Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
53/15.79AVV.G1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: DESCAMINHO OU DESTRUIÇÃO DE OBJECTOS
CONSUMAÇÃO DO CRIME
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
ARTºS 355º DO CP
281º DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Comete o crime do artº 355º, do CP, o arguido que intencionalmente escondeu o veículo automóvel em causa nos autos, bem sabendo da ordem de penhora e entrega do mesmo e, com o intuito de frustrar a sujeição do mesmo ao poder público emanado da agente de execução e, agindo de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

II) A subtracção ao poder público (mencionada no tipo legal a par das acções de destruir, danificar, inutilizar)) é precisamente o acto de desapossamento em relação à custódia do Estado, mediante o seu extravio.

III) Não há lugar à suspensão provisória do processo, nos termos do artº 281º, do CPP, quando, como sucede nos autos, o arguido não dirige tal pretensão ao magistrado do Mº Pº, antes de este introduzir o feito em juízo para julgamento.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE GUIMARÃES:
I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Processo Comum Singular, com o nº 53/15.7T9AVV, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Criminal de Ponte da Barca, foram pronunciados os arguidos:
- R. A., solteiro, comerciante de automóveis, natural da freguesia de …, concelho de …, nascido a …, filho de A. A. e de G. A. e, residente no lugar de …, e,
- M. A., solteiro, carpinteiro, natural da freguesia de …, concelho de …, nascido a …, filho de A. A. e de G. A. e, residente no lugar da …,– quando residente em Portugal – e em 228 Rue …, França – quando residente em França.
Foi imputada a cada um dos arguidos a prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punido pelo artigo 14º, 26º e, 256º, nº 1, alíneas a), d) e, e), do Código Penal e, de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, previsto e punido pelo artigo 14º, 26º e, 355º, nº 1 do Código Penal.
O arguido R. A. apresentou contestação e arrolou testemunhas.
Realizado o julgamento, veio a ser proferida pertinente sentença, na qual se decidiu:
A) Condenar o arguido R. A. pela prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, pelo artigo 14º, 26º e 256º, nº 1, alíneas a), d) e, e), do Código Penal, na pena de 165 (cento e sessenta e cinco) dias de multa;
B) Condenar o arguido R. A. pela prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, pelo artigo 14º, 26º e, 355º, nº 1, do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, substituída nos termos do artigo 43º, nº 1, do Código Penal, por 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa;
C) Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º, nº 1 e, nº 2, do Código Penal, condenar o arguido R. A. na pena única de 9 (nove) meses de prisão, substituída nos termos do artigo 43º, nº 1, do Código Penal, por 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa e 165 (cento e sessenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de 7 € (sete euros), o que perfaz o montante global de 2.905 € (dois mil novecentos e cinco euros).
D) Condenar o arguido M. A. pela prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, pelo artigo 14º, 26º e, 256º, nº 1, alíneas a), d) e, e) do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa;
E) Condenar o arguido M. A. pela prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, pelo artigo 14º, 26º e, 355º, nº 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída nos termos do artigo 43º, nº 1, do Código Penal, por 190 (cento e noventa) dias de multa;
F) Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º, nº 1 e, nº 2, do Código Penal, condenar o arguido M. A. na pena única de 6 (seis) meses de prisão, substituída nos termos do artigo 43º, nº 1, do Código Penal, por 190 (cento e noventa) dias de multa e 140 (cento quarenta) dias de multa, à taxa diária de 7 € (sete euros), o que perfaz o montante global de 2.310 € (dois mil trezentos e dez euros).

Inconformado com esta decisão condenatória, o arguido R. A., da mesma interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
A. O arguido foi condenado pela prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento e de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 (nove) meses de prisão, substituída nos termos do artigo 43º, nº 1, do Código Penal, por 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa e 165 (cento e sessenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €7 (sete euros), o que perfaz o montante global de €2905 (dois mil novecentos e cinco euros).
B. O presente recurso tem como objecto toda a matéria da sentença condenatória proferida nos presentes autos.
C. Salvo o devido respeito, não podia o tribunal recorrido ter dado como provados os factos: 1.7.; 1.8.; 1.9.; 1.11.; 1.13.; 1.15.; 1.16.; 1.20.; 1.21.; 1.22.; 1.23.; 1.24.; 1.25.; 1.26.; 1.27.; 1.28.; 1.29.; 1.30. e 1.31. - concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados, em obediência ao artigo 412º, nº 3, alínea a), do Código de Processo Penal).
D. O depoimento da testemunha da acusação, Dra. H. M. (artigo 412º, nº 3, alínea b), CPP), foi nos seguintes termos:
(…)
Declarações da testemunha Dra. H. M. com início às 15h14m27 e ainda às 15h16m45 do dia 05-01-2017 01:30 a 01:47 e minuto 01:18 a 02:07 – artigo 412º, nº 4, CPP.
E. Em face do exposto, tal matéria jamais poderia ter sido dada como provada.
F. A Advogada que efectuou o registo automóvel referiu expressamente um erro, que, por mero lapso, cometeu, a saber: a data da venda aquando do registo online.
Apesar disso, o tribunal a quo, com toda a singeleza, dá como provado tal e qual a data que vinha na acusação pública. Tudo isto, não obstante na fundamentação dar nota desse lapso, o que se argui (410º, nº 2, alínea b).
G. A Ilustre Advogada referiu ainda que não sabia quem a contactou, todavia, o tribunal a quo deu como provado, sem mais, que foi o arguido R. A.!!! - 410º, nº 2, alínea c), CPP
H. O arguido R. A., não foi tido nem achado no processo executivo, no entanto, para o tribunal a quo os requerimentos que nesse processo deram entrada, são resultado de decisão sua e execução de um plano por si gizado! - 410º, nº 2, alínea c), CPP.
I. O depoimento das testemunhas da acusação, Dra. E. A. (Agente de Execução) e R. C. (GNR); da testemunha de defesa S. B. [Declarações com início às 14h09m18s do dia 16/01/2017 minuto 00:38 a 04:15 – artigo 412º, nº 4 CPP] e, ainda, a prova documental constante de fls. 83; 94 e 146 - artigo 412º, nº 3, alínea b), CPP), impunham, igualmente, decisão diversa relativamente à matéria de facto.
J. O depoimento mais impressivo de tais testemunhas (artigo 412º, nº 3, alínea b), CPP) foi nos seguintes termos:
(…)
- Declarações da testemunha Dra. E. A., com início às 14h57m27s, do dia 05/01/2017, minuto 08:27 a 13:45 – artigo 412º, nº 4 CPP
- Declarações da testemunha R. C., com início às 15h19m31s, do dia 05/01/2017, minuto 00:34 a 05:34 – artigo 412º, nº 4 CPP
K. Em face do exposto, tal matéria jamais poderia ter sido dada como provada.
L. Dar como provado, face aos depoimentos supra transcritos, apenas que “A Sra. Agente de Execução do referido processo nunca contactou pessoalmente o arguido R. A.” (ponto 1.33 dos factos provados) é, profundamente, inusitado.
M. O arguido R. A. não era parte no referido processo executivo, pelo que desconhecia, por completo, a referida acção executiva, os seus trâmites e, mais do que isso, os requerimentos e despachos do mesmo.
N. O arguido R. A. colaborou com a Agente de Execução e com a GNR. Logo que questionado pela GNR (única entidade que o questionou sobre o assunto!) acerca da localização do veículo, o arguido R. A., a 17 de Fevereiro de 2016, foi peremptório em afirmar que o veículo se encontrava na sua posse, tendo fornecido, de imediato, o seu contacto móvel - Cfr. fls. 146 dos autos.
O. Não era ao arguido R. A., que não fazia ideia nenhuma do assunto, que competia ir à GNR ou ir ter com a Agente de Execução dizer onde estava o veículo automóvel, pelo que não se pode admitir, de modo algum, a expressão constante da sentença, a propósito do contacto que o mesmo teve com a testemunha R. C. (GNR), “(…) mas não lhe disse onde estava o mesmo (…)” (página 11 de 29).
P. Tal expressão roça a inversão do paradigma vigente da presunção de inocência, para um paradigma de presunção de responsabilidade penal.
Q. Na altura que a GNR contactou o arguido R. A., não pretendia efectuar a apreensão do veículo, mas apenas localizá-lo! Caso contrário, teria o feito.
R. O automóvel estava junto a uma estrada nacional, facto, pasme-se provado por um militar da GNR!!!
S. No quadro probatório atrás desenvolvido, parece-nos, salvo melhor opinião, que, na pior das hipóteses para o arguido, teria sido adequado convocar o princípio in dubio pro reo.
T. Por tudo quanto fica exposto, afigura-se-nos que o presente recurso terá de ser julgado procedente, modificando-se a matéria de facto dada como provada e absolvendo-se o arguido dos crimes porque foi condenando (431º, alíneas a) e b) do CPP).
U. Sem prescindir, importa referir que a falsificação documental ainda que realizada com a intenção típica, não é punível se o documento falso for, objectivamente, insusceptível de causar prejuízo a outrem ou ao Estado.
V. No caso vertente, resultando dos autos de execução que a penhora sobre o veículo automóvel de matrícula MF já se encontrava registada aquando da elaboração do registo de propriedade a favor do arguido R. A. e considerando que o artigo 6º, nº1 do Código do Registo Predial estabelece a prioridade do registo, estipulando que o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos, facilmente se percebe a insusceptibilidade de causar prejuízo.
W. Tal facto está aliás claramente evidenciado no ponto 1.14. dos factos provados, que dá nota que o tribunal [onde corria a citada execução] não acedeu à pretensão e determinou a prossecução dos autos, com a manutenção da penhora do referido veículo automóvel.
X. Pelo que, também, por tal razão, deveria o tribunal a quo ter absolvido o arguido R. A. do crime de falsificação de que vinha acusado.
Y. Por outro lado, importa salientar também que o arguido não subtraiu ao poder público o que quer que seja. Nunca o arguido foi notificado para entregar o veículo, nem para facilitar sua remoção; o que ocorreu, vislumbra-se perfeitamente, foi que ninguém, com interesse na apreensão ou remoção, agiu diligentemente de modo a concretizar o seu propósito! O depoimento da testemunha R. C., pessoa responsável pela “apreensão”/localização do veículo é mais do que claro. Destarte, deveria o tribunal a quo ter absolvido o arguido R. A. do crime de descaminho de que vinha acusado.
Z. No caso concreto estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 281º do CPP pelo que deveria o Ministério público ter utilizado o seu poder – dever de determinar a suspensão provisória do processo, mediante a imposição ao arguido R. A. das injunções que intendesse por convenientes, o que incompreensivelmente não aconteceu!
AA. Nos presentes autos, foi declinada a SPP ao arguido, porque o MP, em sede de instrução, simplesmente não concordou, pouco ou nada se justificando. Meses antes, isto é, em 24/05/2016 foi noticiado, no entanto, na imprensa nacional que “os dezanove arguidos acusados em Outubro no âmbito da Operação F., mediante decisão instrutória a cargo do juiz I. R., do Tribunal Central de Instrução Criminal, ficaram com suspensão provisória do processo mediante o pagamento de quantias na ordem dos dois milhões de euros”, tendo os crimes, cometidos entre 2001 e 2007, provocado ao "Estado um prejuízo, ainda não regularizado, num montante superior a 16 milhões de euros".
BB. Em face do exposto, entendemos, salvo melhor opinião, que tal situação é sindicável em sede de recurso, devendo os presentes autos ser objecto de reenvio para efeitos de aplicação das injunções adequadas.
CC. Por extrema cautela de patrocínio, importa referir que, mesmo que em teoria se mantenham tal e qual os factos constantes na sentença recorrida, a pena aplicada é completamente desproporcional, e, por isso, ilegal, por violação dos artigos 40º e 71º do Código Penal.
DD. O tribunal recorrido não valorou minimamente a desistência do pedido de indemnização civil, nem a extinção da acção executiva a que a Agente de Execução aludiu no seu depoimento, ou seja, que o alegado principal prejudicado com a falsificação e substração desistiu dos pedidos.
EE. Tal matéria, no entanto, teria que ser valorada ao nível da atenuação especial da pena (artigo 72º, nº 2, alínea c), do CP).
FF. Para além disso, choca até os mais incautos, que o arguido que nada tem que ver com o processo de execução seja condenado em pena mais gravosa que o arguido executado naqueles autos, mesmo levando em linha de conta que tem averbado um antecedente criminal de natureza diferente (bagatela penal).
GG. Roga-se a V. Exas. pela aplicação de uma pena de multa coincidente com o mínimo legal.
Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, tudo com as legais consequências.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça.

