Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
180/14.8TBBRG-A.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PROVA TESTEMUNHAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/26/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA PROCEDENTE
Sumário: A celeridade subjacente ao PER não é razão para apenas admitir, em sede de impugnação da lista provisória de créditos, prova documental, não estando vedada a produção de prova testemunhal acerca da mesma.
Decisão Texto Integral: C…, SA., Impugnante nestes autos de que são Impugnados, G…, M… e T…, LDA., não se conformando com a decisão que julgou improcedente a impugnação apresentada por si, dela vem interpor recurso de apelação.
Pede que se anule a decisão ora recorrida de modo a que as impugnações e respetivos meios de prova sejam apreciadas pelo Tribunal.
Após alegar, formula as seguintes conclusões:
1. O artigo 17º-D do CIRE, não impede a produção de prova testemunhal e caso essa norma contivesse uma limitação aos meios de prova, haveria uma clara inconstitucionalidade.
2. A celeridade processual, não poder ser motivo de impedimento da averiguação da verdade dos factos, sob pena de se poder estar a patrocinar verdadeiras tropelias à verdade ao direito e à justiça.
3. O credor/mandatário G…, reclamou crédito de honorários sem que juntasse qualquer documento justificativo dos mesmos: uma fatura, um recibo, uma carta a reclamar o pagamento dos honorários, em face disto permite-se a Recorrente questionar como poderia impugnar esse alegado crédito somente com prova documental.
4. Ao não permitir-se a prova da impugnação com recurso à prova testemunhal e também por declarações da parte, é impedir irremediavelmente a contestação aos créditos e com ela o total cerceamento da verdade.
5. No caso concreto, a totalidade dos créditos ora impugnados, constituem mais que 2/3 da totalidade dos créditos reclamados, cuja existência a Recorrente impugna expressamente.
6. O novo código de processo civil, veio aportar um novo paradigma ao processo civil, sustentando-se este nos factos essenciais, o que a Recorrente alegou, sendo o essencial saber se os créditos impugnados correspondem ou não à verdade, essencialidade que foi vedada à Recorrente.
7. Foram violados os artigos 17-D nº 3 do CIRE, 411º, 413º e 552 nº 1 al. d) do código de processo civil e 20º da constituição da República.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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É o seguinte o teor da decisão recorrida:
“A credora C…, SA. veio impugnar a lista provisória de créditos reconhecidos que foi apresentada pelo senhor administrador judicial provisório.
Cumpre decidir.
O senhor administrador judicial provisório reconheceu como credores T…, Ldª, G… e M…. A credora sustenta que os créditos que foram reclamados por estes credores são inexistentes e não deviam ter sido reconhecidos.
Na sua impugnação, a credora requer a realização de diversas diligências de prova que incluem a prestação de declarações de parte, a inquirição de testemunhas e a solicitação de documentos. Estas diligências de prova não são admissíveis. Nas impugnações da lista provisória de créditos reconhecidos no âmbito do processo especial de revitalização apenas é admissível prova documental que conste dos autos ou que tenha sido junta pelo impugnante, pelos credores ou pelo senhor administrador judicial provisório. Esta conclusão resulta do art. 17º-D nº3 do Cód. Da Insolvência e da Recuperação de Empresas que impõe ao tribunal o prazo de cinco dias para decidir as impugnações. Além disso, é reforçada pelos prazos gerais aplicáveis ao processo especial de revitalização, bastando atentar que as negociações com os credores deve estar concluídas no prazo de dois meses ou, excecionalmente, no prazo de três meses (art. 17º-D nº5 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas). O legislador ponderou, seguramente, que o estabelecimento de prazos tão curtos implicava uma limitação quanto aos meios de prova nas impugnações, pelo que esta solução não pode deixar de corresponder a uma opção legislativa que foi assumida conscientemente no sentido de atribuir primazia à celeridade em detrimento da descoberta da verdade material. Neste sentido pode ver-se LUÍS CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA para quem ‘o tribunal deve decidir exclusivamente com base nos elementos trazidos ao processo com os requerimentos, aí se incluindo a documentação com eles oferecida, devendo, além disso, levar em conta somente o que o processo já contenha, como será o caso da documentação de suporte ao documento inicial do credor.
No mais, importa referir que a credora limita-se a manifestar a sua estranheza quanto aos créditos que impugnou, sem, todavia, apresentar qualquer factualidade concreta ou elemento de prova que permita afirmar que se trata de créditos inexistentes, o que impõe a improcedência da impugnação que apresentou.
Pelo exposto, decido julgar improcedente a impugnação que foi apresentada pela credora.”
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Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
- O artigo 17º-D do CIRE, não impede a produção de prova testemunhal?
- A recorrente impugna expressamente a existência dos créditos reclamados?
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Iniciemos, então, a discussão, pela primeira das questões que identificámos – a admissibilidade de prova testemunhal.
Reclamados os créditos no âmbito do processo especial de revitalização, é elaborada, pelo administrador judicial, uma lista provisória de créditos, lista esta que pode ser impugnada no prazo de 5 dias (Artº 17ºD/2 e 3 do CIRE).
Confere-se, após, ao juiz, um curtíssimo prazo de 5 dias para decidir sobre as impugnações formuladas.
Trata-se, efetivamente, de um processo com um grau de celeridade especial.
A decisão recorrida extrai desta natureza célere a razão para a não admissibilidade dos meios de prova requeridos, concluindo a Recrte. – agora apenas quanto à prova testemunhal – que nenhum impedimento se verifica á respetiva admissibilidade.
Não se vê que a celeridade que o legislador pretendeu imprimir ao processo seja razão para apenas admitir, como ditado na decisão recorrida, prova documental. Uma tal limitação não encontra qualquer correspondência nem na letra, nem no espírito da lei, sabido que existem outras providências, igualmente céleres onde nenhum meio de prova é passível de recusa.
Mais: conforme adverte Catarina Serra, é de “prever que o devedor só recorra ao PER se puder contar com o apoio continuado de credores que representem uma maioria significativa dos créditos – de “credores amigos” -, dos quais ele possa esperar, designadamente, que, subscrevendo a declaração inicial, lhe assegurem o acesso ao processo, que, concedendo-lhe financiamento, sustentem o desenvolvimento da sua atividade e que, por fim, votando favoravelmente, lhe assegurem a aprovação do plano de recuperação”. Como isto não é, normalmente, assim, “o devedor sentir-se-á, então, irresistivelmente tentado a simular a existência de uma ou mais relações creditícias…” (Processo Especial de Revitalização – Contributos para uma Retificação, Separada da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 72, II/III, Lisboa, Abr-Set. 2012, 736).
Donde, todos os cuidados são poucos, especialmente porque, sendo o PER um processo pré insolvencial, cabe aos credores um papel fundamental – consentirem ou não no sacrifício dos seus direitos.
Ao criar o CIRE, o legislador foi claro ao afirmar que “o objetivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores” e que “sendo a garantia comum dos créditos o património do devedor, é aos credores que cumpre decidir quanto á melhor efetivação dessa garantia, e é por essa via que, seguramente, melhor se satisfaz o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado”.
O plano de revitalização ou recuperação, tal como o de insolvência, foi um dos instrumentos que o legislador pôs ao serviço dos propósitos enunciados no Código, instrumento esse que não dispensa – antes pressupõe – o contributo de todos os credores.

Da mencionada celeridade poderá extrair-se razão para não admitir todas e quaisquer provas se estas se revelarem impeditivas de alcançar o desiderato pretendido. Porém, não permitirá afastar liminarmente o recurso à prova testemunhal e declarar a admissibilidade restrita à prova documental cujo acesso, como se sabe, é muito difícil, tanto mais tratando-se de impugnação. E, salvo o devido respeito, não nos parece que o excerto de texto citado na decisão opere uma tal restrição.
Termos em que procede a questão que nos ocupa.

Mas, ainda a decisão recorrida, consigna que “…a credora limita-se a manifestar a sua estranheza quanto aos créditos que impugnou, sem, todavia, apresentar qualquer factualidade concreta ou elemento de prova que permita afirmar que se trata de créditos inexistentes, o que impõe a improcedência da impugnação que apresentou.”
Entramos, assim, na análise da 2ª questão que enunciámos – a expressa impugnação dos créditos impugnados.
A este propósito a Recrte. alegou na sua peça que os créditos a que se reporta são incomuns, inusitados, exprimindo, após, o que a leva a duvidar dos mesmos, em termos que impõem, necessariamente, a produção de prova acerca da sua real existência.
Assim, não só se mostram devidamente impugnados os créditos em causa, como, em sede de impugnação, nada impõe que a mesma seja motivada, ou seja, que tenha na sua base algum facto concreto ou algum elemento de prova que a contrarie.
Termos em que procede a apelação.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida, decidindo-se admitir a prova testemunhal oferecida com consequente anulação dos subsequentes termos processuais que dela dependiam.
Custas pela devedora.
Notifique.
Guimarães, 26/06/2014
Manuela Fialho
Paulo Barreto
Filipe Caroço