Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
340/07-2
Relator: GOUVEIA BARROS
Descritores: SUSPENSÃO
INVENTÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: O processo de inventário deve ser suspenso se algum dos interessados reclamar a exclusão de bens nele relacionados e comprovar a pendência de processo comum em que tenha peticionado o reconhecimento da propriedade sobre tais bens, sem prejuízo do deferimento provisório a que se refere o nº 3 do artigo 1350º do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes desta Relação de Guimarães:

MARIA T. L., casada, residente no Lugar de M., Castelo do N., requereu inventário para partilha dos bens deixados por seus pais, falecidos, respectivamente, em 9 de Fevereiro de 1985 e 4 de Junho de 2005.
Prestadas as legais declarações pela própria requerente, na qualidade de cabeça de casal, apresentou no acto a relação de bens, instruída com os documentos pertinentes na sequência do que se procedeu à citação dos demais interessados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1341º do CPC.
Vieram então os interessados R. T. L. e marido JOSÉ F. apresentar reclamação, invocando, por um lado, a falta na relação de bens de dinheiro e aplicações financeiras da inventariada e, por outro, assinalando que três das verbas relacionadas são objecto de uma acção por si intentada contra as heranças dos inventariados para lhes ser reconhecido o direito de propriedade exclusiva em virtude de o terem adquirido por acessão industrial imobiliária o que implicará que, a proceder tal acção, as referidas verbas “deverão ser substituídas pelos créditos correspondentes aos valores que vierem a ser fixados.”
Por isso, dizem, tal situação deverá implicar que, oportunamente, os autos fiquem suspensos até à decisão final na aludida acção, ou então que a partilha não incida sobre as aludidas verbas, procedendo-se à partilha adicional do crédito que venha a ser reconhecido a favor das heranças demandadas.
Notificada a cabeça de casal do teor da reclamação, veio dizer quanto à suspensão intencionada, que as verbas em causa devem ser partilhadas neste inventário, pois o facto de os reclamantes terem construído a sua casa de habitação nos prédios correspondentes, torna provável que os mesmos lhes venham a ser adjudicados.
Todavia se tal não vier a acontecer a acção intentada pelos reclamantes deverá prosseguir apenas contra o interessado ou interessados a quem tais prédios venham a ser adjudicados no âmbito deste inventário, não havendo assim fundamento para a pretendida suspensão.
Por despacho de fls 113 e 114 foi ordenada a suspensão do inventário ao abrigo do nº1 do artigo 279º do CPC por se ter considerado que “perante a natural incerteza quanto ao desfecho do presente inventário” no tocante à adjudicação das verbas, “evitando-se (…) que a partilha que tivesse lugar na presente acção viesse a ser anulada depois de realizada por força de decisão proferida na acção declarativa, contrária ao destino aqui encontrado para aqueles bens.”
Inconformada, recorre a cabeça de casal pugnando pela revogação do despacho e pelo consequente prosseguimento dos termos deste inventário, para partilha dos bens relacionados (incluindo os que são objecto de disputa na acção intentada pelos reclamantes), esgrimindo – com interesse – as seguintes razões:
12- Só com a adjudicação dos imóveis em questão a outro interessado que não os agravados R.T. L. e marido, ficará preenchido o requisito constitutivo da acessão (pressuposto necessário) de que actualmente aqueles não dispõem, constituindo estes autos de inventário causa prejudicial daquela, de harmonia com os ensinamentos do Ilustre Prof. Lebre de Freitas.
Efectivamente,
14- Pelo que a pendência da acção judicial nº 4…/05.4TBVCT no 1° Juízo
Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo não podia – nem pode – ter
conduzido ou conduzir à suspensão destes autos de inventário.
15- A entender-se que a pendência da referida acção constitui causa prejudicial
- o que apenas se concebe a título de hipótese – nunca os presentes autos
poderiam ficar suspensos até à decisão final daquela, com trânsito em
julgado.
16- Isto porque, se na referida acção os agravados pretendem que lhes seja
reconhecida a aquisição dos artigos 25.., 25.. e 25.. rústicos de Castelo
do Neiva, por acessão industrial imobiliária, nos presentes autos de
inventário pretende-se a partilha de diversos bens imóveis e não apenas
daqueles.
17- Pelo que, a entender-se constituírem aqueles autos causa prejudicial destes
autos de inventário, sempre se impunha que estes prosseguissem os seus
termos com a exclusão dos três referidos prédios rústicos.
18- Deste modo, o douto despacho recorrido, ao determinar a suspensão do
inventário até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na acção
ordinária n° 4…/05.4TBVCT, 1° Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Viana
do Castelo, violou por errada interpretação e aplicação o disposto nos
artigos 279,º n° 1 do CPC e 1340,º n° 1, do Código Civil
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Não foram apresentadas contra alegações pelos reclamantes.
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Por despacho tabelar proferido a fls 211 foi mantida a decisão sob recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO:
A factualidade relevante para a decisão consta enunciada, de modo expresso ou implícito, do antecedente relatório, dispensando-se aqui a sua repetição.