Notificado nos termos do disposto no artigo 411º, do Código de Processo Penal, para os efeitos do disposto no artigo 413º, do mesmo diploma legal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso interposto, apresentando as seguintes transcritas conclusões:
1. A douta sentença da qual o arguido recorre condenou o mesmo, em cúmulo jurídico, na pena única de nove meses de prisão substituída, nos termos do artigo 43º, nº 1, do Código Penal, por duzentos e cinquenta dias de multa e cento e sessenta e cinco dias de multa, à taxa diária de sete euros, o que perfaz o montante global de dois mil novecentos e cinco euros, pela prática de um crime de falsificação ou de contrafacção de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, als. a), d) e e), do Código Penal e de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo artigo 355º, nº 1, do Código Penal. No caso dos autos a sentença recorrida não enferma de um erro de julgamento;
2. Ao contrário do que refere o recorrente, a referência nos factos provados da data 10-10-2010 trata-se de um mero lapso que pode e deve ser corrigido pelo Tribunal a quo, nos termos do artigo 380º, nº 1, al. b), do Código de Processo Penal.
3. O Tribunal, entidade que decide, considerou de forma diversa daquela que o recorrente entende ser a adequada em função da sua convicção;
4. Sendo a convicção do Tribunal a que vale e constando da sentença um raciocínio lógico a adequado tendo por referência as regras da experiência comum, nada justifica a sindicância da decisão tanto mais que o Tribunal decidiu tendo por base os princípios da oralidade e da imediação;
5. O princípio do in dubio pro reo apenas é aplicado nos casos em que o julgador fica com dúvidas quanto à comissão pelo arguido do crime que lhe vem imputado. A diferente convicção do arguido quanto à produção de prova é irrelevante;
6. Quando o Ministério Público não determina, ainda que o devesse fazer, a suspensão provisória do processo, não tem o juiz o poder de o substituir;
7. A condenação do arguido nos termos supra referidos mostra-se justa e adequada às finalidades de punição;
8. Considerando o que se deixou exposto, considera o Ministério Público que a sentença recorrida não violou qualquer disposição legal ou princípio jurídico, motivo pelo qual deverá a mesma ser mantida integralmente e, consequentemente, declarar-se o recurso interposto totalmente improcedente, por infundado.
Termos em que o recurso deve ser julgado improcedente e a sentença recorrida deve ser mantida na íntegra por ter feito uma correcta interpretação dos factos e aplicação do direito.
Porém, V. Exas. decidindo farão Justiça.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência total do recurso interposto, conforme melhor resulta de fls. 518 a 522, dos autos.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:
Factos provados
Com interesse para a decisão da causa, resultaram apurados os seguintes factos:

