Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1762/13.0TJVNF-A.G1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: ACORDO PARASSOCIAL
LIMITES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Não podem confundir-se as “questões” que o julgador tem de conhecer na sentença com os factos alegados pelas partes ou os argumentos utilizados, que obviamente não terão que ser todos discriminadamente mencionados e individualmente debatidos – sendo-o apenas na medida do que for necessário para os fins em vista.
II - O acordo parassocial consiste num contrato subscrito por todos ou apenas alguns sócios de uma sociedade, que tem o intuito de disciplinar as relações, interesses e direitos dos seus intervenientes, emergentes da respectiva qualidade de sócios, produzindo efeitos unicamente entre os outorgantes deste acordo, ou seja, não é válido perante terceiros ou sócios não outorgantes do mesmo.
III - As disposições do acordo parassocial não vinculam a sociedade, porquanto a sociedade não é parte nesse mesmo acordo.
IV - Os preceitos imperativos do direito societário constituem um limite ao conteúdo do acordo parassocial.
V - Nos acordos parassociais não há qualquer razão para aplicar o regime do art.º 260.º do CSC, pois este artigo trata da vinculação da sociedade perante terceiros o que não é o caso.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I - Relatório.

B., Ldª., nos autos de execução que lhe move C., veio deduzir oposição, pedindo que a execução seja declarada extinta e, caso assim se não entenda, seja decretada a redução do valor dado à execução.
Invoca a invalidade, inexistência e inexequibilidade do título executivo, alegando, para tanto, e em suma que o exequente dá à execução, como pretenso título, um acordo parassocial assinado em 30 de setembro de 2005.
Como refere o art.º 17.º do CSC, os acordos parassociais são celebrados entre sócios, e não entre sócios e a sociedade.
Entre os sócios figurava, na altura da sua celebração do acordo parassocial dado à execução, o aqui exequente. E entre os sócios encontravam-se também aqueles que, na altura, assumiam as funções de gerentes da sociedade. Mas isso não implica que os documentos que eles venham a assinar vinculem a sociedade.
Desde logo, porque o acordo parassocial é assinado pelos sócios, enquanto tais, e não na qualidade de gerentes da sociedade. Não existe representação válida para obrigar a “B., Lda”, sem o que nenhum ato se pode repercutir na esfera jurídica da empresa.
O título dado à execução nem sequer está assinado pela executada, mas apenas pelos sócios enquanto pessoas singulares.
Para que a sociedade ficasse vinculada seria necessário que o documento dado à execução (nunca um acordo parassocial) contivesse a sua assinatura, aposta pelos gerentes, na qualidade de gerentes, e ainda o carimbo da sociedade.
Não assiste, pois, ao aqui exequente a possibilidade de assacar força executiva do referido documento, em que a executada nem sequer foi interveniente.
Assim sendo, deve ser reconhecida a invalidade, inexistência e inexequibilidade do título executivo, com a consequente extinção da instância executiva.
Invocou ainda, caso assim se não entenda, a falta de requisitos da obrigação exequenda.
Para tanto, alegou que, ainda que o título dado à execução fosse válido enquanto título executivo, não pode em caso algum considerar-se que a obrigação invocada pelo exequente contenha os requisitos necessários a uma “obrigação exequenda”.
A obrigação dada à execução tem de ser certa, líquida e exigível, requisitos esses que a obrigação invocada pelo exequente não preenche.
De facto, o acordo parassocial não contém qualquer contrato escrito de avença, celebrado entre exequente e executada.
E não resultam do acordo parassocial dado à execução que existam quaisquer valores concretos em dívida ao exequente.
Ainda que houvesse valores vencidos e não pagos ao exequente, o certo é que os mesmos não constam do título executivo apresentado, não sendo, portanto, certos, líquidos nem exigíveis.
Relativamente a prestações ainda não vencidas, nunca poderiam as mesmas constituir obrigação exequenda.
Nem que o Exequente desse à execução, como título, um eventual e hipotético contrato escrito de avença, nunca o mesmo constituiria título executivo relativamente a eventuais obrigações incumpridas, muito menos relativamente a obrigações ainda não vencidas, pois essas seriam absolutamente inexigíveis.
Para além disso, o mandato é, como resulta do disposto no art.º 1172.º do C.C., livremente revogável. E a verdade é que o exequente não rescindiu, em momento algum, o contrato de avença cuja celebração invoca.
A renúncia ao contrato de avença poderia, quando muito, gerar uma eventual obrigação de indemnizar. Mas nunca poderia o exequente vir exigir o pagamento de valores mensais ainda não vencidos, pois quanto a esses valores não está a executada seguramente em mora, porque ainda nem venceram.
Invocou, ainda, caso assim se não entenda, os pagamentos efectuados ao exequente.
Para tanto, alegou que, presumindo que as partes concluíram um contrato verbal de avença, nunca o mesmo serviria de título executivo.
Em todo o caso, cumpre analisar os pagamentos efectuados pela executada por conta do invocado contrato.
A executada efectuou pagamentos ao exequente de valor muito superior àquele que este invoca.
Em 09/10/2006, a executada efectuou o pagamento da avença relativa ao mês de setembro desse ano, no valor de € 1.400,00.
E, em 30/10/2006, a executada efectuou o pagamento da avença relativa ao mês de outubro desse ano, também no valor de € 1.400,00.
Porém, por mail de 24/11/2006, dirigido aos gerentes da executada, vieram o exequente e a mulher – Sr.ª D.ª … - a solicitar que o pagamento da avença devido ao exequente fosse efectuado de forma diferente. O exequente e a mulher tinham interesse em que a executada continuasse a efectuar o pagamento correspondente aos PPR (Real Vida e BES) nos termos até então efectuados, solicitaram à executada que continuasse a efectuar esse pagamento, deduzindo, no entanto, da avença que pagava ao exequente, o valor pago com os PPR.
Relativamente ao PPR do Real Vida, faltava apenas realizar dois pagamentos no valor de € 250,00 para o exequente (relativos aos meses de setembro e outubro de 2006) e iguais valores para a Sr.ª D.ª….
