Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1539/13.3TBFAF.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: CIRE
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ADMINISTRADOR JUDICIAL
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- A remuneração que é devida ao administrador judicial provisório nomeado em PER é aferida e calculada em função da aplicação, devidamente conjugada/articulada, de normativos que integram três diplomas legais , a saber, o CIRE, o ESTATUTO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL e a PORTARIA nº 51/2005, de 20 de Janeiro .
II - A remuneração indicada em I , compreende necessariamente dois valores, um fixo e um outro variável, sendo que o primeiro mostra-se fixado em 2.000,00€ , e , o segundo , é concretizado em função da aplicação das taxas ( os do Anexo I ) e factores de majoração ( os do Anexo II ) que integram a Portaria nº 51/2005, de 20 de Janeiro.
III - Aceitando-se que as tabelas que integram ambos os Anexos da Portaria nº 51/2005 , não regulam especificamente os resultados obtidos no PER em função da recuperação do devedor, certo é que , dada a analogia das situações, não se descortina fundamento pertinente que impeça a sua aplicação no âmbito do cálculo da remuneração variável que ao administrador judicial provisório é devida em PER no qual tenha desempenhado funções.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
1 - Relatório
Nos autos de Processo Especial de Revitalização ( CIRE ) que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe , e no qual figura como devedor “M..,LDA.”, proferida que foi decisão judicial de homologação de Plano de Recuperação conducente à revitalização do devedor, e a solicitação do Administrado Judicial nomeado, veio o Exmº Juiz titular dos autos a proferir , em 3/4/2014 , a seguinte decisão :
“ Atenta a complexidade do processo, nos termos das normas previstas nos art. 17º-C,nº3, a) e 32º, do CIRE, e art. 27º e 25º, nº2 , da Lei nº 22/2013, e dentro dos critérios aí dispostos, fixo a remuneração global do administrador em € 5.000,00 “.
1.1.- Notificada da decisão indicada em 1, e por da mesma discordar, atravessou F.. nos autos, a 2/5/2014, requerimento de interposição de apelação, aduzindo as seguintes conclusões :
A. Vem o presente recurso interposto do douto despacho judicial, proferido a fls., datado de 03-04-2014, pelo Meritíssimo Juiz a quo, no qual logrou proferir o seguinte despacho: “atenta a complexidade do processo, nos termos das normas previstas nos artigos 17.ºC, n.º 3, al. a) e 32.º do CIRE e art. 27.º e 25.º, n.º 2 da Lei n.º 22/2013, e dentro dos critérios ai dispostos, fixo a remuneração global do administrador em €5.000,00.”
B. Salvo o devido e maior respeito, o aqui recorrente não pode corroborar com o aliás douto entendimento do Tribunal a quo quando reduz, sem qualquer pronúncia e/ou fundamentação, a remuneração fixa reclamada pelo aqui recorrente, no valor de €4.000,00 e a remuneração variável no valor de €22.159,13 para a importância global de €5.000,00.
C. No despacho objecto de recurso, o Juiz a quo não indicou as razões de facto e de direito que conduziram o julgador, num raciocínio lógico, a decidir em determinado sentido, vale isto por dizer, o Tribunal a quo não logrou justificar qual a razão de, sem mais, desconsiderar o reconhecimento e pagamento da remuneração variável, tal como foi peticionado, ou até, em valores diferentes, simplesmente porque não houve qualquer pronuncia a esse respeito.
D. O mesmo se diga quanto ao reconhecimento e pagamento da remuneração fixa, pois, também aqui, não houve qualquer pronúncia quanto ao seu não reconhecimento e pagamento.
E. Por outro lado e de igual modo, também, o Tribunal a quo não justificou o raciocínio lógico que subjaz à fixação da importância de 5.000,00€, como o somatório global das remunerações que deverão ser reconhecidas e atribuídas ao aqui recorrente no exercício das suas funções de Administrador Judicial Provisório.
F. Donde, existindo, como aliás, existiu, total falta de fundamentação no despacho recorrido, o mesmo é, por força da falta de fundamentação, nulo (art. 666º nº 3) ou da sentença (art. 668º nº 1 b).
Sempre e de qualquer modo,
G. Com o devido e maior respeito, entendemos que, também ao nível do processo especial de revitalização, além da fixação da remuneração fixa a atribuir ao Administrador Judicial Provisório, deve haver uma parte da remuneração condicionada aos resultados obtidos, que neste caso se prenderão com o processo negocial e não com a liquidação da massa insolvente.
H. Este entendimento é suportado pelo elemento literal que se depreende do n.º 2 do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial (EAJ.) que estatui “O administrador judicial provisório ou o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no número anterior.”( negrito e sublinhado nosso).
I. O artigo 23.º, n.º 1 do EAJ equipara expressamente o administrador judicial provisório nomeado no processo especial de revitalização ao administrador de insolvência, porquanto, deste modo, quis o legislador aplicar o regime da remuneração do administrador de insolvência ao administrador judicial provisório.
J. A lei 22/2013 de 26 de Fevereiro, que instituiu o Novo Estatuto do Administrador Judicial apenas deixou para uma portaria a determinação do montante da remuneração devida ao administrador judicial provisório e não a fixação dos critérios que deverão nortear a remuneração, os quais estão definidos expressamente no citado estatuto.
K. Assim, ao Administrador Judicial provisório, ao aqui recorrente, é-lhe devida a fixação de uma remuneração variável, que, nos termos do n.º 3 do artigo 23.º do EAJ afere-se pelo resultado da recuperação de créditos, sendo este determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
L. Nos autos do processo especial de revitalização, objecto do presente recurso, foram reclamados créditos no valor de € 1 113 876.03, sendo que o Plano de Revitalização contemplou a recuperação de créditos fixados no valor de €688.236,07 (seiscentos e oitenta e oito mil, duzentos e trinta e seis euros e sete cêntimos), o que confere ao aqui recorrente, após a aplicação das taxas previstas no ANEXO I da portaria 51/2005, uma remuneração variável de €22.159,13.
M. Considerando assim que o montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no Plano, o qual é considerado o resultado da recuperação é de €688.236,07, nos termos do Anexo I da indicada portaria, haverá que dividir este valor em duas partes, coincidindo uma delas com o limite do maior dos escalões que nele couber [500.000,00€] e a outra com o remanescente [188.236,07€].