1. Em dia não concretamente apurado, mas por volta do mês de Maio de 2011 o arguido R. A., comerciante de automóveis, adquiriu o veículo com a matrícula MF a S. F., avaliado, nessa data em cerca 1.500/2.000 euros.
2. Em troca, S. F. recebeu do arguido R. A. o veículo automóvel de matrícula PR, avaliado em 5.000 €, pagando o remanescente do valor relativo à aquisição deste veículo em dinheiro que entregou ao arguido.
3. No dia 17 de Agosto de 2011 o arguido M. A., adquiriu o veículo com a matrícula MF ao seu irmão, R. A., por valor não concretamente apurado, mas próximo dos 1.500 euros, efectuando o competente registo de transmissão de propriedade junto da Conservatória do Registo Automóvel.
4. No dia 24 de Fevereiro de 2012 no extinto Tribunal Judicial dos Arcos de Valdevez A. F. intentou ação de execução comum – instaurada com base numa injunção à qual foi aposta fórmula executória – contra M. A., à qual foi atribuído o nº 83/12.0 TBAVV, para pagamento da quantia certa – 3.405,48 € – de que este era devedor.
5. No âmbito da referida ação, e no seguimento das diligências de execução, no dia 17 de Dezembro de 2013 a agente de execução nomeada no âmbito desses autos, E. M., portadora da cédula nº 3333 penhorou o veículo automóvel de matrícula MF pertença do então executado, aqui arguido M. A..
6. Por citação enviada via postal a 06-02-2014 e conseguida a 21-02-2014 foi o então executado, aqui arguido M. A. citado nos termos e para os efeitos do processo executivo, tendo ainda sido notificado de que o veículo acima identificado (com a matrícula MF) estava penhorado e que ficava expressamente advertido que deveria proceder à entrega dos documentos do veículo no prazo de 5 dias; no mesmo prazo indicar o local onde o veículo se encontra depositado (…).
7. Depois de ter sido citado e de ter tido conhecimento da penhora sobre o seu veículo automóvel com a matrícula MF e por forma a evitar a venda do mesmo e a frustrar-se a penhora que sobre o mesmo incidia, o arguido M. A. juntamente com o seu irmão, R. A., em data não concretamente apurada, mas entre o dia 21-02-2014 e o dia 27-02-2014, na execução de um plano por ambos delineados e de comum acordo e na prossecução desse fito, decidiriam preencher um requerimento do registo automóvel – declaração para registo de propriedade – e submetê-lo a registo dando conta que desde o dia 10-10-2010 o veículo já não era propriedade de M. A., uma vez que este nessa data havia vendido o referido veículo ao seu irmão, aqui arguido R. A..
8. Mais decidiram juntar aos autos um requerimento apresentado pelo então executado M. A., dando conta que o veículo não poderia ser vendido pois não era sua propriedade desde 10-10-2010, juntando para o efeito cópia do referido requerimento do registo automóvel.
9. Assim, na execução do plano previamente elaborado e sempre com o referido fito, os arguidos, em dia não concretamente apurado, mas entre o dia 21-02-2014 e o dia 27-02-2014, preencheram um requerimento do registo automóvel apondo a cruz no lugar destinado a registo inicial de propriedade, relativo ao veículo automóvel com a matrícula MF, marca Citroen, e no lugar destinado ao sujeito activo (comprador) apuseram o nome de R. A., titular do BI nº …, e no lugar destinado ao sujeito passivo (vendedor) apuseram o nome de M. A., CC nº …, e mais fizeram constar na local destinado a declarações que: o contraente indicado como sujeito passivo (vendedor) declara que em 10-02-2010 efectivamente celebrou nessa qualidade o contrato nele especificado e por isso confirma-o sem quaisquer restrições.
10. Requerimento que os arguidos assinaram, nos respectivos lugares a si destinados – o arguido R. A. no lugar destinado ao comprador e o arguido M. A. no lugar destinado ao vendedor.
11. Na posse deste requerimento, no dia 27 de Fevereiro de 2014, e na execução do plano previamente delineado por ambos os arguidos, R. A. deslocou-se ao escritório da ilustre advogada, Dra. H. M. sito em Ponte da Barca e solicitou-lhe que procedesse ao registo de transmissão de propriedade do veículo automóvel de matrícula MF, entregando para o efeito o referido requerimento que havia preenchido juntamente com o seu irmão M. A..
12. Acreditando que a declaração de venda aí vertida correspondia à verdade, nesse mesmo dia a ilustre advogada digitalizou o referido requerimento, acedeu ao registo automóvel on line, efectuou o pagamento devido e concluiu o registo da transmissão do veículo matrícula MF.
13. Na posse de cópia do registo ora efectuado, e na execução do referido plano elaborado por ambos os arguidos, o arguido M. A., através da mandatária que o representava nesses autos de execução, dirigiu um requerimento à Exma. Sra. Agente de execução, que deu entrada nesses autos de execução no dia 2 de Abril de 2014, tendo junto como prova e documento cópia daquele requerimento apresentado junto da conservatória do registo automóvel para efeitos de registo, comunicando que o veículo com a matricula matrícula MF já não lhe pertencia desde o dia 10-10-2010, data em que procedeu à sua venda, como prova o documento junto ao requerimento.
14. Contudo, o Tribunal não acedeu à pretensão dos arguidos e determinou a prossecução dos autos, com a manutenção da penhora do referido veículo automóvel.
15. Foi assim ordenada aos arguidos – ao arguido M. A. na qualidade de proprietário/executado e ao arguido R. A. na qualidade de possuidor – a entrega do veículo penhorado com a matrícula MF por forma a que o mesmo fosse apreendido com vista à sua venda.
16. Notificados para entregarem o mencionado veículo automóvel que se encontrava penhorado, os arguidos, apesar de diversas vezes instados pela agente de execução nomeada nos autos acima referidos, não procederam à entrega do referido veículo.
17. Com efeito, por citação enviada via postal a 06-02-2014 e conseguida a 21-02-2014 foi o então executado, aqui arguido M. A. notificado de que o veículo acima identificado (com a matrícula MF) estava penhorado e que ficava expressamente advertido que deveria proceder à entrega dos documentos do veículo no prazo de 5 dias; no mesmo prazo indicar o local onde o veículo se encontra depositado (…).
18. Volvido esse prazo o arguido M. A. não indicou a localização o veículo, não entregou os documentos do mesmos e não procedeu à entrega do veículo.
19. No dia 24 de Maio de 2015 a solicitação da agente de execução nomeada no âmbito daqueles autos, o militar da GNR local, R. C., deslocou-se à residência do arguido M. A. a fim de proceder à apreensão do referido veículo, não o tendo encontrado naquele local.
20. Acresce que no dia 01-10-2015 a agente de execução deslocou-se à residência do então executado, aqui arguido M. A., sita no lugar da …, Arcos de Valdevez e do aqui arguido, R. A. sita, no lugar de …., Arcos de Valdevez, a fim de proceder à apreensão do mencionado veículo penhorado, contudo não o encontrou naquele local.
21. Ademais, e uma vez que o arguido M. A. deu conta nos autos que o detentor do veículo era o irmão, R. A., foi este notificado a 04-11-2015 para no prazo de 10 dias entregar as chaves e respectivos documentos do veículo, bem como indicar o local onde o mesmo se encontrava a fim de ser aprendido.
22. Volvido o prazo, o arguido R. A. nada disse.
23. Com efeito não foi possível proceder apreensão e venda do referido veículo no âmbito dos supra referidos autos, porquanto os arguidos de comum acordo e na prossecução de um plano por ambos gizado, e em data não concretamente apurada, mas durante entre 21-02-2014 e o dia 01-10-2015 removeram o veículo para local desconhecido.
24. Por via dessa conduta, a apreensão e venda do veículo penhorado não chegou a efectuar-se nos autos de execução acima referidos, prejudicando, deste modo, a finalidade essencial do ato de penhora e a satisfação do crédito exequendo.
25. Ora, ao não entregarem o referido veículo que se encontravam penhorado e ao levá-lo para local desconhecido, de nada informando o processo, e cientes que o mesmo se encontrava penhorado, ou seja, sob tutela do poder judicial do Estado, os arguidos sabiam que, com tal comportamento inviabilizariam, como efectivamente aconteceu, as diligências futuras tendentes ao ressarcimento do credor e que subtraíram ao poder público a que estava sujeito aquele veículo automóvel que se encontrava penhorado.
26. Os arguidos bem sabiam que ao preencherem e fazerem constar do requerimento do registo automóvel que declaravam que o sujeito passivo, vendedor, neste caso o arguido M. A., que em 10-2-2010 havia celebrado nessa qualidade o contrato nele especificado e por isso confirmando-o sem reservas, ou seja, que havia vendido nessa data o veículo com a matricula MF ao arguido R. A., e que este nessa data o havia efectivamente adquirido faziam constar do referido requerimento facto juridicamente relevante não verdadeiro – o acto de compra e venda do mencionado veículo, a data do negócio e a identificação do vendedor e respectivo comprador – e estavam a criar um documento que, pese embora não fosse verdadeiro lograva criar a aparência de que era verdadeiro.
27. Ademais, bem sabiam que ao entregar o referido requerimento à ilustre advogada para que esta o submetesse a registo on line, como aconteceu, estavam a utilizar um documento que sabiam que continha um facto juridicamente relevante que não correspondia à realidade.
28. Acresce que os arguidos bem sabiam que ao utilizar aquele requerimento do registo automóvel contendo factos juridicamente relevantes não verdadeiros e ao juntá-lo ao requerimento que dirigiram aos autos de execução no dia 2 de Abril de 2014 comunicando que o veículo com a matricula matrícula MF já não pertencia ao então executado, o arguido M. A. desde o dia 10-10-2010, data em que procedeu à sua venda, que utilizavam documento e requerimento que continha factos juridicamente relevante e que sabiam não corresponder à verdade.
29. Ademais, os arguidos agiram sempre com a intenção de obstar a que se fosse levada a cabo a apreensão e venda do veículo penhorado e pertença do então executado, arguido M. A., e desta forma prejudicarem o exequente no âmbito dessa acção, impedindo-o de ver o seu crédito satisfeito, ou parte dele com a penhora e venda do veículo e de obterem um benefício que não lhes era devido correspondente ao valor do veículo – (não concretamente apurado mas situado entre os 1.000/1.500 euros).
30. Ademais, ao actuarem da forma descrita, os arguidos actuaram conscientes de que com essa atuação subtraiam ao poder público a que estava sujeito o referido veículo automóvel, e que colocavam em causa o interesse público da manutenção daquele bem sob custódia do Estado, resultado que quiseram, pretenderam e alcançaram.
31. Os arguidos actuaram na sequência de um plano previamente elaborado e de comum acordo, bem sabendo do carácter ilícito e proibido de tais condutas e mesmo assim não deixaram de as praticar, fazendo-o sempre de forma, livre, voluntária e conscientemente.
32. Considera-se aqui integralmente reproduzido o conteúdo do requerimento de fls. 104 (Ref. 706349) junto aos autos.
33. A Sra. Agente de Execução do referido processo nunca contactou pessoalmente o arguido R. A..
Mais se provou que:
34. Considera-se aqui integralmente reproduzido o resultado das consultas nas bases de dados do registo de bens móveis, na Repartição de Finanças, na Segurança Social e na Conservatória do Registo Predial de fls. 275-297 e 299-306; e o relatório do Órgão de Polícia Criminal quanto à situação económico-financeira dos arguidos e dos seus encargos pessoais de fls. 366-368.
35. O arguido M. A. não tem averbado antecedentes criminais no seu registo criminal.
36. Por sentença proferida em 10-04-2014, transitada em julgado em 19-05-2014, nos autos de Processo Especial Sumário nº 100/14.0GBAVV, do Tribunal de Arcos de Valdevez, foi o arguido R. A. condenado pela prática, em 26-03-2014, de um crime de desobediência, previsto e punido no artigo 348º, nº 2, do Código Penal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 7 €, o que perfaz o total de 700 €. Por despacho datado de 05-12-2014 foi declarada extinta a pena pelo pagamento.

Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão (note-se que o Tribunal não se pronuncia quanto a juízos conclusivos e/ou de direito e/ou repetidos), designadamente:
1. Que o R. A. não preencheu nem leu o requerimento de registo automóvel junto aos autos que assinou.
2. O que está em causa nos autos é um lapso na data aposta no requerimento de registo automóvel.
3. Em momento algum o arguido R. A. foi notificado, no decorrer do ano de 2015, para indicar o paradeiro do veículo de matrícula MX ou para entregar o mesmo à Sra. Agente de Execução.
4. Se tentou ou não fazê-lo o arguido não sabe.
5. Logo que questionado pela GNR (a primeira entidade que o questionou objectivamente sobre o assunto) acerca da localização do veículo o arguido R. A., a 17 de Fevereiro de 2016, foi peremptório em afirmar que o veículo se encontrava na sua posse, tendo fornecido, de imediato, o seu contacto móvel.
6. O arguido R. A. é tido no meio social em que vive como uma pessoa calma, não conflituosa, humilde, muito trabalhadora, educada e ordeira, sendo respeitado e respeitador; é trabalhador e cumpridor dos seus deveres enquanto cidadão.

