Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
151/13.1TTBGC.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1 – A existência de justa causa de despedimento está dependente da verificação cumulativa de três pressupostos: (1) o comportamento culposo do trabalhador, (2) a impossibilidade de subsistência da relação e (3) o nexo de causalidade entre o comportamento e a impossibilidade assinalada.
2 – Não torna impossível a subsistência da relação de trabalho a conduta da trabalhadora, diretora de serviços, que, na presença de terceiros, critica, em tom trocista, uma decisão do empregador e, noutra circunstância, se dirige a um membro de órgão social em tom recriminatório.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

C.., com sede .., Bragança, no RECURSO DE APELAÇÃO que interpôs da «sentença
Pede a sua absolvição dos pedidos.
Alega e, após, formula as seguintes conclusões:
1 - QUANTO À MATÉRIA DE FACTO:
1.1 Considerou-se provado sob o ponto 75 da sentença recorrida (que corresponde ao ponto 72 da decisão sobre a «Matéria de Facto») dos «Factos Provados» que «A abertura da janela da cozinha para a sala de refeições também era assunto da responsabilidade da Autora, enquanto Diretora Técnica da Ré», sendo que, de acordo com a decisão que recaiu sobre a matéria de facto, «A prova dos factos vertidos nas respostas aos quesitos 35 a 43 e 72 fundou-se, essencialmente, na conjugação dos depoimentos das testemunhas M.., I.. e I.., cozinheira, empregada da arguida [pretender-se-ia dizer «(..) empregada da instituição Ré (..)»], que intervieram no acontecimento a que os factos se reportam e o relataram de modo essencialmente coincidente.»
1.2. Ora, sobre tal especifica matéria (refeições também era assunto da responsabilidade da Autora, enquanto Diretora Técnica da Ré»), as testemunhas I.. (empresário/fornecedor de serviços à recorrente), e I.. (cozinheira da recorrente) - depoimentos gravados, no H@bilus Média Studio 20131210110817-20297-64225 e 20131210102630-20297-64225 - sobre ela não foram questionadas nem se pronunciaram (nada disseram), e o depoimento de M.. (supra transcrito e gravado no H@bilus Média Studio (20131209161431-20297-64225), 1.08.27H a 1.08.53H) não permite sustentar tal factualidade.
1.3. Pelo que a consideração de tal factualidade como provada não se harmoniza com a prova produzida em julgamento (designadamente, prova testemunhal) e o «princípio da liberdade de julgamento» e a norma legal que o consagra – artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil, atual artigo 607.º - que, assim, a Meritíssima Juíza de Direito desconsiderou, impondo-se a sua remoção ou eliminação dos «Factos Provados».
2 - QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO:
A. Independentemente da eliminação ou não eliminação do facto constante do ponto 75 (correspondente ao 72 na decisão que recaiu sobre a «Matéria de Facto») considerado provado pelo Tribunal recorrido e impugnado pela recorrente, a presente apelação é a título principal interposta da sentença proferida que, excluindo os «factos ocorridos em 20/02/2013 e em 17/03/2013, atribuiu relevância disciplinar (…) aos demais factos apurados», relativamente ao comportamento da trabalhadora, ora recorrida, M.., considerando que, apesar de graves e culposos, « (…) numa ponderação global do contexto em que ocorreram, não justificam a conclusão de que o comportamento da A. comprometeu irremediavelmente a relação de confiança que deve existir entre um trabalhador e a sua entidade patronal, em termos que levam a considerar inexigível a manutenção da relação de trabalho por parte desta», concluindo, assim, « (…) que não estão preenchidos todos os requisitos do conceito de justa causa e, logo, pela ilicitude do despedimento promovido pela R.», designadamente, que o comportamento da trabalhadora tivesse tornado, imediata e praticamente, impossível a subsistência da relação laboral, o que esteia nos factos integrantes dos pontos 75, 73 e 72 (parte final) dos «Factos Provados» (renumeração da sentença), considerando, seguidamente, que a conduta da trabalhadora se limitou «(…) a um exercício excessivo e impróprio do direito de crítica relativamente à atuação do (…)» tesoureiro da Direção da recorrente e rematando que tais «(…) circunstâncias funcionam como atenuantes da gravidade dos factos e das consequências da conduta da trabalhadora ao nível do “dano organizacional e de autoridade”.»
B. Salvo melhor opinião encontram-se preenchidos de forma cumulativa os requisitos legais integrantes do conceito de «justa causa de despedimento» expresso no artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 (ou seja, que atenta a gravidade, em si mesma e nas suas consequências, da conduta da trabalhadora e a intensidade da sua culpa, se verifica a impossibilidade, prática e imediata, da subsistência do vínculo laboral, que confere a necessária licitude ao despedimento da recorrida).
Com efeito:
C. EM PRIMEIRO LUGAR, a factualidade rotulada de «atenuante» pelo Tribunal de 1.ª Instância não permite um juízo de mitigação ou atenuação da culpa, da ilicitude e da gravidade da conduta da trabalhadora, pois que:
C.1. Quanto à factualidade constante do ponto 75 dos «Factos Provados» - «A abertura da janela da cozinha para a sala de refeições também era assunto da responsabilidade da Autora, enquanto Diretora Técnica da Ré»:
. A categoria profissional da trabalhadora era a de «diretora de serviços» (Cfr. ponto 69 dos «Factos Provados») e não está prevista a categoria de «Diretor Técnico» em qualquer IRCT (Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho) do sector, nem se explicita, consequentemente e relativamente à mesma (à categoria inexistente), o correspondente conteúdo funcional.
. A figura do «diretor técnico» - trabalhador detentor de determinada habilitação literária ou qualificação profissional - surge no âmbito das instituições particulares de solidariedade social por exigência do Instituto de Segurança Social (que as subsidia, aconselha, acompanha e fiscaliza) para garantir que os cuidados e os serviços que as mesmas prestam aos seus públicos possam atingir os índices de qualidade mínima.
. O «diretor técnico», não sendo uma categoria profissional, é um cargo de nomeação do órgão de Direção dessas instituições a que subjazem critérios de aptidão profissional ou académica - qualquer trabalhador que detenha a habilitação ou qualificação exigida pelo Instituto de Segurança Social pode ser nomeado «diretor técnico» - mas sobretudo de confiança e contexto justificativo da sua existência (e, como tal, a todo o tempo pode a Direção destituir o nomeado sem o cumprimento de qualquer formalidade e, em sua substituição, nomear um outro – Cfr. notas 7 e 9, insertas no identificado CCT, designadamente e entre outras, da sua versão publicada no BTE n.º 45, de 8/12/2009, página 4821)
. Nomeação e respetivos critérios que, descendo ao caso concreto dos autos, nos permite as seguintes concretizações:
C.1.1 A necessidade de «(...) execução de uma janela, de abrir e fechar, destinada à passagem das refeições (…) para a sala (ou salão) de refeições» - que poderia justificar a auscultação da recorrida - estava ultrapassada atendendo ao ponto 40 dos «Factos Provados»: «Obra cuja realização vinha sendo exigida pelas entidades de acompanhamento e fiscalização do centro social e paroquial empregador».
C.1.2 O tesoureiro da Direção da recorrente, M.., e o empreiteiro, I.., atingidos pela conduta da recorrida apenas «avaliavam em conjunto a execução (…)» da mencionada janela e o tesoureiro pretendia tão só a avaliação e orçamentação (não era um comportamento decisório) do custo da janela - Pontos 39 e 41 da «Matéria Provada».
C.1.3 Tal atuação (do tesoureiro perante o empreiteiro) jamais pode ser apta a colidir com o facto - que se não aceita (e por isso se impugnou neste recurso) mas ainda que assim seja - de que «A abertura da janela da cozinha para a sala de refeições também era assunto da responsabilidade da Autora, enquanto Diretora Técnica da Ré» pois jamais a recorrida teria poder para o decidir e em caso algum se admite que a sua vontade ou opinião se pudesse sobrepor à do empregador, não podendo justificar qualquer atenuação do comportamento da recorrida.
C.2. Quanto à constante do ponto 73 dos «Factos Provados» - «Na ocasião referida supra no n.º 31 (leia-se 34) também os operários comentaram que as vedações eram demasiado elevadas, tendo em conta também o “murete” de cimento de suporte e atendendo à cércea do edifício»:
C.2.1. Da matéria constante dos pontos 73, 34 e 35 dos «Factos Provados» resulta, conjunta e sinteticamente, que o tesoureiro da Direção, na companhia de dois operários da firma «I.., Lda» verificavam (analisavam/examinavam) em conjunto se o painel de 2,35 metros, era ou não, em termos de altura, adequado, exteriorizando as correspondentes opiniões.
