Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
119436/15.0YIPRT.G1
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: LEGITIMIDADE
PRETERIÇÃO DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
RELAÇÃO MATERIAL CONTROVERTIDA
ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Na ação que devia ter sido intentada contra ambos os cônjuges e foi apenas contra um deles, na qual transitou em julgado despacho que julgou o réu (desacompanhado do cônjuge) parte legítima, tendo-se provado que esse réu é parte na relação controvertida e devedor da prestação, não pode o mesmo, a final, apesar de se manter desacompanhado do cônjuge, ser absolvido (nem da instância, nem do pedido).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório
AA, Réu nos autos à margem identificados, notificado da sentença proferida em 17/08/2016 e não se conformando com a mesma, dela interpôs o presente recurso.

A ação tinha sido contra si deduzida por BB que, alegando ter realizado a pedido do Réu obras de construção civil, reclamava o seu pagamento em falta no valor de €14.416,83 de capital e €334,15 de juros de mora vencidos até à data da apresentação do requerimento, bem como taxa de justiça paga no montante de €102,00, tudo no valor global de €14.852,98.
O Réu deduziu oposição, suscitando a sua ilegitimidade passiva e a prescrição presuntiva, pelo que os autos, que haviam sido intentados como injunção, prosseguiram nos termos do processo comum.
O Autor respondeu às exceções e pediu a condenação do Réu como litigante de má-fé.
A exceção de ilegitimidade foi julgada improcedente.
O processo seguiu os seus termos e, após julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e em consequência, condenou o Réu a pagar ao Autor a quantia de €14.416,83, acrescida de juros de mora, à taxa legal para os créditos de que sejam titulares empresas comerciais, vencidos até à data da propositura da ação, no valor de 334,15 e vincendos até efetivo e integral pagamento; e absolveu o Réu do demais peticionado, nomeadamente do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Não se conformando, o Réu recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«I – Do conjunto da prova posta à disposição do Tribunal a quo e produzida na audiência de discussão e julgamento, nomeadamente das testemunhas arroladas pelos apelantes, decorre à evidência um erro de julgamento da matéria de facto vertida nos pontos 5, 6 e 7 dos factos provados.
II – Ao contrário do decidido em 1ª Instância, que deu como provado os factos constantes dos pontos 4. por terem sido impugnados os documentos de fls. 49, 50 e 68, por requerimento apresentado pelo Réu em 17 de Dezembro de 2015, não podem tais factos considerar-se admitidos por acordo;
III – Ao contrário do decidido em 1ª instância, que deu como provado os factos constantes do ponto 5, por entender que nenhuma prova se tenha produzido relativamente ao mesmo, entende o recorrente como certo que tais trabalhos descrito de a) a n) terão de ter resposta negativa como não provados;
IV – Na verdade, o autor, conforme lhe competia não logrou demonstrar que tais trabalhos não foram inicialmente estipulados e que se tratavam de trabalhos não orçamentados ou adicionais; O Autor não conseguiu demonstrar o facto de onde emerge a obrigação;
V – Sobre esta matéria depuseram as testemunhas indicadas pelo autor, CC– com depoimento prestado na sessão de julgamento de 11 de Maio de 2016 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” (entre os minutos 04.30 e 08.15); DD, com depoimento prestado na sessão de julgamento de 11 de Maio de 2016 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” (entre os minutos 07.03 e 08.20) e a testemunha EE, com depoimento prestado na sessão de julgamento de 11 de Maio de 2016 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” (entre os minutos 02.30 e 04.73 e os minutos 08.47 e 09.35).
VI – Resulta assim do depoimento destas testemunhas que não têm conhecimentos do acordado entre as partes, desconhecem os termos do contratado, desconhecem o que estava orçamentado e o que poderia ser trabalhos inicialmente contratados e segundo o prescrito no artº 342º do CC a quem invoca um direito em juízo incumbe fazer a prova dos factos, positivos ou negativos, constitutivos do direito alegado.
VII – Nesta conformidade, tem o Réu/Apelante como certo que a resposta a este ponto 5 deveria ter sido dado como não provado;