Assim, a executada efectuou, nesses dois meses de setembro e outubro de 2006, o pagamento dessa quantia de € 1.000,00, para terminar o pagamento dos PPR do Real Vida.
Em relação aos PPR do BES, a executada efectuou os respectivos pagamentos, também no valor mensal de € 250,00 para cada um dos cônjuges, entre setembro de 2006 e agosto de 2008, no valor global de € 12.000,00.
A executada efectuou, entre setembro de 2006 e agosto de 2008, o pagamento da quantia de € 13.000,00 a título de PPR para o exequente e mulher, quantias essas que o exequente e mulher expressamente declararam que pretendiam ver deduzidas do valor da avença paga ao exequente.
Como o valor pago para os PPR perfazia o valor de € 250,00 pelo exequente e € 250,00 relativo à mulher, a executada reduziu, a certa altura, a quantia mensalmente paga ao exequente para € 900,00.
Entre dezembro de 2006 e setembro de 2008, a executada efectuou pagamentos mensais no valor de € 900,00, em vez de € 1.400,00, conforme solicitado pelo exequente e mulher.
A partir de setembro de 2008, a executada voltou a efectuar pagamentos mensais, a título de avença, pelo valor de € 1.400,00, até dezembro de 2011.
Para além dos valores dos PPR, o exequente e a mulher solicitaram ainda, no mail supra referido que dirigiram aos gerentes da executada que continuassem a efectuar o pagamento do salário da mulher do exequente até que esta perfizesse 5 anos de antiguidade, sendo esses pagamentos também contabilizados para efeitos de dedução relativamente ao valor que seria pago mensalmente ao exequente a título de avença.
Também a esse pedido acedeu a executada, que continuou a efectuar o pagamento de salários à mulher do exequente.
Entre setembro de 2006 e junho de 2008, a executada efectuou o pagamento da quantia mensal de € 696,55 a título de salário à Sr.ª D.ª…, suportando ainda o custo de € 165,43 relacionado com esse pagamento.
À excepção de quatro meses em que o valor foi diferente:
- em novembro de 2006 foi efectuado o pagamento da quantia de € 1.393,10, com custos de € 330,86;
- em julho de 2007 foi efectuado o pagamento da quantia de € 1.393,10, com custos de €330,86;
- em novembro de 2007 foi efectuado o pagamento da quantia de € 1.393,10, com custos de € 330,86;
- em julho de 2008 foi efectuado o pagamento da quantia de € 2.757,28, com custos de € 654,85.
Assim, a executada efectuou, a título de salário à mulher do exequente, entre outubro de 2006 e julho de 2008, o pagamento da quantia de € 24.099,65, valores esses que o próprio exequente e mulher solicitaram fossem deduzidos do valor da avença que seria mensalmente paga ao exequente.
Tendo em conta os pagamentos desde setembro de 2006 até essa data efectuados pela executada a título de PPR e salários, que o próprio exequente solicitou fossem deduzidos da avença de € 1.400,00 que doutro modo lhe seria paga, crê a executada que, ao contrário do que vem invocado pelo exequente, se deve considerar que lhe foi efectuado o pagamento do valor mensal de € 1.400,00 até ao mês de maio de 2013.
De facto, com os valores já pagos pode concluir-se que a executada tinha já efectuado o pagamento da avença até maio de 2013, pelo que, tendo a executada efectuado já pagamentos em excesso, veio a suspender a sua realização.
Assim, desde janeiro de 2012 até à presente data a executada não efectuou mais pagamentos ao exequente.
Porém, tendo sido celebrado um contrato de mandato, estava o exequente, enquanto mandatário, obrigado a prestar serviços de consultoria. Acontece que tal nunca veio a acontecer sendo que, apesar de a executada o ter incumbido de realizar certos trabalhos, o exequente nunca chegou a realizá-los ou, quando os realizou, foi tardiamente.
Ora, não tendo o ora exequente cumprido a sua obrigação, não pode a executada ser obrigada a pagar o respectivo preço.
A executada só não retomou em maio de 2013 devido ao facto de o exequente, enquanto prestador de serviços, não ter apresentado comprovativo de isenção de retenção na fonte, apesar de tal lhe ter sido solicitado.
Sem esse elemento, a executada sempre seria responsável por efectuar a referida retenção na fonte do valor correspondente a 25% a título de IRS, estando impedida de efectuar pagamentos ao exequente nos termos por este solicitados.
Por fim, veio a executada requerer a redução da quantia exequenda.
Para tanto, alegou que a existir algum montante em dívida ao exequente, nunca esse valor excederia, à data da entrada do requerimento executivo, a quantia de € 4.200,00, partindo do princípio que o documento relativo à isenção de retenção é apresentado.
Finaliza peticionando seja decretada a suspensão da execução.
A exequente veio contestar, alegando que, ao contrário do que refere a opoente, o exequente apresenta como título executivo, ao abrigo do disposto no art.º 46.º, n.º 1, al. c) do CPC, a obrigação de pagamento, por aquela assumida, expressa no acordo parassocial junto aos autos.
No mais, impugna os factos pela opoente alegados e que contrariam a sua pretensão.
Foi dispensada a selecção da matéria de facto.
Foi realizada a audiência de julgamento.
Procedeu-se à resposta da matéria fáctica, sem que tenha havido qualquer reclamação.
Foi após proferida sentença que julgou parcialmente procedente a oposição deduzida, declarando inexigível a obrigação exequenda relativa ao montante que já se encontra pago nos termos dos factos provados (cfr. artigos 24.º a 38.º dos factos provados), e juros de mora, os quais serão devidos, a partir da data da presente decisão.
Inconformado com esta decisão, recorreu a executada, apresentando as seguintes conclusões:
“I - Questão Prévia
Da nulidade da sentença
A) Andou mal o Tribunal a quo ao “julgar parcialmente procedente a oposição deduzida, declarando inexigível a obrigação exequenda relativa ao montante que já se encontra pago, nos termos dos factos provados (cfr. arts. 24.º a 38.º dos factos provados ...)”.
