Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
559/20.2T8GMR.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: LEGITIMIDADE PASSIVA
INCIDENTE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Configurando os autores a relação controvertida de duas formas sucessivamente distintas, inicialmente, afirmando que celebraram o contrato de seguro com a ré e, posteriormente, admitindo que se equivocaram e que não foi com a ré que celebraram o contrato de seguro, mas sim com a X Seguros de Vida, S.A., a relação a considerar para efeitos de aferição da legitimidade das partes é esta segunda relação.
II - Perante esta relação jurídica controvertida é manifesto que a legitimidade passiva pertence unicamente à X Seguros de Vida, S.A. pois foi com esta que os autores celebraram o contrato de seguro invocado nos autos, sendo a ré parte ilegítima na ação posto que não é sujeito dessa relação e não tem qualquer interesse direto em contradizer, pois da procedência da ação nunca lhe pode advir qualquer prejuízo, uma vez que não celebrou qualquer contrato de seguro com os autores, existindo uma ilegitimidade passiva singular.
III - A ilegitimidade singular é insuprível, pois, mesmo que intervenha a verdadeira parte, não pode deixar de se absolver da instância a parte que nada tem a ver com a relação material controvertida.
IV - O incidente de intervenção não é um meio de substituição processual de demandados, nomeadamente quando se demandou certa pessoa ou entidade, e se deveria ter demandado outra. A finalidade do incidente de intervenção provocada é ultrapassar o vício de preterição de litisconsórcio necessário ou assegurar a intervenção dos litisconsortes voluntários.
V – Por conseguinte, só a ilegitimidade plural é suprível por via do incidente de intervenção. Já a ilegitimidade singular é insanável e constitui exceção dilatória que dá lugar à absolvição do réu da instância (arts. 577.º, al. e), 576.º, n.º 2, e 278.º, n.º 1, al. d), do CPC).
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na 1ª seção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

D. F. e R. M. intentaram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra X SEGUROS GERAIS, S.A., com pedido de intervenção principal provocada, ao abrigo do preceituado no artigo 316º do C. P. Civil, de BANCO ... S.A., pedindo a condenação da ré:

A) no pagamento ao BANCO ... S.A., do capital em dívida dos três contratos de mútuo invocados, à data da verificação da invalidez profissional do autor marido, no montante global de € 36.403,18;
B) no pagamento aos autores do remanescente do capital do contrato de seguro de vida invocado, no montante de € 78.596,82;
C) no reembolso aos autores das quantias pagas a título de prémio do contrato de seguro invocado desde 02/05/2018, que, nesta data, atingem o montante de cerca de € 6.000,00;
D) no pagamento aos autores do montante correspondente ao reembolso das prestações mensais dos contratos de mútuo celebrados com o BANCO ... S.A., pagas desde 02 de maio de 2028, que, nesta data, atingem o montante de cerca de € 14.000,00.