N. Deste modo, sobre uma dessas partes, equivalente a 500.000,00€, aplica-se a respectiva taxa marginal de 2,6950%, o que totaliza a remuneração variável de 13.475,00€, sendo que à segunda parte, no valor remanescente de 188.236,07€, aplica-se a taxa base do escalão imediatamente seguinte, no caso de 1,25%, o que perfaz a quantia de 2.352,95€, totalizando tais valores a remuneração variável global de 15.827,95€.
O. Determina ainda o artigo 23.º, n.º 5 EAJ que o valor assim alcançado é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos factores constantes no Anexo II da portaria atrás citada.
P. Deste modo, considerando que a totalidade dos créditos admitidos ascendeu ao valor de 1.113.876.03 € e já por outro que o montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados é de 688.236,07€, haverá que concluir que o grau de satisfação previsível desses créditos se situa no escalão de 50% a 70%, razão pela qual haverá que majorar aquela remuneração variável com um factor de 1,40, o que totaliza a remuneração variável global de 22.159,13€.
Q. Com efeito, o Tribunal a quo ao indeferir, como indeferiu a fixação da remuneração variável tal como foi peticionada pelo recorrente, viola por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 23.º e 29.º do E.A.J. e, artigos 17.º, 32.º e 60.º do CIRE, assim como a portaria 51/2005 de 20 de Janeiro. POR OUTRO LADO,
R. Conforme o estatuído no n.º 1 do artigo 23.º do EAJ, o Administrador Judicial provisório tem direito a ser remunerado pelos actos praticados.
S. Para o efeito, não pode deixar o Tribunal a quo de ter em conta determinados factores, como sendo o elevado número de credores, o que se retira da relação de créditos provisória remetida aos autos, o acompanhamento diário da actividade da empresa, análise exaustiva dos débitos existentes, plausibilidade e exequibilidade de um processo negocial conducente a um acordo viável, mantendo-se em regime de fiscalização e coordenação diária das negociações havidas entre a devedora e os seus credores.
T. In casu, o Tribunal a quo, ao fixar a importância de 5.000,00€ como o valor ajustado para as duas remunerações desconsiderou, sem qualquer fundamento, o número de credores reclamados e reconhecidos nos presentes autos, concretamente 69 (sessenta e nove) e o período durante o qual o aqui recorrente exerceu as funções, concretamente, cerca de 5 meses, período que mediou a nomeação do aqui recorrente como Administrador Judicial Provisório (Setembro de 2013) e a data da homologação do Plano (Fevereiro de 2014).
U. A equiparação do administrador judicial provisório ao administrador de insolvência, que é feita no artigo 23.º do EAJ, implica, no mínimo e, salvo o devido e maior respeito, fixação de idêntica remuneração !
V. Face ao exposto, o Tribunal a quo, ao não reconhecer a remuneração fixa no valor de €4.000,00, tal como foi peticionada, deveria, no mínimo, fixar a importância de €2.000,00, atendendo ao principio da equiparação, previsto no n.º 1 do artigo 23.º do EAJ.
W. A fixação de um quantitativo inferior aos €2.000,00 implica a violação, por erro de interpretação e aplicação, do estatuído nos artigos 23º do E.A.J. e 17.º, 32.º e 60.º do CIRE, assim como a portaria 51/2005 de 20 de Janeiro.
NESTES TERMOS
E nos demais de direito aplicáveis, e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e no sentido das conclusões e, em consequência:
a) ser o despacho recorrido declarado nulo, por falta do dever de fundamentação.
b) ser o despacho recorrido revogado, a fim de ser substituído por outro que reconheça ao aqui recorrente a importância de €4.000,00, a titulo de remuneração fixa e a importância de €22.318,60, a titulo de remuneração variável.
Se assim doutamente não se entender,
c) a remuneração fixa deverá ser fixada sempre na importância de €2.000,00, atento o princípio da equiparação estatuído no n.º 1 do artigo 23.º do EAJ.
Assim se fazendo, JUSTIÇA .
1.2.- Contra-Alegando, veio a devedora M.., LDA. impetrar a improcedência in totum da apelação, concluindo, em parte ( porque demasiado extensas, apenas se transcrevem algumas das conclusões ) , nos seguintes termos :
“(…)
5. O Sr. AJP, aqui Recorrente, assume duas posições face à Decisão proferida pelo Tribunal a quo, isto é, por um lado, em virtude de não se conformar com a douta Decisão, o Recorrente interpôs recurso nos termos e fundamentos constantes das suas alegações, por outro lado, e ao mesmo tempo, mostra-se o Recorrente conformado com a mesma, acatando-a, de tal forma que pediu à aqui Recorrida o pagamento da quantia determinada pelo Excelentíssimo Senhor Juiz a quo - o mesmo será dizer, efectuou a correspondente cobrança.
(…)
9. Para a Recorrida, que foi surpreendida pelo presente recurso, o comportamento do Recorrente, face à Decisão que está aqui posta em causa, consubstancia a sua total e inequívoca aceitação da mesma.
10. Pelo que, não pode, de todo em todo, aceitar-se qualquer alegação por parte do Recorrente para efeitos de recurso, sendo o mesmo desprovido de qualquer fundamento, devendo, por isso, este Venerando Tribunal julgar este comportamento do Recorrente de modo exemplar.
11. Contrariamente ao alegado pelo Recorrente, é certo que não lhe é aplicável o regime do Administrador Judicial de Insolvência, no tocante à remuneração, pois, da articulação conjugada dos artigos 23.°, n.º1 da Lei n.º 22/2013, de 26/02 e artigo 1.°, n.º 1, da Portaria n° 51/2005, de 20/01, resulta a necessidade da concretização de uma para Portaria a fixação os valores da respectiva remuneração dos AJP, de acordo com o montante estabelecido pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia que, no entanto, como é consabido, a Portaria aludida, até hoje, não foi publicada.