Na motivação de facto e de direito e exame crítico das provas, consta o seguinte (transcrição):
Nos termos do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
A convicção do Tribunal fundou-se em todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, nomeadamente, nos depoimentos das testemunhas S. F., E. A., H. M., R. C., S. B. e J. A..
Não foi feita prova bastante que afaste a genuinidade dos documentos juntos aos autos, pelo que relativamente aos documentos não autênticos (cfr. artigo 169º do Código de Processo Penal, o qual refere que “consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa”), o seu teor pode ser valorado livremente pelo Tribunal, conjugando os mesmos com a demais prova produzida e as regras de experiência. Assim sendo, o Tribunal teve em consideração os documentos juntos aos autos (designadamente, certidão de fls. 2 a 31; Cópias de fls. 64 e 65; Cópias de fls. 78 a 83; impressões de fls. 99 a 101; Informações de fls. 107 a 113; impressão de fls. 115; Cópias de fls. 116 a 120; Cópias de fls. 123 a 134; Informação de fls. 138 a 146; Certidão de fls. 148 e 149; Certidão de fls.150 a 160 dos autos; o teor das consultas na base de dados de registo de bens móveis, na Repartição de Finanças, na Segurança Social e na Conservatória do Registo Predial de fls. 275-297 e 299-306, cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido; relatório do Órgão de Polícia Criminal quanto à situação económico-financeira dos arguidos e dos seus encargos pessoais de fls. 366-368; e o certificado do registo criminal junto aos autos a fls. 348-351).
Note-se que a prova produzida deve ser analisada atenta a segurança oferecida por cada elemento probatório (considerado individualmente, nomeadamente, quanto à sua credibilidade, isenção e fundamentação da razão de ciência), e bem assim ponderada de acordo com o seu confronto com os demais elementos de prova constantes nos autos (v.g., prova documental, pericial e testemunhal), por forma a que o resultado final não produza uma decisão injusta, insuficientemente segura em termos de corroboração factual, ou incoerente com a realidade e o normal acontecer dos factos.
Assim sendo, compreende-se que uma testemunha contribua activamente para alicerçar o Tribunal na formação da convicção da realidade de um facto pela mesma relatado, atenta a sua isenção e fundamentação da razão de ciência quanto a esse mesmo facto, mas também pode acontecer que essa mesma testemunha transmita ao Tribunal outros factos que, quando confrontados com os demais elementos de prova produzida (e legalmente admissíveis), não sejam bastantes para fundamentar a resposta em determinado sentido dada pelo Tribunal à matéria factual em análise nos autos.
Cumpre salientar que tendo a prova testemunhal sido gravada, de modo algum se deve aqui reproduzir o teor da mesma, por tal não corresponder à letra e ao espírito da lei e ser inexequível na prática, mas sim frisar os pontos essenciais (nomeadamente no que respeita à fundamentação da razão de ciência, isenção, coerência, segurança e emotividade que pautaram em concreto cada depoimento) que determinaram que a convicção do julgador (relativamente ao qual a prova se produziu presencialmente) se formasse no sentido em que consta do elenco dos factos provados.
De referir ainda que a lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o ato de decidir numa tarefa impossível (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional nº 258/2001: “não é inconstitucional a norma do nº 2 do art. 374º do CPP, quando interpretada em termos de não determinar a indicação individualizada dos meios de prova relativamente a cada elemento de facto dado por assente”).
Concretizando, quanto aos arguidos R. A. e M. A., os mesmos não quiseram prestar declarações quanto aos factos que lhes foram imputados pelo Ministério Público e constantes da acusação, direito que lhes assiste, nos termos dos artigos 61º, nº 1, al. d) e 343º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal. Os arguidos também se recusaram prestar declarações quanto às suas condições socioeconómicas e profissionais.
S. F. (casada, operadora de caixa, residente no lugar do …., Arcos de Valdevez; disse conhecer o arguido R. A., nada tendo contra ambos os arguidos), confirmou que em dia que agora não se recorda, mas por volta do mês de Maio de 2011 o arguido R. A., comerciante de automóveis, adquiriu-lhe o veículo com a matrícula MF avaliado, nessa data em cerca 1.500/2.000 euros, e que em troca a ora testemunha recebeu do arguido R. A. o veículo automóvel de matrícula PR, avaliado em 5.000 €, pagando o remanescente do valor relativo à aquisição deste veículo em dinheiro que entregou ao arguido.
O Tribunal valorou positivamente as declarações da testemunha E. A. (casada, agente de execução com escritório na Rua …, em Santo Tirso; disse não conhecer os arguidos, nada tendo contra os mesmos).
Com efeito, porque sempre mostrou uma postura calma (na voz e na expressão corporal), um raciocínio coerente (nunca deixando transparecer qualquer contradição dos factos pelo mesmo relatados) e isento (não demonstrando cumplicidade para com os interesses de qualquer dos sujeitos processuais); atenta a circunstância dos factos terem sido corroborados pelos documentos juntos aos autos e pelas testemunhas H. M. e R. C. que o Tribunal julgou credíveis (nos termos infra exarados), e porque em momento algum invocou matéria fáctica que contrariasse as regras da experiência e do normal acontecer dos factos, a mencionada testemunha logrou convencer o Tribunal sobre a realidade dos factos sobre que foi inquirido e tal como foram considerados provados (em especial, quanto à identidade dos agentes delinquentes, ao modo de ocorrência dos factos e às suas consequências).
Referiu, no essencial, de modo pormenorizado (mencionando as datas relevantes) tudo o que ocorreu no processo executivo onde foi penhorado o veículo com a matrícula MF, tal como consta supra no elenco dos factos provados. Mais referiu que até à data ainda não conseguiu apreender fisicamente o veículo e que “o M. A. disse-me na semana passada que estava disposto a entregar o carro”.
Quanto a H. M. (casada, advogada com escritório na Rua …, Ponte da Barca; disse conhecer apenas o arguido R. A., nada tendo contra o mesmo ou contra o arguido M. A.), a mesma logrou auxiliar o Tribunal a captar a realidade dos factos, uma vez que prestou o seu depoimento de forma credível, porque objetivo, pormenorizado e baseado no conhecimento directo dos mesmos e foi congruente com a demais prova produzida e as regras de experiência e do normal acontecer dos factos.
Assim, confirmou, nomeadamente, que com base num requerimento do registo automóvel já preenchido (mencionado supra nos factos provados 1.9. e 1.10.), a pedido presencial do ora arguido R. A., procedeu ao registo on line (na internet) de transmissão de propriedade do veículo automóvel de matrícula MF. Mais referiu que levou ao registo a data de “10/10/2010” por seu lapso pois no requerimento que lhe foi apresentado a alegada data de venda seria “10/02/2010”.
O Tribunal valorou positivamente o depoimento da testemunha R. C. (militar da GNR a prestar serviço no Posto de …; disse conhecer apenas o arguido R. A. do exercício das suas funções, nada tendo contra o mesmo ou contra o arguido M. A.), pois foi coerente e isento (não demonstrando cumplicidade para com os interesses de qualquer dos sujeitos processuais).
No essencial referiu que não conseguiu proceder à apreensão do veículo pois não conseguiu localizar o mesmo, apesar das diligências que empreendeu; assegura que nunca lhe disseram que o veículo seria do R. A.. Já em 2016 é que o R. A. lhe disse que sabia onde estava o veículo (mas não lhe disse onde estava mesmo), mas nessa altura também não lhe disse que esse carro era seu. Confirmou o teor de fls. 146.
S. B. (casado, militar da GNR a prestar serviço no Destacamento de Intervenção de Viana do Castelo; disse conhecer os arguidos, nada tendo contra os mesmos) referiu, no essencial, que o arguido R. A. lhe pedira para ser testemunha neste processo; que já não trabalha há cerca de dois anos em Arcos de Valdevez, e que “eu via o veículo lá na estrada há mais de dois anos”; assegurou que “desconheço factos anteriores ou relativos ao caso”, com isso querendo dizer que desconhecia da existência de alguma penhora, ordem de apreensão, ou qualquer outro expediente relativo ao veículo MF.
A testemunha J. A. (solteiro, motorista, residente na Rua …, Arcos de Valdevez; disse conhecer o arguido R. A.) depôs essencialmente sobre a personalidade, o carácter e as condições pessoais do arguido R. A., mas não foi convincente (falou de modo genérico e muito conclusivo). Uma vez que a referida testemunha não tinha conhecimento directo dos factos imputados pelo Ministério Público aos arguidos (nomeadamente quanto às circunstâncias de tempo, lugar e modo como os factos ocorreram), a mesma não logrou auxiliar o Tribunal nessa matéria (cfr. artigo 128º e 129º, ambos do Código de Processo Penal).
Resultou provada, sem margem para qualquer dúvida, a vontade conseguida dos arguidos, irmãos, de quererem levar a registo públicos factos (relativos à propriedade) que sabiam não corresponderem à verdade, com a clara intenção igualmente conseguida de com isso frustrarem o direito de crédito exequendo e subtraiam o veículo em causa ao poder público (que até ao encerramento da audiência de julgamento continuava sem ser conhecido o seu verdadeiro paradeiro).
A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. Efectivamente o processo nasce porque uma dúvida está na sua base. No caso concreto, após a realização do julgamento nenhuma dúvida razoável persiste sobre os elementos essenciais dos crimes em análise. Com efeito, dos depoimentos conjugados entre si e com os documentos resultou, no essencial, o apuramento seguro dos factos que constam no elenco dos factos provados (circunstâncias de modo de ocorrência, tempo e lugar), e a identidade dos delinquentes.
No que concerne ao elemento subjectivo, a comprovação do mesmo em qualquer ilícito faz-se, ou pela confissão do agente, ou pela existência de elementos fácticos objectivos dos quais aquele elemento se extrai com segurança por aplicação das regras da experiência e do normal acontecer dos factos.
No caso concreto em análise a comprovação do elemento subjectivo resultou, sobretudo, da conjugação dos depoimentos das testemunhas que o tribunal julgou credíveis (nos termos supra exarados), do teor dos documentos juntos e das regras de experiência e do normal acontecer dos factos, uma vez que se afigura sobejamente conhecido que a ação dos arguidos R. A. e M. A. ao agirem do modo com está exarado nos factos provados implica o preenchimento dos crimes em questão.
A comprovação da situação pessoal, familiar e profissional dos arguidos decorreu do teor do relatório do Órgão de Polícia Criminal quanto à situação económico-financeira e dos seus encargos pessoais; e das consultas na base de dados de registo de bens móveis, na Repartição de Finanças, na Segurança Social e na Conservatória do Registo Predial.
A respeito da (in)existência de antecedentes criminais dos arguidos, foi determinante o teor dos certificados do registo criminal juntos aos autos.
Finalmente, na parte em que os factos não resultaram provados, tal circunstância deve-se quer à inexistência ou insuficiência de prova produzida, quer à circunstância de se terem provado factos contrários.
(…)
Da Consequência Jurídica do Crime:
Importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar aos arguidos pela prática dos referidos crimes, atenta a subsunção dos factos pelos mesmos praticados ao enquadramento jurídico, acabada de efectuar.
O crime de falsificação ou contrafacção de documento é punido com pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias (cfr. artigos 41º, nº 1, 47º, nº 1 e 256º, nº 1, als. a), d), e), todos do Código Penal).
O crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público é punido com pena de prisão de 1 mês até 5 anos (cfr. artigos 41º, nº 1, 47º, nº 1 e 355º, todos do Código Penal).