A questão submetida à apreciação deste tribunal é assim a de saber se pode suspender-se a tramitação do inventário com base na circunstância de estar pendente uma acção para reconhecimento a favor de um interessado (ou de terceiro) do direito de propriedade sobre algum ou alguns dos bens relacionados.
Entendeu o Sr juiz a quo existir um nexo de prejudicialidade entre as duas causas, implicando a eventual procedência da acção declarativa sobre o domínio dos bens a anulação da partilha que nestes autos viesse a ter lugar.
Naturalmente não sufragamos o entendimento da cabeça de casal enunciado no relatório desta decisão de que, caso os bens em causa não venham a ser adjudicados aos reclamantes, a estes restaria a faculdade de fazer prosseguir a acção que intentaram contra o/os interessados a quem fossem adjudicados.
Como se sabe, o poder de suspensão da instância não tem carácter discricionário, estando dependente da verificação de determinados condicionalismos legais.
Poderá eventualmente sustentar-se que a mera susceptibilidade de emenda da partilha ou da realização de partilha adicional, retira utilidade à suspensão da instância motivada pela pendência de causa prejudicial, pois que torna compatível o prosseguimento do inventário com a discussão sobre o âmbito do acervo a partilhar.
Será esse – cremos – o entendimento subjacente à afirmação vertida na conclusão17ª acima transcrita de que o processo de inventário deverá prosseguir com exclusão dos três prédios em discussão na acção declarativa.
Que não é esse o entendimento do legislador colhe-se do artigo 1335º, nº 1 do CPC que estabelece: “Se na pendência do inventário se suscitarem questões prejudiciais de que dependa (…) a definição dos direitos dos interessados directos na partilha (…) o juiz determina a suspensão da instância, até que ocorra decisão definitiva, remetendo as partes para os meios comuns, logo que os bens se mostrem relacionados.”
A isto acresce que o artigo 1350º, nº1 do CPC estabelece que, nos casos em que a complexidade da causa torne inconveniente a decisão incidental das reclamações, “o juiz abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios comuns” o que naturalmente implica a suspensão dos termos do inventário.
Com efeito, remetidos os interessados para os meios comuns, permanecem relacionados os bens cuja exclusão foi requerida pelo reclamante (nº2 do artigo citado), o que vale por dizer que o inventário se prosseguir também conduzirá à partilha dos aludidos bens.
Certamente por considerar os constrangimentos que tal solução legal implica, permite-se ao juiz (nº3)“com base numa apreciação sumária das provas produzidas, deferir provisoriamente as reclamações, com ressalva do direito às acções competentes (…).”
Sucede, no entanto, que a única prova oferecida pelos reclamantes é uma cópia da petição inicial que apresentaram em data não legível do ano de 2005, na qual reclamam o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os três prédios rústicos em questão.
A própria cabeça de casal na resposta que deduziu sobre a reclamação (fls 98 vº) escreve que “atento o facto de – os reclamantes – terem construído a sua casa de habitação nos prédios (…) é muito provável que esses prédios lhes sejam adjudicados nos presentes autos” alegação que não traduz o reconhecimento da propriedade (aliás em coerência com o facto de ter relacionado os prédios e não o crédito da herança, apurado em harmonia com o disposto no nº1 do artigo 1340º do CC).
Tivesse a cabeça de casal relacionado tal crédito em vez dos prédios e desde logo a questão da suspensão da instância nem sequer faria sentido!
Por conseguinte, à míngua de elementos de prova que suportem o deferimento, ainda que provisório, da exclusão dos bens pretendida pelos reclamantes, eles têm de permanecer relacionados e ser objecto da partilha.
Claro que pode admitir-se, em sintonia com a cabeça de casal, que na conferência os prédios possam vir a ser adjudicados aos reclamantes por acordo dos interessados, mas tal eventualidade é absolutamente irrelevante para a decisão sobre a suspensão que logicamente a precede.
Para além de que o mesmo acordo também pode ser firmado na acção declarativa, fazendo cessar a causa da suspensão do inventário e possibilitando a sua ultimação.
Ou seja, a situação configurada comporta a possibilidade de virem a ser adjudicados a outro interessado os bens onde os reclamantes implantaram a sua casa, vindo depois a apurar-se na acção já pendente que os prédios pertencem afinal aos reclamantes, obrigando assim à anulação da partilha.
Foi precisamente essa eventualidade que o Sr juiz quis acautelar, em consonância com o disposto no artigo 279º, nº 1 do CPC expressamente invocado no despacho.
E, como atrás se disse, é esse o caminho que o legislador através do DL nº 227/94, de 8 de Setembro veio consagrar com a nova redacção do artigo 1335º do CPC
para “resolver algumas das questões que se colocavam, sem resposta directa na lei, face à anterior regulamentação,”no dizer de Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, I, 4ª ed. pág. 202 e segs.).
Daí que, em face de tal normativo, se entenda, tal como o fez o STJ no Ac. de 9/10/97 (CJ, STJ, III/97, pag.54) que “tendo algum interessado pedido a exclusão de verbas da relação de bens alegando que eram suas e não da herança (…) deve a instância ser suspensa em consequência de ter sido proposta acção pedindo se declare que as ditas verbas lhe pertencem.”
Assim e em resumo, improcedem todas as conclusões do recurso.

DECISÃO:
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e, consequentemente, confirma-se o despacho impugnado.

Custas pela recorrente.

Guimarães, 12 de Abril de 2007