VIII – Relativamente ao facto considerado como provado em 6., também deveria ter sido considerado como não provado visto que nenhuma das testemunhas logrou demonstrar a execução da totalidade daqueles trabalhos;
IX – Sobre este ponto 6. depuseram as testemunhas CC quando questionada acerca das obras efetuadas, com depoimento prestado na sessão de julgamento de 11 de Maio de 2016 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” (entre os minutos 8.15 e 10.17 e os minutos 11.37 e 15.18), bem como a testemunha DD quando questionado acerca das obras efetuadas, com depoimento prestado na sessão de julgamento de 11 de Maio de 2016 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” (entre os minutos 10.57 e 11.30); e a testemunha EE com depoimento prestado na sessão de julgamento de 11 de Maio de 2016 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” (entre os minutos 05.24 e 07.03): FF, com depoimento prestado na sessão de julgamento de 6 de Junho de 2016 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” (entre os minutos 3.30 a 5.50);
X – Resulta assim do depoimento das testemunhas mencionadas que, não se logrou demonstrar que foram executados a totalidade dos trabalhos constantes daquela nota, dos alegados extras ou não inicialmente acordados;
XI – Nesta conformidade, tem o recorrente como certo que a resposta ao facto constante no ponto 6. deveria ser como não provado;
XII - Ora assim sendo, ao decidir como decidiu a Sra., Juíza aquo, não obstante referir os testemunhos na fundamentação da sua decisão, na verdade esta apenas teve em conta para fundamentar a mesma as declarações da parte BB, e porque tem interesse na causa, relatou factos convenientes e necessários à manutenção da sua versão dos factos.
XIII - Contudo, alicerçar a prova nas declarações de parte é de todo imprudente que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal tenha dado como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.
XIV - Por estas razões, e verificado que inexistem outros meios de prova de corroborem a versão da parte, o mesmo não deve ser valorado, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório e que as ações se decidam apenas com as declarações das próprias partes.
XV - Na verdade, pese embora o referido acerca da livre apreciação da prova, está sempre o julgador vinculado à prova efetivamente produzida em audiência de julgamento, muito particularmente quando as testemunhas não lhe merecem qualquer censura quanto à seriedade e isenção do respetivo depoimento.
XVI - Conforme se depreende pela posição assumida pelo Autor nas suas declarações prestadas em audiência de julgamento, o presente contrato de empreitada designadamente todos os orçamentos apresentados foram discutidos, solicitados e celebrados entre o Autor e o Réu e a sua mulher.
XVII - Aquando das suas declarações a parte BB – com declarações prestadas na sessão de julgamento de 06 de Junho de 2016 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” e gravado entre os minutos (04.00 e 8.00) refere expressamente que sempre contratou com o Réu e mulher.
XVIII - Considerando a posição assumida pelo Autor aquando das suas declarações de parte em audiência de julgamento, as obras respeitantes àquela habitação foram sempre solicitadas, discutidas e negociadas por ambos os cônjuges.
Mais à frente chega inclusive a mencionar que quanto à nota de trabalhos adicionais ou não orçamentados, foram solicitados até mais concretamente pela esposa do Réu.
XIX - E, ao instaurar a presente ação especial apenas contra o cônjuge marido nos moldes em que o fez estamos perante uma ilegitimidade substantiva porquanto estamos perante um flagrante caso de litisconsórcio necessário. Ambas as partes se vincularam perante determinado contrato logo ambos terão de ser demandados.
XX - Adquirida a necessidade de uma pretensão que seja também dirigida contra a mulher/cônjuge do Réu, a omissão do litisconsórcio necessário terá como consequência a absolvição do Réu do pedido formulado.
XXI - Pelo que a sentença proferida deverá ser substituída por outra decisão que conheça da ilegitimidade material do Réu e o absolva do pedido contra ele formulado.»

Não houve contra-alegações.

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas,colocam-se as seguintes questões:
a) Se houve erro de julgamento, devendo a matéria de facto ser alterada com a consequente improcedência da ação.
b) Caso contrário, se, ainda assim, o Réu deve ser absolvido do pedido por o caso dos autos configurar uma situação de litisconsórcio necessário passivo do réu e sua mulher.