(…)
13. Assim, no PER não há remuneração condicionada aos resultados obtidos com o processo negocial, pelo que, a remuneração atribuída pelo Tribunal a quo, e expressa no Despacho recorrido, atende aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e da equidade que devem presidir à tomada das decisões judiciais, entendo-se que, o montante atribuído no douto Despacho em apreço é o bastante para dignificar o cargo e grau académico do AJP, Recorrente nestes autos, além do mais, nele se reflecte o nível de intervenção, responsabilização e acompanhamento por parte do Recorrente, no PER da Recorrida.
14. Diga-se a este propósito que, todo o processo negocial foi feito exclusivamente pela devedora, aqui Recorrida, para que o plano de recuperação fosse bem sucedido, como efectivamente foi, aprovado pela maioria dos credores, tendo esta, para o efeito, reunido e negociado com os credores, sem qualquer intervenção do Sr. AJP, aqui Recorrente, junto de qualquer credor, nem este acompanhou, nem acompanha, a actividade diária da Devedora, ora Recorrida nestes autos, do mesmo modo que não fiscalizou, nem coordenou diariamente as negociações havidas entre a Devedora e os credores.
15. Sendo assim, a quantia peticionada pelo Recorrente, a título de pagamento da remuneração variável, no valor de 22.159,13€, para além de ser ilegal é completamente descabida e injustificada.
(…)
18. Além do mais, bem sabe o Recorrente, por não poder ignorar, que a Recorrida, não tem disponibilidades económicas para lhe pagar o montante o montante total de 26.159,13€.
19. Numa lógica contrária à defendida pela Recorrida e pelo espírito do legislador aquando a criação do PER, o Sr. AJP, ora Recorrente considera que deveria ser premiado pelo esforço desenvolvido e consequente sucesso obtido por parte da Devedora/Recorrida e à sua custa.
(…)
22. Nenhuma razão assiste por isso ao Recorrente para vir sindicar junto deste Venerando Tribunal o que muito bem foi decidido pelo Meritíssimo Senhor Juiz a quo.
23. Bem andou o Meritíssimo Senhor Juiz a quo na sua decisão, não merecendo qualquer censura ou reparo fundamentação de facto ou de direito no douto Despacho recorrido, pelo que, o mesmo deve ser integralmente mantido, nos exactos termos em que foi proferido.
24. Caso venha a ser admitido o que se refere sem conceber, não deve merecer provimento, atento que o Despacho recorrido de nenhum vício enferma, tendo interpretado bem o direito e nenhuma norma legal foi violada.
25. Nenhuma razão assiste por isso à Recorrente para vir sindicar junto deste Venerando Tribunal o que muito bem foi decidido pelo Meritíssimo Juiz a quo.
26. Pelo exposto, não deve o presente recurso ser admitido em virtude do Recorrente já ter colocado à cobrança o montante que lhe foi atribuído pelo Meritíssimo Juiz a quo, o que consubstancia uma aceitação inegável do douto Despacho recorrido e a extinção de qualquer fundamento de recurso.
(…)
NESTES TERMOS, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências Venerandos Desembargadores, deve ser julgado totalmente improcedente o presente recurso de Apelação interposto pelo Senhor Administrador Judicial Provisório e mantido, na íntegra, o Despacho recorrido, com todas as devidas e legais consequências.
Assim se fazendo inteira Justiça!
1.3.- Remetidos os autos a este tribunal da Relação, e satisfeito o contraditório, proferiu-se - o relator - Decisão subsumível à alínea b), do nº1, do artº 652º, do CPC., sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“(…)
Em face do acabado de expor , ao abrigo do disposto nos artºs 641º, nº 5, 652º, nº1, alínea b) e 655º, todos do Código de Processo Civil, decido que não se pode conhecer do objecto da apelação, porque interposta esta após o decurso do prazo peremptório de 15 dias ( cfr. artº 638º,nº1, do CPC ) disponível para o efeito, tendo portanto o apelante F.. , deixado extinguir/precludir o direito de praticar o competente acto.
Custas pelo apelante “
1.4..- Notificado da decisão que antecede ( que consta do item 1.3.), apresentou de seguida o recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil, requerimento a solicitar que sobre a matéria do referido despacho do relator viesse a recair um acórdão, pois que, para todos os efeitos, impondo-se presumir ( nos termos do nº1, do artº 249º, do CPC ) que do despacho recorrido foi notificado a 10/4/2014, e tendo a apelação sido interposta a 2/5/2014 ( 3º dia útil após o termo do prazo ), a que acresce que a multa do nº5, do artº 139º foi paga, manifesto é que o recurso foi apresentado em tempo.
***
Thema decidendum
1.5. - Colhidos os vistos e solicitada concreta informação ao tribunal a quo, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar em sede do presente Ac. são as seguintes :
a) se a decisão proferida pelo Relator e cujo excerto decisório consta do item 1.3. do presente Ac. é de manter , ou , ao invés, deve a reclamação ser atendida ;
b) se, impondo-se a alteração da decisão que antecede , e , consequentemente, nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, deve a decisão recorrida :
i) Ser considerada NULA, por total falta de fundamentação, nos termos do nº1, do artº 615º, do CPC;
ii) Ser revogada, impondo-se a sua substituição por decisão que reconheça ao recorrente a importância de €4.000,00, a titulo de remuneração fixa e a importância de €22.318,60, a título de remuneração variável, ou , a assim não se entender, ser a remuneração fixa corresponder à importância de €2.000,00.
*
2.Motivação de facto.