C.2.2. A matéria do ponto 70 – comentário dos operários que as vedações eram demasiado elevadas – é apenas a consequência necessária de tal verificação e foram, por fim, colocados painéis com a altura de 1,43 metros – ponto 74 dos «Factos Provados» - pelo que também o tesoureiro da recorrente concluiu pela desproporção dos painéis de 2,35 metros. Constatação generalizada que não pode atenuar o comportamento desrespeitador da recorrida.
C.2.3. Não pautando o seu comportamento pelos padrões da normalidade, correção e civilidade que os demais observaram, o comportamento da recorrida só pode ser merecedor de um juízo de reprovação acrescido e nunca de circunstância atenuante do seu comportamento impróprio e indigno.
C.3. Quanto à constante do segmento final do ponto 72 dos «Factos Provados» - «A Autora (…) desde 03/09/2007, sendo que até essa data, era Presidente do Conselho Fiscal, da mesma Instituição»:
C.3.1. Ter sido presidente do Conselho Fiscal da recorrente até à data em que foi admitida de forma subordinada ao seu serviço (03/09/2007):
▪ só lhe poderá acarretar um dever acrescido de cuidado e de respeito;
▪ não pode justificar o injustificável: os ilícitos disciplinares que determinaram o seu despedimento ocorreram volvidos mais de cinco anos após a cessação de tais funções;
▪ não obstou à inobservância dos seus deveres laborais – zelo e diligência - subjacentes à factualidade vertida nos pontos 62 e 63 dos «Factos Provados» que originaram para a recorrente prejuízo patrimonial traduzido no pagamento de três coimas.
C.3.2. Pelo que não se enxerga que tal facto (ter sido presidente do Conselho Fiscal) atenue a sua conduta já que o mesmo apenas indica que sobre a recorrida impendia um dever acrescido de observância dos seus deveres laborais e, por isso, intensifica o juízo de censura ou reprovação a recair sobre o seu comportamento.
D. EM SEGUNDO LUGAR, a atuação do tesoureiro da direção da recorrente – de verificação da altura da vedação e de solicitação ao empreiteiro de orçamento para a execução da janela exigida pela entidade de fiscalização da recorrente) - prefigura um comportamento insuscetível de crítica pois: equivale a uma manifestação do exercício responsável dos seus poderes diretivos demonstrativo da sua preocupação em que a vedação fosse adequada (Cfr. «Ponto 35: Nessa data M.. verificava a altura adequada da dita vedação (…)») e em diligenciar a recolha de elemento – orçamento/documento que contemplasse a despesa que seria necessário suportar para realizar a obra – indispensável à (subsequente) tomada de decisão pela Direção de adjudicar a sua execução.
D.1. O comportamento da recorrida - unilateral, sem interjeições, direcionado, intencional, deliberado e inoportuno (que o tesoureiro não desencadeou e para o qual não contribuiu) - jamais pode ser reconduzido ao mero exercício do direito de crítica. É na sua pureza e de forma refinada uma manifestação pública de má educação, desrespeito, desautorização, desconsideração, humilhação, rebaixamento e aviltamento do diretor-tesoureiro da recorrente.
D.2. Mesmo que in casu se equacionasse o exercício do direito de crítica, impunha-se o seu exercício com respeito pelos deveres que para a recorrida emergiam do vínculo laboral, das obrigações contratualmente assumidas e da própria lei (art. 128.º do C. do Trabalho) pois a liberdade de expressão (artigo 37.º da Const. da República Portuguesa e 14.º do C. do Trabalho), não é um direito absoluto/ilimitado. Está, segundo Jorge Miranda, Rui Medeiros e Gomes Canotilho, sujeita a «concordância prática» com outros valores e direitos fundamentais de terceiros, sendo o «dever de respeito e, por inerência, de urbanidade e probidade» - no que concerne ao tratamento com o empregador, superiores hierárquicos, companheiros de trabalho e pessoas que se relacionam com a empresa - limites legítimos à liberdade de expressão e de opinião.
E. EM TERCEIRO LUGAR, a sentença recorrida ignora na exegese que faz dos factos provados e do direito aplicável a concreta posição - de «diretora de serviços» e de «diretora técnica» - que a recorrida detinha na organização do empregador.
E.1. Os factos que a Meritíssima Juíza de Direito trás à colação para encontrar atenuantes da gravidade e consequências da conduta da trabalhadora recorrida, não comportam de per si tal atenuação, antes pelo contrário reforçam a gravidade e consequências da sua conduta, que adicionalmente são exacerbadas pela posição de chefia que ocupava no seio da instituição empregadora e pelas concretas funções expressas no ponto 25 dos «Factos Provados» que lhe estavam confiadas.
E.2. A trabalhadora recorrida, tendo por referência o critério do seu posicionamento no âmbito da hierarquia organizacional, detinha um cargo de chefia (Cfr. Matéria dos pontos 18, 19 e 25 dos «Fatos Provados»), um cargo de confiança pessoal, traduzido numa relação direta com a Direção da recorrente, pelo que o seu comportamento era objeto de uma especial valoração norteada por critérios de exigibilidade acrescida (comparativamente ao dos demais trabalhadores), o que aumentava a intensidade de afirmação e observância dos deveres que sobre si recaiam como sublinha Maria do Rosário Palma Ramalho (in Tratado de Direito do Trabalho - Parte I - Dogmática Geral, 3.ª Edição, página 335, Almedina 2012).
E.3. E enquanto chefia e trabalhadora dotada de qualificações superiores (Cfr. primeira parte do ponto 72 dos «Factos Provados») - tendo perfeita noção da significância e consequência dos seus atos, reclamando um acréscimo de censura face a idênticos comportamentos levados a cabo por um trabalhador indiferenciado - a recorrida deveria ser modelo e exemplo de conduta para os demais trabalhadores da recorrente, sendo o seu comportamento ilícito idóneo a ter um efeito indutor nos demais trabalhadores e a por em causa o próprio poder organizativo.
E.4. Especial posição da recorrida que, em sede de apreciação da licitude ou da «justa causa» do despedimento, o Tribunal Recorrido não considerou e, por isso, não avaliou, não obstante, em sede de apreciação da oposição à reintegração assim se ter pronunciado, tendo como referência factualidade de gravidade comparativamente (à que determinou o despedimento da recorrida) diminuta, designadamente a constante dos pontos 25, 26, 27, 28, 29, 30, 68, 69, 70, 62, 63, 64, 67, 71 dos «Factos Provados» - tendo por orientação a renumeração feita na sentença recorrida: «Desta factualidade decorre que pela posição hierárquica que ocupa, a A. funciona como elo de ligação entre a Direção da R. e os demais trabalhadores e tem a seu cargo tarefas administrativas de primordial importância no regular funcionamento da instituição, inclusive ao nível do seu financiamento. As funções da A., sendo de direção, exigem uma especial relação de confiança, tanto da parte dos órgãos de gestão e administração da R., como dos demais colaboradores e trabalhadores sob o poder hierárquico da A. Contudo, o seu exercício profissional ao serviço da R. tem sido manchado por falhas que minam essa confiança, seja ao nível dos procedimentos administrativos da sua responsabilidade, de que são exemplo os incumprimentos que determinaram a aplicação de coimas à empregadora e as irregularidades no preenchimento de mapas de utentes a enviar para a segurança social, seja ao nível do relacionamento com os colegas de trabalho, relativamente aos quais se encontra numa posição hierárquica de superioridade, espelhadas nas queixas anteriores ao procedimento disciplinar e posteriores deste, que põem em causa a própria autoridade da A. emergente dessa posição hierárquica. Tal conjunto de circunstâncias inculca um juízo de prognose desfavorável relativamente ao desempenho futuro da A. antevendo-se sérias e graves dificuldades na concretização da reintegração da A. no seu posto de trabalho e no exercício das funções que lhe estavam cometidas.»
E.5. Posição, funções e obrigações que não foram consideradas pela Meritíssima Juíza de Direito e que reclamam uma especial valoração do comportamento da trabalhadora norteada por critérios de exigibilidade acrescida em comparação com os demais trabalhadores da recorrente.
PARA ALÉM DISSO E MAIS IMPORTANTE QUE ISSO:
F. Atendendo ao disposto no artigo 128.º, n.º 1, alíneas a), c) e e) e no artigo 351.º n.º 1 do Código do Trabalho, bem como aos factos provados sob os pontos 16, 17, 18, 19, 20, 25, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 62, 63, 64, 65, 66, 67, compulsado o comportamento da trabalhadora-recorrida verifica-se que o mesmo tipifica uma violação - por ação - frontal e direta, dos deveres de respeito, correção e de tratamento urbano do diretor-tesoureiro M.., da trabalhadora I.. e do empresário I...