II. Fundamentação de facto

A 1.ª instância considerou na sua decisão os seguintes factos (que, pelas razões expostas em III.A., mantemos):
1. O autor é empresário em nome individual, dedicando-se à atividade de construção civil (requerimento injuntivo e artigo 37º da resposta à oposição).
2. No ano de 2002, no exercício da sua atividade profissional, o autor foi contatado pelo réu e esposa, que pretendiam efetuar obras numa moradia unifamiliar, sita no Lugar de Fornelos, freguesia de Louredo, concelho de Vieira do Minho (requerimento injuntivo e artigo 38º da resposta à oposição).
3. Foi acordado que a dita moradia seria construída por fases, com algum espaçamento temporal (requerimento injuntivo e artigos 10º da oposição, 30º e 39º da resposta à oposição).
4. Assim, por solicitação do réu e esposa, o autor apresentou-lhes vários orçamentos, designadamente em 23/08/2006, para execução dos trabalhos de “grosso” a partir do 1.º piso, no valor de €29.300,00 e outro em 04/08/2010, relativo a acabamentos, no valor de €23.936,00 (requerimento injuntivo e artigos 8º da oposição, 30º e 40º da resposta à oposição).
5. No decorrer da execução dos trabalhos acordados, a esposa do réu solicitou ao autor a execução dos trabalhos que se seguem, inicialmente não estipulados:
a. Rede de água quente e fria com assentamento de louças;
b. Rede de esgotos com ligação à fossa;
c. Pré-instalação para aquecimento central;
d. Tetos falsos em estuque substituídos por pladur;
e. Acabamentos de fogões de sala (estucador);
f. Apainelados nas janelas e portas;
g. Colocação de rufos;
h. Feitura de maciço para colocação da máquina;
i. Pavimento com tijoleira na garagem;
j. Colocação de rodapés;
k. Colocação de peitoris e soleiras;
l. Forro de tetos da varanda em madeira de cedro com velatura;
m. Serviço de eletricista;
n. Impermeabilização de parede exterior: mão-de-obra, 10 sacos de cimento, 0,5m3 de areia fina e 1,5m3 de brita, 10 litros de ceresite, 25 metros lineares de tubo de drenagem, 25 metros de manga geotêxtil, um litro de diluente e um rolo de tela de pitões (requerimento injuntivo e artigo 41º da resposta à oposição).
6. O autor(1) acedeu ao pedido adicional e executou também os trabalhos descritos em 5, no valor de €11.721,00, acrescido de IVA (requerimento injuntivo e artigo 42º da resposta à oposição).
7. Em consequência, procedeu à emissão da fatura n.º2311, com data de emissão e vencimento em 15/04/2015, no valor total de €14.416,83 (requerimento injuntivo e 43º da resposta à oposição).
8. O réu e esposa aceitaram, sem qualquer reclamação, os trabalhos efetuados pelo autor (requerimento injuntivo e artigo 45º da resposta à oposição).
9. Através da conta bancária n.º40135793128, da Caixa de Crédito Agrícola, titulada pelo réu, em 05/04/2011, foi efetuada uma transferência bancária para a conta n.º40013925676, titulada pelo autor, no montante de €5.000,00 (artigos 12º [parcial], 13º e 15º [parcial] da oposição).
10. Através da conta bancária n.º40135793128, da Caixa de Crédito Agrícola, titulada pelo réu, em 11/11/2011, foi efetuada uma transferência bancária para a conta n.º40013925676, titulada pelo autor, no montante de €1.000,00 (artigos 12º [parcial], 13º e 15º [parcial] da oposição).
11. Através da conta bancária n.º40135793128, da Caixa de Crédito Agrícola, titulada pelo réu, em 30/12/2011, foi efetuada uma transferência bancária para a conta n.º40013925676, titulada pelo autor, no montante de €2.500,00 (artigos 12º [parcial], 13º e 15º [parcial] da oposição).
12. Através da conta bancária n.º40135793128, da Caixa de Crédito Agrícola, titulada pelo réu, em 07/02/2012, foi efetuada uma transferência bancária para a conta n.º40013925676, titulada pelo autor, no montante de €2.000,00 (artigos 12º [parcial], 13º e 15º [parcial] da oposição).
13. Através da conta bancária n.º40135793128, da Caixa de Crédito Agrícola, titulada pelo réu, em 13/07/2012, foi efetuada uma transferência bancária para a conta n.º001800032052091202042, em nome da empresa ALVICOLUZ, no montante de €2.500,00 (artigo 16º da oposição).
14. Através da conta bancária n.º40135793128, da Caixa de Crédito Agrícola, titulada pelo réu, em 22/08/2012, foi efetuada uma transferência bancária para a conta n.º001800032052091202042, em nome da empresa ALVICOLUz, no montante de €1.350,40 (artigo 16º da oposição).
15. Com data de 12/02/2015, o autor, através do seu mandatário, remeteu carta registada ao réu, entre o mais, com o seguinte teor: «(…) transmitiu-me que, no exercício da sua profissão, realizou, a solicitação de V. Exa., diversos trabalhos e serviços de construção civil num edifício afeto a habitação, sito no lugar de Fornelos, Louredo – Vieira do Minho, e de que V. Exa. é proprietário. Sucede que, realizados todos esses serviços e trabalhos, permanece por liquidar a quantia de 11.721,00€ (onze mil setecentos vinte e um euros). O meu cliente prefere fazer a cobrança amigável e extrajudicialmente. Poderá efetuar o pagamento por transferência bancária, (…)» (artigo 20º da oposição) - cf. documento de fls.17-18, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