De acordo com o nº 1, do artigo 40º, do mesmo diploma legal, “a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. A pena justifica-se sempre pela finalidade prosseguida, estando assim superadas, na actualidade, as concepções que faziam dela um fim em si mesmo.
Quanto às finalidades da punição, devemos ter em consideração quer razões de prevenção geral (considerada sob um ponto de vista de prevenção geral positiva para a tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção - ou mesmo reforço da vigência da norma violada, conceito que decorre do princípio político-criminal básico da necessidade da pena, cfr. artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa -, que, in casu, são elevadas atenta a sensibilidade da comunidade manifestada relativamente ao cumprimento dos preceitos legais violados pelos arguidos), quer razões de prevenção especial (que obedece à necessidade de reintegração do agente do crime na sociedade, note-se que, in casu, apenas o arguido R. A. tem antecedentes criminais registados, embora pela prática de outro tipo de crime).
No dizer de Fernanda Palma (in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, ed. 1998, ÀFDL, pág. 25), “a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial”. Em jeito de síntese, e como refere Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, ed. 1993, pág. 214), “culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena)”.
O ordenamento jurídico-penal português assenta na concepção básica de que a pena privativa da liberdade deve constituir a ultima ratio da política criminal e, utilizando as palavras de Figueiredo Dias, “em medida não facilmente ultrapassável no momento presente, aos princípios político criminais da necessidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade da pena de prisão” (Jorge de Figueiredo Dias, “Direito penal português. Parte geral II. As consequências jurídicas do crime”, Aequitas Editorial Notícias, Coimbra, 1993, pág. 53).
In casu o legislador estipula apenas a aplicação da pena principal de prisão quanto ao crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público. Quanto ao crime de falsificação ou contrafacção de documento concluímos que as razões de prevenção ficam satisfeitas com a escolha de pena não privativa de liberdade, entendendo-se assim estar afastada a aplicação de uma pena de prisão aos arguidos, atento o tempo entretanto decorrido desde a prática dos factos e não haver notícia da prática de outros crimes, o facto de apenas o arguido R. A. tem antecedentes criminais registados, embora pela prática de outro tipo de crime, sem olvidar o carácter criminógeno das penas curtas de prisão que se deve evitar.
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável – podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
A determinação da medida concreta da pena será efectuada nos termos equacionados no artigo 71º, nº 1 do Código Penal, em função da culpa do agente  que constitui limite inultrapassável, nos termos do artigo 40º, nº 2 do Código Penal  e tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes, devendo o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor dele ou contra ele (nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena – cfr. artigo 71º, nº 2 do Código Penal).
As exigências de prevenção geral apresentam-se de crucial importância, em ambos os crimes de falsificação e descaminho, porquanto a verificação destes crimes é frequente (especialmente nesta comarca), causando nos cidadãos elevada inquietude social e sensação de impunibilidade dos infractores e consequente descrédito da Administração da Justiça.
Uma pena de multa que for fixada em termos de representar, a final, um valor insignificante, ou quase, não tem quaisquer potencialidades para lograr as finalidades da punição, tal como elas estão legalmente fixadas: nem o lesado ou a comunidade sentirão que a ordem jurídica tutela adequadamente os seus interesses, nem a arguida sentirá que o crime, de facto, «não compensa», podendo mesmo sentir-se reconfortado a repetir a sua conduta, confiado na permanente suavidade da Justiça Criminal.
In casu, deve atender-se:
- quanto ao arguido R. A. ao elevado grau de ilicitude dos factos praticados (considerando o modo de execução e as suas consequências); ao dolo intenso (directo) que pautou a sua conduta; à existência de antecedentes criminais registados, embora pela prática de outro tipo de crime; não podemos valorar uma confissão nem um arrependimento porquanto os mesmos não foram manifestados na audiência de julgamento (o que aumenta as necessidades de prevenção especial).
- quanto ao arguido e M. A. ao elevado grau de ilicitude dos factos praticados (considerando o modo de execução e as suas consequências); ao dolo intenso (directo) que pautou a sua conduta; à inexistência de antecedentes criminais registados; não podemos valorar uma confissão nem um arrependimento porquanto os mesmos não foram manifestados na audiência de julgamento (o que aumenta as necessidades de prevenção especial).
Tendo em consideração os factores de determinação da medida da pena que já foram postos em evidência decide-se aplicar:
- ao arguido R. A., a pena de 165 (cento e sessenta e cinco) dias de multa quanto à prática do crime de falsificação ou contrafacção de documento; e a pena de 9 (nove) meses de prisão quanto à prática do crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público;
- ao arguido M. A., a pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa quanto à prática do crime de falsificação ou contrafacção de documento; e a pena de 6 (seis) meses de prisão quanto à prática do crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público.
4. Da substituição da pena principal de prisão
Dispõe o artigo 43º, nº 1, do Código Penal, que “A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47º”
Este artigo consagra uma pena de multa de substituição, por contraposição à pena principal. A substituição de penas curtas de prisão é regra, só podendo deixar de ser efectuada quando a prisão efectiva for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.
Como escreve Figueiredo Dias, “a pena de multa de substituição não é a pena de multa principal. Não o é, de um ponto de vista político-criminal, dadas a particular intencionalidade e a específica teleologia que lhe preside: se bem que uma e outra se nutram do mesmo terreno político-criminal – o da reacção geral contra as penas privativas da liberdade no seu conjunto , a multa de substituição é pensada como meio de obstar, até ao limite, à aplicação das penas curtas de prisão (…)” (Jorge de Figueiredo Dias, in RLJ, Ano 125, páginas 163 a 165).
No caso dos autos, pese embora as já referidas exigências de prevenção geral associadas a este tipo de criminalidade, no que respeita à prevenção especial, in casu, foram elencados factos que, na sua globalidade, evidenciam que as respectivas exigências se situam, quanto aos arguidos, a um nível que não exasperam a ilicitude do facto, o que obstaria à substituição da pena de prisão por pena de multa.
Afigura-se-me, pois, que a substituição da pena de prisão aplicada aos arguidos por pena de multa não obstará a que os mesmos interiorizem a condenação ora em causa e que, em consequência, pautem a sua vida futura por uma conduta de conformidade com o ordenamento jurídico-criminal.
As circunstâncias descritas, permitem ao Tribunal confiar que é razoável acreditar que a substituição da prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização dos arguidos, assentando na confiança de que estes sentirão a presente condenação como uma advertência e que não cometerão no futuro outro ilícito-típico, aceitando-se a capacidade dos mesmos para compreenderem esta oportunidade de ressocialização que lhes é concedida.
Assim, o Tribunal considera que a substituição por pena de multa da pena de prisão que lhe foi aplicada se afigura adequada e suficiente a realizar a tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto, tutelando a confiança e as expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, bem como a recuperar os aqui arguidos no sentido da respectiva socialização, ao mesmo tempo que se assume desprovida, dentro do possível, de um carácter dessocializador.
Importa, pois, proceder à determinação da pena de multa que, em concreto, substituirá a pena de prisão que lhes foi aplicada.
De salientar que o Supremo Tribunal de Justiça fixou a seguinte jurisprudência: “A pena de multa que resulte, nos termos dos atuais artigos 43º, nº 1, e 47º do Código Penal, da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, deve ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos no nº 1 do artigo 71º e não, necessariamente, por tempo igual ou proporcional ao estabelecido para a prisão substituída” (cfr. Acórdão do STJ n.º 8/2013, in DR 77, Série I de 19-04-2013).
Uma pena de multa que for fixada em termos de representar, a final, um valor insignificante, ou quase, não tem quaisquer potencialidades para lograr as finalidades da punição, tal como elas estão legalmente fixadas: nem o lesado ou a comunidade sentirão que a ordem jurídica tutela adequadamente os seus interesses, nem o arguido sentirá que o crime, de facto, «não compensa», podendo mesmo sentir-se reconfortado a repetir a sua conduta, confiado na permanente suavidade da Justiça Criminal.
Compulsados todos os elementos acima descritos em sede de determinação, em concreto da pena de prisão (supra já referidos), julgo adequado aplicar aos arguidos
- ao arguido R. A., em substituição da pena de 9 (nove) meses de prisão, a pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa;
- ao arguido M. A., em substituição da pena de 6 (seis) meses de prisão, a pena de 190 (cento e noventa) dias de multa.
5. Cúmulo jurídico das penas aplicadas
Nos termos do artigo 77º (Regras da punição do concurso), nºs 1, 2 e 3 do Código Penal, “1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. 3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.”
In casu apenas cumpre efectuar o cúmulo jurídico material das penas parcelares de prisão, substituídas por multa, e de multa fixadas (cfr., entre outros, o Ac. do TRP de 12/03/2014, proc. n.º 955/06.1TAFLG-A.P1, in www.dgsi.pt, onde se exarou que “ I – Para se proceder ao cúmulo jurídico de penas é necessário que estas, além de estarem em concurso, sejam da mesma espécie. II – Quando, pela prática de um dos crimes em concurso, o tribunal aplique pena de multa como pena principal e, pela prática de outro ou outros crimes, aplique pena de prisão ou de multa em substituição da pena de prisão, as penas em concurso devem ser cumuladas materialmente, pois têm diferente natureza.”).
Considerando, em conjunto, os factos e a personalidade dos arguidos (que se extraem dos elenco dos factos assentes e tendo em conta o que já se referiu supra quanto à medida concreta da pena), julgamos adequado punir a conduta dos arguidos:
- R. A. com a pena única de 9 (nove) meses de prisão, substituída nos termos do artigo 43º, nº 1 do Código Penal, por 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa e 165 (cento e sessenta e cinco) dias de multa;
- M. A. com a pena única de 6 (seis) meses de prisão, substituída nos termos do artigo 43º, nº 1 do Código Penal, por 190 (cento e noventa) dias de multa e 140 (cento e quarenta) dias de multa.
6. Taxa diária da multa
Nos termos do disposto no nº 2, do artigo 47º, do Código Penal, a taxa diária da multa é fixada de acordo com a situação económico-financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, entre os montantes diários de 5 € e 500 €.
No caso em análise, tendo em conta o que se apurou em audiência de julgamento, quanto à situação económico-financeira dos arguidos e dos seus encargos pessoais (cfr. elenco dos factos provados), e considerando que o mínimo legal deve ser reservado para as situações em que se prove que os arguidos realmente nada têm de rendimentos/ património, julgo adequado fixar a taxa diária da multa em 7 € (sete euros).
(…)