Do processado nos autos do qual emerge a instância recursória da apelação resulta provada a “factualidade” a que se alude no relatório do presente Acórdão e, bem assim, a seguinte :
2.1.- Através de requerimento dirigido ao processo, veio F.., na qualidade de administrador judicial, solicitar o pagamento da remuneração que considera ser-lhe devida, sendo que, a título de honorários requerer a fixação da quantia de 4.000,00€ , e , no que concerne ao pagamento da remuneração variável , requerer que seja fixada a quantia de 22.159,13€.;
2.2.- Após a notificação do devedor para se pronunciar sobre o requerimento indicado em 2.1., e a 3/4/2014 , proferiu o tribunal a quo a seguinte decisão :
“ Atenta a complexidade do processo, nos termos das normas previstas nos art. 17º-C, nº3, a) e 32º, do CIRE, e art. 27º e 25º, nº2 , da Lei nº 22/2013, e dentro dos critérios aí dispostos, fixo a remuneração global do administrador em € 5.000,00 “
2.3. - A decisão indicada em 2.2. foi notificada a F.., por carta registada;
2.4.- No âmbito da notificação da decisão indicada em 2.3., o funcionário judicial apôs no expediente àquela referente e que juntou aos autos, o nº do processo , o nº do Registo RJ930375275PT e a data de 04/04/2014;
2.5.- Não obstante o referido em 2.4., do documento arquivado no tribunal e alusivo ao registo do correio reportado à notificação indicada em 2.3. , consta o carimbo dos CTT de FAFE com a data de 2014/04/07 ( doc. junto a fls. 789) ;
2.6.- Do sitio dos CTT alusivo à pesquisa de objectos com códigos de barras , e tendo por objecto o nº do Registo RJ930375275PT , consta a indicação de que o registo em causa foi efectuado no balcão dos CTT de FAFE em 2014/04/07 ;
2.7.- Ainda do sitio dos CTT indicado em 2.6., e tendo por objecto o nº do Registo RJ930375275PT , consta a indicação de que o objecto em causa foi entregue em 2014/04/09 ;
2.8.- Requerido no segundo semestre de 2013 pela M.., LDA., e no Tribunal Judicial de FAFE ( nos termos do art. 17º-A e seguintes do CIRE), o competente procedimento especial de revitalização, foi de imediato dado seguimento à pretensão da Requerente, tendo de seguida sido nomeado - em Setembro de 2013 - como administrador judicial provisório F..;
2.9.- Em Janeiro de 2014 F.. veio aos autos informar que as negociações encetadas com vista à revitalização da devedora haviam sido concluídas, tendo-se no seu final aprovado por maioria um plano de recuperação conducente à revitalização daquela ;
2.10.- O Plano indicado em 2.9. veio a merecer a aprovação de 95,391 % do total dos créditos com direito de voto, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado;
2.11.- No prazo a que alude o nº2, do artº 17º-D, do CIRE, foram reclamados 69 créditos cujo montante total ascendeu a 1.080.399,26 € de capital, e 33.485,77€ de juros ( total = 1.113.885,03 , cfr. fls. 456 a 473 ) ;
2.12.- O montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano de recuperação conducente à revitalização da devedora M..,LDA , na sequência da reestruturação do passivo ( v.g. com perdão de juros vencidos; perdão, com referência a créditos dos fornecedores, de 70 % do capital e dos juros vencidos e vincendos ) , é não inferior a 688.236,07€ ( cfr. fls. 507 do Anexo B do Plano ):
2.13.- O plano de recuperação aprovado e junto aos autos a fls.331/362 veio a ser homologado por decisão judicial de 7 de Fevereiro de 2014 ( a fls. 417/418);
2.14.- No seguimento da notificação referida em 2.2., veio a devedora M..,LDA ( a fls. 606/608) dizer que , sendo ilegal o valor de 22.159,13€ atinente à remuneração variável reclamada , apenas se justificava a atribuição ao Administrador Provisório de uma quantia não superior a 3.000,00€ a título de remuneração total.
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3.- Se a decisão proferida pelo Relator e cujo excerto decisório consta do item 1.3. do presente Ac. é de manter , ou , ao invés, deve a reclamação ser atendida.
Recordando, a decisão reclamada do relator, partindo-se do pressuposto de que o prazo de recurso de decisões proferidas em sede de processo especial de revitalização é de 15 dias [ em razão do nº1, do artº 638º, do CPC ] , e que , presumindo-se a notificação por carta registada efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ( cfr. artº 249º, nº1, do CPC ), in casu - em razão do teor do expediente elaborado pelo oficial de Justiça e do qual consta a aposição do nº do Registo RJ930375275PT, e a data de 04/04/2014 - impunha-se em termos de normalidade considerar que a data do registo postal da notificação da decisão recorrida era a de 4/4/2014, considerou-se então na referida decisão datada de 15/9/2014 como manifestamente extemporânea a apelação.
É que, sendo a data do registo postal a de 4/4/2014, então e por efeito da presunção do artº 249º, nº1, do CPC, a notificação em apreço ter-se-ia concretizado a 7/4/2014 , razão porque o prazo recursório de 15 dias terminava inevitavelmente a 22/4/2014, podendo , porém, ainda assim ( cfr. artº 139º,nº5, do CPC ) , ser o acto praticado até 28/4/2014, porque correspondente o mesmo ao terceiro dia útil subsequente ao termo do primeiro e desde que efectuado o pagamento de competente multa.
Ora, porque o requerimento de interposição da apelação foi atravessado nos autos a 2/5/2014 , manifesto era assim que a apelação fora interposta depois de decorrido já o prazo peremptório de 15 dias .
Sucede que, confrontado o relator com cópia da informação retirada de sitio dos CTT alusivo à pesquisa de objectos com códigos de barras [ e tendo por objecto o nº do Registo RJ930375275PT ] , e constando da mesma que o registo da notificação em causa foi efectuado no balcão dos CTT de FAFE em 2014/04/07 [ que não a 4/4/2014 ] , e pedido de seguida à primeira instância o envio de cópia de documento arquivado no tribunal e alusivo ao registo do correio reportado à notificação indicada em 2.3. , veio porém a constatar-se que do carimbo dos CTT de FAFE aposto neste último consta igualmente a data de 2014/04/07 ( doc. junto a fls. 789).
Ou seja, não obstante do expediente elaborado pela oficial de Justiça e alusivo à notificação por via postal constar a menção da data de 4/4/2014, não foi porém e em rigor a notificação em apreço efectuada a 4/4/2014, antes o foi tão só a 2014/04/07, sendo também esta última a data da entrega do expediente nos CTT e igualmente a data do respectivo Registo.
Precisando melhor, temos assim que, não obstante em sede de notificações de decisões judiciais e por via postal, o momento determinante para a contagem de prazos para efeitos de subsequente prática pelas partes de actos processuais ser o da data exacta do registo postal da carta que contém a notificação, razão porque o seu conhecimento no processo é decisivo , o certo é que in casu veio a funcionária judicial a apor no expediente alusivo à notificação por carta registada uma data que, quando muito, será tão só a data da elaboração do competente expediente [ informação que para os autos é de todo irrelevante e inútil ] que não o do registo postal , e isto não obstante do referido expediente [ o que convida ao erro em sede de controlo da tempestividade dos actos processuais, traduzindo-se portanto em prática processual que, ao invés do corresponder ao pretendido pelo artº 131º, do CPC, contribui antes para a dúvida , incerteza e prática de processado inútil ] constar desde logo a aposição do código de barras inerente à correspondência registada pretensamente já enviada ( o que potencia o erro ) .