Factos não provados
Todos os demais alegados pelas partes e para além dos não mencionados, por serem conclusivos ou conterem conceitos de direito, não se provou, designadamente, que:
a) Os trabalhos foram concluídos pelo autor em meados de maio/junho de 2012 (artigos 11º e 19º da oposição).
b) As transferências mencionadas em 9 a 12 dos “factos provados” foram efetuadas como adiantamento e liquidação dos trabalhos descritos em 5 dos “factos provados” (artigos 14º e 15º [parcial] da oposição).
c) Foi a pedido do autor que o réu efetuou as transferências mencionadas em 12 e 13 dos “factos provados” (artigo 17º da oposição).

III. Apreciação do mérito do recurso
A. Da reapreciação da prova e da alteração dos factos selecionados
Está em causa nos autos o incumprimento de um contrato de empreitada celebrado entre Autor, de um lado, e Réu e sua mulher, do outro, no qual o primeiro figura como empreiteiro e os segundos como donos da obra. A qualificação do contrato não foi discutida pelas partes nem se nos oferece dúvidas perante a factualidade assente e o disposto no art. 1207 do CC.
O que se discute é o incumprimento parcial do contrato pelo dono da obra, dado o preço não ter sido integralmente pago ao empreiteiro.
Perante a factualidade assente, o tribunal condenou o Réu a pagar ao Autor o valor pedido correspondente ao preço em falta.
O Recorrente (Réu) impugnou a matéria de facto dada por provada nos pontos 4 a 6, entendendo que os mesmos só por erro de julgamento foram considerados assentes.