Como fundamento dos seus pedidos alegaram, em síntese, que, para garantia do capital mutuado aos autores pela entidade bancária, celebraram, em 25 de outubro de 2006, um contrato de seguro de vida com a ré, titulado pela apólice nº 110854, com efeitos a partir do dia 31/01/2007, pelo prazo de um ano, renovável, cobrindo o risco de morte ou invalidez profissional permanente de qualquer um dos autores, com o capital de € 115.000,00.
O autor, em 02/05/2018, foi submetido a uma junta médica para efeitos de Atestado Medico de Incapacidade Multiuso, a qual, de acordo com a TNI, aprovada pelo Dec. Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, atestou que o mesmo é portador de forma grave, irreversível e em definitivo de uma deficiência que nessa data lhe conferiu uma incapacidade permanente global de 80% (oitenta por cento) em virtude de ser considerado uma pessoa com deficiência intelectual ou perturbação do espectro do autismo, que o incapacita para a sua profissão.
Por isso, o autor encontra-se em estado de invalidez profissional permanente, pelo que, face ao acordado no contrato de seguro celebrado com a ré, a mesma deverá pagar diretamente à entidade bancária o capital em dívida nos contratos de mútuo e aos autores o diferencial entre tal valor e o capital seguro.
Porém, a ré recusa-se a cumprir tais obrigações contratuais.
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Regularmente citada, a ré contestou invocando a sua ilegitimidade para a ação dado nunca ter celebrado qualquer contrato de seguro de vida, para o que, aliás, nem sequer está legalmente habilitada.
Impugnou a factualidade alegada pelos autores e disse ser do seu conhecimento que tal contrato de seguro do ramo vida foi celebrado com a X Seguros de Vida, S.A.
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Os autores responderam, pronunciando-se sobre a invocada exceção e dizendo que foram induzidos em erro pelo facto de a correspondência trocada com vista ao acionamento da apólice nº 110854 ter sido enviada pela X Seguros Gerais, S.A., mais admitindo (cfr. artigo 7º da resposta) que tal contrato foi celebrado entre a X Seguros de Vida, S.A. e os autores, sendo a referida X Seguros de Vida, S.A., por isso, contratualmente responsável pelo pagamento ao BANCO ... S.A. e aos autores das quantias peticionadas nos presentes autos.
Deduziram pedido de intervenção principal da X Seguros de Vida, S.A., como associada da ré, de modo a acautelar a eventual falta de legitimidade passiva desta e a eventual legitimidade passiva da X Seguros de Vida S.A., alegando que na intervenção principal ora provocada, o terceiro (X Seguros de Vida S.A.) é chamado a ocupar na lide a posição de parte principal (ré X Seguros Gerais, S.A.), ou seja, a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa, fazendo valer um direito próprio (art.º 312º do CPC), podendo apresentar articulados próprios (art.º 314º do CPC) e sendo a final condenado ou absolvido na sequência da apreciação da relação jurídica de que é titular efetuada na sentença, a qual forma quanto a ele caso julgado, resolvendo em definitivo o litígio em cuja discussão (art.º 320º do CPC).
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Foi proferido despacho que apreciou a exceção de ilegitimidade e o pedido de intervenção principal tendo concluído nos seguintes termos:

“Por tudo o exposto e nos termos do disposto nos artos. 278º/1 d)., 316º, 577/ e). e 576º/2 do Código de Processo Civil, julgo procedente a invocada excepção da ilegitimidade passiva, e inadmissível o incidente de intervenção principal provocada e, em consequência, absolvo a Ré X Seguros Gerais, S.A., da instância.”
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Os autores não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1) Os Autores/Recorrentes, salvo o devido respeito e melhor opinião em contrário, discordam da Douta Decisão proferida nos presentes autos com a refª citius 167447023, notificada às partes em 27/02/2020, a qual nos termos do disposto nos artos. 278º/1 d)., 316º, 577/ e). e 576º/2 do Código de Processo Civil, julgou procedente a invocada excepção da ilegitimidade passiva, e inadmissível o incidente de intervenção principal provocada e, em consequência, absolveu a Ré X Seguros Gerais, S.A., da instância.
2) A decisão proferida viola as disposições contidas no artigo 6º n.ºs 1 e 2 do NCPC – “Dever de gestão processual”, porquanto incumbia ao Senhor Juiz o poder-dever de providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a pratica-lo .
3) A decisão proferida viola também as disposições contidas sob as alíneas a), b) e c) do nº2 e nºs 3 e 4 do artigo 590 do NCPC porquanto incumbia e incumbe ao Senhor Juiz o poder-dever de convidar os Autores a suprirem as insuficiências e aperfeiçoar o seu articulado da PI, nos termos ali definidos, designadamente suscitar a intervenção de 3º para assegurar a legitimidade passiva se for caso disso.
4) A decisão proferida viola também as disposições contidas nos artigos 261º, n.º 1, 316º e 320º todos do N.C.P Civil.
5) Os Autores conforme alegaram no artigo 17º da sua PI, à data da assinatura da proposta do contrato de seguro de vida, mais concretamente em 25 de Outubro de 2006, limitaram-se a assinar a mesma proposta de apólice de seguro de vida bem como o questionário clinico de cruz e que lhes foram colocados à sua frente, sem qua a mesma proposta do contrato de seguro de vida bem como o questionário clinico, lhes fossem lidos, ou os seus conteúdos explicados, nem lhes foi facultada ou enviada uma cópia da mesma proposta do contrato de seguro de vida bem como o questionário clinico, quer antes, quer depois de assinados, pois que confiaram quer na boa fé do mesmo representante da Ré seguradora X SEGUROS GERAIS, S.A. ou da Interveniente principal X SEGUROS DE VIDA S.A., quer nas melhores condições contratuais pelo mesmo apresentadas, pois caso contrário não teriam acedido em mudar de seguradora nem celebrado um novo contrato de Seguro Vida com a ora Ré seguradora X SEGUROS GERAIS, S.A. ou com a Interveniente principal X SEGUROS DE VIDA S.A..´
6) Os Autores, nem na referida data de 25/10/2006, nem nos meses seguintes, assinaram e/ou rubricaram as Condições Gerais, Especiais e Particulares do referido contrato de seguro de vida.
7) Na correspondência trocada entre os Autores e a Ré relativa ao contrato de seguro do Ramo Vida titulado pela apólice nº 110854, designadamente nas cartas timbradas remetidas pela Ré, constava a denominação “X- SEGUROS” e a denominação da Ré X SEGUROS GERAIS, S.A., facto esse que induzir em erro os Autores.
8) Toda a correspondência remetida pelos Autores para a Ré e relativa ao contrato de seguro do Ramo Vida alegado pelos Autores na sua PI (artigo 6º e seguintes) foi dirigida à X SEGUROS, sita Rua … Lisboa.
9) Correspondência essa que nunca foi devolvida pela Ré (cfr. doc. n.º 10 junto com a PI).
10) A sede da Ré X SEGUROS GERAIS, S.A. e à mesma da X SEGUROS DE VIDA S.A..
11)A própria atuação da própria Ré colocou em causa o principio da confiança.
12)Pelas razões de facto e de direito sura expostas, ao Autores por requerimento datado de 26/02/2020, com a refª citius 9834519, ao abrigo do disposto nos artigos 6º n.ºs 1 e 2 e 316º e seguintes do N.C.P Civil, deduziram o INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA como associada da Ré, da seguradora “X SEGUROS DE VIDA S.A.”, Sociedade Anónima, com sede na Rua …, NIP ....
13)Atento o alegado no artigo 3º da sua Douta Contestação e pelo qual é conhecimento da Ré que o contrato de seguro do Ramo Vida alegado pelos Autores na sua PI (artigo 6º e seguintes) foi celebrado entre os mesmos e a X SEGUROS DE VIDA S.A., resulta assim, que será referida seguradora X SEGUROS DE VIDA S.A. por força do alegado contrato de seguro do Ramo Vida, titulado pela apólice nº 110854, celebrado entre a mesma seguradora X SEGUROS DE VIDA S.A. e os Autores, contratualmente responsável pelo pagamento ao BANCO ... S.A. e aos Autores das quantias peticionadas nos presentes autos (artigo 56 da PI e do Pedido), a saber:
1. o pagamento ao BANCO ... S.A., do capital em dívida dos três contratos de mútuo invocados, à data da verificação da invalidez profissional do Autor marido, no montante global de €36.403,18;
2. o pagamento aos Autores do remanescente do capital do contrato de seguro de vida invocado, no montante de €78.596,82;
3. o reembolso aos Autores das quantias pagas a título de prémio do contrato de seguro invocado desde 02/05/2018, que, nesta data, atingem o montante de cerca de €6.000,00, e
4. o pagamento aos Autores do montante correspondente ao reembolso das prestações mensais dos contratos de mútuo celebrados com o BANCO ... S.A.., pagas desde 02 de Maio de 2028, que, nesta data, atingem o montante de cerca de €14.000,00.
14)Pretenderam os Autores, com o referido Pedido de Intervenção Principal Provocada da referida seguradora X SEGUROS DE VIDA S.A. como associada da Ré X SEGUROS GERAIS, S.A., acautelar a eventual falta de legitimidade passiva da Ré X SEGUROS GERAIS, S.A. e a eventual legitimidade passiva da X SEGUROS DE VIDA S.A..
15)Na intervenção principal aí provocada, o terceiro (X SEGUROS DE VIDA S.A.) foi chamado a ocupar na lide a posição de parte principal (Ré X SEGUROS GERAIS, S.A.), ou seja a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa, fazendo valer um direito próprio (art.º 312º do CPC), podendo apresentar articulados próprios (art.º 314º do CPC) e sendo a final condenado ou absolvido na sequência da apreciação da relação jurídica de que é titular efetuada na sentença, a qual forma quanto a ele caso julgado, resolvendo em definitivo o litígio em cuja discussão (art.º 320º do CPC).
16)O artº 261º do CPC deve ser interpretado no sentido de possibilitar o chamamento após a fase dos articulados e antes ainda da decisão quanto à legitimidade, quando o incidente é deduzido pelo autor ou pelo reconvinte, pois que a ressalva, na parte final do artº 318º, nº 1º, a) do CPC permite esta interpretação que o princípio de economia processual pressupõe.
17)O momento até ao qual se pode deduzir o incidente de intervenção principal provocada é o que consta no artigo 326º nº1 do CPC e previsto no artigo 323º do mesmo código, ou seja o momento até ao qual se podia deduzir a intervenção espontânea em articulado próprio, que é o despacho saneador.
18)Cumpria ao Meritíssimo Juiz dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
19)O Meritíssimo Juiz deveria convidar os Autores a suprir as insuficiências e aperfeiçoar o seu articulado da PI, nos termos ali definidos, designadamente suscitar a intervenção de 3º para assegurar a legitimidade passiva se for caso disso (alíneas a), b) e c) do nº2 e nºs 3 e 4 do artigo 590 do NCPC).
20)O Meritíssimo Juiz deveria providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a pratica-lo (cfr. artigo 6º n.ºs 1 e 2 do NCPC – “Dever de gestão processual”).
21)Conforme supra alegado, dispõe assim a Companhia de Seguros X SEGUROS DE VIDA S.A., Sociedade Anónima, com sede na Rua …, NIP ..., de plena Legitimidade Passiva para intervir nos presentes autos como associada da Ré X SEGUROS GERAIS, S.A., além do mais, por força do artigos 316º e seguintes do C.P Civil, sendo a mesma contratualmente responsável pelo pagamento ao BANCO ... S.A. e aos Autores das quantias peticionadas nos presentes autos e melhor discriminadas no artigo 56º da PI e no Pedido.
22)Pelas razões de facto e direito supra expostas, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado, devendo a Douta Decisão ora recorrida proferida nos presentes autos com a refª citius 167447023, notificada(o) às partes em 27/02/2020, a(o) qual nos termos do disposto nos artos. 278º/1 d)., 316º, 577/ e). e 576º/2 do Código de Processo Civil, julgou procedente a invocada excepção da ilegitimidade passiva, e inadmissível o incidente de intervenção principal provocada e, em consequência, absolveu a Ré X Seguros Gerais, S.A., da instância, ser revogada e substituída por douto acórdão que admita o incidente de intervenção principal provocada da seguradora “X SEGUROS DE VIDA S.A.”, Sociedade Anónima, com sede na Rua …, formulado pelos Autores por requerimento datado de 26/02/2020, com a refª citius 9834519 e julgue assim improcedente a invocada excepção da ilegitimidade passiva da Ré X Seguros Gerais, S.A..
23)Foram assim violados, entre outras, as seguintes disposições legais: a) artigo 6º n.ºs 1 e 2 do NCPC – “Dever de gestão processual”,
b) as alíneas a), b) e c) do nº2 e nºs 3 e 4 do artigo 590 do NCPC - poder-dever de convidar os Autores a suprirem as insuficiências e aperfeiçoar o seu articulado da PI, designadamente suscitar a intervenção de 3º para assegurar a legitimidade passiva;
c) artigos 261º, n.º 1, 316º e 320º todos do N.C.P Civil d) artigos 261º, n.º 1, 316º e 320º todos do N.C.P Civil; e) o principio da confiança;
f) o princípio de economia processual, g) artigo 320º do NCPC).”