Ora,
B) Os factos provados sob os n.ºs 21 e 22, que integram a Fundamentação da sentença proferida, referem-se também a pagamentos efetuados pela Executada ao Exequente, respeitando a dois pagamentos no valor de €1.400,00 cada um (no total de €2.800,00), relativos aos meses de setembro e outubro de 2006.
C) Por manifesto lapso não fez a Meritíssima Juiz alusão aos referidos factos.
Por essa razão,
D) Deve a sentença proferida esclarecer que o montante pago pela Executada resulta da soma dos valores mencionados sob os n.os 21º a 22º e 24º a 38º dos factos que servem de Fundamentação à sentença proferida.
Para além disso,
E) O facto provado descrito sob o n.º 32º refere setembro de “2006” quando devia referir setembro de “2008”, tratando-se de um lapso de escrita, como desde logo ressalta do teor do facto n.º 31º, lapso cuja correção se requer.
Acresce que
F) Convém clarificar o teor dos factos descritos sob os n.os 31º e 32º, no sentido que: no facto 31º vêm referidos os meses de dezembro de 2006 e setembro de 2008, mas referem-se aos pagamentos relativos aos meses de novembro de 2006 e agosto de 2008, respetivamente; já no n.º 32º vêm mencionados os meses de setembro de 2006 (2008, entenda-se, conforme supra referido) e dezembro de 2011, que são os meses aos quais se referem os pagamentos, efetuados em outubro de 2008 e janeiro de 2012, respetivamente (como resulta da prova documental junta aos autos, designadamente os docs. n.os 1 e 2 juntos à Oposição).
Ainda assim,
G) Peca a decisão proferida por outra omissão, Senão vejamos,
H) Considera a Meritíssima Juiz inexigível a obrigação que respeite ao valor já pago, mas não curou de efetuar a soma aritmética dos valores mencionados nos referidos artigos.
I) Tal facto constitui uma omissão, com sérias implicações na decisão da causa, suscetível de causar a nulidade da sentença proferida, desde logo por omissão de pronúncia.
É que
J) Tendo em conta os valores pagos dados como provados nos n.os 21º a 22º e 24º a 38º da Fundamentação da sentença, conclui-se terem sido efetuados pagamentos, ao Exequente, relativos aos meses entre setembro de 2006 e dezembro de 2011, ambos inclusive, no valor global de €115.699,65.
Senão vejamos,
K) Resulta do n.º 28º dos factos provados que foi pago pela Executada o valor de €13.000,00 a título de PPR.
L) Refere o facto provado sob o n.º 37º ter sido pago também o valor de €24.099,65 a título de salário à mulher do Exequente.
M) Conclui-se dos factos sob os n.os 21º, 22º, 31º e 32º que a Executada pagou ainda o valor de €78.600,00 ao Exequente:
a) Relativamente aos meses de setembro e outubro de 2006 foram efetuados dois pagamentos de €1.400,00 cada, no total de €2.800,00, como resulta dos factos n.ºs 21 e 22 que integram a Fundamentação da sentença;
b) Relativamente aos meses entre novembro de 2006 e agosto de 2008, ambos inclusive (22 meses), foram efetuados pagamentos mensais de €900,00 cada, no total de €19.800,00, como resulta do facto n.º 31 que integra a Fundamentação da sentença;
c) Relativamente aos meses entre setembro de 2008 e dezembro de 2011, ambos inclusive (40 meses), foram efetuados pagamentos mensais de €1.400,00 cada, no total de €56.000,00, como resulta do facto n.º 32 que integra a Fundamentação da sentença.
N) Este valor de €78.600 foi, aliás, reconhecido pelo próprio Exequente no seu articulado de Contestação.
Assim,
O) Tendo em conta que o Exequente deu entrada do requerimento executivo em meados de junho de 2013, não se encontrava, a essa data, qualquer valor em dívida!
Senão vejamos,
P) Partindo do princípio que a Executada estava obrigada a efetuar o pagamento de €1.400,00 mensais ao Exequente, o que por hipótese meramente académica e concebe, pelos meses entre setembro de 2006 e maio de 2013 (ambos inclusive) seria aquando da entrada da execução devido o pagamento da quantia global de €113.400,00!
Ora,
Q) Como resulta da matéria provada, estava já pago valor superior! (€115.699,65), o que desde logo revela que, à data de entrada do requerimento executivo não havia qualquer valor em dívida, antes pelo contrário, tinha sido pago valor em excesso!
Razão pela qual
R) À data de entrada da execução não havia qualquer dívida da Executada, muito menos certa, líquida e exigível.
S) Deve, pois, ser declarada a nulidade da sentença proferida sendo substituída por outra que, curando de apresentar o cálculo aritmético do valor global pago pela Executada, conclua pela inexistência de qualquer valor em dívida à data de entrada do requerimento executivo,
Sendo que
T) A inexistência de qualquer valor em dívida à data de entrada do requerimento executivo, e de qualquer facto susceptível de desencadear o vencimento de prestações vincendas (o que só por hipótese meramente académica se concebe), acarreta, inevitavelmente, a extinção da execução.
U) Requer-se, pois, seja apreciada a nulidade da sentença proferida por omissão de pronúncia relativamente à existência de valor em dívida aquando da data de entrada do requerimento executivo, procedendo-se à retificação da situação e à consequente declaração de extinção da execução,
Caso assim se não entenda,
II – Da inexistência de título executivo
V) Dá o Exequente à execução, como pretenso título, um acordo parassocial assinado em 30 de setembro de 2005.
W) O referido título não configura senão um documento particular o qual, ao abrigo do disposto no atual CPC, já nem sequer constitui título executivo.
X) Como resulta do art. 17.º do CSC, os “Acordos parassociais” destinam-se a produzir efeitos entre os sócios e não entre sócios e a sociedade.
Y) Ora os sócios não intervieram, seguramente, na qualidade de gerentes da sociedade!
Z) Não existe, pois, representação válida para obrigar a “B., Lda”, sem o que nenhum ato se pode repercutir na esfera jurídica da empresa.