Isto dito, temos para nós que, do confronto e conjugação de ambas as informações que se mostram vertidas nos itens 2.5. e 2.6. da motivação de facto do presente Ac., permitido é concluir-se, antes de mais e de resto com elevado grau de probabilidade, que a notificação do despacho recorrido datado de 3/4/2014 foi remetida ao recorrente através carta registada em 2014/04/07, isto por um lado.
E, por outro, ainda em razão da conjugação de ambos os apontados elementos, lícito é outrossim ,em face das regras da lógica e da experiência - as quais indicam não ser crível e explicável que ambas as datas alusivas ao Registo e apostas nos dois documentos indicados nos itens 2.5. e 2.6. da motivação de facto do presente Ac. não sejam as verdadeiras - concluir-se pela existência de prova bastante, ainda que seja por meio de presunção judicial ( cfr. artº 349º e 351º, ambos do CC ) , de que o registo da carta ocorreu efectivamente em 7/4/2014.
Destarte, tendo presente a referida conclusão fáctica, aplicando-se à mesma de seguida [ como não poderá deixar de ser , face ao disposto no artº 249º,nº1, do CPC ] a presunção do nº 1 do artigo 249º do CPCPT, e porque o afastamento da presunção referida tem sempre por desiderato beneficiar o notificado [ provando-se que a notificação ocorreu em data posterior à presumida ] , que não prejudicá-lo [ ao provar-se v.g. que a notificação ocorreu em data anterior à presumida ] , inevitável é o deferimento da reclamação do apelante.
Em suma, a decisão do relator merece ser revogada, impondo-se conhecer do objecto da apelação interposta, porque tempestiva.
*
4.- Da Nulidade , por total falta de fundamentação - nos termos do nº1, do artº 615º, do CPC - da decisão apelada.
Na respectiva peça recursória aponta o apelante para a nulidade da decisão apelada, alegando que a mesma padece do vício a que alude a alínea b) , do nº1, do artº. 668° do CPC, pois que, na sua óptica, o que justifica nas antecedentes alegações, não integra ela qualquer fundamentação, maxime de facto e que suporte a desconsideração do pagamento da peticionada remuneração variável , e , inclusive, da remuneração fixa.
Vejamos, de imediato, se a nulidade invocada se verifica.
Como decorre expressis verbis do nº1, do artº 154º, do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6, e em vigor aquando da prolação pelo a quo da decisão apelada, inquestionável é que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido são sempre fundamentadas, e ,bem assim (nº2), que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
Em causa está, em rigor, a consagração na Lei adjectiva do princípio constitucional vertido no artº 205º da Lei Fundamental, no sentido de que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Aludindo a tal exigência, explica José Alberto dos Reis (1) que importa que a parte vencida conheça as razões por que o foi, para que possa atacá-las no recurso que interpuser.
Acresce que, adianta outrossim Alberto dos Reis (2), “ Mesmo no caso de não ser admissível recurso da decisão, o tribunal tem de justificá-la , pela razão simples de que uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valeram os seus fundamentos . Claro que a força obrigatória da sentença ou despacho está na decisão ; mas mal vai à força quando não se apoia na justiça e os fundamentos destinam-se precisamente a convencer de que a decisão é conforme à justiça”.
Concluindo, e ainda segundo José Alberto dos Reis (3), sendo a função própria do Juiz a de interpretar a lei e aplicá-la aos factos da causa, “ (…) deixa de cumprir o dever funcional o Juiz que se limita a decidir, sem dizer como interpretou e aplicou a lei ao caso concreto “.
Dito isto, e no seguimento das apontadas exigências de fundamentação, diz-nos o art.º 615, n.º 1, b), do CPC, que é nula a sentença quando não especifique ela os fundamentos de facto e de direito, discriminando os factos que a justificam e indicando outrossim quais as normas jurídicas que à situação fáctica provada se aplicam, sendo que tal exigência estende-se ainda, até onde seja possível, aos próprios despachos ( cfr. nº3, do artº 613º, do CPC ).
Não obstante, e como de resto é jurisprudência uniforme sobre tal matéria, apenas o vício da falta absoluta de motivação, ou seja , quando ela não existe de todo, é que integra/consubstancia causa de nulidade de sentença, pois que, existindo tal fundamentação, ainda que escassa, deficiente ou mesmo pobre (4) , já não faz sentido concluir-se pela verificação do vício de nulidade.
Do mesmo modo, e a propósito do apontado vício, é a doutrina também unânime em considerar que importa (5) distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada . É que, adverte Alberto dos Reis (6), o que a lei considera nulidade é “ (…) a falta absoluta de motivação ; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”.
Chegados aqui, e analisada a decisão que é objecto da apelação, manifesto se nos afigura que padece a mesma, em sede de fundamentação, de excessiva simplicidade e parcimónia, sendo ostensivamente sintética e pouco explicada, limitando-se a identificar as disposições legais nas quais se baseia, isto por um lado , e , por outro, a justificar a remuneração global do administrador fixada na complexidade do processo, não a caracterizando todavia.
É assim, indubitavelmente, a fundamentação de direito, mas sobretudo de facto, demasiado pobre e meramente tabelar, sendo praticamente formal e meramente conclusiva, e , consequentemente, nada convincente em termos de adequação à justiça.
Não obstante, porque ainda que com as “qualidades” apontadas a decisão apelada não se resume ao mero excerto decisório, não se justificando dizer que não integra a mesma qualquer fundamentação de facto e de direito , e no seguimento do entendimento praticamente unânime da nossa jurisprudência no tocante à verificação do invocado vício de nulidade por falta - absoluta- de motivação, inevitável é a improcedência das conclusões ( B a F ) da apelação.