Terminam pedindo que a decisão recorrida seja revogada e substituída por acórdão que admita o incidente de intervenção principal provocada da seguradora X Seguros de Vida, S.A. e julgue improcedente a invocada exceção da ilegitimidade passiva da ré X Seguros Gerais, S.A.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:

I – saber se a ré X Seguros Gerais, S.A. é parte legítima na ação;
II – saber se deve ser admitido o incidente de intervenção principal provocada da seguradora X Seguros de Vida, S.A.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos a considerar são os que se encontram descritos no relatório.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Cumpre apreciar e decidir.

I – Legitimidade da ré X Seguros Gerais, S.A.

Quanto ao conceito de legitimidade, enquanto pressuposto processual, dispõe o art. 30º, do CPC, que:

1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.

Da leitura desta norma, conclui-se, utilizando as palavras de Castro Mendes (in Direito Processual Civil, Vol. II, págs. 187 e 192) que “a legitimidade é uma posição de autor e réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu, ocupar-se em juízo desse objeto do processo.” (...) Assim, a legitimidade da parte depende da titularidade, por esta, dum dos interesses em litígio”.
No mesmo sentido ensinava o Prof. Alberto dos Reis (in Comentário ao Código de Processo Civil, 2ª edição, Vol. I, pág. 41) que a “questão da legitimidade é simplesmente uma questão de posição quanto à relação jurídica substancial. As partes são legítimas quando ocupam na relação jurídica controvertida uma posição tal que têm interesse em que sobre ela recaia uma sentença que defina o direito.”
A exigência deste requisito pretende acautelar que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica, tornando-se assim necessário que estejam em juízo, como autor e réu, as pessoas titulares da relação jurídica em causa (Acórdão da Relação de Guimarães, de 18.1.2018, in www.dgsi.pt).
A legitimidade, enquanto pressuposto processual que se exprime através da titularidade do interesse em litígio, exige que apenas se considere parte legítima como autor quem tiver interesse pessoal e direto em contradizer, não bastando um interesse indireto, reflexo, conexo ou derivado.
À legitimidade, enquanto pressuposto processual definido no art. 30º, do CPC, interessa saber quem são os sujeitos da relação controvertida, tal como ela é configurada pelo autor. Saber se essa relação existe ou não e quem são efetivamente os seus sujeitos é matéria que pertence ao mérito da ação, e que se prende com a legitimidade em sentido material, e não com a legitimidade enquanto pressuposto processual.
Como referido no Acórdão do STJ, de 18.10.2018 (in www.dgsi.pt) a “legitimidade processual, constituindo uma posição do autor e do réu em relação ao objecto do processo, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como o autor a desenhou. A legitimidade material, substantiva ou “ad actum” consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa.”

No caso em apreço, os autores configuram a relação controvertida de duas formas sucessivamente distintas. Inicialmente, afirmaram que celebraram o contrato de seguro com a ré. Posteriormente, admitiram que não foi com a ré que celebraram o contrato de seguro, mas sim com a X Seguros de Vida, S.A. Justificam o motivo pelo qual incorreram em erro quanto à instauração da ação inicialmente contra a ré.
Perante esta existência de erro na configuração da relação jurídica controvertida, que é claramente assumida pelos autores, a relação a considerar para efeitos de aferição da legitimidade das partes é a segunda relação, ou seja, aquela em que os autores afirmam que o contrato de seguro foi afinal efetivamente celebrado com a X Seguros de Vida, S.A.
Sendo esta a relação jurídica controvertida a considerar é manifesto que a legitimidade passiva pertence unicamente à X Seguros de Vida, S.A. pois foi com esta que os autores celebraram o contrato de seguro invocado nos autos.
A ré não é sujeito dessa relação controvertida e não tem qualquer interesse direto em contradizer, pois da procedência da ação nunca lhe pode advir qualquer prejuízo, posto que não celebrou qualquer contrato de seguro com os autores. Consequentemente, a ré não é parte legítima na ação.

II – Admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada da seguradora X Seguros de Vida, S.A.

Os recorrentes entendem que, ao abrigo do dever de gestão processual, incumbia tribunal a quo o poder-dever de providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo, bem como o poder-dever de convidar os autores a suprirem as insuficiências e aperfeiçoar o seu articulado, designadamente suscitando a intervenção de 3º para assegurar a legitimidade passiva.

Estas pretensões dos recorrentes têm pleno cabimento relativamente a situações em que existe a possibilidade de sanação de vícios, encontrando acolhimento legal nos arts. 6º, nº 2, e 590º, nº 2, al. a), do CPC, que impõem que o juiz providencie pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação.
Porém, já não têm qualquer pertinência ou apoio legal quando o vício existente é insanável ou insuprível: se o vício é insuprível o juiz não pode convidar a parte a supri-lo, por manifesta impossibilidade.
Por outro lado, no caso concreto, nunca faria sentido colocar a questão da necessidade de o tribunal a quo fazer o convite aos autores para deduzirem incidente de intervenção, com vista a sanar a ilegitimidade existente, porque os autores, sem tal convite, já deduziram o incidente em questão. Ao invés, o que importa analisar é se a questão da ilegitimidade da ré pode ser sanada por via da dedução do incidente de intervenção provocada de X Seguros de Vida, S.A., que os autores deduziram e o tribunal a quo indeferiu.