F.1. Violação que no caso concreto tem as seguintes especificidades de capital relevância: 1. QUANTO À CULPA QUE LHE SUBJAZ, é DOLOSA (a recorrida age com intenção de humilhar, desautorizar, desconsiderar o diretor-tesoureiro da recorrente); 2. QUANTO À FREQUÊNCIA, é REITERADA, (ocorrendo nos acontecimentos situados entre os dias 19/11/2012 e 27/11/2012 - verificação da altura da vedação – e nos acontecimentos do dia 21/01/2013 - solicitação ao empreiteiro I.. de orçamento para a execução da janela); 3. QUANTO AOS SUJEITOS VISADOS, é TRÍPLICE (na 1ª situação - verificação da altura da vedação - atinge exclusivamente o tesoureiro da recorrente, na 2ª situação - solicitação de orçamento - atinge o tesoureiro, o empresário I.. e a cozinheira I..); 4. QUANTO À PUBLICIDADE, é PÚBLICA (ocorre na presença de terceiros - a primeira perante os operários da sociedade empreiteira e as demais pessoas que se encontravam no recinto exterior e a segunda na medida em que foi direcionada a cada um dos visados e consumada na presença dos demais que no momento se encontravam - e propalada em voz alta e alterada); 5. QUANTO À CAUSA, é GRATUITA (não foi desencadeada por qualquer ato do tesoureiro da Direção ou de terceiro que a pudesse justificar ou sustentar) 6. QUANTO AO LUGAR E MOMENTO DA SUA OCORRÊNCIA, atua NO ÂMBITO DA EMPRESA E NO EXERCÍCIO DAS SUAS FUNÇÕES (nas instalações da recorrente e local de trabalho da recorrida e no exercício, por esta, das suas funções profissionais subordinadas); 7. QUANTO À POSIÇÃO DO SUJEITO ATIVO NA ORGANIZAÇÃO DA ENTIDADE EMPREGADORA, emana de trabalhadora que tinha uma POSIÇÃO DE CHEFIA e diretamente dependente da Direção.
F.2. E que se afirma em três dimensões ou níveis do concreto vínculo jurídico-laboral estabelecido entre recorrente e recorrida: 1. VIOLAÇÃO DO DEVER GERAL DE RESPEITO E DE TRATAMENTO URBANO que recai sobre todo e qualquer trabalhador, pelo simples facto de o ser, e por isso também sobre a recorrida; 2. VIOLAÇÃO DO DEVER ESPECIAL DE RESPEITO E DE TRATAMENTO URBANO que recaía sobre a recorrida atendendo à posição - de chefia - que ocupava no seio da organização da recorrente; 3. VIOLAÇÃO DO DEVER FUNCIONAL DE RESPEITO E DE TRATAMENTO URBANO que sobre a recorrida recaía atentas as concretas obrigações que se inscreviam no âmbito das suas funções e insertas no ponto 25 dos «Factos Provados».
F.3. Consubstanciando, o comportamento da recorrida, quer quanto ao seu conteúdo, quer quanto à forma como o mesmo foi exteriorizado:
F.3.1. No plano da relação empregador (tesoureiro da recorrente) - trabalhadora, que nuclearmente constitui: 1. Um ataque direto, explícito, agressivo e grosseiro à autoridade do tesoureiro da direção a quem, nos termos estatutários, competia a gestão racional dos recursos financeiros da instituição e o controle das despesas e receitas da recorrente; 2. Uma desautorização e humilhação do tesoureiro perante terceiros - os operários da firma «I.., Lda.», o empresário I.. e a trabalhadora I.. - diminuindo-o na sua pessoa e autoridade, quer perante si (recorrida) quer perante terceiros, ao dizer em voz alta e tom trocista - «Você não sabe o que está a fazer» e, em voz alta e alterada, «Eu é que sei se há dinheiro ou não», expressões que questionam as capacidades e faculdades intelectuais ou mentais do visado como diretor-tesoureiro e que são idóneas e adequadas a pôr em causa a sua consideração 3. A subalternização do tesoureiro da direção relativamente à recorrida (inequívoca inversão de papéis e de posicionamento fáctico e jurídico das partes relativamente ao vínculo laboral estabelecido).
F.3.2. No plano da relação trabalhadora – empresário I..: O seu comportamento representado no ponto 42 dos «Factos Provados» ao ter ordenado de imediato e com rispidez para sair, interrompendo abruptamente a conversa que estava a decorrer entre o diretor-tesoureiro e o empresário, acompanhando-o até à «porta» exterior do edifício voltada para as suas traseiras, que fechou após o mesmo a ter transposto, representa um tratamento grosseiramente desrespeitador e não urbano do prestador de serviços à instituição empregadora.
F.3.3. No plano da relação recorrida – trabalhadora I.. a quem em tom ameaçador (…) se dirigiu, dizendo-lhe: «E a senhora tenha cuidado senão chega ao fim do mês e não recebe.» (Vide ponto 46 dos «Factos Provados») comportamento não urbano e prepotente que consubstancia uma ameaça de eventual não pagamento (como se para tanto tivesse poder) da retribuição correspondente à contrapartida do seu trabalho, visando interferir desfavoravelmente nas suas condições de trabalho e na sua liberdade pessoal.
G. Comportamento da trabalhadora-recorrida que para além da violação dos deveres de respeito, lealdade, correção e de tratamento urbano - alínea a) do n.º 1 do art. 128 do Cód. do Trabalho - a que estava adstrita, tipifica ainda uma violação dos deveres de zelo, diligência e obediência - alíneas c) e e) do seu n.º 1 - na medida em que a salvaguarda do bem jurídico tutelado pela norma se inscrevia no âmbito especifico das suas obrigações contratuais de «(…) criar condições que garantam um clima de bem-estar, promover reuniões de trabalho, dispensando especial atenção à questão do relacionamento interpessoal, à prevenção da conflitualidade».
G.1. Ora, a concreta relação de trabalho estabelecida entre recorrente e recorrida era sustentada num elevado grau de confiança que a primeira depositava na segunda e tinha uma reforçada componente de pessoalidade que emanava e se manifestava nas funções (concretizadas nos pontos 19 e 25 dos «Factos Provados») para que foi contratada («diretora de serviço»); do cargo («diretora técnica») para que foi nomeada; das habilitações (ponto 72 dos «Factos Provados) de que é portadora e do facto provado sob o ponto 20 (exercia «(…) as suas funções sob a subordinação (direção e fiscalização) direta da Direção da Ré»)
G.2. Confiança que o comportamento da recorrida irremediavelmente comprometeu, quer do ponto de vista do relacionamento interpessoal entre o diretor-tesoureiro e a recorrida – que se impunha necessário e frequente atendendo ao facto de a recorrida estar na dependência direta do órgão de direção da recorrente – quer do ponto de vista organizacional - comportamento demonstrativo da incapacidade e inaptidão da recorrida para o exercício das funções que lhe foram conferidas e a prossecução dos objetivos visados pela recorrente com tal atribuição (criação de um clima de bem-estar, dispensando especial atenção à questão do relacionamento interpessoal e à prevenção da conflitualidade - tendo de agente pacificador e preventor (que se obrigou a ser), a recorrida passado a ser, deliberada e frontalmente, um agente prevaricador, desestabilizador e fomentador do mau estar e da conflitualidade.
G.3. É ainda um comportamento de insubordinação: a recorrida arroga-se titular de um estatuto que não tinha, investe-se de um poder que não possuía, invertendo o posicionamento subjetivo das partes na relação de trabalho (o diretor-tesoureiro afinal de subordinante era seu subordinado). Situação que colide com a própria caracterização do contrato de trabalho - por referência «à autoridade e direção» do empregador (art. 1152.º do Código Civil) e por referência ao «âmbito da organização» e «autoridade» do empregador (art. 11.º do Código do Trabalho) - com o seu elemento caracterizador e diferenciador «a subordinação jurídica» - que se manifesta em todos os deveres principais e acessórios que compõem a posição debitória ampla e complexa assumida pelo trabalhador no contrato de trabalho e expressos no artigo 128.º do Código do Trabalho. Posicionamento e autoridade da recorrente com as quais a conduta da recorrida não só não se harmoniza mas, contundentemente, conflituou.