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, as cominadas como nulidade da sentença, artigo 379º, nº 1 e, nº 2, do mesmo Código e, as nulidades que não devam considerar-se sanadas, artigos 410º, nº 3 e, 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28-12-1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-1998, B.M.J. nº 478, pág. 242 e de 03-02-1999, B.M.J. nº 484, pág. 271 e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).

No caso em apreço, atendendo às conclusões, as questões que se suscitam são as seguintes:
- Impugnação da sentença proferida relativamente à matéria de facto provada sob os pontos 7, 8, 9, 11, 13, 15, 16 e, 20 a 31, por erro de julgamento, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, que deverão ser julgados como não provados.
- Impugnação da sentença proferida quanto à matéria de direito, relativamente ao enquadramento jurídico da conduta do arguido.
- Impugnação da sentença proferida quanto à matéria de direito, relativamente à não suspensão provisória do processo, nos termos do disposto no artigo 281º, do Código de Processo Penal.
- Impugnação da sentença proferida quanto à matéria de direito, relativamente à medida concreta das penas aplicadas.

2 – Decidindo:

É sabido que constitui princípio geral que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do estatuído no artigo 428º, do Código de Processo Penal, sendo que, no tocante à matéria de facto, é também sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada, incumbindo a quem recorre o ónus de impugnação especificada, previsto no artigo 412º, nº 3 e, nº 4, do citado diploma, condição para que a mesma seja apreciada e, depois e se for o caso, dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Apreciada a peça recursiva apresentada pelo arguido R. A., constata-se que a mesma faz referência expressa ao artigo 412º, do Código de Processo Penal, visando a apreciação de eventuais erros de julgamento da matéria de facto.
O erro de julgamento, ínsito no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova existente nos autos e a gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelo nº 3 e, nº 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
É que nestes casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelos recorrentes.
E, é exactamente porque o recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros “in judicando” (violação de normas de direito substantivo) ou “in procedendo” (violação de normas de direito processual), que o recorrente deverá expressamente indicar e se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
Postos estes considerandos e sem os olvidarmos, decorre da peça recursiva apresentada pelo recorrente que pretende impugnar a matéria de facto considerada como provada sob os pontos 7, 8, 9, 11, 13, 15, 16 e, 20 a 31, porque da prova produzida, nomeadamente os depoimentos das testemunhas H. M., E. A., R. C. e S. B. e, dos documentos juntos aos autos, a fls. 83, 94 e, 146, todos aqueles factos deverão ser julgados como não provados.
Alega para tanto que com suporte nesta prova testemunhal e documental, todos os factos fundamentadores da condenação, teriam de ser considerados como não provados,
Porém, analisando tal prova testemunhal e documental produzida em audiência de julgamento forçoso é concluir, por demais evidente, que bem andou o Tribunal a quo ao dar como provado o acervo factual que o recorrente contesta.
Na verdade, da audição de tal prova testemunhal indicada e na demais produzida na audiência de julgamento, resulta claro que andou bem o Tribunal a quo, na apreciação e valoração de tais elementos de prova.
Assim, parece-nos óbvio, que face às declarações da testemunha E. A. que ambos os arguidos foram notificados para proceder à entrega do veículo automóvel e não o fizeram, dando dolosamente destino desconhecido à mesma, que até à data da audiência de julgamento era desconhecido e, mesmo o arguido R. A. quando instado directamente pela testemunha R. C., sobre o paradeiro do veículo não o indicou, limitando-se a dizer saber onde estaria, mas não indicando concretamente o local onde estava para ser apreendido, revelando pois indisponibilidade para efectivamente colaborar, mas apenas uma eventual vontade de colaborar.
De igual forma inverosímil resulta o depoimento da testemunha S. B., pois não é curial um veículo automóvel ficar estacionado “anos” junto de uma estrada nacional, imóvel, sem qualquer utilização, a degradar-se e a ser objecto de actos de vandalismo, quando o seu proprietário é um comerciante de veículos automóveis, enfim parece tratar-se de uma mera declaração de conveniência, mas de todo insusceptível de qualquer valor probatório.
De igual modo, resulta evidente do registo efectuado da venda do veículo automóvel pelo arguido M. A. ao arguido R. A., que até à correcção do lapso indicado pela testemunha E. A., que a data constante é 10-10-2010 e, mesmo depois dessa correcção do registo, terá sempre que ser considerada que a data constante do registo efectuado era de 10-10-2010, não podendo através de prova testemunhal fazer constar do registo data que do mesmo não consta, não havendo que proceder a qualquer alteração da matéria de facto provada, nos termos em que o foi, pois resulta evidente e inequívoco, que com lapso ou sem ele, o registo refere a data de 10-10-2010, portanto todas as alusões a factos provados resultantes do registo efectuado terão de indicar tal data.
Não existe pois qualquer lapso na sentença recorrida, nem tão pouco qualquer incorrecção ou inconformidade com a prova documental existente nos autos, relativamente à data constante dos factos provados, como sendo a constante do registo do veículo automóvel em causa.
De igual forma resulta evidente do depoimento da testemunha H. M., que foi o arguido R. A. quem solicitou o registo do veículo automóvel, pois a mesma embora não consiga ser precisa sobre tal facto, não o exclui de todo e, face a toda a demais prova produzida, resulta da normalidade das coisas e do senso comum, que era o interessado no registo da venda do veículo automóvel, para evitar a penhora do mesmo, bem como era a advogada que normalmente efectuava os registos da sua actividade comercial, portanto embora a testemunha não consiga ser precisa em tal ponto, a normalidade das coisas e o senso comum permite dar como provado tal facto, nos termos do disposto no artigo 127º, do Código de Processo Penal.
Nos mesmos termos, se pode concluir que todos os demais factos provados na sentença recorrida e impugnados pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso, resultam evidentes e inequivocamente provados, pois a compra real ou simulada do veículo automóvel do arguido R. A. ao arguido M. A., nos termos em que foi efectuada, demonstra à evidência toda a factologia que resultou provada, a intenção subjacente à mesma e, a sua dinâmica.
Cabe aqui evidenciar, um acórdão do STJ que lança luz sobre a questão em apreço.
Como, de forma impressiva, refere o Conselheiro Carmona da Mota no acórdão do STJ de 27-02-2003, Proc. 140/03, “ii. O valor da prova/ isto é a sua relevância enquanto elemento reconstituinte do facto delituoso imputado ao arguido depende fundamentalmente da sua credibilidade: ou seja a sua idoneidade e autenticidade. iii. A credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo que tais características e atributos, em princípio, não são apreensíveis ou detectáveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as declarações se encontram documentadas, mas sim através do contacto pessoal e directo com as pessoas. iv. O tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido".
Ou seja, e como assinala Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, pág. 204 e sgs., a convicção do juiz há-de ser uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade meramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis - v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova, e mesmo puramente emocionais. Em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, capaz de se impor aos outros.
Uma tal convicção existirá quando e só quando o Tribunal tenha logrado convencer-se da verdade, para além de toda a dúvida razoável.
E, nesta matéria assume-se, como fundamental, o princípio da imediação, isto é, a relação de proximidade comunicante entre o Tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão.
Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05-06-2002, proferido no processo nº 0210320, disponível em www.dgsi.pt, “a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente. (…) Assim, a reapreciação das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª instância, caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas.”.
Então, analisando tal prova produzida em audiência de julgamento forçoso é concluir, por demais evidente, que bem andou o Tribunal a quo ao dar como provado o acervo factual que o recorrente contesta.
A prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada.
O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.
Ademais, ressalvado sempre o devido respeito pelo esforço argumentativo do recorrente, o mesmo olvida o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artigo 127º, do Código de Processo Penal, norma de acordo com a qual “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
É sabido que livre convicção não se confunde com convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é o livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passíveis de motivação e de controlo, na esteira de uma “liberdade de acordo com um dever”, no ensinamento do Professor Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, vol. I, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 201 a 206, que o processo penal moderno exige, dever esse que axiologicamente se impõe ao julgador por força do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.
A livre convicção não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspectivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento.
Só assim não será, quando as provas produzidas impõem decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, o que sucederá, sem preocupação de enunciação exaustiva, designadamente, quando o julgador decidiu a apreciação dos meios de prova ou de obtenção de prova ao arrepio e contra a prova produzida (v.g. dá como provado determinado facto com fundamento no depoimento de determinada testemunha e ouvido tal depoimento ou lida a respectiva transcrição constata-se que a dita testemunha disse coisa diversa da afirmada na decisão recorrida ou nem se pronunciou sobre aquele facto), ou quando o tribunal valorou meios de prova ou de obtenção de prova proibidos, ou apreciou a prova produzida desrespeitando as regras sobre o valor da prova vinculada ou das “leges artis”, ou quando a apreciação da prova produzida contraria as regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, enfim, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência, ou, ainda, quando a apreciação se revela ilógica, arbitrária e violadora do favor rei.
Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal ad quem não pode deixar de julgar improcedente a invocada impugnação alargada da matéria de facto por parte do recorrente.
Ora, também nesta vertente, não se vislumbra que o Tribunal a quo haja violado o princípio in dúbio pro reo, um vez que pelos motivos expendidos na decisão recorrida a prova consente (e impõe) a convicção formada pelo Tribunal de 1ª instância e a violação de tal princípio suporia, de um lado, a formação de uma convicção positiva sem suporte probatório bastante, o que não ocorre, ou de outro, que o Tribunal demonstrada uma dúvida razoável ante a prova produzida a havia resolvido contra o arguido, o que também não ocorre.
O que não viola qualquer garantia de defesa do arguido, nos termos do disposto no artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, do disposto no artigo 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do disposto no 14º, nº 2, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e, do disposto no artigo 6º, nº 2, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal ad quem, não pode deixar de julgar improcedente a invocada impugnação alargada da matéria de facto por parte do recorrente R. A..