Já concluímos que, atenta a forma como os autores configuram a relação controvertida, a legitimidade passiva pertence unicamente à X Seguros de Vida, S.A., sendo a ré parte ilegítima, pelo que estamos perante uma situação de ilegitimidade passiva singular.
A ilegitimidade passiva singular é insanável ou insuprível, não podendo ser ultrapassada por via da dedução de incidente de intervenção provocada.
O incidente de intervenção provocada destina-se a permitir que, em situações de litisconsórcio necessário, qualquer das partes chame a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária, ou, em casos de litisconsórcio voluntário, o autor provoque a intervenção de litisconsorte do réu ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação material controvertida (arts. 316º e 39º, do CPC).
Destina-se também a possibilitar a efetivação do direito de regresso, nos termos do art. 317º, do CPC, e pode ser deduzida pelo réu nas situações referidas no art. 316º, nº 3, do CPC, hipóteses que, no caso não se colocam, pelo que não importa analisar.
Como decorre da previsão do art. 316º, a intervenção provocada restringe-se às situações de litisconsórcio, voluntário ou necessário, definidos respetivamente nos arts. 31º e 32º, do CPC.
Só a ilegitimidade plural (preterição de litisconsórcio) é suprível por via do incidente de intervenção. Já a ilegitimidade singular é insanável e constitui exceção dilatória que dá lugar à absolvição do réu da instância (arts. 577.º, al. e), 576.º, n.º 2, e 278.º, n.º 1, al. d), do CPC).
Não é possível deduzir incidente de intervenção em casos de legitimidade singular pois, nessa hipótese, o incidente, em vez de permitir a intervenção na lide de um novo sujeito, associado a uma das partes, teria como consequência a substituição de sujeitos processuais, o que a lei não admite.
Se a legitimidade é singular, só pode estar uma pessoa em juízo. Logo, admitir o chamamento de um terceiro implicaria a exclusão do réu inicial e a sua substituição pelo chamado, finalidade que não é possível alcançar por esta via pois o incidente de intervenção não é um meio de substituição processual de demandados, nomeadamente quando se demandou certa pessoa ou entidade, e se deveria ter demandado outra. A finalidade do incidente de intervenção provocada é ultrapassar o vício de preterição de litisconsórcio necessário ou assegurar a intervenção dos litisconsortes voluntários.
Como refere Anselmo de Castro, (in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II. pág. 216) a ilegitimidade singular é insuprível, pois, mesmo que intervenha a verdadeira parte, não pode deixar de se absolver da instância a parte que nada tem a ver com a relação material controvertida.
No sentido de que a ilegitimidade singular, ativa ou passiva, não é suprível, veja-se ainda António Geraldes (in Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol. pág. 67, nota 90) o qual refere que “se A demanda B quando, afinal, o sujeito da relação material controvertida era C, parece natural que não possa remediar-se a falta do pressuposto processual de legitimidade singular”.
Na jurisprudência também se tem entendido que o mecanismo de sanação de pressupostos processuais, aplicado à ausência do pressuposto processual da legitimidade, só é viável nas situações de preterição de litisconsórcio necessário, sendo inviável nas situações de ilegitimidade singular, como é o caso dos Acórdãos da Relação de Évora, de 7.12.2017, da Relação de Guimarães, de 16.5.2019, da Relação de Coimbra, de 6.12.2011 e da Relação de Lisboa, de 14.12.2004, (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Assim, não configurando a relação controvertida nos autos uma situação de litisconsórcio, mas sim de ilegitimidade passiva singular, não é possível deduzir incidente de intervenção provocada de X Seguros de Vida, S.A. pois esta nunca pode ser associada da ré, que é parte ilegítima e tem de ser absolvida da instância, e a sua intervenção visaria unicamente a sua substituição à ré, finalidade que a lei processual não permite alcançar por meio do referido incidente e que é proibida pelo princípio da estabilidade da instância consagrado no art. 260º, do CPC.
Do exposto se conclui que o incidente de intervenção não é admissível, porque não há uma situação de litisconsórcio, e nunca poderia ter sido proferido qualquer convite ao suprimento da exceção por parte do tribunal a quo pela singela razão de que a exceção que no caso ocorre é de ilegitimidade singular sendo, por isso, uma exceção insuprível ou insanável, cuja verificação implica a absolvição do réu da instância.
Uma breve nota apenas para referir que os acórdãos proferidos por esta Relação que os autores invocam e juntaram com as alegações de recurso tratam de situações que não têm analogia com o caso em apreço pois esses acórdãos apreciaram situações de litisconsórcio necessário passivo, ao passo que nos autos a situação é de ilegitimidade passiva singular.
Pelo exposto, improcede o recurso, sendo de confirmar a decisão recorrida.
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Sendo o recurso improcedente, deverão os recorrentes suportar as custas respetivas, nos termos do art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Notifique.
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Guimarães, 10 de setembro de 2020

(Relatora) Rosália Cunha
(1ª Adjunta) Lígia Venade
(2º Adjunto) Jorge Santos