H. Em cumprimento do disposto no artigo 351, n.º 3 do Cód. do Trabalho, importa trazer à colação um conjunto de circunstâncias que não podem ser ignoradas, designadamente:
H.1. A factualidade expressa nos seguintes pontos dos «Factos Provados»: nos pontos 62 a 66 (que, apesar de não ter sido objeto de ação disciplinar, ficou documentada em atas da direção referentes a reuniões em que a recorrida esteve presente, tomou conhecimento e, sem reserva, assinou as correspondentes atas); no ponto 67 (advertência verbal); nos pontos 47 a 55, conjugados com os vertidos nos pontos 76 a 79 dos quais se extrai, por um lado, a predisposição negativa da recorrida relativamente ao diretor-tesoureiro, e, por outro lado, a animosidade e hostilidade da recorrida relativamente ao diretor-tesoureiro; nos pontos 68 a 71, que apesar de ser contemporânea ao despedimento da recorrida, ou se ter tornado conhecida da recorrente em momento posterior apesar de se referir a factualidade anterior, tem a virtualidade de comprovar a insustentabilidade da confiança na trabalhadora e do seu vínculo laboral que os factos provados em processo disciplinar atinentes ao seu comportamento já definitiva e irreversivelmente haviam comprometido.
H.2. O facto de a trabalhadora à data dos factos ter apenas uma antiguidade de 5 anos e 3 meses, aproximadamente.
H.3. Circunstâncias que não podem deixar de relevar na apreciação da «justa causa de despedimento» da recorrida, e que, necessariamente, tem de ser valorizadas em seu desfavor, o que só robustece a impossibilidade de restauração da confiança pela recorrente depositada na recorrida, a impossibilidade, prática e imediata, de subsistência do vínculo laboral e a irrazoabilidade da exigibilidade à recorrente – expressa na sentença do tribunal a quo - de aplicação, para a sanação da crise contratual suscitada pela sua conduta, de sanção disciplinar conservatória da relação de trabalho.
I. CONTEXTO EM QUE:
I.1. A impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral existe quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, suscetível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral, (leia-se a esse respeito António Monteiro Fernandes, supra citado), sendo que a gravidade do comportamento e das suas consequências hão-de ser aferidas de acordo com o entendimento do «bonus pater famílias», de um «empregador normal», segundo critérios objetivos e razoáveis, em face do circunstancialismo concreto.
I.2. O grau de culpa – apreciada segundo o critério do artigo 487.º, n.º 2, do C. Civil - da recorrida foi intenso e o grau de ilicitude da sua conduta elevado, pelo que, no quadro factual apurado, não pode deixar de se ter como razoável e justificada a perda objetiva de confiança da recorrente na idoneidade futura da conduta da recorrida, acentuada pelo facto de o seu comportamento ter não só atingido o diretor-tesoureiro mas também o empresário/fornecedor de serviços I.. e a trabalhadora-cozinheira I.., e praticado relativamente a cada um deles, na presença dos demais.
I.3. Não é possível exigir a um empregador, razoável, normal, colocado na concreta posição da recorrente, que releve, que continue a confiar, que mantenha ao seu serviço uma trabalhadora que ocupa posição de chefia, quando se é deliberada, grosseira, ostensiva, gratuita, frontal, acintosa e publicamente desrespeitado, humilhado, vexado, desautorizado e subalternizado, pois que tal conduta representa uma quebra, de tal forma grave e intensa, da disciplina e da confiança, incompatível e inconciliável com a natureza (de subordinação jurídica e fática) do vínculo laboral e a prossecução, em termos de aptidão e idoneidade, da função típica que lhe está cometida.
I.4. In casu, são patentes e notórias a culpa (na modalidade de dolo) e a gravidade do comportamento da trabalhadora recorrida, em si mesma e nas suas consequências, e a «impossibilidade imediata e prática»/«inexigibilidade» de subsistência do seu vínculo laboral, relativamente ao qual, não só a doutrina mas também a jurisprudência realça o papel determinante da confiança nas relações de trabalho em geral e em especial quando o trabalhador exerce funções de chefia, sendo mais intoleráveis os comportamentos dos trabalhadores situados no topo da hierarquia empresarial, mormente quando está em causa a violação dos deveres de respeito e de lealdade, posição que, associada as suas concretas funções, sobre a recorrida fazia impender o especial dever de zelar, preservar, respeitar e fazer respeitar os deveres que o seu comportamento ilícito, inexoravelmente, violou.
I.5. A continuidade do contrato representaria (objetivamente) uma insuportável e injusta imposição à recorrente empregadora, na medida em que a subsistência do vínculo e das relações que ele supõe, são «(…) de molde a ferir, de modo desmesurado e violento, a sensibilidade e a liberdade de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador», dando-se, assim, por verificada a «justa causa de despedimento da recorrida», a que se reconduz a cláusula geral estatuída no artigo 351,º, n.º 1 do Código do Trabalho.
I.6. Assim não tendo considerado, a Meritíssima Juíza de Direito do tribunal a quo, não interpretou corretamente os citados preceitos legais, em especial os transcritos artigos 128.º e 351, n.º 1 do Código do Trabalho.
I.7. Pelo que, porque proferida em desconformidade com as referidas normas jurídicas, deve revogar-se a sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Bragança no âmbito do processo em referência, julgando-se procedente a apelação com a consequente e correspondente absolvição da recorrente dos pedidos pela recorrida formulados com base da ilicitude do seu despedimento para, assim, se fazer … JUSTIÇA.

M.., residente na.., em Bragança, contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no qual suscita a incompetência territorial desta Relação.

M.. intentou a presente ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra C.., opondo-se ao despedimento promovido por esta em 26/04/2013.
Juntou a decisão de despedimento que lhe foi notificada pela empregadora.
A R. empregadora deduziu o seu articulado de motivação do despedimento individual, com fundamento em facto imputável ao trabalhador, discriminado os factos que, em seu entender, integram a prática, pelo trabalhador de várias infrações disciplinares e constituem justa causa de despedimento, os quais, em síntese, reconduz à violação dos deveres de respeito, de obediência, de preservar a imagem da Ré. Mais requereu a exclusão da reintegração da trabalhadora, em caso de insubsistência da justa causa invocada.
A trabalhadora contestou invocando a caducidade do direito de aplicar a sanção relativamente aos factos constantes da primeira nota de culpa, bem como a prescrição do direito de exercício do poder disciplinar relativamente a alguns dos factos descritos na nota de culpa, por esta ter sido deduzida mais de 60 dias após o seu conhecimento pela Ré e, por fim a inexistência de justa causa, impugnando, parcialmente, os factos alegados pela R. empregadora. Em reconvenção, pede a condenação da R. a: a) Reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, sem qualquer prejuízo da sua categoria e antiguidade, nos termos do artº 389º, 1, al. b), Código do Trabalho; b) Pagar á Autora todas as retribuições (a título de salários, férias e subsidio de férias e subsidio de refeição) que deixou de auferir desde 26-4-2013, no valor já vencido de atual de €2.800,00 e ainda todas as vincendas até trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento – cfr. artº 390º, nº 1, Código do Trabalho; c) Pagar á A. a quantia de €1.200,00 a título de retribuição pelas férias não gozadas, vencidas em 1-1-2013; d) Pagar à A. uma indemnização a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais sofridos por via do despedimento ilícito no valor provisório de €10.000,00; e) Pagar juros de mora sobre tais quantias, liquidados á taxa legal, desde o momento da constituição em mora e até integral e efetivo pagamento.
A R. respondeu, pugnando pela improcedência das exceções perentórias de prescrição e caducidade e impugnando, no essencial, os factos alegados pela A.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que se proferiu sentença que:
1- Declarou a ilicitude do despedimento da A. M.., promovido pela R. C..;
2- Declarou procedente o incidente de exclusão da reintegração e, em consequência, determino a exclusão da reintegração da A. no seu posto de trabalho;
3- Condenou a R. C.. a pagar à A. M..:
a) Em substituição da reintegração e nos termos do art. 392º nº 3 do Código do Trabalho, uma indemnização correspondente a 40 dias de por cada ano de antiguidade ou fração, o que perfaz até à presente data o montante de €8.400,00 (oito mil e quatrocentos euros), sem prejuízo do tempo que decorrer até ao trânsito em julgado da presente sentença.
b) As retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao
trânsito em julgado da sentença, as quais perfazem até esta data o montante global de €13.101,16, (treze mil cento e um euros e dezasseis cêntimos), montante final a que, porém, haverá que descontar o subsídio de desemprego que a Autora auferiu, condenando-se a Ré a entregar essa quantia relativa a subsídio de desemprego à segurança social, tudo a liquidar oportunamente.
c) A pagar à A. a quantia de €700,00 (setecentos euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais emergentes do despedimento;
d) A pagar à A. os juros de mora vencidos e vincendos sobre as prestações pecuniárias fixadas, desde a data do vencimento de cada retribuição quanto às retribuições intercalares, desde a data da citação quanto à compensação por danos não patrimoniais e desde a data da presente sentença quanto à indemnização de antiguidade, até integral pagamento, à taxa legal.

Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, descortinamos as seguintes questões a decidir:
1ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
2ª – Existe justa causa de despedimento?

Previamente à análise das questões enunciadas por via do recurso, cumpre apreciar a questão prévia suscitada pelo Ministério Público – a incompetência territorial da Relação.
Nenhuma das partes em confronto se pronunciou.
Com relevo para a decisão, enumeram-se os seguintes factos:
1 – O recurso foi interposto em 28/04/2014 e admitido em 7/07/2014, altura em que foi ordenada a subida dos autos ao Tribunal da Relação do Porto.
2 – No dia 16/10/2014 os autos deram entrada nesta Relação e, tendo sido concluídos à Relatora em 16/10/2014, foi pela mesma proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões de recurso, convite esse que veio a era aceite.
A Lei 62/2013 de 26/08 – Lei de Organização do Sistema Judiciário -, no que por ora releva, entrou em vigor na data de início de produção de efeitos do DL 49/2014 de 27/03, ou seja, em 1/09/2014 (Artº 188º/1 e 118º, respetivamente).
No que se reporta á estrutura e organização, o território compreende, no que para aqui releva, Tribunais da Relação, cuja área de competência é definida nos termos do anexo I daquela Lei (Artº 32º/1).
Entre eles encontra-se, a partir da entrada em vigor da Lei, o Tribunal da Relação de Guimarães, cuja área de competência abrange as comarcas de Braga, Bragança, Viana do Castelo e Vila Real.
Os Tribunais da Relação compreendem secções em matéria cível, penal e social, entre outras.
No momento já se encontra instalada a secção social, à qual cabe julgar as causas referidas no Artº 126º (Artº 54º/1, aplicável ex vi Artº 74º/1), entre as quais as que tratem de questões emergentes de relações de trabalho.
E é assim que, estando agora criada a Relação de Guimarães, cuja área de competência se estende também às matérias laborais provenientes das comarcas acima referidas, se coloca a questão de saber se esta Relação, no circunstancialismo acima descrito goza de competência territorial, já que, no momento de interposição do recurso, bem como no da sua admissão, o quadro legal vigente não era este, mas sim o decorrente da Lei 3/99 de 13/01 de acordo com o qual a competência estava adstrita á Relação do Porto.
A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe (Artº 38º/1 da Lei). As modificações de direito são irrelevantes, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava adstrita ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa (nº 2).
E é este o segmento relevante.
Com a entrada em vigor da nova Lei de Organização do Sistema Judiciário foi atribuída ao Tribunal da Relação uma nova competência.
No Regulamento desta Lei, -o DL 49/2014 de 27/03- dispõe-se no Artº 103º que a competência dos atuais tribunais da Relação se mantem para os processos neles pendentes.
Daqui se extrai de imediato que aqueles processos que já tinham dado entrada nos tribunais da Relação, ali se mantém, independentemente do novo mapa. Ou seja, ainda que segundo o novo mapa a competência coubesse a outra Relação.
E extrai-se também, em nosso entender, que quanto a todos os demais se aplica a nova lei de organização. Donde, é irrelevante o momento de admissibilidade do recurso. O que verdadeiramente releva é a data de entrada do recurso na Relação. E, nesta data, já estava em vigor a nova lei. Se assim não fora, a norma do Artº 103º não faria sentido. Se assim não fora a intenção do legislador, certamente que não se teria usado naquele normativo a expressão “processos pendentes”, antes se aludindo à data em que o recurso foi interposto. Processo pendente é aquele cuja entrada já ocorreu no tribunal, conforme bem decorre do que se dispõe no Artº 259º/1 do CPC quando se reporta ao conceito de ação proposta, intentada ou pendente [A instância inicia-se pela proposição da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respetiva petição inicial, sem prejuízo do disposto no artigo 144.º].
Razão pela qual, tendo o processo aqui dado entrada em 16/10/2014, a competência é deste Tribunal.

Detenhamo-nos, então, sobre a 1ª das questões enunciadas – o erro de julgamento da matéria de facto.
Defende o Recrte. que sobre a matéria constante do ponto 75 (refeições também era assunto da responsabilidade da Autora, enquanto Diretora Técnica da Ré»), as testemunhas I.. e I.., com depoimentos gravados, no H@bilus Média Studio 20131210110817-20297-64225 e 20131210102630-20297-64225, não foram questionadas nem se pronunciaram (nada disseram), e o depoimento de M.. (supra transcrito e gravado no H@bilus Média Studio (20131209161431-20297-64225), 1.08.27H a 1.08.53H) não permite sustentar tal factualidade.
Começamos por salientar que a presente ação decorreu sem dependência de elaboração de base instrutória, tendo sido “dispensadas a delimitação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova”.
Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (Artº 640º/1 do CPC).
No que tange ao invocado erro sobre a matéria de facto, tendo os autos decorrido sem prévia elaboração de base instrutória, os concretos pontos de facto submetidos a julgamento foram os constantes dos articulados.
É, assim, sobre eles que deve incidir a resposta á matéria de facto.
A impugnação da matéria de facto faz-se, então, por referência aos articulados, porquanto aí se encontra a base que serviu de mote ao julgamento. E, assim, em sede de impugnação, o recorrente terá que indicar os artigos onde se encontra a matéria de facto objeto de erro no seu julgamento, pois é aí que estão os concretos factos que, tendo sido alegados, foram submetidos a julgamento.
Ora, no caso sub judice, não se descortina a indicação, efetuada por referência aos articulados, de algum concreto ponto de facto considerado incorretamente julgado. Nem nas conclusões, nem na precedente alegação.
É certo que o Recrte. transcreveu o ponto de facto enunciado na sentença. Contudo, este é já o ponto de facto que, após julgamento, se teve como indo ao encontro da prova, ficando por saber se, em presença do que vinha alegado este corresponderia ou não a tal alegação.
Ora, é sobre a matéria alegada – e não sobre qualquer outra – que se deve aquilatar do bem, ou mal fundado da decisão de 1ª instância.
Donde, consideramos omitido o encargo legal de concretização dos pontos de facto incorretamente julgados.
Termos em que, nesta parte, se rejeita o recurso.

FACTOS PROVADOS
1. Com relevo para a decisão, estão provados os seguintes factos (foi retificada a numeração dos itens):
1- Por deliberação de 15/02/2013, a Direção do C.., decidiu «(…) instaurar com intenção de proceder ao (…) seu despedimento, processo disciplinar à trabalhadora (…)» M...
2- Para tanto, deliberou em simultâneo designar «(…) como instrutor (…) H.., advogado com escritório na Rua..,da cidade de Bragança (…)», a quem conferiram «(…) poderes bastantes e necessários para o efeito».
3- Datada de 26/02/2013, foi elaborada, pelo instrutor nomeado, «NOTA DE CULPA».
4- Por carta registada em 27/02/2013 com aviso de receção, foi a Autora notificada, em 01/03/2013, da «intenção de proceder ao seu despedimento», da «Nota de Culpa» contra si deduzida e da sua «suspensão preventiva, sem perda da retribuição, em virtude de a sua presença nas instalações se revelar inconveniente».
5- No dia 14/03/2013 e datada de 13/03/2013, a Autora apresentou «Resposta à Nota de Culpa».
6- No dia 20/03/2013 inquiriram-se as testemunhas L.., I.. e R.., indicadas pela Autora na «Resposta à Nota de Culpa».
7- Elaborou-se, em 20/03/2013, «Aditamento à Nota de Culpa», que, com a manifestação da intenção de proceder ao seu despedimento, por carta registada com aviso de receção foi notificado à Autora no dia 21/03/2013.
8- No dia 03/04/2013, a Autora apresentou «Resposta ao Aditamento à Nota de Culpa».
9- No dia 08/04/2013, inquiriram-se as testemunhas F.., M.. e L.., indicadas pela Autora na «Resposta ao Aditamento à Nota de Culpa».
10- No dia 11/04/2013 foi elaborado o «Relatório Final».
11- Em reunião de 22/04/2013, a Direção do C.. decidiu, pelas razões de facto e de direito constantes do «Relatório Final», datado de 11/04/2013, elaborado pelo instrutor nomeado, proceder ao seu «despedimento» (da Autora) com fundamento em justa causa de despedimento.
