 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro não se destina a obter nenhuma decisão sobre a sua guarda- como ocorre neste processo- mas a garantir de forma expedita a eficácia de uma decisão judicial que decidiu sobre essa guarda – neste sentido ver Ac ST de 05.11.2009 e de 24.06.2010 e da Relação do Porto de 07 de Abril de 2011 proferidos nos processo 1735/06.0TMPRT e 622/07.9TMBRG.G1.S1 relatadora pela Ex Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza e processo nº 180/05.9TMMTS-B.P1 relatado pelo Sr Desembargador Filipe Caroço, todos publicados in www.dgs.pt.
Como escrevem Helena Bolieiro e Paulo Guerra in A Criança e a Família – Uma Questão de Direito(s), a págs. 437, “as normas da Convenção visam um processado expedito para fazer cessar uma situação ilícita de retirada de uma criança, com base na ideia de que há efeitos prejudiciais dessa retirada. Tal imposição visa evitar a legitimação, contra os interesses da criança, de comportamentos dos progenitores, com condutas contrárias às decisões assumidas de guarda e, sobretudo, independentemente da questão de fundo, fazer retornar, de forma célere e expedita, a criança a quem foi retirada”.
Nesse caso é que seria de aplicar a referida Convenção a qual tem por objecto assegurar o regresso imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente”.
Acresce dizer que a Convenção reproduz no seu artigo 1º os seus objectivos (principais), de acordo, aliás, com o constante do respectivo Preâmbulo.
Mas para além destes, pode dizer-se que tem um objectivo suplementar – de que, em certas circunstâncias definidas, a situação própria da criança deva ser tida em conta, nomeadamente o interesse superior da criança -, e um objectivo implícito – o de que o mérito das questões relativas à custódia deve ser feita pelas autoridades competentes do Estado onde residia a criança habitualmente antes de ser transferida.
Porém, como já supra se deixou referido, visando salvaguardar o superior interesse da criança, não deixou a Convenção de prever situações em que o Estado a que é requerido o regresso da criança possa proferir decisão de recusa de regresso.
Tais situações estão previstas no art. 13º da Convenção, que dispõe, no que ora importa, que “Sem prejuízo das disposições contidas no artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigado a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar: … b) Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável”.
Da simples leitura do referido artigo ressaltam, desde logo, duas conclusões, a saber: por um lado, é à pessoa que se opõe ao regresso que cumpre alegar e provar a existência do referido risco ou situação intolerável; por outro lado, o risco há-de ser grave ou a situação intolerável.
E do ora exposto, retira-se sem qualquer dúvida que o facto de a progenitora ter de forma ilícita levado consigo os filhos de que ambos os progenitores tinham a guarda pode não bastar para que a entrega ocorra pois a progenitora no âmbito do processo especial de entrega poderá alegar e provar os riscos e perigos definidos pelo artº 13º da mencionada Convenção.
E sem pretendermos apreciar da aplicação da Convenção pois este não é o processo adequado conforme já se disse, não podemos deixar de referenciar o tempo entretanto decorrido desde a ida dos menores para o estrangeiro, o qual pode ter permitido que os menores se tenham integrado no seu novo ambiente- o que até resulta dos factos provados- o que a provar-se no dito processo impedira o seu regresso, nos termos previstos no artº 12 da referida Convenção de Haia.
Finalizamos seguindo os ensinamentos de Maria Clara Sottomayor, Exercício do Poder Paternal …, a pág. 382: “A questão da mudança de residência deve ser analisada à luz da qualidade das soluções alternativas possíveis para a criança, no caso de se proibir a deslocação, e detecta-se, conforme o exposto, que nenhuma das soluções é a ideal. Portanto, terá que se optar pela menos má, a permanência da criança junto da sua pessoa de referência.”.
E nada foi provado nestes autos de relevante, que permita concluir que a progenitora não é boa mãe e que não reúne as condições necessárias para que a guarda dos seus filhos lhe seja atribuída e que os menores estariam melhor com o progenitor.
Pelo que em face dos critérios objectivos acima referidos , não merece qualquer censura o sentido da decisão recorrida, que acolheu a continuidade das relações afectivas existentes.
Em face de todo o exposto, e por a sentença recorrida não violar a lei, nem o superior interesse dos menores, improcede a apelação, mantendo-se a sentença recorrida o que acontece também quanto à condenação em custas.
Não é verdade que não consta na sentença recorrida qualquer fundamento ou razão para que as custas sejam da responsabilidade do recorrente na proporção de 2/3 e à requerida de 1/3.
E que tal condenação é manifestamente arbitrária, violando o disposto no artigo 446º e seguintes do CPC.
Como bem sabe o recorrente as custas neste tipo de processo quando são reguladas as responsabilidades parentais são devidas a meias pelos progenitores, uma vez que foram eles que com a separação criaram a necessidade de intervenção judicial, ou seja, deram causa ao processo ( art.º 446º do CPC).
Mas para além disso neste caso o recorrente pedia a guarda dos filhos, o que lhe foi negado tendo decaído neste pedido.
Daí a proporção das custas devidas pelo decaimento a mais do que aconteceu com a progenitora .
Assim acontece neste recurso que como se julga improcedente determina que o recorrente fique vencido nas suas pretensões e por tal deva pagar as respectivas custas, tudo nos termos previstos nos arts 446º e ss do CPC.

DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam os juízes desta secção
a)- Julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
b)- Condenar o apelante nas custas devidas pelo recurso interposto e em relação ao qual ficou vencido nas suas pretensões.
Notifique
Guimarães, 04.03.2013
Purificação Carvalho
Rosa Tching
Espinheira Baltar