De facto,
AA) O título dado à execução nem sequer está assinado pela Executada, mas apenas pelos sócios enquanto pessoas singulares.
AB) Como aliás consta do art. 20.º da Fundamentação da Sentença,
„No acordo parassocial não consta que a assinatura, aposta pelos gerentes, o tenha sido na qualidade de gerentes, não constando ainda o carimbo da sociedade.“.
AC) Para que a sociedade ficasse vinculada seria necessário que o documento dado à execução (nunca um acordo parassocial!) contivesse a sua assinatura, aposta pelos gerentes, na qualidade de gerentes, e ainda a menção expressa da qualidade da sua atuação, em representação da sociedade, como decorre do n.º 4 do art. 260.º do CSC: “os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura, com indicação dessa qualidade" (v.g. carimbo).
AD) Não colhe sequer aqui o entendimento da Jurisprudência invocada na sentença proferida pelo Tribunal a quo, relativamente à interpretação do referido n.º 4 do art. 260.º, e à possibilidade de a vinculação da sociedade poder resultar de factos que com toda a probabilidade revelem a vinculação da sociedade.
AE) Se, por um lado a referida Jurisprudência reconhece que “Não é assim herético sustentar que o nº4 do artº260º do CSC admite tanto a indicação expressa como a tácita“, por outro lado justifica que essa interpretação extensiva assenta na necessidade de proteger terceiros de boa fé, designadamente em relações cambiárias.
Ora,
AF) Essa ratio legis não está de forma alguma presente in casu, desde logo porque o Exequente jamais poderia ser considerado um terceiro merecedor de proteção!
AG) O Exequente participou no próprio ato, encontrando-se seguramente mais informado que os demais intervenientes, designadamente o filho, ….
AH) Estando em causa um Acordo Parassocial, dificilmente serão concebíveis factos que possam revelar a vinculação da sociedade, muito menos com toda a probabilidade.
Aliás,
AI) O Exequente não logrou fazer, in casu, prova suficiente que permitisse concluir pela verificação de tal vinculação.
AJ) Como resulta do doc. n.º 1 junto aos autos em 01/08/2014, a Escritura de cessão de quotas foi celebrada no mesmo dia que o referido acordo Parassocial,
AK) O Sr. …nem sequer podia ainda ser considerado gerente, se atentarmos a que o registo de nomeação de gerente tem caráter constitutivo!
AL) O Sr. … assinou a documentação que lhe foi apresentada, previamente preparada pelo pai, considerando tratar-se de procedimentos atinentes à transmissão das quotas.
AM) Não se concede que o seu depoimento permita extrair, de forma alguma, muito menos com toda a probabilidade, a possibilidade de a sociedade ficar vinculada a obrigações resultantes do referido Acordo Parassocial.
AN) E o depoimento da outra testemunha que na altura era gerente da sociedade (Milene) foi prescindido.
AO) Até o Sr. Bernd, testemunha arrolada pelo Exequente, se limitou a responder no sentido de admitir ter sido previsto um pagamento por parte do filho do Exequente, e não da empresa.
AP) Não tendo sido produzida prova bastante que pudesse permitir concluir, nos termos em que o fez o Tribunal a quo, pela vinculação da sociedade,
AQ) Não assistindo, pois, ao aqui Exequente a possibilidade de assacar força executiva do referido documento, em que a Executada nem sequer foi interveniente!
Pelo que
AR) Deve ser reconhecida a invalidade, inexistência e inexequibilidade do título executivo, com a consequente extinção da instância executiva.
Ainda que assim se não entenda,
III – Do direito (in)condicional a um pagamento mensal
AS) Refere o ponto 14 da fundamentação da sentença proferida pelo Tribunal a quo que “nenhum daqueles pagamentos (fosse a título formal de vencimento pela existência de contratos de trabalho a termo certo, fosse a título formal pela existência de uma avença mensal) tem qualquer contrapartida da parte do exequente”.
AT) Tal não corresponde, porém, à verdade, nem resulta da prova produzida, designadamente do depoimento do Sr. …, bem como da própria testemunha arrolada pelo Exequente, Bernd, e do Sr. José.
AU) Impunha, pois, a prova produzida que a decisão proferida relativamente a esse ponto 14 da Fundamentação da sentença tivesse conteúdo diverso, porquanto as testemunhas deram concretamente a conhecer a necessidade de o Exequente efetuar uma efectiva prestação de serviços,
AV) O que desde logo implicava que a Executada ficaria desobrigada caso os referidos serviços não fossem efectivamente prestados,
AW) E fosse rescindido o contrato de avença, como aconteceu, como resulta da carta de 5 de junho de 2012, cuja junção aos autos (e tradução) a própria Magistrada ordenou na Audiência de Julgamento, por considerar essencial para a descoberta da verdade material.
AX) Deve, pois, alterar-se a resposta ao facto n.º 14 da Fundamentação da sentença, concluindo-se pela inadmissibilidade do vencimento de prestações vincendas.
IV – Da inexigibilidade de prestações vincendas
AY) Concluiu o Tribunal a quo que “Na situação dos autos, de acordo com os elementos factuais fixados, não oferece dúvidas que as partes celebraram um contrato parassocial, (onde a executada se reconhece devedora do exequente, devendo efectuar um determinado pagamento em prestações, durante um certo período temporal) o qual constitui o título executivo dado à execução.” (sublinhado nosso).
AZ) Presume a Executada, não obstante a falta de referência explícita na sentença proferida, ter a Meritíssima Juiz estribado esta sua convicção relativamente à existência de um prazo certo nos factos contidos na Fundamentação da decisão, sob o n.º 4, no qual se descrevem os termos da cláusula n.º 6 inserta no Acordo Parassocial:
“Após 31 de Agosto de 2006, o primeiro outorgante passará a receber da B. uma avença mensal de 1400,00 (mil e quatrocentos euros), actualizável anualmente por aplicação do coeficiente monetário publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, a título de consultor ou empresarial, pelo prazo de 15 anos.” (sublinhado nosso).