12- Decisão de despedimento que, acompanhada do «Relatório Final» elaborado pelo instrutor nomeado, à Autora foi notificada por carta registada com aviso de receção datada de 23/04/2013 e por esta recebida no dia 26/04/2013.
13- Não há no âmbito da instituição Ré «comissão de trabalhadores» constituída nem a Autora é sindicalizada ou representante sindical.
14- A entidade empregadora C.. é uma instituição particular de solidariedade social de organização religiosa que tem por objeto a prestação de serviços de solidariedade social.
15- Serviço social que fundamentalmente prossegue mediante o desenvolvimento das seguintes respostas sociais: «Centro de Dia», «Serviço de Apoio Domiciliário» e «Lar de Idosos».
16- Sendo o seu órgão de Direção, à data da instauração do processo disciplinar e elaboração da «Nota de Culpa» e desde a sua tomada de posse em 26/01/2012, integrado pelos seguintes elementos: Padre.. (presidente), G.. (secretário) e M.. (tesoureiro).
17- Em 03/09/2007, a Autora foi admitida ao serviço do «Centro Social e Paroquial de Baçal».
18- Para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de «diretora de serviços».
19- Competindo-lhe, genericamente, no âmbito das suas funções e no cumprimento das instruções provenientes da Direção, orientar, coordenar e supervisionar a atividade da instituição e dos seus demais trabalhadores.
20- Exercendo as suas funções sob a subordinação (direção e fiscalização) direta da Direção da Ré.
21- No âmbito do processo disciplinar instaurado, com a notificação da «Nota de Culpa», datada de 26/02/2013, foi decidido proceder à «suspensão preventiva», sem perda de retribuição, da Autora em virtude de a sua presença nas instalações da Ré se mostrar inconveniente.
22- «Nota de Culpa» e «suspensão preventiva» que foi comunicada à Autora por carta registada em 27/02/2013.
23- Comunicação que pela Autora foi recebida no dia 01/03/2013.
24- E «suspensão preventiva» que, entre outros, se tornou do conhecimento dos demais trabalhadores da Ré.
25- Como «diretora de serviços» competia à A., entre outras funções, dirigir o funcionamento do estabelecimento dentro das regras definidas pela Direção da instituição, coordenar e supervisionar as atividades do restante pessoal, criar condições que garantam um clima de bem-estar, promover reuniões de trabalho, dispensando especial atenção à questão do relacionamento interpessoal, à prevenção da conflitualidade à elaboração de horários de trabalho, mapas de férias e folgas.
26- No prosseguimento do seu objeto social a Ré celebrou com o Instituto de Segurança Social protocolos através dos quais obtém subsídios que são imprescindíveis ao seu funcionamento.
27- Subsídios cuja concessão pelo Instituto de Segurança Social tem como referência e base de cálculo o número de utentes das diferentes valências da Ré - «Lar», «Centro de Dia» e «Serviço de Apoio Domiciliário».
28- E que pressupõe o regular envio à Segurança Social de «mapas de frequência».
29- Nos quais se identifica o número de utentes a frequentar as diversas valências.
30- «Mapas de frequência» por cuja elaboração e envio à Segurança Social era responsável a Autora na sua qualidade de diretora de serviços.
31- A Autora, após a cessação do vínculo laboral candidatou-se e está a receber da Segurança Social prestações de desemprego, desde 08/05/2013 a 7/11/2013 com o valor diário de €19,77 e de 08/11/2013 pelo período de 600 dias com o valor diário de €17,79.
32- A Autora era uma trabalhadora a tempo parcial, praticando um período normal de trabalho semanal de 26 horas e 15 minutos, correspondendo a 75% do período normal de trabalho.
33- E auferia a Autora a retribuição mensal ilíquida de 900€.
34- Em data não concretamente apurada mas situada entre os dias 19/11/2012 e 27/11/2012, da parte da manhã, pelas 11 horas, no espaço exterior das instalações sede da Ré, encontrava-se o tesoureiro da Direção, M.., na companhia de dois trabalhadores, de nomes J.. e J.., da sociedade «I.., Lda.», com sede na cidade de Bragança, à qual havia sido empreitada pela Direção do «C..» a vedação do espaço aberto envolvente do edifício destinado a recreio e zona de lazer ao «ar livre» dos idosos utentes da instituição.
35- Nessa data M.. verificava a altura adequada da dita vedação mediante a colocação de um painel de vedação, com cerca de 2,35 mts de altura.
36- Momento em que, proveniente do espaço interior das instalações, a Autora dirigindo-se ao identificado diretor e na presença dos trabalhadores, em voz alta e tom trocista, exclamou: «com esta vedação tão alta mais parece uma prisão. Coloque uns rolos de arame farpado para ficar mais bonita. Você não sabe o que está a fazer».
37- Continuando a proferir no mesmo tom e à medida que do local se afastava, outras expressões alusivas à situação.
38- No dia 21/01/2013 (vinte e um de Janeiro de dois mil e treze), pelas 15 horas, no interior das instalações da instituição empregadora, designadamente na zona da cozinha e sala de refeições, encontrava-se o referido tesoureiro da Direção, M.., na companhia de I.., sócio-gerente da sociedade «I.., Lda.»
39- Avaliavam em conjunto a execução de uma janela, de abrir e fechar, destinada à passagem das refeições confecionadas, louças e utensílios diversos, da cozinha para a sala (ou salão) de refeições.
40- Obra cuja realização vinha sendo exigida pelas entidades de acompanhamento e fiscalização da atividade do centro social e paroquial empregador.
41- E para a qual o mencionado diretor pretendia obter do mencionado empresário a sua opinião sobre a sua execução e o orçamento correspondente ao seu custo de execução.
42- Momento em que apareceu a Autora que de imediato ordenou com rispidez ao identificado empresário, I.., para sair, acompanhando-o até à «porta» exterior do edifício voltada para as suas traseiras, que fechou após o mesmo a ter transposto.
43- E de seguida em voz alta e alterada, dirigindo-se ao tesoureiro da direção M.. exclamou: «Afinal o que se passa?»
44- E, face à explicativa resposta do mesmo - de que estava a pedir um orçamento para a referida obra - a trabalhadora-arguida no mesmo tom retorquiu:
«Não tem que pedir orçamentos sem primeiro falar comigo e com os outros elementos da Direção. Eu é que sei se há dinheiro ou não. Isso não pode ser feito sem a minha ordem. As ordens vêm de cima para baixo e não de baixo para cima».
45- Palavras que foram proferidas na presença da trabalhadora I.., «cozinheira» da instituição.
46- Trabalhadora I.. a quem de seguida em tom ameaçador a Autora se dirigiu, dizendo-lhe: «E a senhora tenha cuidado senão chega ao fim do mês e não recebe».
47- No dia 20/02/2013, pelas 16 horas, decorria nas instalações sede da instituição empregadora e designadamente no espaço destinado a refeitório, o habitual «lanche» dos utentes.
48- Com a especificidade de nesse dia ser de aniversário de uma das idosas utentes.
49- Pelo que, como de costume, são cantados os «parabéns» e fatiado e por todos distribuído o bolo comemorativo.
50- Convívio no qual se encontrava presente, entre outras trabalhadoras da instituição, a Autora.
51- Encontrando-se o tesoureiro da Direção, M.., no interior das instalações mas em espaço distinto contíguo.
52- A escriturária da instituição, R.., que também participava no referido convívio, abordou a Autora informando-a de que se encontrava no centro o identificado tesoureiro e perguntando-lhe se não seria melhor chamá-lo.
53- Ao que a Autora respondeu: «Não, não me compete a mim, mas à aniversariante ou aos familiares.»
54- Tendo para além dos «parabéns» sido, também, entoada pela Autora e outros familiares da utente a canção «Grândola Vila Morena» de «Zeca Afonso».
55- Canção que publicamente é associada ao movimento e sentimento de contestação e indignação relativamente à atual governação do pais e à reclamação da demissão dos seus governantes.
56- No dia 17/03/2013 (domingo), pelas 15 horas, a Autora entrou nas instalações sede da Ré, sitas no.., concelho de Bragança, onde exercia funções.
57- Onde permaneceu e livremente circulou pela sala de convívio e pela sala de visitas até cerca das 16 horas, conversando com os utentes da instituição, em particular com a sua tia L...
58- Entrada e permanência nas instalações da Ré que não foi solicitada pela Autora à direção do C.. nem, consequentemente, por esta autorizada ou consentida.
59- Não se encontrando, no dia e hora referidos, nas instalações sede da Ré qualquer dos seus diretores.
60- Data, de 17/03/2013, em que o processo disciplinar instaurado se encontrava em fase de instrução, encontrando-se agendado o dia 20/03/2013 para inquirição das testemunhas indicadas pela Autora na «Resposta à Nota de Culpa».