O recorrente pode impugnar a decisão sobre a matéria de facto, caso em que deverá observar as regras contidas no art. 640 do CPC. Segundo elas, e sob pena de rejeição do respetivo recurso, o recorrente deve especificar: i) os pontos da matéria de facto de que discorda; ii) os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida, incluindo, quando se trate de meios probatórios gravados, a indicação das exatas passagens da gravação em que se funda o recurso; iii) a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No que aos factos 4 a 6 respeita, estas normas foram suficientemente cumpridas pelo Réu, recorrente nos autos.
Como temos tido oportunidade de dizer e justificar noutros arestos, sem prejuízo do seccionamento do objeto da reapreciação por via do disposto no art. 640 do CPC, os tribunais da Relação devem proceder à efetiva reapreciação da prova produzida (nomeadamente dos meios de prova indicados no recurso, mas também de outros disponíveis e que entendam relevantes) da mesma forma – em consonância com os mesmos parâmetros legais – que o faz o juiz de 1.ª instância.
Tanto significa que os juízes desembargadores apreciam livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão (art. 607, n.º 5, do CPC).
Na sua livre apreciação, os juízes desembargadores não estão condicionados pela apreciação e fundamentação do tribunal a quo. Ou seja, o objeto da apreciação em 2.ª instância é a prova produzida (tal como em 1.ª instância) e não a apreciação que a 1.ª instância fez dessa prova.
No sentido acabado de expressar, v. os Acórdãos do STJ de 11/02/2016, proc. 907/13.5TBPTG.E1.S1, de 10/12/2015, proc. 2367/12.9TTLSB.L1.S1, ou, ainda à luz do anterior Código, o Ac. STJ de 14/02/2012, proc. 6283/09.3TBBRG.G1.S1.

Reanalisada a prova documental e pessoal produzida nos autos, concluímos que o tribunal a quo andou essencialmente bem na sua apreciação.
O facto 4 resulta dos documentos que incorporam os orçamentos nele descritos, conjugados com os depoimentos de CC e GG, que dos ditos orçamentos tinham conhecimento.
Quanto aos factos 5 e 6, diremos que, dos depoimentos das testemunhas BB, EE, HH e GG não nos restam dúvidas de que os trabalhos constantes da «NOTA DE TRABALHOS/NÃO ORÇAMENTADOS», no valor de € 11.721 (IVA inc.) – replicados no facto 5 –, foram executados pelo Autor ou, o que para o efeito é o mesmo, por subempreiteiros do Autor a quem este pagou (como o eletricista EE que recebeu do Autor os € 2.800 que constam da dita nota).
Comparando a referida «NOTA DE TRABALHOS/NÃO ORÇAMENTADOS» com os três orçamentos juntos aos autos (o de 09/08/2002 de trabalhos por grosso até à 1.ª laje, o de 23/08/2006 de obra em grosso a partir do 1.º piso, e o de 04/08/2010 para os trabalhos nele especificados), verificamos que o elenco da dita nota contém apenas trabalhos que efetivamente não tinham sido antes orçamentados.
Ouvindo o depoimento de GG, mulher do Réu, percebemos que os trabalhos da nota dos não orçamentados foram encomendados pelo Réu (ainda que, eventualmente, por intermédio da sua mulher, GG).

B. Da absolvição do pedido por ilegitimidade substantiva
O Réu suscitou na contestação a sua ilegitimidade processual por preterição de litisconsórcio necessário passivo, dado estar nos autos desacompanhado da mulher e verificarem-se pressupostos que obrigam a que a ação seja intentada contra ambos os cônjuges.
A exceção foi julgada improcedente por despacho proferido em 12/12/2015 do qual o Réu não recorreu.
No recurso da sentença final, o Réu não recorreu do despacho que indeferiu a exceção de ilegitimidade passiva e o julgou parte legítima. O que o Réu invoca no recurso da sentença final é coisa diferente: que por estar nos autos desacompanhado de sua mulher, carece de legitimidade substantiva, devendo ser absolvido do pedido, o que pede.