Ora,
BA) Crê a Executada que, ao invés do entendimento perfilhado pela Digníssima Magistrada, não é possível, do teor da referida cláusula, concluir pela efetiva fixação de um prazo certo – 15 anos - durante o qual à Executada incumbiria efetuar pagamento mensal no valor de €1.400,00.
BB) A fixação de tal prazo nunca faria sentido, desde logo atenta a imprevisibilidade da esperança de vida do Exequente!
Na realidade,
BC) O direito estabelecido terminaria com a morte, tendo carácter intransmissível.
BD) Nesse sentido aliás aponta o estabelecido na Cláusula 7. Do Acordo Parassocial: “Caso o primeiro outorgante marido faleça antes de serem completados os 15 anos, sendo viva a primeira outorgante mulher, a avença passa para esta até completar os 15 anos ou até ao seu falecimento.” (sublinhado nosso).
BE) Sempre seria de concluir que o pagamento das prestações ficaria dependente da verificação de um acontecimento futuro e imprevisível – a morte do Exequente - ou da mulher, no caso de o Exequente falecer em primeiro lugar.
Assim sendo,
BF) Nunca seria possível, ao contrário do raciocínio patente na Decisão proferida, antecipar o vencimento de prestações futuras, por falta de pagamento de uma prestação, nos termos previstos no art.781.º do CC, quando o pagamento das referidas prestações futuras estavam dependentes da verificação de um facto imprevisível!
BG) Não se pode concluir pela existência de um prazo certo quando o seu terminus não é, nem pode ser, definitivo!
BH) Não foi, sequer, a este respeito produzida prova bastante relativamente à fixação de um prazo!
Senão vejamos,
BI) O Sr. … afirmou não se recordar sequer de ter procedido à tradução, em concreto, do Acordo Parassocial!
BJ) Para além disso, a referida testemunha não mencionou, ao longo do seu depoimento, prazo algum, durante o qual se teria de se verificar o pagamento de um valor mensal.
BK) Independentemente da dúvida subsistente relativamente à fixação, ou não, de um efetivo período de tempo durante o qual deveriam ser efetuados pagamentos em prestações, outro fator impede o vencimento de prestações futuras.
É que
BL) Conclui o Tribunal a quo pela necessidade da verificação de uma interpelação que desencadeasse o seu vencimento,
BM) Tendo atribuído “relevância à citação da executada enquanto acto de interpelação conducente à exigibilidade imediata de todas as prestações devidas …”.
Só que,
BN) Como resulta do supra-exposto no ponto I. a título de Questão Prévia, não existia qualquer valor em dívida aquando da entrada do requerimento executivo, nem sequer aquando da citação da Executada!
Ainda que assim se não entendesse,
BO) Não se poderia considerar ter sido fixado prazo certo, já que o mesmo exigiria um termo certo, não se cencebendo a fixação de um prazo quando o próprio termo é incerto!
E
BP) Não se encontrando qualquer valor em dívida, nunca poderia operar o mecanismo previsto no art. 781.º do CC, de acordo com o qual se verificaria o vencimento de todas as prestações vincendas (supondo que havia sido fixado um prazo para pagamento de um valor global, o que só por hipótese meramente académica se concebe),
Pelo que,
BQ) Nunca seria de admitir, no âmbito do presente processo de execução, a executoriedade de prestações vincendas!
Termos em que (…) deve ser concedido provimento ao (…) recurso, revogando-se a decisão recorrida, e substituindo-se a mesma por outra, que declare
a) A extinção da execução por inexistência de título executivo válido contra a Executada;
Ou, caso assim se não entenda,
b) A extinção da execução por não haver qualquer dívida no momento da entrada do requerimento executivo; e
c) A inexigibilidade de prestações vincendas.”
Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Foram os seguintes os factos dados como provados na 1.ª instância:
“1-C., D., E., F. e G. celebraram entre si o documento dado á presente execução;
2-autodenominado «Acordo Para-Social»,
3-datado de 30/9/2005,
4-nos termos do qual (vd. cláusula 6):
«Após 31 de Agosto de 2006, o primeiro outorgante passará a receber da B. uma avença mensal de 1400,00 (mil e quatrocentos euros), actualizável anualmente por aplicação do coeficiente monetário publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, a título de consultor ou empresarial, pelo prazo de 15 anos».
5-A executada pagou o montante da avença mensal até ao mês de Dezembro de 2011,
6-data em que unilateralmente deixou de pagar,
7-não tendo efectuado qualquer outro pagamento até esta data.
8-o documento dado à presente execução foi celebrado na sequência de uma cessão de quotas efectuada pelo exequente a favor dos actuais sócios gerentes da executada (filho e nora do exequente),
9 - no âmbito da qual foi acordado entre cedentes e cessionários que fosse efectuado o pagamento de um vencimento até à reforma do exequente,
10 - e que, após a concessão da mesma (reforma), fosse processado um complemento de reforma do montante mensal de 1400 euros,
11 - tendo sido acordado manter os contratos em vigor até 31/8/2006,
12 - conforme resulta da cláusula 5:
«Como condição e em consequência das cessões de quotas e renúncia à gerência consignadas na mencionada escritura, são celebrados entre a B. e os primeiros outorgantes dois contratos de trabalho a termo certo, como início a 1 de Outubro de 2005 e termo em 31 de Agosto de 2006, para exercerem funções de supervisão técnica e administrativa, mantendo os vencimentos que auferiam até esta data como gerente.»
13 - devendo-se, assim, a opção pela existência de contratos de trabalho a termo certo à necessidade de perfazerem o período necessário para usufruir de benefícios sociais.
14 - nenhum daqueles pagamentos (fosse a título formal de vencimento pela existência de contratos de trabalho a termo certo, fosse a título formal pela existência de uma avença mensal) tem qualquer contrapartida da parte do exequente,
15 - sendo apenas essa a forma acordada reciprocamente para atribuir mensalmente o valor acordado entre exequente e executada.