Ou seja, improcedem portanto as conclusões do apelante no tocante à invocada nulidade da decisão do Juiz a quo, nulidade que em rigor não existe.
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5. - Do objecto da apelação [ se in casu se impõe a revogação da decisão apelada e a sua substituição por outra que reconheça o direito do recorrente a uma importância de €4.000,00, a titulo de remuneração fixa , e , bem assim, à importância de €22.318,60, a título de remuneração variável, ou , a assim não se entender, se a remuneração fixa deve ser fixada sempre na importância de €2.000,00 ] .
Insurgindo-se o apelante contra a decisão identificada no item 2.2. da motivação de facto do presente Ac., aduz para tanto o recorrente que , em razão do disposto no nº2, do artº 23º do EAJ, é-lhe sempre devida - na qualidade de Administrador Judicial provisório - uma remuneração variável, sendo a mesma aferida pelo resultado da recuperação de créditos e sendo este determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
Por outra banda, e agora em face do n.º 1 do artigo 23.º do EAJ, considera ainda o recorrente que tem igualmente direito a ser remunerado pelos actos praticados, sendo que, in casu , justificava-se que a correspondente remuneração fixa tivesse sido fixada no valor de €4.000,00 , ou , no mínimo, em €2.000,00, e isto atendendo ao principio da equiparação entre o administrador judicial provisório e o administrador de insolvência, tal como decorre do n.º 1 do artigo 23.º do EAJ.
Vejamos.
Estando em causa nos presentes autos a tramitação de um processo especial de revitalização, razão porque foi o apelante nomeado como administrador judicial provisório nos termos do disposto no artº 17º-C, nº3, do CIRE, recorda-se que da referida disposição legal resulta que ao juiz do tribunal competente para declarar a insolvência do devedor e titular do processo compete proceder à nomeação - por despacho - do administrador judicial provisório, aplicando-se então à mesma o disposto nos artigos 32.º a 34.º, com as necessárias adaptações.
O administrador judicial, recorda-se também, é ,de acordo com o disposto no art.º 2.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro [ diploma já em vigor - cfr. respectivo artº 34º - aquando do inicio do processo especial de revitalização ora em análise ], a pessoa incumbida da fiscalização e orientação dos actos integrantes do processo especial de revitalização [ incumbindo-lhe v.g. o acompanhamento e fiscalização do processo de negociações tendente à aprovação do plano de recuperação ( cfr. artº 17º-D) , bem como a autorização prévia dos actos de especial relevo que o devedor pretenda praticar (cfr. artº 17º-E) , além de muitos outros de natureza meramente procedimental - cfr. v.g artº 17º-D,nº2 ] , bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo ainda competente para a realização de todos os actos que lhe são cometidos pelo competente e respectivo estatuto ( o aprovado pela referida Lei ) , e pela lei.
Ora, como o refere o artº 22º da Lei n.º 22/2013 [ diploma que estabelece o estatuto do administrador judicial, e doravante designado tão só por “EAJ” ], “ O administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas”.
A remuneração referida ( in casu a do administrador judicial provisório), importa precisar, e em razão da remissão do nº 3, alínea a), do artº 17º-C, do CIRE, para o artº 32º do mesmo diploma legal, “ (…) é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo Cofre Geral dos Tribunais na medida em que, sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta” ( cfr. nº 3, do artº 32º, do CIRE ) .
Dito isto, e incidindo de seguida a nossa atenção sobre o conteúdo das disposições legais aplicáveis e pertinentes que regem e definem o modo de cálculo da remuneração que ao administrador judicial provisório é devida, e estando o grosso das mesmas inseridas no “EAJ” (7), importa começar por atentar que, nos termos do nº 1, do artº 23º, deste último diploma, tem o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização o direito a ser remunerado pelos actos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia .
Mas, para além da referida remuneração ( a do nº 1, do artº 23º, do EAJ) , acrescenta logo de seguida o nº2, da mesma disposição legal, tem ainda o administrador judicial provisório o direito a auferir também uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor , e cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no número anterior.
Ou seja, em face do disposto nos nºs 1 e 2, ambos do artº 23º do EAJ, inquestionável e pacífico é, que com a aprovação do estatuto do administrador judicial (EAJ), têm os administradores judiciais provisórios e os administradores de insolvência nomeados pelo juiz direito a ser remunerados através de um valor fixo ( a do nº1), e , bem assim, de um valor variável e que acresce ao primeiro, sendo que a componente variável é então fixada em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, e cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no nº 1, do artº 23º, do EAJ ( cfr. nº2, do artº 23º ). (8) (9) (10)
Dito de uma outra forma (11), a remuneração que ao administrador judicial é devida é uma remuneração mista, “ constituída de uma parte fixa, o que permite maior certeza na remuneração, e de uma parte variável, calculada em função dos resultados da massa insolvente e assente num regime de prémios em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos e que constitui uma motivação para o bom exercício da actividade .”
Ainda tendo por objecto a componente variável da remuneração , rezam de seguida os nºs 3 ,4, 5 e 6, do artº 23º, do EAJ, que :
“(…)
3 - Para efeito do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização ou em processo de insolvência que envolva a apresentação de um plano de recuperação que venha a ser aprovado, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme tabela específica constante da portaria referida no n.º 1.
4 - Para efeitos do n.º 2, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com excepção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
5 - O valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos n.os 2 e 3 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos factores constantes da portaria referida no n.º 1.
6 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções.
Finalmente, e porque em sede de fixação das componentes remuneratórias, fixa e variável, remete ainda o legislador em sede de EAJ para montantes/valores fixados em Portaria do Governo, resta de seguida atentar no que a propósito de tal matéria e com interesse para os presentes autos e objecto recursório resulta da Portaria nº 51/2005, de 20 de Janeiro [ diploma que aprova o montante fixo de remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, bem como as tabelas relativas ao montante variável de tal remuneração, em função dos resultados obtidos ] .
Assim, e no tocante ao montante fixo da remuneração, diz-nos o artº 1º da aludida Portaria, que “ O valor da remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, nos termos do n.º 1 do artigo 20.° da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência, é de € 2000 “.