61- Não tendo pela Direção da Ré sido revogada a «suspensão preventiva» da Autora, decidida e comunicada conjuntamente com o envio da «Nota de Culpa» datada de 26/03/2013 e pela Autora recebida no dia 01/03/2013.
62- No ano de 2010, foi registada, no livro de reclamações em vigor na instituição, uma queixa de familiar de um dos utentes da instituição, manifestando o seu desagrado com o comportamento da Autora. Reclamação que a Autora ocultou, não tendo diligenciado a sua remessa para a entidade competente para a apreciar bem como o envio da resposta adequada, o que determinou a aplicação e pagamento pela instituição de uma coima de 275€.
63- Também no ano de 2010, foram aplicadas pela ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho, duas coimas à Ré, uma pela falta de regularização perante o referido organismo, de contratos de trabalho e outra por a Autora se ter esquecido de apresentar atempadamente os mapas dos horários de trabalho praticados.
64- Desde o ano de 2011, que tem sido a Direção confrontada com diversas «queixas» por parte de outras trabalhadoras, relacionadas com o facto de a Autora alterar, sem comunicação prévia, horários de trabalho, o gozo de períodos de férias atempadamente marcadas, ter comportamentos discriminatórios no tratamento das trabalhadoras, organizar inadequadamente o trabalho, denotar falta de profissionalismo e fomentar com tais comportamentos a conflitualidade entre trabalhadores.
65- Situações expressas no artigo antecedente de que a Autora tomou conhecimento, constando das atas números 50, 58 e 71, respetivamente, das reuniões da Direção dos dias 16/08/2010, 03/12/2010 e 05/08/2011.
66- Reuniões em que a Autora esteve presente e assinou as correspondentes atas.
67- Tendo sido verbalmente advertida, relativamente às queixas das trabalhadoras, para “ser mais homogénea com as funcionárias para que desta forma a respeitem e não permitir que nenhuma funcionária dê ordens às colegas de trabalho.”
68- Após o despedimento da Autora, as tarefas que a esta competiam tiveram que ser confiadas a outra trabalhadora.
69- Tendo na análise da documentação conexa com os protocolos celebrados com a Segurança Social se constatado que no período compreendido entre os anos de 2008 e Fevereiro de 2013, a Autora incluiu, por excesso, nos «mapas de frequência», um número de utentes que na realidade não frequentavam a instituição ou por esta não eram assistidos, designadamente nas valências de «Centro de Dia» e SAD (Serviço de Apoio Domiciliário).
70- É com base em tais «mapas de frequências» que são concedidos pela Segurança Social à Ré - e por esta recebidos - valores a título de subsídios.
71- Também na fase final do processo disciplinar instaurado, foi a Ré de novo confrontada com «queixas» diversas da generalidade das suas trabalhadoras relativas ao comportamento da Autora e que referiam a desigualdade de tratamento das trabalhadoras na elaboração de horários, chamadas de atenção feitas de forma agressiva e em voz alta e alterada, humilhação das visadas perante colegas de trabalho, utentes e seus familiares.
72- A Autora é licenciada em Ciências Empresariais, na vertente de especialidade em Recursos Humanos, possuindo também a Licenciatura em Psicologia, exerce as funções de Diretora Técnica do Centro, com a categoria de diretora de serviços, desde 03/09/2007, sendo que até essa data, era Presidente do Conselho Fiscal, da mesma Instituição.
73- Na ocasião referida supra no nº 31 também os operários comentaram que as vedações eram demasiado elevadas, tendo em conta também o “murete” de cimento de suporte e atendendo a cércea do edifício.
74- Em finais de Janeiro de 2013 foram colocadas as grades/vedação mas já com altura de 1,43 m.
75- A abertura da janela da cozinha para a sala de refeições também era assunto da responsabilidade da Autora, enquanto Diretora Técnica da Ré.
76- No dia 20/02/2013, pelas 16 horas, a Autora não se encontrava em horário de serviço, tendo-se deslocado a título pessoal às instalações da Ré por ser o dia de aniversário da sua tia, L.., utente do Centro.
77- Nesse dia 20-02-2013, a Autora entrou acompanhada de sua mãe, a convite daquela sua tia (irmã da sua mãe), que naquele dia iria festejar os seus 91 anos, com o seu filho T.. e nora D. L.. e mais amigos convidados – D. L.. e D. I...
78- Neste convívio entre aniversariante, familiares, amigos, funcionários e utentes, comentava-se a situação do País e o facto do Ministro Miguel Relvas não saber cantar a “Grândola Vila Morena”, quando vaiado pelos estudantes, tendo, então, sido entoada por alguns dos presentes, designadamente a A., a D. L.. e a D. I..
79- No ano anterior o Sr. Tesoureiro, M.. também esteve presente no aniversário da utente L.. e deu-lhe os parabéns.
80- No dia 17/03/2013 a Autora esteve nas instalações da Ré no horário de visita para o público, tendo ido visitar a sua tia L...
81- Com a instauração do processo disciplinar, a sua suspensão preventiva e despedimento a Autora sofreu sentimentos de humilhação, vexame, desespero, angústia e revolta, causa de aborrecimentos e preocupações.
82- Por via daquela atuação da Ré, a Autora entrou em estado de depressão e esgotamento nervoso, tendo necessidade de recorrer a assistência da sua médica de família, Sra. Dra. C.. e do Sr. Dr. A.., psicólogo, que lhe dispensaram acompanhamento médico.
83- Foi medicada e tomou medicação antidepressiva pelo menos até Setembro de 2013.
84- Sendo pessoa de natureza habitualmente alegre e bem-disposta, vivendo a vida com otimismo, passou a registar alteração do humor, angústia, amargura, desmotivação e ansiedade.
85- A Autora reside em Baçal, local da sede e instalações da Ré e correspondente a aldeia de pequena dimensão e onde todos se conhecem e que dista apenas cerca de 10 Km da cidade de Bragança, onde a Autora também tem amigos.
86- O despedimento efetuado pela R. causou à A. enorme vexame e vergonha perante todos os seus colegas de trabalho, utentes da Ré, amigos e conhecidos.
87- O seu marido era empregado bancário.
88- Com o despedimento ficou privada dos rendimentos do seu trabalho, também causa de grande trauma e angústia, agravado pelo facto do seu marido também se encontrar desempregado, não contando o agregado familiar, atualmente, com rendimentos provenientes do trabalho.
89- Afastou-se dos amigos, que souberam, pelo menos os mais próximos, do seu despedimento, refugiando-se em casa.
90- A forma como o despedimento afetou o seu estado de vida e saúde causaram preocupação e ansiedade no seu filho, D.., este com dez anos de idade, o que obrigou os pais a submete-lo a acompanhamento psicológico junto do Dr. A...91- Circunstâncias estas que, por si e de forma acrescida, aumentaram as preocupações e aborrecimentos da Autora e o seu estado de angústia e revolta.

APRECIAÇÃO DO DIREITO
Analisemos, então, a 2ª questão suscitada no recurso – a existência de justa causa para despedir.
Consignou-se na sentença que “Da factualidade supra descrita nos nºs 34 a 61, resulta que, no essencial, logrou a R. fazer prova dos factos imputados ao A. na decisão de despedimento”. Porém, “Relativamente aos factos ocorridos em 20/02/2013 e em 17/03/2013 não se vislumbra que os mesmos assumam relevância disciplinar” porquanto “em ambas as situações A. não se encontrava no exercício das suas funções (cf. nºs 76, 77 e 80), mas antes no âmbito da sua vida privada” e “Quanto à entoação da canção “Grândola Vila Morena” de Zeca Afonso, os factos apurados revelam um contexto diverso daquele que a R. lhe atribuiu, como decorre dos factos vertidos no nº 78, sendo certo que, apesar de se ter provado que a A. também cantou, não se provou que tivesse sido sua a iniciativa e que tivesse visado atingir o diretor da R. M...” Já quanto aos demais factos apurados, consignou-se que “são em si mesmos suscetíveis de constituir infração disciplinar por revelarem um comportamento incorreto e censurável da ora A. para com um titular dos órgãos estatutários da empregadora, bem como para com uma colega de trabalho e uma terceiro que entrou em relação com a empregadora, violador do dever de respeitar e tratar com urbanidade e probidade o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as demais pessoas que estejam ou entrem em relação com a empresa, contemplado no art.128º nº 1 al. a) e do Código do Trabalho”. Contudo, “para que se considere preenchido o conceito de justa causa não basta a verificação do comportamento grave e culposo. É necessário que, pelas suas consequências, torne praticamente impossível a manutenção do vínculo. Essa impossibilidade mede-se por um padrão objetivo de não exigibilidade, isto é, a verificação da justa causa pressupõe que não seja exigível ao empregador que prossiga na relação laboral. Trata-se de um corolário do princípio constitucional da segurança e da estabilidade do emprego e da proibição dos despedimentos sem justa causa estabelecidos no art. 53º da Constituição. Ora, os factos apurados, numa ponderação global do contexto em que ocorreram, não justificam a conclusão de que o comportamento da A. comprometeu irremediavelmente a relação de confiança que deve existir entre um trabalhador e a sua entidade patronal, em termos que levam a considerar inexigível a manutenção da relação de trabalho por parte desta.”