Nos termos do art. 30 do CPC, o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, exprimindo-se esse interesse pelo prejuízo que da procedência da ação advenha para o réu. Na falta de indicação da lei em contrário (n.º 3 do mesmo artigo), são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
No caso dos autos entendeu-se que, perante a relação material controvertida delineada pelo autor, apenas o réu, e não também a sua mulher, dela fazia parte.
Assim era perante os factos alegados no articulado inicial. Sucede que, no caso de pessoas casadas, há que entrar em linha de conta com o disposto no art. 34, n.º 3, do CPC, segundo o qual devem ser propostas contra ambos os cônjuges, entre outras, as ações emergentes de facto praticado por um dos cônjuges, mas em que pretenda obter–se decisão suscetível de ser executada sobre bens próprios do outro.
Perante a relação descrita na p.i., o contrato de empreitada tinha apenas como partes o Autor e o Réu, pelo que não estava em causa ação emergente de facto praticado por ambos os cônjuges.Porém, sempre estaria em causa ação em que se pretendia obter decisão suscetível de ser executada sobre bens próprios do outro cônjuge, uma vez que, de acordo com o disposto no art. 1691, n.º 1, al. a), do CC, as dívidas contraídas depois da celebração do casamento por um dos cônjuges com o consentimento do outro são da responsabilidade de ambos os cônjuges. E nos termos do disposto no art. 1695, n.º 1, do mesmo Código, pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens comuns do casal, e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges.
E assim sendo, a presente ação devia ter sido intentada contra o casal, carecendo o réu, desacompanhado de sua mulher, de legitimidade processual, por preterição de litisconsórcio necessário.
Sucede que, como já dissemos, transitou nestes autos a decisão que julgou o Réu parte legítima.
O que o Réu põe em causa neste recurso é a sua legitimidade substantiva e pede a sua absolvição do pedido.

Fala-se em ilegitimidade substancial ou substantiva quando se apura que o réu, perante os factos provados (e não já perante a descrição da relação feita na petição), não é efetivamente o titular da relação material controvertida. Nestes casos, ele será absolvido do pedido e não da instância.
Uma coisa é a legitimidade processual, pressuposto processual relativo às partes, que se afere, na falta de indicação da lei em contrário, pela relação material controvertida tal como configurada pelo autor, e cuja falta, não sendo suprida, constitui exceção dilatória, determinando a absolvição do réu da instância (arts. 30 e 278 do CPC).
Coisa distinta é a legitimidade substancial, substantiva ou em sentido material, que tem que ver com a efetividade da tal relação material, afere-se perante os factos provados e a sua falta determina a absolvição do pedido (é da legitimidade em sentido material que nos fala João de Castro Mendes, em Direito Processual Civil, II, Lisboa, AAFDL, 2012, pp. 148-150).

Quando a parte na relação material controvertida cuja legitimidade está em causa é composta por uma pessoa apenas, o facto de se vir a apurar que essa pessoa não é afinal sujeito dessa relação, resulta na sua ilegitimidade substantiva e na consequente absolvição do pedido. É para esta solução que nos remete o art. 278, n.º 3, 2.ª parte do CPC quando determina que «não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da exceção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa partes».
No caso dos autos, porém, está em causa o interesse de terceiro – a mulher do Réu –, e a ilegitimidade do Réu proviria apenas do facto de estar na ação desacompanhado da outra parte que o acompanha na relação material controvertida, e não de o Réu não pertencer a essa relação. O Réu é efetivamente sujeito da relação material controvertida, pelo que não pode ser absolvido do pedido. Neste sentido, Lebre de Freitas que, ao referir-se ao art. 278, n.º 3, do CPC, escreve: «É discutível a aplicação da norma, por via de interpretação extensiva, aos casos de litisconsórcio necessário, incluindo entre cônjuges (…), em que a parte não tenha lançado mão do meio do art. 261. Estando então em causa o interesse de terceiro que, a intervir no processo, integraria uma só parte processual juntamente com o autor ou réu dele desacompanhado (art. 35), a consideração da paridade desse interesse com o deste pode, ao menos em certos casos, levar a defender a admissibilidade do proferimento da decisão de mérito favorável»(2).
Tendo-se apurado que o Réu, enquanto dono de obra, contratou com o Autor, empreiteiro, a realização de uma obra, o Réu é parte nessa relação e deve ser condenado a realizar a prestação contratual a que se vinculou. Não pode, portanto, ao contrário do por si pretendido, ser absolvido do pedido.


IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação totalmente improcedente, mantendo a sentença objeto de recurso.
Custas pelo Recorrente.

Guimarães, 16/02/2017

Relatora: Higina Castelo

1.º Adjunto: João Peres Coelho

2.ª Adjunta: Isabel Silva

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1 Na sentença estava «réu». Tratava-se de evidente lapso de escrita, que corrigimos.
2 José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2013, p. 49, nota 58.