16 – A partir de Janeiro de 2012 (inclusive) a executada nada pagou ao exequente, apesar de interpelações para pagamento.
17-Entre os sócios figurava, na altura da sua celebração do acordo parassocial dado à execução, o aqui Exequente.
18-E entre os sócios encontravam-se também aqueles que, na altura, assumiam as funções de gerentes da sociedade.
19-o acordo parassocial é assinado pelos sócios.
20-No acordo parassocial não consta que a assinatura, aposta pelos gerentes, o tenha sido na qualidade de gerentes, não constando ainda o carimbo da sociedade.
21-Em 09/10/2006 a executada efectuou o pagamento relativo ao mês de setembro desse ano, no valor de €1.400,00.
22-em 30/10/2006 a executada efectuou o pagamento relativo ao mês de outubro desse ano, no valor de €1.400,00.
23-Por mail de 24/11/2006, dirigido aos gerentes da Executada, vieram o Exequente e a mulher – Sr.ª D.ª… - a solicitar que o pagamento da avença devido ao Exequente fosse efectuado de forma diferente.
24-Porque o Exequente e a mulher tinham interesse em que a Executada continuasse a efectuar o pagamento correspondente aos PPR (Real Vida e BES) nos termos até então efectuados, solicitaram à Executada que continuasse a efectuar esse pagamento, deduzindo, no entanto, da avença que pagava ao Exequente, o valor pago com os PPR.
25-Relativamente ao PPR do Real Vida, faltava apenas realizar dois pagamentos no valor de €250,00 para o Exequente (relativos aos meses de setembro e outubro de 2006) e iguais valores para a Sr.ª D.:ª….
26-A Executada efectuou, nesses dois meses de setembro e outubro de 2006, o pagamento dessa quantia de €1.000,00, para terminar o pagamento dos PPR do Real Vida.
27-Em relação aos PPR do BES, a Executada efectuou os respectivos pagamentos, também no valor mensal de €250,00 para cada um dos cônjuges, entre setembro de 2006 e agosto de 2008, no valor global de €12.000,00.
28-a Executada efectuou, entre setembro de 2006 e agosto de 2008, o pagamento da quantia de €13.000,00 a título de PPR para o Exequente e mulher.
29-Quantias essas que o Exequente e mulher expressamente declararam que pretendiam ver deduzidas do valor da avença paga ao Exequente.
30-Como o valor pago para os PPR perfazia o valor de €250,00 pelo Exequente e €250,00 relativo à mulher, a Executada reduziu, a certa altura, a quantia mensalmente paga ao Exequente para €900,00.
31-Entre dezembro de 2006 e setembro de 2008, a Executada efectuou pagamentos mensais no valor de €900,00, em vez de €1.400,00, conforme solicitado pelo Exequente e mulher.
32-A partir de setembro de 2006, a Executada voltou a efectuar pagamentos mensais, a título de avença, pelo valor de €1.400,00, até dezembro de 2011.
33-Para além dos valores dos PPR, o Exequente e a mulher solicitaram ainda, no mail supra referido que dirigiram aos gerentes da Executada, que continuassem a efectuar o pagamento do salário da mulher do Exequente até que esta perfizesse 5 anos de antiguidade, sendo esses pagamentos também contabilizados para efeitos de dedução relativamente ao valor que seria pago mensalmente ao Exequente a título de avença.
34-Também a esse pedido acedeu a Executada, que continuou a efectuar o pagamento de salários à mulher do Exequente.
35-Entre setembro de 2006 e junho de 2008, a Executada efectuou o pagamento da quantia mensal de €696,55 a título de salário à Sr.ª D.ª…, suportando ainda o custo de €165,43 relacionado com esse pagamento.
36-À excepção de quatro meses em que o valor foi diferente:
- em novembro de 2006 foi efectuado o pagamento da quantia de €1.393,10, com custos de €330,86;
- em julho de 2007 foi efectuado o pagamento da quantia de €1.393,10, com custos de €330,86;
- em novembro de 2007 foi efectuado o pagamento da quantia de €1.393,10, com custos de €330,86;
- em julho de 2008 foi efectuado o pagamento da quantia de €2.757,28, com custos de €654,85.
37-A Executada efectuou, a título de salário à mulher do Exequente, entre outubro de 2006 e julho de 2008, o pagamento da quantia de €24.099,65.
38-Valores esses que o próprio Exequente e mulher solicitaram fossem deduzidos do valor da avença que seria mensalmente paga ao Exequente.
39-Assim, desde janeiro de 2012 até à presente data a Executada não efectuou mais pagamentos ao Exequente.
40-o exequente residia no Brasil.
41-o próprio documento está assinado por todos os sócios (e legais representantes) da executada.
42-o dono, sócio, controlador e mandante da executada é filho do exequente.
43-tendo recebido de seu pai a totalidade das participações sociais no capital social da executada.
44-sem qualquer pagamento.
45-Do título executivo resultam várias obrigações para a executada.
46-que a executada cumpriu numa fase inicial.
47-considerando-se vinculada nos termos do clausulado do título executivo dos Autos.
48-que foi assinado por todos os sócios da executada.
49-imediatamente após terem adquirido as participações sociais do exequente.
50-as cláusulas 5 e 6 do título executivo, surgem «como condição e em consequência das cessões de quotas e renúncia à gerência consignadas na mencionada escritura».
51-o documento dado à presente execução foi celebrado na sequência de uma cessão de quotas efectuada pelo exequente a favor dos actuais sócios gerentes da executada (filho e nora do exequente).
52-no âmbito da qual foi acordado ser a avença mensal a forma de conceder ao exequente um valor mensal que lhe permitisse preparar o seu período de reforma.
53-tanto mais que a cessão de quotas efectuada (da totalidade das participações sociais representativas do capital social) não representou o pagamento de qualquer contrapartida pelos cessionários aos cedentes.”

2 – Objecto do recurso.

Face ao disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que as questões a decidir são as seguintes:
1.ª Questão – Nulidade da decisão por omissão de pronúncia;
2.ª Questão - Saber se o acordo parassocial é título executivo.