O inconformismo do Recrte. centra-se na 2ª parte da decisão, ou seja, na circunstância de os factos apurados não justificarem a conclusão de que a conduta da A. comprometeu de forma irremediável a relação de confiança que subjaz ao contrato de trabalho.
Trata-se, assim, de aquilatar da inexigibilidade de manutenção da relação laboral.
O Recrte. alega que não é possível exigir a um empregador, razoável, normal, colocado na concreta posição da recorrente, que releve, que continue a confiar, que mantenha ao seu serviço uma trabalhadora que ocupa posição de chefia, quando se é deliberada, grosseira, ostensiva, gratuita, frontal, acintosa e publicamente desrespeitado, humilhado, vexado, desautorizado e subalternizado, pois que tal conduta representa uma quebra, de tal forma grave e intensa, da disciplina e da confiança, incompatível e inconciliável com a natureza (de subordinação jurídica e fática) do vínculo laboral e a prossecução, em termos de aptidão e idoneidade, da função típica que lhe está cometida. A continuidade do contrato representaria (objetivamente) uma insuportável e injusta imposição à recorrente empregadora, na medida em que a subsistência do vínculo e das relações que ele supõe, são «(…) de molde a ferir, de modo desmesurado e violento, a sensibilidade e a liberdade de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador», dando-se, assim, por verificada a «justa causa de despedimento da recorrida», a que se reconduz a cláusula geral estatuída no artigo 351,º, n.º 1 do Código do Trabalho.
Recordemos os factos relevantes.
Em data não concretamente apurada mas situada entre os dias 19/11/2012 e 27/11/2012, da parte da manhã, pelas 11 horas, no espaço exterior das instalações sede da Ré, encontrava-se o tesoureiro da Direção, M.., na companhia de dois trabalhadores da sociedade «I.., Lda.», à qual havia sido adjudicada empreitada pela Direção do «C..» da vedação do espaço aberto envolvente do edifício destinado a recreio e zona de lazer ao «ar livre» dos idosos utentes da instituição. Nessa data M.. verificava a altura adequada da dita vedação, momento em que, proveniente do espaço interior das instalações, a Autora dirigindo-se-lhe e na presença dos trabalhadores, em voz alta e tom trocista, exclamou: «com esta vedação tão alta mais parece uma prisão. Coloque uns rolos de arame farpado para ficar mais bonita. Você não sabe o que está a fazer». Continuando a proferir no mesmo tom e à medida que do local se afastava, outras expressões alusivas à situação.
No dia 21/01/2013, pelas 15 horas, no interior das instalações da instituição empregadora, designadamente na zona da cozinha e sala de refeições, encontrava-se o referido tesoureiro da Direção, M.., na companhia de I.., sócio-gerente da sociedade «I.., Lda.» Avaliavam em conjunto a execução de uma janela, de abrir e fechar, destinada à passagem das refeições confecionadas, louças e utensílios diversos, da cozinha para a sala (ou salão) de refeições. Momento em que apareceu a Autora que de imediato ordenou com rispidez ao identificado empresário, I.., para sair, acompanhando-o até à «porta» exterior do edifício voltada para as suas traseiras, que fechou após o mesmo a ter transposto. E de seguida em voz alta e alterada, dirigindo-se ao tesoureiro da direção M.. exclamou: «Afinal o que se passa?» E, face à explicativa resposta do mesmo - de que estava a pedir um orçamento para a referida obra - a trabalhadora-arguida no mesmo tom retorquiu: «Não tem que pedir orçamentos sem primeiro falar comigo e com os outros elementos da Direção. Eu é que sei se há dinheiro ou não. Isso não pode ser feito sem a minha ordem. As ordens vêm de cima para baixo e não de baixo para cima». Palavras que foram proferidas na presença da trabalhadora I.., «cozinheira» da instituição. Trabalhadora I.. a quem de seguida em tom ameaçador a Autora se dirigiu, dizendo-lhe: «E a senhora tenha cuidado senão chega ao fim do mês e não recebe».

O Artº 351º/1 do CT dispõe que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
A existência de justa causa está, assim, dependente da verificação cumulativa de três pressupostos: (1) o comportamento culposo do trabalhador, (2) a impossibilidade de subsistência da relação e (3) o nexo de causalidade entre o comportamento e a impossibilidade assinalada.
A culpa do trabalhador para efeitos de justa causa depende da comissão pelo mesmo de alguma infração disciplinar, pressupondo uma ação ou omissão imputável ao trabalhador a título de culpa e violadora de algum dever a que, como trabalhador, o mesmo está sujeito.
Como se deixou explícito acima, este pressuposto não constitui objeto de discussão no âmbito deste recurso.
Porém, o comportamento culposo não é suficiente para efeito de justa causa. A lei exige que o mesmo e as respetivas consequências se revistam de uma tal gravidade que comprometa a subsistência da relação.
Para efeito de determinação desta gravidade há que atender a critérios de razoabilidade especificados na lei ou seja, conforme decorre do que dispõe o Artº 351/3 do CT, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
É, assim, imperioso, que se possa concluir pela irremediabilidade na rutura da relação de trabalho, o mesmo será dizer pela inexigibilidade de manutenção do contrato, ou seja, existe justa causa “quando o estado de premência do despedimento seja de julgar mais importante que os interesses opostos na permanência do contrato” (Ac. STJ de 14/03/00, CJASTJ, T. I, 2000, 280).
“Existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele importa, sejam de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador” (idem).
Ou, numa outra formulação, “verifica-se impossibilidade prática da subsistência da relação laboral quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, suscetível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele” (Ac. STJ de 21/03/2014, www.dgsi.pt).
Quer na doutrina, quer na jurisprudência é uma constante a afirmação da especial relação de confiança que o contrato de trabalho pressupõe, reconduzindo-se o requisito da impossibilidade de manutenção do vínculo à ideia de inexigibilidade para a outra parte de subsistência do contrato. É uma impossibilidade prática.
A valorização deste elemento, pelas características inerentes à própria prestação, vem impondo que a margem de tolerância às violações diminua consoante o grau de exigência determinado pela própria qualificação profissional do trabalhador envolvido.
No caso concreto, a apelada desenvolvia funções de diretora de serviços, competindo-lhe, genericamente, no âmbito das suas funções e no cumprimento das instruções provenientes da Direção, orientar, coordenar e supervisionar a atividade da instituição e dos seus demais trabalhadores, o que implica atividades de elevada responsabilidade, seja do ponto de vista interno, seja do externo. Donde, especiais exigências comportamentais se lhe aplicam.
Por sua vez, o seu interlocutor no circunstancialismo acima referido era um dos membros da direção do empregador, no caso, o tesoureiro.
Ora, revertendo aos factos que fundam a decisão de despedir, sufragamos a sentença no seu juízo acerca da possibilidade de manutenção da relação jurídica de emprego com aplicação de sanção disciplinar.
Na verdade, o primeiro conjunto de factos, atento o tom trocista usado, indicia uma crítica à construção da vedação, acompanhada de alguma falta de polimento da A. (também ela um quadro dirigente) no trato quando, na presença de terceiro, se dirige ao tesoureiro (membro da direção do seu empregador) e lhe diz que ele não sabe o que está a fazer. Trata-se de uma crítica que podia ser realizada, mas que a presença de terceiro impunha que fosse evitada. Já o segundo conjunto de factos é revelador de manifesta falta de respeito para com um titular do órgão empregador. Porém, insuficiente para alicerçar a justa causa de despedimento. Nenhum destes comportamentos, no contexto da relação, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Ou, como se diz na sentença, uma sanção disciplinar conservadora do vínculo revelar-se-ia suficiente para repor o respeito e autoridade do titular do órgão de direção da R. posta em crise pela atuação da A.
Não há, assim, como concluir pela licitude do despedimento, pelo que improcede a apelação.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recrte.
Notifique.
Guimarães, 15/01/2015
Manuela Fialho
Moisés Silva
Antero Veiga