Quanto aos vícios da matéria de facto, nos termos do preceituado no artigo 410º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal.
A alteração da factualidade assente na 1ª instância poderá ocorrer pela verificação de algum destes vícios a que aludem as alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, a saber: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova – cfr. ainda artigo 431º, do citado diploma –, verificação que, como acima se deixou editado, se nos impõe oficiosamente.
Em comum aos três vícios, terá o vício que inquina a sentença ou o acórdão em crise que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum.
Quer isto significar que não é possível o apelo a elementos estranhos à decisão, como por exemplo quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, só sendo de ter em conta os vícios intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma – cfr. Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 16ª ed., pág. 871, Simas Santos e Leal-Henriques, “Recursos em Processo Penal”, local supra mencionado.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (vício a que alude a alínea a), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), ocorrerá, como ensina Simas Santos e Leal-Henriques, obra e local citados, quando exista “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher.
Porventura, melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final”.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (vício a que alude a alínea b), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), consiste na “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.”, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, obra e local mencionados.
O erro notório na apreciação da prova (vício a que alude a alínea c), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), constituiu uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.” – cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada.
Um tal vício de erro notório na apreciação da prova não se verifica quando a discordância resulta da forma como o tribunal apreciou a prova produzida. O simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal e expressa na decisão recorrida não conduz ao aludido vício - cfr. Acórdãos do S.T.J. de 19-09-1990, BMJ 399, pág. 260 e de 26-03-1998, Proc. nº 1483/97.
Ora, do texto da decisão recorrida, como se vê da transcrição supra, a mesma apreciou os factos aportados na acusação e bem assim aqueles que resultaram da discussão da causa em audiência de julgamento.
Então do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não se perfila a existência de qualquer um dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê, por isso, que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a solução de direito atingida, não se vê que se haja deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, como não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos provados ou entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e de igual modo não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras de experiência, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.
Por outro lado, conceda-se, a decisão recorrida, como já se afirmou, não deixa de expor, de forma clara e lógica, os motivos que fundamentaram a decisão sobre a matéria de facto, com exame criterioso, das provas que abonaram a decisão, tudo com respeito do disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.
A decisão recorrida está elaborada de forma equilibrada, lógica e fundamentada.
O Tribunal a quo decidiu segundo a sua livre convicção e explicou-a de forma objectiva e motivada e, portanto, capaz de se impor aos outros.
Em consequência, mantém-se e, sedimentada se mostra, a factualidade assente pelo Tribunal a quo, não se vislumbrando na decisão recorrida vício ou nulidade cujo conhecimento oficiosamente ou a requerimento se imponha a este Tribunal ad quem.
Por tal, não resulta existir qualquer dos vícios constantes do disposto no artigo 410º, nº 2, alíneas a), b) ou, c), do Código de Processo Penal, bem como não se mostra verificado qualquer nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1 e, nº 2, do mesmo Código ou nos termos dos artigos 410º, nº 3 e, 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, que não devam considerar-se sanadas.
Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal ad quem não pode deixar de julgar improcedente a invocada impugnação da matéria de facto por parte do recorrente.

Quanto à impugnação da sentença proferida quanto à matéria de direito, relativamente ao enquadramento jurídico das condutas do arguido.
Resulta do disposto no artigo 256º, nº 1, alíneas a), b) e, e), do Código Penal:
“1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
(…)
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
(…) é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.

Assim, comete o crime de falsificação de documento, quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, nomeadamente, fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento, fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante.
O bem jurídico protegido com a criminalização da falsificação de documento é a respectiva fé pública: pretende-se salvaguardar o sentimento geral de confiança, que devem revestir os documentos.
A doutrina tem vindo a entender que o bem jurídico do crime de falsificação de documento é o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que se respeita à prova documental, vide Helena Moniz, in “O crime de falsificação de documentos”, 1999, 41 e sgs.
Falsificação de documentos é uma falsificação da declaração incorporada no documento, podendo assumir a forma de uma falsificação material ou uma falsificação ideológica.
O bem jurídico protegido pela norma do artigo 256º, do Código Penal, é a confiança da sociedade no valor probatório dos documentos, e em particular, que os outorgantes produziram aquelas declarações.
Por isso, a falsidade em documentos é punida quando se tratar de uma declaração de facto falso, mas não de todo e qualquer facto falso, apenas daquele que for juridicamente relevante, isto é, aquele que é apto a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica.
Neste caso concreto, dúvidas não subsistem que a intenção dos arguidos era produzir documento falso, susceptível de inviabilizar a penhora do veículo automóvel e, assim, conseguir frustrar o direito do credor.
Não existindo pois qualquer dúvida, relativa à subsunção jurídica dos factos provados, a tal tipo legal de crime.
Resulta do disposto no artigo 355º, do Código Penal, que “quem destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer forma, subtrair ao poder público a que está sujeito, documento ou outro objecto móvel, bem como coisa que tiver sido arrestada, apreendida ou objecto de providência cautelar, é punido com pena de prisão até cinco anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal”.
A página 419, do Tomo III, do Comentário Conimbricense do Código Penal, anota-se que aquele ilícito se consuma tão só quando o agente frustra, total ou parcialmente, a finalidade da custódia, através de uma acção directa sobre a coisa: inutilizando-a ou descaminhando-a.
A acção típica - susceptível de integrar o crime de descaminho ou destruição - deve “destruir, danificar, inutilizar ou subtrair ao poder público” uma coisa apreendida.
Uma coisa passa a pertencer ao universo das coisas sujeitas ao poder público “no preciso instante em que perde a sua “liberdade”, em que um acto de império (judicial ou administrativo) lhe fixa um destino e se reserva o poder de o garantir guardando-a, real ou simbolicamente.
Daqui decorre que este elemento do tipo (subtracção ao poder público) implica a frustração da finalidade da custódia, isto é, impede a realização das finalidades determinantes dessa sujeição ao poder público.
Mais, para além da frustração da finalidade da custódia, é ainda necessário que essa frustração ocorra através de uma acção directa sobre a coisa, isto é, uma actuação que a destrua, inutilize, ou impeça a sua entrega.
Portanto, desde o conhecimento pelo agente da sujeição do objecto em causa à custódia pública, qualquer acção que consubstancie a subtração desse mesmo objecto a essa mesma custódia, preenche os elementos objectivos do tipo legal de crime de descaminho de objecto colocado sob o poder público, previsto no artigo 355º, do Código Penal.
Como consta da matéria de facto provada, o arguido intencionalmente escondeu o veículo automóvel em causa, bem sabendo da ordem de penhora e entrega do mesmo e, com o intuito de frustrar a sujeição do mesmo ao poder público emanado da agente de execução e, agindo de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que estas suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
A subtracção ao poder público (mencionada no tipo legal a par das acções de destruir, danificar, inutilizar) é precisamente o acto de desapossamento em relação à custódia do Estado, mediante o seu extravio.
Com a sua provada actuação, o recorrente fez escapar, retirar, subtrair ao poder público, o bem a apreender, sendo certo que estava obrigado a apresentá-lo imediatamente após ter tido conhecimento da ordem emanada da penhora do mesmo veículo automóvel, tal como era do seu conhecimento, consumando assim o crime em referência.
Em conclusão, a matéria de facto provada integra a prática, pelo recorrente, do crime de falsificação de documento e do crime de descaminho, previstos e punidos pelo artigo 256º, nº 1, alíneas a), d) e, e) e, pelo artigo 355º, nº 1, ambos do Código Penal, pelo que o recurso se mostra nessa parte improcedente.