Já com referência à aferição da remuneração variável, e para efeitos do nº 3, do artº 23º do EAJ ( acima transcrito), constam da Portaria em análise duas Tabelas [ indicadas no respectivo artº 2º ( “ São aprovadas, em anexo à presente portaria, as tabelas que estabelecem a remuneração variável do administrador de insolvência, nos termos dos n.os 2 a 4 do artigo 20º da Lei nº 32/2004, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência ) que integram os ANEXOS I e II da Portaria ], sendo que ambas são alusivas especificamente e tão só [ o que decorre do disposto no artº 20º da revogada Lei nº 32/2004, de 22 Julho ] à remuneração variável do administrador da insolvência e a qual, por sua vez, é aferida em razão do resultado da liquidação da massa insolvente.
Ainda assim, e para exacta compreensão do respectivo alcance, reproduzem-se de seguida ambas as referidas Tabelas, sendo o seu teor o seguinte (sic) :
ANEXO I
Tabela a que se refere o nº 2 do artigo 20.° da Lei nº 32/2004, de 22 de Julho, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência.
Escalões Taxa base Taxa marginal
(em euros) (em percentagem) (em percentagem)
Até 15 000 . 7 7
De 15 000,01 até 50 000 . 5,5 5,95
De 50000,01 até 150000 . 3 3,983
De 150000,01 até 250 000 . 2,5 3,39
De 250 000,01 até 500 000 . 2 2,695
De 500000,01 até 1 000000 . 1,25 1,972 5
De 1 000000,01 até 2 000 000 . 0,5 1,236 3
De 2 000 000,01 até 5 000 000 . 0,45 0,674 5
De 5 000 000,01 até 7 500 000 ,. 0,3 0,529 7
Superior a 7 500 000 . 0,1
O resultado da liquidação da massa insolvente, tal como definido no n." 3 do artigo 20.° da Lei nº 32/2004, de 22 de Julho, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência, quando superior a € 15 000, é dividido em duas partes: uma, igual ao limite do maior dos escalões que nele couber, à qual se aplica a taxa marginal correspondente a esse escalão, outra, igual ao excedente, à qual se aplica a taxa base respeitante ao escalão imediatamente superior.
ANEXO II
Tabela a que se refere o nº 4 do artigo 20.° da Lei n.o 32/2004, de 22 de Julho, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência.
Percentagem dos créditos admitidos que foi satisfeita Factor aplicável
Até 5 ……………………………………………………. 1
De mais de 5 até 10……………………………………….. 1,05
De mais de 10 até 20 ……………………………………... 1,10
De mais de 20 até 30 …………………………………….. 1,20
De mais de 30 até 50 ………………………………………. 1,30
De mais de 50 até 70 …………………………………. … 1,40
Superior a 70 ……………………………………………. 1,60
Aqui chegados, e em razão de tudo o acabado de expor, lícito e seguro é para nós concluir e em primeiro lugar, que a remuneração que é devida ao administrador judicial provisório é aferida e calculada em função da aplicação, devidamente conjugada/articulada, de normativos que integram três diplomas legais , a saber, CIRE, o ESTATUTO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL e a PORTARIA nº 51/2005, de 20 de Janeiro .
E, em segundo lugar, compreendendo necessariamente a referida remuneração dois valores, um fixo e um outro variável, o primeiro mostra-se fixado em 2.000,00€ , e , o segundo , é concretizado em função da aplicação das taxas ( os do Anexo I ) e factores de majoração ( os do Anexo II ) que integram a Portaria nº 51/2005.
Não se olvida, como de resto já se deixou nota no presente Ac., que ambas as tabelas acima reproduzidas, tendo é certo por desiderato fixar o montante variável da remuneração do administrador judicial em função dos resultados obtidos ( cfr. introdução da própria Portaria) em processo, mostram-se porém “pensadas” para os “resultados” decorrentes da liquidação de uma massa insolvente, que não para os alcançados em sede de processo especial cujo escopo se dirige antes para a revitalização/ recuperação de devedor.
Em rigor, portanto, as tabelas da Portaria nº 51/2005 não serão prima facie as mais adequadas/apropriadas para proceder ao cálculo da remuneração do administrador judicial provisório e em função do resultado da recuperação do devedor, a que acresce que, de resto, quando aprovadas, ainda o processo especial de revitalização não havia ainda sido sequer “concebido” .
Sucede que, não podendo o legislador desconhecer a apontada - em tese -incoerência, e impondo-se ao intérprete presumir que consagrou ele a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados ( artº 8º, do CC), certo é que o artº 23º ( nºs 1 e 3 ), do EAJ, é expresso em aludir especificamente ao processo especial de revitalização, e ,bem assim, ao considerar que o resultado da recuperação é o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme tabela específica constante da portaria referida no n.º 1.
Depois, aceitando-se que as tabelas que integram os Anexos da Portaria nº 51/2005, não regulam especificamente os resultados obtidos no processo em função da recuperação do devedor, certo é que , dada a analogia das situações, não se descortina fundamento pertinente que impeça a sua aplicação [ nos termos do artº 10º,nºs 1 e 2, do CC, e por existir similitude dos interesses em jogo, e caso se considere estar-se ainda a aguardar que o legislador procede à publicação de tabela específica ] no âmbito do cálculo da remuneração variável que ao administrador judicial provisório é devida em PER no qual tenha desempenhado funções.
Ou seja, caso se considere não existir regulação legal própria/específica em sede de Portaria aprovada, tal não determina - S.M.J - , inevitavelmente, a não fixação/atribuição da remuneração variável que ao administrador judicial provisório nomeado em PER é devida, antes se justificará, face a uma eventual lacuna de previsão, o recurso às tabelas da Portaria nº 51/2005 , e por valerem na situação em causa as razões justificativas da concreta regulação normativa da apontada Portaria ( cfr. artº 10º, do CC ) .