3 - Análise do recurso.

1ª Questão – Nulidade da decisão por omissão de pronúncia.
Invoca a recorrente a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia relativamente à existência de valor em dívida aquando da data de entrada do requerimento executivo, o que conduz à retificação da situação e à consequente declaração de extinção da execução,
Alega que na sentença não se refere aos factos provados sob os números 21 e 22, que integram a fundamentação da sentença proferida, referem-se também a pagamentos efetuados pela executada ao exequente, respeitando a dois pagamentos no valor de € 1.400,00 cada um (no total de € 2.800,00), relativos aos meses de setembro e outubro de 2006 e deveria a sentença esclarecer que o montante pago pela executada resulta da soma dos valores mencionados sob os números 21 a 22 e 24 a 38 dos factos que servem de fundamentação à sentença proferida.
Diz que a sentença omite a soma aritmética dos valores mencionados nos artigos 21 a 22 e 24 a 38 da fundamentação da sentença, conclui-se terem sido efetuados pagamentos ao exequente relativos aos meses entre setembro de 2006 e dezembro de 2011, ambos inclusive, no valor global de € 115.699,65.
Cumpre decidir:
Nos termos do art.º 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC, “a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
Ora, do que é exposto pela recorrente decorre que a mesmo não concorda com o fundo da decisão, defendendo que a mesma passaria pela necessidade de considerar elementos que não foram considerados, como por exemplo, o valor em dívida aquando da data de entrada do requerimento executivo, certos pagamentos não considerados etc, etc.
Mas tudo isto traduz uma divergência de fundo com o teor da sentença e não uma omissão de questões.
Ora, a sentença tem que resolver todos os problemas que se colocam, o que é diferente de considerar todos os argumentos levantados.
Não podem confundir-se as “questões” que o julgador tem de conhecer na sentença com os factos alegados pelas partes ou os argumentos utilizados, que obviamente não terão que ser todos discriminadamente mencionados e individualmente debatidos – sendo-o apenas na medida do que for necessário para os fins em vista.
Como já esclareceu o STJ no seu Acórdão de 11.11.1987 (in BMJ n.º 371, página 374) “[a] nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artº 668º do C.P.C. consiste apenas na falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar, sendo irrelevante o não conhecimento das razões ou argumentos aduzidos pelas partes.”
Ou seja, é tomada uma posição, ou, por outras palavras, a questão é conhecida podendo ou não discordar-se desse tratamento, o que já se situa no âmbito do mérito da decisão (e que é diferente da situação de nulidade prevista no art.º 668.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil).
Em suma, a sentença recorrida não enferma da nulidade que a recorrente lhe aponta.

2ª Questão – Saber se o acordo parassocial é título executivo.
Como fundamento da oposição, vem a executada invocar a inexistência de título executivo, defendendo que um acordo parassocial não é título executivo, pois só produz efeitos entre os sócios e não entre sócios e a sociedade e nem sequer está assinado pela executada, mas apenas pelos sócios enquanto pessoas singulares, ainda que alguns sejam gerentes.
E, no nosso entender, com toda a razão.
Título executivo é o documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao processo executivo – vide Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, 2.ª edição, página 58.
Ainda que se considerasse que como documento particular celebrado à luz do anterior CPC, poderia ser um documento particular com possibilidade de ser executado (já que ao abrigo do disposto no atual CPC a situação foi alterada), estamos perante um “acordo parassocial” subscrito entre C., D., E., F. e G., do qual não pode resultar qualquer obrigação para a sociedade.
Afigura-se- nos que, contrariamente ao decidido – o contrato em causa não pode vincular a sociedade.
Senão vejamos:
Nos termos do art.º 17.º do CSC, com a epígrafe “Acordos parassociais”:
“1. Os acordos parassociais celebrados entre todos ou entre alguns sócios pelos quais estes, nessa qualidade, se obriguem a uma conduta não proibida por lei têm efeitos entre os intervenientes, mas com base neles não podem ser impugnados actos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade.”
O acordo parassocial consiste num contrato subscrito por todos ou apenas alguns sócios de uma sociedade, que tem o intuito de disciplinar as relações, interesses e direitos dos seus intervenientes, emergentes da respectiva qualidade de sócios, produzindo efeitos unicamente entre os outorgantes deste acordo, ou seja, não é válido perante terceiros ou sócios não outorgantes do mesmo.
De igual modo, as disposições do acordo parassocial não vinculam a sociedade, porquanto a sociedade não é parte nesse mesmo acordo. Tal sucede mesmo que seja outorgado por todos os sócios da sociedade, ainda que esses sócios exerçam funções de gerência e que possam vincular a sociedade – neste sentido Alexandra Isabel da Cruz Barrias in Acordos Parassociais – Uma Análise Crítica ao Regime Legal Português, Universidade do Porto, Julho de 2012, página 44.
Também neste sentido, vide o Acórdão da Relação de Lisboa de 05.03.2009, proferido no processo n.º 686/2009- 6 e disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler: “[o]s acordos parassociais apenas têm eficácia obrigacional, isto é, apenas produzem efeitos entre os sócios subscritores, pelo que, sendo a sociedade um terceiro em relação ao acordo, não podem ser impugnados actos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade, com fundamento na eventual violação desse mesmo acordo”.
Por norma os acordos parassociais possibilitam que os sócios disciplinem aspectos da vida em sociedade que não fazem parte do contrato de sociedade, como por exemplo o exercício do direito de voto; a designação de órgãos sociais e seu funcionamento; o financiamento da sociedade; as relações comerciais entre a sociedade e os sócios, em especial do enquadramento de contratos de fornecimento ou de prestação de serviços a celebrar aquelas; distribuição de dividendos; concorrência dos sócios com a sociedade etc.
E nem há qualquer razão para aplicar o regime do art.º 260.º do CSC, como se faz na sentença recorrida.
É que este artigo regula a da sociedade perante terceiros e, na caso dos autos, a sociedade não está a contratar com terceiros e por isso não há qualquer razão para aplicar o regime de vinculação do art.º 260.º do CSC - neste sentido, vide Filipe Cassiano dos Santos in Direito da Sociedades Comerciais, página 184.
Como se pode ler no estudo de Alexandra Isabel da Cruz Barrias (ob. cit., página 29 e 35): “O acordo parassocial é independente face ao contrato de sociedade. Na verdade, estamos perante um contrato que compreende duas ou mais declarações de vontade que têm em vista a regulamentação unitária de interesses.
Assim, e ao contrário do contrato de sociedade, no acordo parassocial são assumidas obrigações de natureza pessoal e individual.
Como negócio jurídico que é e estando, por isso, sujeito às regras gerais de Direito Civil, o objeto do acordo parassocial está limitado, em primeira linha, pelo disposto nos artigos 280.º do C.C. ao prever a nulidade do “negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável”, ou ainda “contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes” e 294.º, também do C.C., na medida em que, “os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos”.
Aliás, o acordo em causa não só não vincula a sociedade como entra na esfera da administração da mesma, o que é inadmissível.
Estamos perante um acordo que põe a cargo da sociedade, durante anos, um encargo.
Ora, o contrato parassocial não pode servir para este efeito, porque pode pôr em causa a forma de vinculação da sociedade, já que só através do funcionamento da gerência é que a sociedade se obriga, nos termos do art.º 260.º do CSC:
1 - Os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios.
2 - A sociedade pode, no entanto, opor a terceiros as limitações de poderes resultantes do seu objecto social, se provar que o terceiro sabia ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias que o acto praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto, a sociedade o não assumiu, por deliberação expressa ou tácita dos sócios.
3 - O conhecimento referido no número anterior não pode ser provado apenas pela publicidade dada ao contrato de sociedade.
4 - Os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade.
5 - As notificações ou declarações de um gerente cujo destinatário seja a sociedade devem ser dirigidas a outro gerente, ou, se não houver outro gerente, ao órgão de fiscalização, ou, não o havendo, a qualquer sócio)
E isso é diferente de fazer acordo parassocial em que intervenham alguns gerentes.
Ora, os preceitos imperativos de direito societário constituem um limite ao conteúdo do acordo parassocial.
Parece-nos que, desde logo, deve existir uma sujeição do conteúdo do acordo parassocial aos imperativos societários.
Veja-se, por exemplo, o disposto no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Maio de 200, CJ Ano XXVI, Tomo III, 2001, p. 201-204: “I - As normas do Código das Sociedades Comerciais, que regem a matéria da remuneração dos administradores e dos directores das sociedades comerciais e a cessação das respectivas funções, são imperativas. II – Deve considerar-se contrário à lei, e por isso, nulo, o acordo especial, celebrado entre a sociedade anónima e o seu administrador, nos termos do qual, se este deixar de exercer funções nas empresas do grupo, terá direito a uma remuneração extraordinária equivalente ao custo salarial total (remunerações ordinárias e extraordinárias) do último ano de colaboração, sem qualquer referência a essas concretas funções, à causa da cessação, a um tempo mínimo de exercício e à situação económica da sociedade.”
E no sentido da invasão pelo acordo parassocial de uma área de competência exclusiva do órgão de administração, cominando de nulidade a cláusula contrária ao disposto nos artigos 17.º, n.º 2 e 64.º, ambos do CSC, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 05.03.2009 acima citado, onde se lê: “Admitir acordos parassociais com incidência na administração e na fiscalização da sociedade equivaleria a permitir, de forma indirecta, uma organização diferente da constante do pacto social, a qual estaria/ficaria incólume ao crivo das instâncias fiscalizadoras e cuja verdadeira orgânica escaparia ao controlo de terceiros, nomeadamente os credores sociais.
A tipicidade societária deixaria de fazer sentido, porquanto a verdadeira orgânica seria a resultante do acordo parassocial, podendo assim ser iludidas todas as disposições legais relativas ao pacto social e às suas alterações: escritura, registo, etc.
(…) Em suma: a administração e a fiscalização duma sociedade ficam assim fora do universo aberto aos acordos parassociais, pelo que as cláusulas neles apostas que pretendam determinar a conduta dos administradores duma sociedade (bem como a da sua fiscalização) não são permitidas por lei (artigo 17.º, n.º 2 CSC), pelo que, contrárias à lei, devem considerar-se nulas (artigos 280.º e 294.º Código Civil).”
Por tudo o que ficou exposto entendemos que o documento que se pretende executar não é título executivo e, por isso, deve ser julgada procedente a oposição e extinta a execução.
Em conclusão, procede o recurso em apreço.

Sumário:
I - Não podem confundir-se as “questões” que o julgador tem de conhecer na sentença com os factos alegados pelas partes ou os argumentos utilizados, que obviamente não terão que ser todos discriminadamente mencionados e individualmente debatidos – sendo-o apenas na medida do que for necessário para os fins em vista.
II - O acordo parassocial consiste num contrato subscrito por todos ou apenas alguns sócios de uma sociedade, que tem o intuito de disciplinar as relações, interesses e direitos dos seus intervenientes, emergentes da respectiva qualidade de sócios, produzindo efeitos unicamente entre os outorgantes deste acordo, ou seja, não é válido perante terceiros ou sócios não outorgantes do mesmo.
III - As disposições do acordo parassocial não vinculam a sociedade, porquanto a sociedade não é parte nesse mesmo acordo.
IV - Os preceitos imperativos do direito societário constituem um limite ao conteúdo do acordo parassocial.
V - Nos acordos parassociais não há qualquer razão para aplicar o regime do art.º 260.º do CSC, pois este artigo trata da vinculação da sociedade perante terceiros o que não é o caso.

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto, e, em consequência, revogar a decisão recorrida, julgando-se procedente a oposição à execução e, consequentemente, declarando-se a mesma extinta.
Custas pelos recorridos.

Guimarães, 03.11.2016

Elisabete Valente
Heitor Pereira Carvalho Gonçalves
Amílcar José Marques Andrade