Quanto à impugnação da sentença proferida quanto à matéria de direito, relativamente à não suspensão provisória do processo, nos termos do disposto no artigo 281º, do Código de Processo Penal.
Estatui o nº 1, do artigo 281º, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe suspensão provisória do processo:
“Se o crime for punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão, pode o Ministério Público decidir-se, com a concordância do juiz de instrução, pela suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, se se verificarem os seguintes pressupostos:

a) Concordância do arguido e do assistente;
b) Ausência de antecedentes criminais do arguido;
c) Não haver lugar a medida de segurança de internamento;
d) Carácter diminuto da culpa; e
e) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente as exigências de prevenção que no caso se façam sentir”.
Da simples análise ao texto do preceito logo se vê que a decisão de suspensão provisória do processo é da competência do Ministério Público.
“O nosso direito processual penal é enformado pelo princípio da legalidade, tal como acontece na generalidade dos países de cultura jurídica romano-germânica. O instituto da suspensão provisória do processo é um afloramento do princípio da oportunidade, embora se trate de uma oportunidade regulada, sem a configuração e a amplitude ilimitada dos direitos anglo-saxónicos. A discricionariedade do MP (ou do juiz de instrução, quando houver instrução – art. 307 nº 2 do CPP) é uma discricionariedade vinculada, porque está condicionada à observância dos requisitos e pressupostos fixados na lei de rigorosa imparcialidade e objectividade.
Sendo um afloramento do princípio da oportunidade, não havendo instrução, a suspensão provisória do processo é decidida pelo Ministério Público, que é o órgão do Estado que exerce a acção penal. Nesta parte, nenhuma alteração substancial houve no regime do artigo 281 nº 1 do CPP com a entrada em vigor da Lei 48/07 de 29-8. Onde se lia “pode o Ministério Público decidir…”, passou a constar “o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente determina…”. A nova redacção apenas veio acentuar o carácter «vinculado» da discricionariedade do MP. Este, agora, não só «pode» mas «deve» decidir a suspensão, sempre que se verificarem os pressupostos indicados naquele art. 281 do CPP.
Como quer que seja, a suspensão provisória do processo nunca é decidida pelo “juiz do julgamento”, o qual também não tem qualquer intervenção nos procedimentos com vista à mesma. A lei é inequívoca ao indicar que o juiz que intervém é o de “instrução” (arts. 281 nº 1 e 307 nº 2 do CPP), que é quem, no nosso processo, profere as decisões de natureza jurisdicional antes da fase do julgamento. Percebe-se que assim seja, pois trata-se de um instituto que tem em vista evitar o julgamento.
Em resumo, se a arguida pretendia evitar o julgamento por via do instituto da suspensão provisória do processo, devia tê-la requerido (como agora está previsto e antes não) ao magistrado do MP, antes de este introduzir o feito em juízo para julgamento. Não pode é pretender que o juiz de julgamento se substitua ao MP proferindo decisões que são da competência deste”. Ac. Rel. de Guimarães, Proc. 1188/08-2, www.dgsi.pt.
Nestes termos e sem necessidade de outros considerandos, dada a simplicidade da questão e a unanimidade jurisprudencial da sua qualificação, também nesta parte improcede pois o recurso interposto nesta parte.

Relativamente à impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente à fixação da medida das penas aplicadas.
Os critérios, que devem presidir à quantificação da pena concreta, são os estabelecidos pelo artigo 71º do Código Penal, o qual, sob a epígrafe «Determinação da medida da pena», estatui:
“1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.
O nº 1 do artigo 40º do Código Penal estabelece como finalidade da aplicação de penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, o nº 2 do mesmo normativo prescreve que em caso algum a pena ultrapasse a medida da culpa.
O momento inicial, irrenunciável e decisivo da fundamentação da pena repousa numa ideia de prevenção geral, uma vez que ela (pena) só ganha justificação a partir da necessidade de protecção de bens jurídico-penais.
Por outro lado, há que ter presente que um dos princípios a que obedece o Código Penal é o princípio da culpa, segundo o qual não pode haver pena sem culpa, nem pena superior à medida da culpa.
Relevantes para avaliar da medida da pena necessária para satisfazer as exigências de culpa verificada no caso concreto são os factores elencados no citado artigo 71º, nº 2, do Código Penal e que, basicamente têm a ver, quer com os factos praticados, quer com a personalidade do agente que os cometeu.
Aproveitando, o ensinamento do Professor Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, pág. 239), porque a culpa jurídico-penal é “censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito”, há que tomar em consideração todas as circunstâncias que caracterizam a gravidade da violação jurídica cometida (o dano, material ou moral, causado pela conduta e as suas consequência típicas, o grau de perigo criado nos casos de tentativa e de crimes de perigo, o modo de execução do facto, o grau de conhecimento e a intensidade da vontade nos crimes dolosos, a reparação do dano pelo agente, o comportamento da vítima, etc.) e a personalidade do agente (condições pessoais e situação económica, capacidade para se deixar influenciar pela pena (sensibilidade à pena), falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, e conduta anterior e posterior ao facto).
Resultando da fundamentação da decisão recorrida:
“- quanto ao arguido R. A. ao elevado grau de ilicitude dos factos praticados (considerando o modo de execução e as suas consequências); ao dolo intenso (directo) que pautou a sua conduta; à existência de antecedentes criminais registados, embora pela prática de outro tipo de crime; não podemos valorar uma confissão nem um arrependimento porquanto os mesmos não foram manifestados na audiência de julgamento (o que aumenta as necessidades de prevenção especial).
(…)
Tendo em consideração os factores de determinação da medida da pena que já foram postos em evidência decide-se aplicar:
- ao arguido R. A., a pena de 165 (cento e sessenta e cinco) dias de multa quanto à prática do crime de falsificação ou contrafacção de documento; e a pena de 9 (nove) meses de prisão quanto à prática do crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público;
(…)
Afigura-se-me, pois, que a substituição da pena de prisão aplicada aos arguidos por pena de multa não obstará a que os mesmos interiorizem a condenação ora em causa e que, em consequência, pautem a sua vida futura por uma conduta de conformidade com o ordenamento jurídico-criminal.
As circunstâncias descritas, permitem ao Tribunal confiar que é razoável acreditar que a substituição da prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização dos arguidos, assentando na confiança de que estes sentirão a presente condenação como uma advertência e que não cometerão no futuro outro ilícito-típico, aceitando-se a capacidade dos mesmos para compreenderem esta oportunidade de ressocialização que lhes é concedida.
Assim, o Tribunal considera que a substituição por pena de multa da pena de prisão que lhe foi aplicada se afigura adequada e suficiente a realizar a tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto, tutelando a confiança e as expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, bem como a recuperar os aqui arguidos no sentido da respectiva socialização, ao mesmo tempo que se assume desprovida, dentro do possível, de um carácter dessocializador.
Importa, pois, proceder à determinação da pena de multa que, em concreto, substituirá a pena de prisão que lhes foi aplicada.
(…)
- ao arguido R. A., em substituição da pena de 9 (nove) meses de prisão, a pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa;
- R. A. com a pena única de 9 (nove) meses de prisão, substituída nos termos do artigo 43º, nº 1 do Código Penal, por 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa e 165 (cento e sessenta e cinco) dias de multa;
(…)
No caso em análise, tendo em conta o que se apurou em audiência de julgamento, quanto à situação económico-financeira dos arguidos e dos seus encargos pessoais (cfr. elenco dos factos provados), e considerando que o mínimo legal deve ser reservado para as situações em que se prove que os arguidos realmente nada têm de rendimentos/ património, julgo adequado fixar a taxa diária da multa em 7 € (sete euros).”.
O dolo, como sedimentado na 1ª instância, foi na modalidade de dolo directo e, por isso, intenso.
Analisadas as circunstâncias das condutas em apreço e bem assim as que o Tribunal a quo enumerou, logo evidente se torna que o circunstancialismo em causa aponta para um limite mínimo ditado pela prevenção geral de integração acima do limite mínimo previsto na norma incriminadora (30 dias), sob pena de insuficiente defesa do ordenamento jurídico.
E, à luz da prevenção especial que no caso não pode deixar de ter conteúdo negativo de intimidação individual, temos também um quadro que aponta para a necessidade de penas situadas também acima dos limites mínimos das medidas abstractas legalmente previstas.
Pelo exposto e considerando que os limites mínimos das penas são 30 dias de prisão e o máximo 3 anos ou 10 dias de multa ou o máximo 360 dias – cfr. artigo 256º, 41 e 47º, do Código Penal e, de 30 (trinta) dias e o máximo de 5 (cinco) anos – cfr. artigos 355º e, 41º, nº 1 do Código Penal – parece-nos patente que o Tribunal a quo no seu doseamento ponderou devidamente as circunstâncias apuradas e as aludidas finalidades das penas, sendo que as penas fixadas não ultrapassam a medida da culpa do arguido, pois mostram-se devidamente ponderados o seu dolo intenso e as suas condições pessoais.
Na verdade, as exigências de prevenção geral mostrar-se-ão satisfeitas quando a pena se mostre comunitariamente suportável à luz da necessidade de tutela dos bens jurídicos e da estabilização da expectativa comunitária na validade das normas violadas, sendo evidente que no caso em apreço se coloca em questão, em grau de prevenção geral não escamoteável, pela circunstância de estar em causa o desrespeito reiterado e deliberado de uma ordem de um agente de execução de forma a frustrar o direito de crédito de uma pessoa, o que não pode deixar de nos preocupar enquanto sociedade e Estado de Direito, que tais comportamentos se vulgarizem e se tornem habituais e normais.
Assim, o princípio moderador da culpa não se mostra beliscado com as penas fixadas em 9 (nove) meses de prisão, substituída nos termos do artigo 43º, nº 1, do Código Penal, por 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa e, 165 (cento e sessenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros), perfazendo o montante global de €2.905,00 (dois mil, novecentos e cinco euros).
Nestes termos, cremos que são de manter as penas aplicadas, as quais não afrontam os princípios da necessidade, proibição de excesso ou proporcionalidade das penas – cfr. artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa –, antes são adequadas e proporcionais à defesa do ordenamento jurídico e não ultrapassam a medida da culpa do arguido.
Em face de tudo o que se deixa exposto, improcede na sua globalidade, o recurso interposto.

Em vista do decaimento total no recurso interposto pelo arguido R. A., ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação do recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

III - DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

- Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido R. A. e, consequentemente, confirmar na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente que se fixam em 5 UC (cinco unidades de conta), sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto.

Guimarães, 23-10-2017
(Fernando Paiva Gomes M. Pina)
(Maria José dos Santos de Matos)