Isto dito, e porque ao invés do que sucede v.g. com a remuneração que é devida ao administrador judicial provisório nomeado nos termos do artº 31º,nº2, do CIRE [ como medida cautelar e com poderes exclusivos para a administração do património do devedor, ou para assistir o devedor nessa administração, sendo que a respectiva remuneração - cfr. artºs 25º, nº 2 e 27º, do EAJ, conjugados - é fixada pelo juiz em função do volume de negócios do estabelecimento, à prática de remunerações seguida na empresa, ao número de trabalhadores e à dificuldade das funções compreendidas na gestão do estabelecimento - cfr. artº 32º,nº3, do CIRE ], as remunerações do administrador judicial provisório nomeado em processo especial de revitalização ou em processo de insolvência que envolva a apresentação de um plano de recuperação, são fixadas com base em critérios matemáticos e/ou rígidos, na forma de indexantes a valores que são, eles próprios, determinados em termos incontroversos no processo (12), o que tudo retira ao juiz a autonomia e qualquer margem de liberdade para os fixar com base em critérios casuísticos, aqui chegados, resta assim e em última análise “ fazer as contas “ .
Assim, em razão de tudo o supra exposto, ao apelante é devida a seguinte remuneração :
I) Remuneração fixa ( cfr. artº 1º,nº1, da Portaria nº 51/2005, de 20 de Janeiro ) : €2.000,00.
II ) Remuneração Variável:
a) Resultado da recuperação do devedor correspondente ao valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano = a 688.236,07€ ;
b) Taxas constantes do anexo I da Portaria 51/2005, de 20/1, a considerar:
- ao montante de 500.000€ aplica-se uma taxa marginal de 2,695% : 13.475,00€;
- ao remanescente de 188.236,07€ , aplica-se uma taxa base de 1,25% (a taxa base respeitante ao escalão ime¬diatamente superior ) : 2.352,95€;
TOTAL = 15.827,95 €
III) Considerando o valor total de créditos admitidos (€1.113.885,03) e o montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano de recuperação conducente à revitalização da devedora (não inferior a 688.236,07€ ), temos assim que a taxa de majoração aplicável, ao abrigo do anexo II da Portaria 51/2005, de 20/1, é de 1,4 ( 61,78% ) .
IV )- Em conclusão :
- A remuneração variável a fixar ao Administrador judicial provisório é á de 22 .159,13€ ( 15.827,95 € X 1,4) .
Por outra banda, a remuneração total ( integrando as parcelas fixa e variável ) que ao Administrador judicial provisório é devida em razão da aplicação das pertinentes disposições legais vigentes e aplicáveis, é a de 24.159,13€ ( 15.827,95 € X 1,4 + 2.000,00€ ) .
Ora, porque no “desenho do PER, o administrador judicial provisório é o sujeito de quem o desenrolar do processo mais depende, a seguir aos credores “ (13) ,a que acresce que in casu não se justifica a intervenção do juiz titular do processo ( porque não excede o montante de (euro) 50 000€ ) a ponto de diminuir o valor a que se chega por aplicação dos critérios legais [ nos termos do nº6, do artº 23º, do “EAJ” ] , a remuneração que ao apelante é devida não pode deixar de corresponder ao quantum referido.
Em suma, tem portanto o recorrente, em parte, razão quanto à apelação interposta, a qual procede parcialmente.
*.
6.- Sumário ( Cfr. nº7, do Artº 663º, do CPC )
I- A remuneração que é devida ao administrador judicial provisório nomeado em PER é aferida e calculada em função da aplicação, devidamente conjugada/articulada, de normativos que integram três diplomas legais , a saber, o CIRE, o ESTATUTO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL e a PORTARIA nº 51/2005, de 20 de Janeiro .
II - A remuneração indicada em I , compreende necessariamente dois valores, um fixo e um outro variável, sendo que o primeiro mostra-se fixado em 2.000,00€ , e , o segundo , é concretizado em função da aplicação das taxas ( os do Anexo I ) e factores de majoração ( os do Anexo II ) que integram a Portaria nº 51/2005, de 20 de Janeiro.
III - Aceitando-se que as tabelas que integram ambos os Anexos da Portaria nº 51/2005 , não regulam especificamente os resultados obtidos no PER em função da recuperação do devedor, certo é que , dada a analogia das situações, não se descortina fundamento pertinente que impeça a sua aplicação no âmbito do cálculo da remuneração variável que ao administrador judicial provisório é devida em PER no qual tenha desempenhado funções.
*
7 - Decisão.
Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães , em :
7.1. - Concedendo parcial provimento à apelação interposta, alterar a decisão recorrida, fixando-se no valor total de € 24.159,13€ a remuneração ( fixa e variável ) que ao recorrente é devida pelo desempenho do cargo de Administrador judicial provisório .
Custas pelo apelante e pela apelada, e na proporção, respectivamente, de 10% e de 90 % .
***
(1) In Comentário ao Código de Processo Civil, 1945, Volume 2º, págs. 172 e segs. ).
(2) In Comentário ao Código de Processo Civil, 1945, Volume 2º, pág. 172 .
(3) Ibidem , pág. 172.
(4) Cfr., de entre muitos outros, os Acs. do STJ de 5/5/2005 e de 21/12/2005, ambos in www.dgsi.pt.
(5) Cfr. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, 1984, anotado, Volume V, pág. 140.
(6) in Código de Processo Civil, 1984, anotado, Volume V, pág. 140.
(7) Publicado no DIARIO DA REPUBLICA - 1.ª SERIE, Nº 40, de 2013-02-26, Páginas 1126 a 1133, tendo o respectivo diploma entrado em vigor a 2013-03-28 - 30 dias após a data da sua publicação , cfr. artº 34º - e revogado a Lei nº 32/2004, de 22 de Julho, alterada pela Lei n.º 34/2009, de 14 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.º 282/2007, de 7 de Agosto .
(8) Cfr. Luís A.Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 2ª Edição, QUID JURIS , 2013.
(9) Cfr. ainda os Acs. do Tribunal da Relação , do Porto ( de 3/7/2014 - Proc. nº 1703/12,2TBPRD-G.P1 ) e de Coimbra ( de 5/3/2013 - Proc. nº 1721/12.0TBACB-A.C1) , ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
(10) Cfr. Luís M. Martins, in Processo de Insolvência, 2014, 3ª Edição, Almedina, Pág. 228
(11) Cfr. Catarina Serra, O Regime Português da Insolvência , 2012 , 5ª Edição, Almedina, pág. 50.
(12) Cfr. bem se nota no acima indicado Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 3/7/2014.
(13) Cfr. Catarina Serra, ibidem , pág. 50.
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Guimarães, 24/11/2014
António Santos
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte