Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2163/17.7T8VCT.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
PASSIVO SOCIAL NÃO SATISFEITO
RESPONSABILIDADE DOS ANTIGOS SÓCIOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/29/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O regime geral dos contratos – designadamente as regras atinentes à falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor, entre elas as dos arts. 798º, 801º, 804º e 808º do Cód. Civil – é aplicável ao contrato-promessa de compra e venda, tendo este, no entanto, um regime específico ao nível das sanções aplicáveis ao não cumprimento do contrato, quando tenha havido lugar à constituição de sinal.
II- A mora apenas legitima a resolução quando convertida em incumprimento definitivo por uma das duas vias previstas no art. 808º, n.º 1, do CC: a) pela perda objetiva de interesse do credor na prestação ou b) pelo recurso à interpelação admonitória, com a fixação de prazo razoável, apenas dispensável se houver uma recusa antecipada do devedor em cumprir.
III- Essa interpelação admonitória – que pressupõe que o credor tenha ainda qualquer interesse no cumprimento – deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo perentório, e preciso, para o cumprimento; c) a admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida, caso não seja cumprida dentro daquele prazo suplementar.
IV- Provando-se que aquando da dissolução de uma sociedade comercial por quotas foi declarado que não havia qualquer património da mesma, nem ativo nem passivo e vindo-se a provar que a sociedade tinha dívidas não satisfeitas e que se procedeu a partilhas do património da sociedade, são os respetivos sócios responsáveis pelas dívidas da sociedade, nos termos do art. 163º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.
V- Os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante que receberam na partilha.
VI- Demonstrando os credores que na partilha, na sequência da dissolução da sociedade, os sócios fizeram seus bens da sociedade, caberá aos sócios, caso pretendam ser condenados a pagar menos do que o valor do crédito, o ónus da prova da insuficiência desses bens para a satisfação total dos créditos.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

B. P. e mulher P. P. e F. S. e mulher D. P. intentaram no Juízo Local Cível de Arco de Valdevez do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra P. D., T. B. e H. C., pedindo, com fundamento no incumprimento de um contrato promessa de compra e venda que dizem ter celebrado com a sociedade P. D. e Filhos, Lda., entretanto extinta, que:
A) se reconheça e declare a validade e eficácia da resolução do contrato promessa de compra e venda em causa, por parte dos Autores, bem como o direito destes a receber o pagamento do sinal que pagaram, em dobro, e o valor dos electrodomésticos que ficaram instalados no imóvel, no valor global de € 31.687,00.
B) se condenem os Réus P. D., T. B. e H. C., enquanto sócios beneficiários da partilha posterior à dissolução da sociedade P. D. e Filho, Lda., no pagamento aos Autores da quantia global de € 31.687,00, decorrente dos prejuízos sofridos por estes, valor acrescido de juros moratórios legais contados da data da citação;
C) ou, caso assim se não entenda, se condenem os Réus P. D. e T. B., pessoal e solidariamente, enquanto gerentes da sociedade, no pagamento aos Autores da quantia global de € 31.687,00, decorrente dos prejuízos sofridos por estes, nos termos melhor descritos anteriormente, valor acrescido de juros moratórios legais contados da data da citação, 1. Ao abrigo do disposto nos arts. 64.º, n.º 1, al. B), e 78.º, n.º 1, ambos do Código das Sociedades Comerciais, ou se assim se não entender, 2. Ao abrigo do disposto nos arts. 79.º do CSC e, designadamente, 762.º, n.º 2, do Código Civil;
D) se condenem todos os Réus, pessoal e solidariamente, no pagamento aos Autores da quantia global de € 31.687,00, decorrente dos prejuízos sofridos por estes, nos termos melhor descritos anteriormente, através da desconsideração da personalidade colectiva da sociedade P. D. e Filho, Lda.

Citada, contestaram os Réus, na qual excepcionaram a prescrição e a sua ilegitimidade passiva, impugnando parte dos factos alegados na petição inicial e deduziram reconvenção pedindo a condenação dos Autores a pagar-lhe a quantia de € 4.150,00 a título de indemnização pelos prejuízos causados, bem como na perda de todas as quantias entregues aos Réus a título de sinal. Mais pediram a condenação dos Autores como litigantes de má-fé.
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Realizou-se audiência prévia, conforme acta de 24 de Outubro de 2018, na qual se admitiu liminarmente o pedido reconvencional e elaborou despacho saneador, tendo sido indeferidas as excepções de ilegitimidade passiva e de prescrição; foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os meios de prova.
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Procedeu-se a audiência de julgamento.
*
Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença, nos termos da qual decidiu julgar a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção e, em consequência:
- Reconheceu a validade da resolução do contrato-promessa identificado nos autos, por parte dos Autores;
- Condenou os Réus P. D., T. B. e H. C., solidariamente, a pagar aos Autores B. P., P. P., F. S. e D. P. a quantia de € 31.687,00 (trinta e um mil, seiscentos e oitenta e sete euros), a título de restituição do sinal em dobro e compensação pelos prejuízos causados, a que acrescem juros, contados desde a citação e até integral pagamento, à taxa supletiva legal de 4%.
- Absolveu os Autores/Reconvindos do pedido reconvencional.
- Absolveu os Autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
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Inconformados, os Réus P. D., T. B. e H. C. interpuseram recurso da sentença e, a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«A
Com o presente recurso visam os Réus que este Tribunal da Relação de Guimarães reaprecie a prova documental junta aos autos e a prova produzida em julgamento e, em consequência, decida o seguinte: A - Quem procedeu validamente à resolução do contrato-promessa (Autores ou sociedade detida e/ou gerida pelos Réus, entretanto extinta) e quais as respectivas consequências.
B
No ponto 12 dos factos dados como provados ficou claro que o contrato promessa foi mediado pela imobiliária E. D. Mediação imobiliária, Lda., firma cujo escopo visa obviamente o lucro e que pelo seu trabalho de mediação recebeu dos Réus os valores peticionados na reconvenção. Tal facto provado é contrário ao que foi dado como não provado no ponto G da Sentença proferida - G. Que os Réus tenham pago € 4.150,00 à mediadora E. D. Mediação Imobiliária, Lda. (artigos 76º e 77º da contestação/reconvenção).
B - Deve tal facto ser alterado no sentido de ser dado como provado que - Que os Réus pagaram € 4.150,00 à mediadora E. D. Mediação Imobiliária, Lda.
C
Como muito bem refere a Sentença recorrida, os Autores intentaram a presenta acção contra os três Réus peticionando o seguinte
A) Que reconheça e declare a validade e eficácia da resolução do contrato promessa de compra e venda em causa, por parte dos Autores, bem como o direito destes a receber o pagamento do sinal que pagaram, em dobro, e o valor dos electrodomésticos que ficaram instalados no imóvel, no valor global de € 31.687,00.
B) se condenem os Réus P. D., T. B. e H. C., enquanto sócios beneficiários da partilha posterior à dissolução da sociedade P. D. e Filho, Lda., no pagamento aos Autores da quantia global de € 31.687,00, decorrente dos prejuízos sofridos por estes, valor acrescido de juros moratórios legais contados da data da citação;
C) ou, caso assim se não entenda, se condenem os Réus P. D. e T. B., pessoal e solidariamente, enquanto gerentes da sociedade, no pagamento aos Autores da quantia global de € 31.687,00, decorrente dos prejuízos sofridos por estes, nos termos melhor descritos anteriormente, valor acrescido de juros moratórios legais contados da data da citação, 1. Ao abrigo do disposto nos arts. 64.º, n.º 1, al. B), e 78.º, n.º 1, ambos do Código das Sociedades Comerciais, ou se assim se não entender, 2. Ao abrigo do disposto nos arts. 79.º do CSC e, designadamente, 762.º, n.º 2, do Código Civil;
D) se condenem todos os Réus, pessoal e solidariamente, no pagamento aos Autores da quantia global de € 31.687,00, decorrente dos prejuízos sofridos por estes, nos termos melhor descritos anteriormente, através da desconsideração da personalidade colectiva da sociedade P. D. e Filho, Lda.
D
Os Réus contestaram excepcionando com a prescrição e com a sua ilegitimidade passiva, impugnando os factos alegados na petição inicial e deduziram reconvenção pedindo a condenação dos Autores a pagar-lhe a quantia de € 4.150,00 a título de indemnização pelos custos com a imobiliária, bem como na perda de todas as quantias entregues aos Réus a título de sinal. Mais pediram a condenação dos Autores como litigantes de má-fé.
E
Realizada a audiência prévia, o pedido reconvencional foi admitido liminarmente e proferido despacho saneador, que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade passiva e de prescrição e identificou o objecto do litígio e os temas da prova. Realizado o julgamento final foram apurados os factos provados e não provados acima melhor descritos.
F
Resulta da Sentença e da prova produzida em julgamento que os Autores acompanharam a obra, e sobre o seu andamento e legalização tiveram sempre toda a informação do Réu P. D. e estiveram sempre ao corrente da situação. Note-se que são os próprios Autores que dizem ter sido sempre informados do estado do processo em relação ao licenciamento junto da Câmara Municipal e … como ficou provado no ponto 27 e 28 dos factos provados que acima se transcreveram. Tais factos provam que o que se alega em 37 dos factos provados não é verdadeiro e assim não deveria ter sido dado como provado.
G
Contradição entre o que se prova nos factos 27 e 28 e o que se dá como provado em 37, porquanto o facto 28 é uma confissão irretractável dos Autores e o que o Tribunal conclui em 37 não passa justamente de uma conclusão que sendo falível é errada.
H
Com efeito os Autores sempre acompanharam a construção e edificação da casa, no mesmo lugar que lhes foi mostrado antes da assinatura do contrato de compra e venda pela empresa imobiliária. Sempre tiveram liberdade para indagar junto da CM... sobre o andamento do processo administrativo, tanto é que até na fase final da construção levaram em Junho de 2011 os diversos electrodomésticos para ali colocarem. Conclui-se assim que os Autores sempre acompanharam o processo e a obra e bem sabiam da possibilidade da realização da escritura pública o que não outorgaram por evidentes dificuldades económicas.
I
Aqui chegados, importa fazer a distinção entre a licença de construção e a licença de utilização necessárias para a obra e o caso concreto que se discute nos autos. Na verdade, quando se trata de iniciar uma obra nova, se entrado o pedido da licença de construção e iniciada a obra sem licença já emitida, tal facto acarreta contra o infractor a contra-ordenação com a obrigatoriedade de proceder à instrução do processo administrativo tendente à legalização. Podendo nesse caso em abstracto ser ordenada a demolição da construção nova. Coisa distinta, como de resto é o caso do imóvel em causa nos autos, é a reconstrução de uma dependência com construção pré-existente ali edificada há mais de 70 anos como foi o caso da casa em ruinas visitada pelos Autores.
J
Reconstrução que beneficia de um regime legal e de legalização diferente do de uma construção de obra nova. Nesse sentido, como se refere na Sentença e consta dos autos, a CM... emitiu certidão, datada de 26/08/2011, na qual atesta tratar-se de edificação construída há mais de 70 anos, não sujeita a licença de utilização; certifica que está a decorrer um processo de contra-ordenação em nome de P. D., relativo a realização de uma operação urbanística sem o respectivo licenciamento ou admissão de comunicação prévia (fls. 24v.º);
K
Claro se torna, que se autorizada a utilização definitiva do imóvel pela CM..., conforme documento 11, sem prejuízo da conclusão do processo de licenciamento, puramente formal, esta jamais poderá proceder à sua demolição sem ter que indemnizar o proprietário pelos danos causados, e só após processo judicial adequado. Tal situação extrai-se do depoimento da testemunha I. M. funcionária da CM... que emitiu a certidão referida e junta como documento 11 com a Contestação que a seguir se transcreve e que desconhece em absoluto qualquer demolição de uma moradia naquela zona e naquelas condições.
L
No mesmo sentido, da situação de reconstrução de ruina de uma antiga habitação com mais de 70 anos, como era o caso da habitação em causa nos autos é o depoimento da testemunha M. A. que no seu depoimento Ou seja, diz a testemunha, antigo responsável junto da CM..., que a mera contra-ordenação é desencadeada pelo início da reconstrução ainda na fase inicial e após o pedido sem conclusão da emissão de licença para construir. Afirma esta testemunha que a CM... jamais devolveu uma reconstrução de uma preexistência com mais de 70 anos como é o caso da obra em causa. Mais afirma que a reconstrução da habitação em causa não precisava de licença.
M
Assim, conclui-se que tendo entrado o procedimento para requerimento da reconstrução de uma pré-existência no imóvel e emitida a licença de utilização (independentemente das contra-ordenações) o requerente comprador pode utilizar e habitar a casa e o imóvel. Pode utilizar e ocupar de pessoas e bens o imóvel, podendo realizar a escritura pública sem que a CM... possa demolir a obra sem o decurso de um processo judicial adequado e devidamente fundamentado que se sobreponha ao valor jurídico constante da licença de utilização fornecida que cria direitos ao beneficiário.
N
De resto, foi efectuada a escritura pública de venda conforme foi comprovado pelo Tribunal e consta da Sentença no nº 40 dos factos provados que diz o seguinte:
40) Por título de compra e venda, efectuado no Balcão Casa ... da Conservatória do Registo Predial ..., datado de 17 de Janeiro de 2012, junto a fls. 34/36, que aqui se dá por reproduzido, a sociedade P. D. & Filho, Lda., representada pelo gerente P. D., declarou vender à sociedade Composição X, Lda., representada pela gerente T. B., o prédio misto, destinado a habitação e pastagem, sito em ..., lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Arcos de Valdevez, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ... da freguesia de ... e inscrito na matriz sob os artigos ...º urbano e ...º rústico, pelo preço de € 65.000,00, “que já recebeu”. (artigos 55º e 56º da petição inicial).
O
Em tal acto, com fé pública e perante notário, os intervenientes apresentaram os documentos autênticos, verdadeiros e necessários para tal escritura – entre eles a indispensável licença de utilização emitida pela CM... documento exigido pela banca na concessão de crédito. Em conclusão, para realização da escritura pública a favor dos Autores bastaria apenas que estes se apresentassem nos dias e horas agendadas no cartório notarial que lhes foi tempestivamente indicado.
P
Vimos de alegar acima e constata-se do facto 27 e 28 dado como provado que os Autores tinham conhecimento do andamento dos trabalhos e da sua conclusão para breve, porquanto até ali colocaram os electrodomésticos em 19/06/2011 para colocação e finalização da obra. Dos documentos juntos aos autos constata-se que só a poucas semanas da escritura é que os Autores iniciaram a tentativa de concretização do eventual empréstimo contactando o banco. Q
Empréstimo que aprovado não necessitava de qualquer licença de construção ou de reconstrução mas apenas da licença de utilização para realização da escritura.
O que se passou efectivamente foi um desinteresse entre os Autores – provavelmente desavindos ou desinteressados – que os fizeram “procurar” argumentos e “engendrar” desculpas na formalidade de um processo administrativo (que té se poderia concretizar após a escritura se necessário) que os levou a evitar a escritura e não comparecer nos dias e horas marcadas.
R
Os Autores sempre alegaram na sua petição inicial e em juízo que queriam uma casa naquele local para laser e descanso longe do rebuliço da cidade, mas ao contrario, sinal da divisão, desinteresse e da desunião entre os Autores que os levou a abortar o projecto com todos os inconvenientes e prejuízos para os Réus é o que refere ao minuto 00:36:00 da gravação, o depoente/Autor F. S. quando diz que ele tem interesse mas que desconhece o interesse do outro socio e Autor B. P.. Tornando-se claro e evidente que os Autores estavam e estão pelo menos discordantes em avançar com um projecto em comum e a quatro.
S
Em resumo, os Autores não apareceram na escritura pública, (mesmo que eventualmente tivessem alguma pré-aprovação de crédito à habitação, nessa fase concedido por todos os bancos) porque provavelmente desavindos entre si (seriam 4 proprietários/Autores) não quiseram outorgar a escritura pública definitiva de compra e venda.
T
Da leitura dos factos dados como provados resultam evidentes algumas contradições e menorização da sua prova que a ser considerados e alterados, levariam a uma decisão diversa da proferida pela Meritíssima Juiz a nosso ver, salvo o devido respeito, errada.
Na verdade, quem resolveu o contrato, na forma legal e regular com fundamento no incumprimento dos Autores foram os Réus que agendaram escritura publica de transmissão do imóvel, não uma mas duas vezes sem que os compradores tenham comparecido no dia e hora da escritura formalmente informados por comunicação registada.
U
Mas mesmo que discordassem do processo que conduziu à escritura pública apareciam e ali requeriam declaração bastante ao senhor Notário que fundamentasse o seu desacordo com os Réus. Mas jamais apareceram.
Importa reter que antes de ser agendada a escritura pública pelos Réus os Autores jamais notificaram aqueles por qualquer meio do seu desagrado e desconfiança. Os Autores jamais se importaram de notificar formalmente e por escrito os Réus denunciando o contrato de compra e venda por incumprimento destes.
V
Dúvidas não restam do grande interesse dos Réus em realizar e concretizar a escritura do contrato prometido até porque pretendiam receber o remanescente do preço. No mesmo sentido o interesse do Réu P. D., único responsável que sempre contactou e contratou com os Autores a construção da habitação, que sempre os informou e foi avisando da necessidade e da urgência em celebrar a escritura pública do contrato prometido.
W
Sabem os Autores como todos os portugueses que em 2011, e também o Tribunal, em plena crise na economia nacional e mundial, com a queda do governo de então em Julho de 2011 se iniciou um calvário na atribuição de crédito à habitação num país à beira da bancarrota.
X
O Réu enviou aos Autores o último documento necessário e suficiente (os outros já os Autores tinham na sua posse) para a realização da escritura pública de venda como ficou provado no ponto 120 dos factos dados como provados.
Y
Ao que se dizem, alertados, os Autores iniciaram um processo de recolha de informação sobre o estado da obra e do seu licenciamento tomando diversas iniciativas pessoais junto de diversas instituições como a RAN e a CM.... Informações bastantes para que se estivessem preocupados os Autores tomassem a iniciativa da resolução do contrato de compra e venda celebrado com os Réus, mas não o fizeram.
Z
Já se disse acima que os Autores nunca tomaram qualquer iniciativa nem comunicaram por escrito fosse o que fosse aos Réus (não existem documentos nem comunicações escritas dirigidas aos Réus antes da marcação da primeira data da escritura). Os Autores não invocaram qualquer falta de documento mesmo quando meses antes receberam os documentos que lhes foram enviados como ficou provado pelo ponto 40.
AA
Não invocaram qualquer facto ou condição resolutiva antes de receberem em 23/02/2012 a notificação formal dos Autores para comparecerem na escritura pública para outorga do contrato prometido com indicação do dia, hora e cartório notarial, dois meses depois de tomaram conhecimento das alegadas dificuldades e da alegada preocupação demonstrada nos pontos 21 a 30 dos factos provados e acima transcritos, retirados da Sentença controvertida proferida pelo Tribunal à Quo. Importa dizer que quer a Autoridade Tributaria, ao emitir os documentos de liquidação de impostos quer a Conservatória do Registo Predial ... ao marcar a escritura, comprovam a legalidade formal, sem necessidade dos alegados documentos que os Autores andaram a solicitar em todas as instancias, diga-se, sem qualquer legitimidade ou interesse que não tentar ocultar a sua própria impossibilidade de cumprir o contrato. Provavelmente ocultando a essas instâncias que não se tratava de uma construção nova de raiz, mas de uma reconstrução de uma casa antiga de mais de 70 anos em ruinas.
BB
Mas de mais importante e de crucial para o que se decide nos presentes autos é o facto de na sua comunicação os Réus terem efectuado uma notificação admonitória clara e objectiva na qual os Autores foram intimados para assinarem a escritura pública, no prazo peremptório mas razoável 15 dias, com a objectiva e transparente cominação final de que a obrigação se teria como definitivamente incumprida e resolvido o contrato com a perda do sinal para os Réus.
CC
Os Autores faltaram à escritura como consta do facto 33 dos factos provados, colocando-se assim na posição de incumpridores facto que não foi tido em conta pelo Tribunal à quo na sua apreciação dos factos. Dias depois, em 06/03/2012, conforme consta do facto 32 dos factos dados como provados, remeteram à sociedade dos Réus uma comunicação na qual justificavam a não outorga da escritura na eventual falta de documentos e legalização da obra. A sociedade dos Réus respondeu explicando aos Autores que para realização da escritura pública de compra e venda estavam reunidos todos os documento necessários e que de novo agendava a escritura para o dia 16/03/2012 como consta do facto 34 dos factos dados como provados. Os Autores responderam a esta comunicação em 15/03/2012, faltando de novo à escritura.
DD
A sociedade dos Réus procedeu dias à escritura pública de venda do imóvel, justamente realizada com os mesmos documentos disponíveis para os Autores. Importa referir qua a escritura pública de compra e venda realizada pela sociedade dos Réus para uma empresa igualmente destes em 17/01/2012 como consta do facto 34 dos factos dados como provados, insere-se numa restruturação das empresas dos Réus, com encerramento e liquidação da vendedora.
EE
Mas mesmo depois de tal restruturação e da realização dessa escritura para outra empresa, os Réus mantiveram a sua determinação em realizar a escritura para os Autores a quem notificaram por telefone diversas vezes e formalmente por escrito como se referiu em 23/02/2012 e em 08/03/2012. Na verdade, assente nos factos apurados pelo Tribunal à quo e constante dos documentos juntos aos autos, quem incumpriu definitiva e irreparavelmente o contrato de compra e venda foram os Autores. Tal incumprimento, nos termos do disposto no artigo 442º nº 2 do Código Civil, tem como consequência a perda definitiva dos valores entregues titulo de sinal pelos Autores a favor dos Réus
FF
Face ao que vem de se alegar, deve este Tribunal da Relação de Guimarães revogar a Sentença proferida e decidir que foram os Réus - Quem procedeu validamente à resolução do contrato-promessa com as legais consequências.
GG
Consta dos pontos 11, 12 e 13 do contrato assinado entre a sociedade “P. D. & Filho Lda.” e os Autores que as partes contraentes pagariam à mediadora “E. D. Mediação Imobiliária, Lda.” a quantia relativa à percentagem acordada. Percentagem acordada na percentagem de 5% acrescido de IVA, tudo no montante de € 4.150,00 euros que a sociedade dos Réus pagou com a assinatura do contrato.
HH
Contudo, foi dado como não provado - Que os Réus tenham pago € 4.150,00 à mediadora E. D. Mediação Imobiliária, Lda. (artigos 76º e 77º da contestação/reconvenção)
Estranha-se que o Tribunal menorize e despreze tal contacto com a imobiliária, confessado em Juízo pelo Autor B. P. quando diz que contactaram uma imobiliária que lhe mostrou uma casa em ruinas no ... sendo que as imobiliárias trabalha de forma onerosa e não graciosa recebendo sempre na assinatura do contrato como receberam, pelo que o pagamento deveria ter sido dado como provado.
II
Assim, deve tal facto ser alterado no sentido de ser dado como provado que - Que os Réus pagaram € 4.150,00 à mediadora E. D. Mediação Imobiliária, Lda., e em consequência ser a reconvenção julgada procedente por provada com as legais consequências.
JJ
A não ser sufragado o entendimento dos Autores quanto à efectiva resolução do contrato promessa, o que só por mera cautela de patrocínio se concebe, tendo em conta alguma eventual dúvida sobre quem operou definitivamente a resolução do contrato promessa (que para os Réus foram os Autores) gerada pelo comportamento dos Autores e dos Réus, descrito pelo Tribunal nos factos dados como provados, importaria que este Tribunal da Relação de Guimarães proferisse decisão mais equitativa e justa que não a condenação proferida pelo Tribunal à quo.
LL
Lembremos que os Autores intentaram a presente acção muitos anos depois e à beira da prescrição – de resto invocada e decidida improcedente – num comportamento de desinteresse evidente e pouco consentâneo com a administração eficaz e célere da justiça no exercício dos seus direitos. Desde logo, importa referir, o que também consta dos autos, que em 5 anos os Autores apenas pediram aos Réus a devolução dos electrodomésticos. Em 5 anos jamais os Autores peticionaram a devolução do sinal prestado em dobro convencidos que estavam da falta de justa causa para reclamar tal pagamento.
MM
Desde que faltaram duas vezes à escritura em Março de 2012 que os Autores sentiam sobre si a responsabilidade pela resolução contratual operada pelos Réus com fundamento legal e objectivo. Na verdade, segundo critérios de justiça e equidade, a improceder o pedido formulado pelos Réus neste seu recurso, deve a Sentença ser revogada e procedente a alteração da decisão que entenda justa a devolução do sinal prestado pelos Autores apenas e só no montante de € 15.000,00 euros acrescido do valor dos electrodomésticos.
NN
Face ao exposto, a improceder o pedido formulado no ponto A e B do objecto do presente recurso, deve a Sentença ser revogada e procedente a alteração da decisão que entenda justa a devolução do sinal prestado pelos Autores, apenas e só no montante de € 15.000,00 euros, acrescido do valor dos electrodomésticos (€ 1.687,21) tudo no valor total de € 16.687,21 euros, sem juros.
OO
Por mera cautela de patrocínio e sem prescindir das alterações requeridas nos pontos A e B do objecto do presente recurso com a consequente revogação da Sentença, tendo em conta o poder soberano deste alto Tribunal da Relação de Guimarães bem como a possibilidade de ser outro o entendimento sufragado pelos Venerandos Desembargadores que decidam não proceder à alteração da Sentença nos moldes peticionados, perante essa eventual improcedência e se também não for atendido o pedido anterior da devolução singela dos valores entregues a titulo de sinal, deve este Venerando Tribunal da relação de Guimarães atender e decidir o seguinte pedido: Que o facto provado em 44 tenha a seguinte redacção: 44) Os sócios receberam na partilha apenas o capital próprio da sociedade liquidada P. D. e Filho, Lda. no montante de € 18.634,24.
PP
Na verdade, nos termos do disposto no artigo 163º do Código das Sociedades Comerciais, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
QQ
O fundamento da solução legalmente consagrada no artigo 163º do CSC radica numa ideia de sucessão na titularidade da relação jurídica, embora de âmbito limitado pela extensão do direito de cada sócio relativamente ao antigo património social.
RR
Ora dos documentos juntos aos autos, como constata o Tribunal e a Meritíssima Juiz apresenta na motivação expendida, os Réus apenas poderiam receber no máximo, a quantia de € 18.634,24 euros.
- (”. prestação de contas de 2012 da P. D. & Filho, Lda. (fls. 165v.º/180): total de capital próprio € 18.634,24; passivo € 0,00.”).
SS
Face ao exposto, perante a improcedência do recurso quanto aos pontos A e C, e se também não for atendido o pedido anterior da devolução singela dos valores entregues a titulo de sinal, deve ser alterado e dado como provado o facto 44 nos moldes peticionados e em consequência deve a Sentença ser revogada e substituída por outra que decida que os Réus apenas são responsáveis pelo pagamento da quantia de € 18.634,24 euros, sem juros.
TT
Em face do que vem de se alegar deve o presente recurso de Apelação ser julgado procedente com as legais consequências.
UU
A douta Sentença recorrida violou o disposto nos artigos artigo 442º do Código Civil; e artigo 163º do Código das Sociedades Comerciais.

Nestes termos, no mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, alterando a matéria de facto, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão em conformidade com a fundamentação e as conclusões contidas nestas alegações.
Assim se Fazendo Justiça».
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Contra-alegaram os autores, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

No caso, apresentam-se as seguintes questões a decidir:

i) - Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
ii) - Da (i)licitude da resolução do contrato-promessa operada pelos promitentes compradores e suas consequências.
iii) - Da devolução em singelo dos valores entregues a título de sinal.
iv) - Dos pressupostos de responsabilização dos antigos sócios da sociedade extinta pelo passivo superveniente.
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III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto.

- A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1) Em meados de 2009, os Autores tiveram conhecimento de que estaria à venda um terreno, com habitação para reconstruir, em Arcos de Valdevez, em local calmo e distante do reboliço da cidade. (artigo 1º da petição inicial).
2) O que cumpria o seu desejo de adquirirem uma casa de férias. (artigo 2º da petição inicial, restritivamente).
3) Com data de 13/06/2009, os aqui Autores e a Ré T. B. na qualidade de “sócia gestora e legal representante” da sociedade comercial por quotas denominada P. D. & Filho, Ld.ª, NIPC ........., subscreveram um documento particular designado por “contrato promessa de compra e venda”, junto aos autos a fls. 22/24, que aqui se dá por reproduzido. (artigo 3º da petição inicial).
4) Consta da cláusula 1. do referido documento que a sociedade P. D. & Filho, Ld.ª é proprietária do prédio rústico composto por pastagem, com área de 1140 m2 e uma dependência agrícola com a área de 70 m2, sito em ..., ..., freguesia de ..., concelho de Arcos de Valdevez, que confronta a Norte com a Junta de Freguesia, a Sul, Nascente e Poente com caminho, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ....
5) Consta da cláusula 2. do referido documento que, pelo preço de € 15.000,00 (quinze mil euros), a sociedade P. D. & Filho, Ld.ª promete vender, livre de quaisquer ónus e encargos, aos aqui Autores, que o prometem comprar, em regime de compropriedade, o prédio identificado na cláusula anterior. (artigos 4º a 6º da petição inicial).
6) Conforme a cláusula 3. do mesmo documento, os aqui Autores entregaram naquela data, a título de sinal e princípio de pagamento, à Ré T. B., a importância de € 15.000,00 (quinze mil euros), do que foi dada imediata quitação. (artigo 7º da petição inicial).
7) Consta da cláusula 5. que a sociedade P. D. & Filho, Lda. assume a responsabilidade da reconstrução, no prédio identificado supra, da dependência agrícola, com a área de 70m2, pelo preço de € 52.500,00 (cinquenta e dois mil e quinhentos euros). (artigo 8º da petição inicial).
8) Consta da cláusula 6. que o pagamento integral do referido valor será pago no acto da escritura de compra e venda e após a conclusão dos trabalhos acordados pelas partes. (artigos 9º e 10º da petição inicial).
9) Constam da cláusula 7. os trabalhos a realizar: “reconstrução da dependência agrícola, de acordo com o modelo previamente apresentado pela sociedade construtora [...], sendo que a mesma deverá obedecer às especificidades de uma moradia de tipologia V3” e “melhoramento dos acessos à reconstrução efectuada até ao caminho público”. (artigo 11º da petição inicial).
10) Consta da cláusula 9. que a escritura de compra e venda será realizada no prazo de 150 dias a contar da celebração deste contrato, acrescido de uma prorrogação de mais 30 dias, em caso de ocorrer alguma situação excepcional que impeça a realização da mesma no prazo indicado. (artigo 12º da petição inicial).
11) O referido contrato promessa de compra e venda foi mediado pela sociedade “E. D. Mediação Imobiliária, Lda.”. (artigo 13º da petição inicial).
12) Os trabalhos de reconstrução decorreram mais lentamente do que estava previsto, pelo que não foi possível cumprir o prazo de 150 dias, acrescido de outros 30. (artigo 14º da petição inicial).
13) A título de adiantamento para pagamento do preço acordado, considerando os trabalhos que foram sendo realizados na obra, a pedido do Réu P. D., em 16/06/2011, os Autores depositaram na conta bancária particular da Ré T. B. e por esta indicada a quantia de € 6.000,00 (seis mil euros). (artigos 15º e 86º da petição inicial).
14) A 19/06/2011, os Autores adquiriram um conjunto de eletrodomésticos, designadamente, micro-ondas, exaustor, combinado, banca, placa, máquina de lavar, forno, para o que despenderam a quantia de € 1.687,21. (artigo 16º da petição inicial).
15) Incluindo um contrato de seguro para avarias mecânicas de um dos eletrodomésticos, tendo pago por conta disso o valor de € 59,00 (cinquenta e nove euros). (artigo 17º da petição inicial).
16) Os referidos eletrodomésticos foram instalados na casa aqui em apreço, o que sucedeu com o conhecimento e autorização, pelo menos, do Réu P. D.. (artigo 18º da petição inicial, restritivamente).
17) E jamais de lá saíram, pois que, pelo menos, o Réu P. D. não o permitiu. (artigo 19º da petição inicial, restritivamente).
18) Em finais de 2011, os Autores foram sendo contactados pelo Réu P. D. para a celebração do contrato definitivo de compra e venda. (artigo 20º da petição inicial).
19) Os Autores iniciaram o processo para a obtenção de empréstimo bancário para a aquisição do imóvel junto da instituição bancária Banco ..., S.A., tendo logo sido alertados para a necessidade da existência da licença da construção para que o pedido de empréstimo fosse viabilizado pelo Banco. (artigo 21º da petição inicial).
20) Depois de instado pelos Autores, o Réu enviou-lhes, para instruir o processo de empréstimo, uma certidão emitida pela Câmara Municipal ..., datada de 26/08/2011, junta aos autos a fls. 24 v.º e que aqui se dá por reproduzida, que certificava que, tratando-se de edificação construída há mais de setenta anos, “o prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo …, da freguesia de ..., não estava sujeito a licença de utilização, de acordo com a deliberação camarária de quatro de Fevereiro de mil novecentos e setenta e cinco. Mais certificando que estava a decorrer naquele município “o processo de contra-ordenação número cinquenta e nove barra dois mil e dez, em nome de P. D., relativo à realização de uma operação urbanística (no mesmo local) sem o respectivo licenciamento ou admissão de comunicação prévia.” (artigos 22º e 23º da petição inicial).
21) O que alertou os Autores para a situação do licenciamento da edificação implantada no prédio em causa, que a sociedade P. D. & Filho, Lda. se obrigou a “reconstruir”. (artigo 24º da petição inicial).
22) Por isso, os Autores procuraram informar-se junto da Câmara Municipal ... se essa construção estava devidamente legalizada. (artigo 25º da petição inicial).
23) Ao referido pedido de informação, a Câmara Municipal limitou-se a responder, por ofício de 22/09/2011, que quanto à viabilidade da legalização da reconstrução, o pedido devia ser instruído de acordo com a legislação em vigor. (artigo 26º da petição inicial).
24) Tendo chegado ao conhecimento dos Autores que tinha sido instaurado um processo contraordenacional, manifestaram ao Réu P. D. a sua preocupação com a situação. (parte do artigo 27º da petição inicial, restritivamente).
25) Em 06/10/2011 os Autores procuraram saber junto do Município se “o lugar no qual se encontra situado o prédio é passível de construção urbana, se o mesmo se encontra em zona na qual são permitidas edificações/construções urbanas e, por outro lado, se o processo de contraordenação já se encontra resolvido e/ou se é viável o licenciamento do prédio”. (parte do artigo 27º da petição inicial).
26) Quanto ao processo de contraordenação n.º 59/2010, em nome de P. D. & Filho, Lda., a Câmara Municipal informou, em 07/10/2011, conforme documento junto a fls. 28v.º, que aqui se dá por reproduzido, que: “[…] se encontra em fase de instrução, aguardando pela decisão do Ministério Público quanto ao desrespeito do embargo que incidiu sobre a respectiva construção. / No entanto, tal processo, mesmo quando decidido, não legaliza a operação urbanística, somente decidirá sobre a ilegalidade praticada pelo arguido […]”. (artigos 29º e 30º, 60º e 61º da petição inicial).
27) Em finais de 2011, os Autores encontravam-se preocupados com a situação, do que foram dando conta à sociedade promitente vendedora, através de repetidos contactos telefónicos estabelecidos com P. D.. (artigo 31º da petição inicial, restritivamente).
28) Os Autores eram repetidamente informados pelo Réu P. D. que o assunto estava totalmente resolvido, não havendo qualquer ilegalidade, nem faltando nenhuma licença, podendo a escritura de compra e venda realizar-se a qualquer altura. (artigo 32º da petição inicial, restritivamente).
29) No entanto, os Autores procuraram obter junto das entidades competentes, nomeadamente Câmara Municipal, Serviço de Finanças e Conservatória do Registo Predial a necessária informação no sentido de confirmar a legalidade da construção que pretendiam comprar. (artigo 33º da petição inicial).
30) A Câmara de … informou os Autores de que o processo de licenciamento se encontrava pendente por motivos imputáveis ao titular do processo, a sociedade P. D. & Filho, Lda. (artigo 64º da petição inicial).
31) Com data de 23/02/2012, os Autores receberam uma carta da sociedade P. D. & Filho, Lda., junta a fls. 29v.º, que aqui se dá por reproduzida, comunicando-lhes que: “[…] a escritura de compra e venda do prédio rústico inscrito à matriz sob o artigo ...º e do prédio urbano inscrito à matriz sob o artigo ...º, sitos em ..., ..., freguesia de ..., concelho de Arcos de Valdevez, que lhes prometemos vender por contrato promessa de 13 de Junho de 2009, está marcada para o dia 9 de Março do corrente ano, pelas 10h00, na Casa ...,[…] em Arcos de Valdevez. / […] com a reconstrução da dependência agrícola foi-lhe atribuído o artigo urbano ...º e o terreno manteve o artigo ...º. / […] “A falta de comparência de V. Exas. à escritura fará com que possa resolver o contrato promessa, fazendo nosso o valor de € 15.000,00 (quinze mil euros) recebido como sinal.” (artigos 34º a 36º da petição inicial).
32) Os Autores responderam através da carta datada de 06/03/2012, junta a fls. 30v.º/31, que aqui se dá por reproduzida, comunicação onde deram conta de que: “[…] O cumprimento do […] contrato promessa está […] dependente da reconstrução da inicial dependência agrícola […], de acordo com modelo previamente apresentado pela promitente vendedora, obedecendo às especificidades de uma moradia de tipologia V3 […], assim como do melhoramento dos acessos à reconstrução efectuada até ao caminho público existente […]. / A referida construção deverá […] estar devidamente licenciada pela Câmara Municipal ..., para que o negócio prometido esteja apto a realizar-se. / […] a P. D. & Filho, Lda. tem pendente na Câmara Municipal ... processo tendente ao licenciamento da referida construção. Porém, […] o referido processo administrativo se encontra parado há vários meses, por inércia da requerente, faltando o necessário e imprescindível parecer favorável da entidade regional da Reserva Agrícola Nacional (RAN), para que a Câmara Municipal pondere o deferimento do pedido em apreço. É que a localização do prédio em RAN faz depender o licenciamento da operação urbanística em causa de parecer favorável desta entidade. Esse parecer não existe, encontrando-se a reconstrução por licenciar. / Desta feita, não estão reunidas as condições para a celebração do negócio prometido, pois que falta o necessário e imprescindível licenciamento, sem o qual os promitentes compradores não estão […] interessados na compra. Além do mais, os acessos da reconstrução efectuada até ao caminho público ainda foram realizados, […] o que também inviabilizava a celebração do negócio prometido. /Assim, os signatários dão conta a V. Exas, de que não estarão presentes no próximo dia 9 de Março, para a celebração da aludida escritura de compra e venda, pois que não estão reunidas as necessárias condições para tanto (falta de licenciamento e não realização das obras respeitantes aos acessos), realidade a que são alheios e que é da exclusiva responsabilidade da P. D. & Filho, Lda., enquanto promitente vendedora. / Por isso, não assiste à P. D. & Filho, Lda. o direito de fazer seu o valor de € 15.000,00 já entregue a título de sinal […]. / […] apesar de o referido prazo para a celebração do contrato se mostrar largamente ultrapassado, foram aguardando pacientemente e aceitando as repetidas justificações da promitente vendedora para os atrasos verificados. / […] ainda é sua intenção adquirir o(s) prédio(s) em causa, desde que devidamente licenciado(s) […], celebrariam o negócio de imediato, se o prédio estivesse devidamente licenciado e colhidos que se mostrassem os competentes alvarás. / A sociedade P. D. & Filho, Lda. encontra-se em mora no cumprimento da sua obrigação, […] pois que não cuidou ainda de realizar as obras relativas aos acessos ao prédio, nem de obter o necessário licenciamento da operação urbanística que promoveu. Abusivamente, pretende agora forçar os promitentes compradores a adquirir um prédio não licenciado, não se coibindo de adiantar que, assim não sucedendo, fará sua a quantia de € 15.000,00 entregue a título de sinal. / […] considerando o estado do processo administrativo de licenciamento, os promitentes compradores mostraram-se dispostos a aguardar até ao dia 1 de Julho de 2012 pela realização do negócio prometido, nas condições exigíveis, designadamente com a obtenção do licenciamento da já realizada reconstrução. Na falta do licenciamento não é viável a realização do negócio […]. Se a escritura de compra e venda não for marcada até à referida data de 1 de Julho de 2012, cumprindo-se com as invocadas e necessárias condições, os promitentes compradores perdem definitivamente interesse no negócio, com as decorrentes consequências legais.” (artigos 37º a 51º da petição inicial).
33) Os Autores não compareceram ao agendamento de 09/03/2012, pelas 10 horas, na Conservatória do Registo Predial ... (Casa ...). (artigo 64º da contestação/reconvenção).
34) A sociedade respondeu por carta datada de 08/03/2012, junta a fls. 32v.º, que aqui se dá por reproduzida, dando conta de que “a construção existente no prédio prometido vender e que ficamos de reconstruir não está sujeito a licença de utilização, nos termos de certidão emitida pela Câmara Municipal ..., com data de 26/08/2012 […]. […] esperamos que compareçam na Casa ... […] no próximo dia 16/03/2012, pelas 10h00, data para a qual adiamos a outorga da escritura. […] se a documentação não estivesse totalmente legal não se poderia realizar a escritura, o que não acontece.” (artigos 52º a 54º da petição inicial).
35) Os Autores responderam a esta última carta da sociedade P. D. & Filho, Lda., com data de 15/03/2012, junta a fls. 37, que aqui se dá por reproduzida, dando conta de que: “[…] o prédio que ali se achava implantado não estava sujeito a licença de utilização, até porque a respetiva construção fora anterior à entrada em vigor do RGEU […] o mesmo não pode dizer-se da operação urbanística promovida no mesmo, ou seja, a dita reconstrução. / […] a Câmara Municipal ..., confrontada com a certidão apresentada […] cuidou de esclarecer que efectivamente corria um processo de contraordenação, respeitante a essa operação urbanística e que tal processo era independente do processo administrativo tendente à legalização da operação urbanística, ainda por legalizar. / O mesmo foi posteriormente reiterado pessoalmente na Câmara Municipal ..., onde ficou claro que a operação urbanística em apreço carece de licenciamento, sublinhando-se encontrar-se o processo respectivo carente do parecer favorável da RAN […] / Só estando de má-fé pode […] pretender fazer crer que a reconstrução realizada não carece de licenciamento, se foi essa mesma sociedade que o requereu junto da Câmara Municipal .... / […] entendemos não estarem reunidas as condições para a celebração do negócio prometido, não estando interessados na “compra de um problema” adquirindo uma construção não licenciada. Por isso não estaremos presentes no próximo dia 16 de Março de 2012, para a celebração do contrato. / […] reiteramos que até 1 de Julho de 2012, estaremos disponíveis para outorgar a escritura de compra e venda, desde que a construção esteja devidamente licenciada. A partir dessa data perderemos definitivamente o interesse no negócio, se o mesmo não fosse realizado até então, considerando a obrigação definitivamente incumprida, com as decorrentes consequências legais.” (artigos 57º a 59º, 62º e 63º, 65º a 67º da petição inicial).
36) Apesar de ter sido efetuado um pedido de licenciamento junto da Câmara Municipal ... tendente ao licenciamento da operação urbanística em causa (proc. N.º LE-EDI n.º 108/2010) em nome de P. D. e Filho, Lda., a referida reconstrução nunca chegou a ser licenciada pela Câmara Municipal .... (artigos 76º e 77º da petição inicial).
37) O Réu P. D. sempre procurou ocultar dos Autores que a reconstrução não chegou a ser licenciada e que faltava um parecer favorável da RAN, insistindo que toda a documentação estava conforme. (artigo 79º da petição inicial, restritivamente e com esclarecimento).
38) Em Outubro de 2012, os Autores remeteram à sociedade P. D. & Filho, Lda. a carta junta a fls. 54, que aqui se dá por reproduzida, na qual, na impossibilidade de devolverem os eletrodomésticos instalados na casa, solicitavam que fosse devolvido o respetivo valor. (parte do artigo 68º da petição inicial).
39) À qual nunca obtiveram resposta. (parte do artigo 68º da petição inicial).
40) Por título de compra e venda, efectuado no Balcão Casa ... da Conservatória do Registo Predial ..., datado de 17 de Janeiro de 2012, junto a fls. 34/36, que aqui se dá por reproduzido, a sociedade P. D. & Filho, Lda., representada pelo gerente P. D., declarou vender à sociedade Composição X, Lda., representada pela gerente T. B., o prédio misto, destinado a habitação e pastagem, sito em ..., lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Arcos de Valdevez, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ... da freguesia de ... e inscrito na matriz sob os artigos ...º urbano e ...º rústico, pelo preço de € 65.000,00, “que já recebeu”. (artigos 55º e 56º da petição inicial).
41) Sabendo da existência do conflito com os aqui Autores, os Réus procederam à dissolução da sociedade comercial P. D. & Filho, Lda. em 27/04/2012. (artigo 81º da petição inicial, restritivamente).
42) Conforme acta n.º 13, junta a fls. 42, que aqui se dá por reproduzida, no dia 27 de Abril de 2012, os sócios da sociedade comercial P. D. & Filho, Lda., T. B. e H. C., reunidos em Assembleia Geral Ordinária, deliberaram dissolver a dita sociedade, “uma vez que deixou de exercer a sua actividade, tendo já sido liquidado todo o activo e passivo da dita sociedade, não existindo quaisquer bens a partilhar, tendo as respectivas contas sido encerradas e aprovadas por unanimidade” e nomeando como fiel depositário da escrituração comercial e representante legal em termos fiscais o gerente P. D..
43) Conforme certidão do registo comercial junta aos autos, que aqui se dá por reproduzida, a sociedade comercial P. D. & Filho, Lda., com o NIPC ........., foi constituída em 16/05/2005, e tinha como sócios H. C. (na altura menor de idade), com uma quota de € 4.900,00, e P. D., com uma quota de € 100,00, tendo sido nomeada gerente T. B.; em 23/09/2008 foi averbada a transmissão da quota de P. D. para T. B.; com data de 09/09/2010 foi averbada a cessação de funções da gerente T. B. e a designação de gerente de P. D.; a dissolução e encerramento da liquidação foi averbada a 27/04/2012. (artigos 82º e 83º da petição inicial, com esclarecimentos).
44) Os sócios receberam na partilha um montante que não foi possível apurar. (artigo 101º da petição inicial).
45) A sociedade apresentou resultados positivos no ano de 2012. (artigo 102º da petição inicial, com esclarecimento).
46) Só em 2013, os Autores tomaram conhecimento da dissolução e encerramento da liquidação da sociedade P. D. & Filho, Lda. (artigo 69º da petição inicial)
47) Bem como da anterior venda do prédio em causa à sociedade Composição X, Lda. (artigo 70º da petição inicial).
48) Os Autores comunicaram que consideravam resolvido o contrato aos Réus P. D., T. B. e H. C., por cartas datadas de 09/04/2013, juntas aos autos e que aqui se dão por reproduzidas, que estes dois últimos receberam, não tendo sido reclamada a primeira. (artigos 71º e 72º da petição inicial).
49) Os Réus jamais responderam a estas últimas cartas dos Autores. (artigo 73º da petição inicial).
50) Os Réus sempre se dispuseram a outorgar a escritura pública, mesmo depois da venda do imóvel pela P. D. & Filho, Lda. à Composição X, Lda. (artigo 72º da contestação/reconvenção).
51) O imóvel foi vendido nas mesmas condições formais e documentais como teria sido para os Autores 3 meses antes. (artigo 73º da contestação/reconvenção).
52) À data dos agendamentos das escrituras públicas referidas supra, pelo menos o “melhoramento dos acessos à reconstrução até ao caminho público” não estava concluído. (artigo 29º da réplica, restritivamente).
53) O Réu P. D. ocultou dos Autores que a sociedade promitente vendedora já não era proprietária do imóvel. (artigo 33º da réplica, restritivamente).
54) As relações familiares e de grande proximidade entre os três Réus fez com que todos eles tivessem tido conhecimento do que foi sucedendo, mesmo quando não tinham intervenção directa nos factos. (artigo 84º da petição inicial).
55) Os Autores nunca tiveram vontade de comprar uma dependência agrícola. (artigo 39º da réplica).
56) Os Autores obtiveram aprovação junto do Banco ..., S.A. de financiamento que lhes permitia proceder ao pagamento integral do preço estabelecido no contrato promessa. (artigo 63º da réplica).
57) Conforme certidão do registo comercial junta aos autos, a fls. 163v.º/165, que aqui se dá por reproduzida, a sociedade comercial Composição X, Lda. foi constituída em 24/02/2011, tendo como sócios e gerentes T. B. e H. C.; em 25/08/2017 consta averbada a transmissão de quotas de T. B. e H. C. para P. D., a renúncia à gerência de T. B. e H. C. e nomeação como gerente de P. D..
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- E deu como não provados os seguintes factos:

A. Que o pagamento dos € 15.000,00 efectuado pelos Autores à sociedade Ré tenha sido feito para conta bancária particular dos Réus. (parte dos artigos 85º e 87º da petição inicial)
B. Que os Autores não apareceram na escritura pública porque nunca conseguiram o empréstimo bancário para pagar na data e hora da mesma o valor remanescente. (artigos 33º e 50º da contestação/reconvenção)
C. Que os Autores tenham protelado a escritura pública porque não tinham capacidade financeira para pagar o preço remanescente. (artigo 49º da contestação/reconvenção)
D. Que as obras acordadas tenham sido perfeitamente concluídas. (artigo 62º da contestação/reconvenção)
E. Que a Composição X, Lda. tenha vendido abaixo do preço sem qualquer margem de lucro tal era a crise na construção civil e no mercado imobiliário que se vivia nessa altura início de 2012. (artigo 74º da contestação/reconvenção)
F. Que a origem do encerramento e dissolução da sociedade P. D. e Filho, Lda. tenha estado na crise da construção civil. artigo 75º da contestação/reconvenção)
G. Que os Réus tenham pago € 4.150,00 à mediadora E. D. Mediação Imobiliária, Lda. (artigos 76º e 77º da contestação/reconvenção)
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V. Fundamentação de direito.

1. Da impugnação da matéria de facto.
1.1. Em sede de recurso, os apelantes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no art. 640º do CPC, o qual dispõe que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que os recorrentes indicam quais os factos que pretendem que sejam decididos de modo diverso, inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada quanto à factualidade que entendem estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que fazem assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, procedendo inclusivamente à respectiva transcrição de excertos dos depoimentos testemunhais que consideram relevantes para o efeito, pelo que podemos concluir que cumpriram suficientemente o triplo ónus de impugnação estabelecido no citado art. 640º.
*
1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o art. 662.º, n.º 1, do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros (1):

- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
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1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que os Réus/recorrentes pretendem:
i) - a alteração da resposta negativa para positiva do item G da matéria de facto não provada da decisão recorrida (2).
ii) - a alteração da resposta positiva para negativa do ponto 37º da matéria de facto provada da decisão recorrida (3);
iii) - a alteração/modificação da resposta positiva do ponto 44º da matéria de facto provada da decisão recorrida (4);

Vejamos, circunstanciadamente, cada um dos factos impugnados.
i) - item G da matéria de facto não provada da decisão recorrida.

O citado ponto fáctico tem a seguinte redação:
Que os Réus tenham pago € 4.150,00 à mediadora E. D. Mediação Imobiliária, Lda. (artigos 76º e 77º da contestação/reconvenção)”.
Com vista a estribar a sua desconformidade com o decidido pelo Tribunal “a quo” referem os recorrentes que a resposta de não provada à matéria objecto da al. g) mostra-se em contradição com a factualidade referida no ponto 11 dos factos provados, pelo que em consonância com esta última resposta deveria aquela também ter sido objecto de resposta positiva.
Carecem, no entanto, de razão.
Como é sabido, e consoante doutrina e jurisprudência correntes, das respostas negativas aos quesitos ou à matéria articulada – e na medida em que o forem, das respostas restritivas também – resulta apenas que tudo se passa como se esses factos (não provados) não tivessem sido sequer alegados (5). Ou, dito de outro modo, a resposta de não provado a um determinado facto controvertido não significa a prova do facto contrário; significa tão-somente que esse facto não se provou, ou porque nenhuma prova foi produzida, ou porque a prova produzida se mostrou insuficiente para convencer o tribunal da verificação do mesmo (6).
Ora, o facto de ter sido dado como provado que o contrato promessa de compra e venda objecto dos autos foi mediado pela sociedade “E. D. Mediação Imobiliária, Lda.” (ponto 11 dos factos provados), não permite, nem impõe, que se dê inelutavelmente como provado que os Réus pagaram à aludida mediadora a quantia de € 4.150,00.
É inegavelmente diferente a amplitude ou o âmbito dos factos inseridos em cada um daqueles pontos, sendo que a comprovada mediação imobiliária não determina que se dê como demonstrado o pagamento alegado pelos réus.
Veja-se que estes não chegaram sequer a carrear aos autos recibo que titule o pagamento em apreço, tão pouco invocando outro meio de prova donde se possa alicerçar uma convicção segura e objectiva no sentido preconizado pelos Réus. Estando a sociedade (entretanto dissolvida) obrigada a ter contabilidade organizada, a referida transacção carecia de estar documentada ou justificada em documento de suporte, o que no caso não foi observado. Acresce que, em situações como a indicada, é regra a pessoa ou entidade que paga um serviço exigir à contraparte a emissão de recibo a fim de ter em sua posse um documento que titule o pagamento.
Acrescentar-se-á que o facto de ter sido dada como demonstrada a referida actividade de intermediação imobiliária por parte da E. D. Mediação Imobiliária, Lda, e admitindo-se que esta, tal como as demais sociedades comerciais, tem por escopo o lucro, tal não determina, de per si, a prova do pagamento do serviço prestado. Neste domínio, no âmbito da intermediação imobiliária, não existe uma regra uniformizada, dependendo do que tiver sido contratualmente estipulado no caso concreto, pelo que nem por apelo às regras de experiência comum ou da normalidade da vida se poderá sufragar a pretensão impugnatória em causa.
Assim, à míngua dos meios probatórios produzidos, resta concluir pela improcedência do ponto fáctico impugnado.
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Alteração/modificação da resposta positiva do ponto 44º da matéria de facto provada da decisão recorrida.
Sustentam os réus que se deverá dar como provado que os sócios receberam na partilha apenas o capital próprio da sociedade liquidada P. D. e Filho, Lda. no montante de € 18.634,24.
Aduzem para o efeito que dos documentos juntos aos autos resulta que os Réus apenas poderiam receber, no máximo, a quantia de € 18.634,24 euros - (“prestação de contas de 2012 da P. D. & Filho, Lda. (fls. 165v.º/180): total de capital próprio € 18.634,24; passivo € 0,00.”).
Conforme resulta da acta n.º 13 (cfr. fls. 42), no dia 27 de Abril de 2012, os sócios da sociedade comercial P. D. & Filho, Lda., T. B. e H. C., reunidos em Assembleia Geral Ordinária, deliberaram dissolver a dita sociedade, “uma vez que deixou de exercer a sua actividade, tendo já sido liquidado todo o activo e passivo da dita sociedade, não existindo quaisquer bens a partilhar, tendo as respectivas contas sido encerradas e aprovadas por unanimidade” e nomearam como fiel depositário da escrituração comercial e representante legal em termos fiscais o gerente P. D. (ponto 42 dos factos provados).
Por sua vez, da prestação de contas de 2012 da P. D. & Filho, Lda. (fls. 165v.º/180), constata-se ter apresentado um total de capital próprio € 18.634,24 e “passivo € 0,00”.
Não obstante o resultado apresentado, certo é que o mesmo não é só por si viável a concluir que, aquando da partilha, os sócios receberam apenas o capital próprio da sociedade liquidada P. D. e Filho, Lda no montante de € 18.634,24. Até porque, como se refere na motivação da sentença recorrida – com que se concorda –, formou-se “convicção no sentido de que a sociedade distribuiu dividendos aquando da dissolução, em face do que foi declarado aquando da venda do prédio à Composição X acerca do recebimento do preço e da prestação de contas de 2012, que contraria as declarações constantes da acta de dissolução”.
Além de que não podemos perder de vista que a distribuição do património social constituiu uma efectiva partilha (a distribuição pode ser escamoteada através de actos jurídicos diversos) e não tem de ser contemporânea da deliberação, porquanto pode perfeitamente suceder que os sócios hajam anteriormente procedido à dissipação do património da sociedade em seu proveito pessoal já com a intenção de logo a seguir a declararem extinta com fundamento na inexistência de activos.
Serve isto para dizer que o único documento que os recorrentes invocam em seu favor – prestação de contas de 2012 da P. D. & Filho, Lda – não é idóneo, de per si, à procedência da impugnação deduzida.
Assim, não se tendo concretamente apurado os valores concretamente percecionados pelos recorrentes na partilha decorrente da dissolução/liquidação da sociedade liquidada P. D., é de manter inalterada a resposta dada ao ponto impugnado.
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Alteração da resposta positiva para negativa do ponto 37º da matéria de facto provada da decisão recorrida.
Sustentam os recorrentes que os factos provados sob os pontos 27) e 28) provam que a facticidade objecto do ponto 37 dos factos provados não é verdadeira, pelo que deveria ter sido dada como não provada.
Diversamente do propugnado pelos recorrentes, dir-se-á que os factos em apreço não são contraditórios entre si.
Com efeito, o facto de se ter dado como provado que, “em finais de 2011, os Autores encontravam-se preocupados com a situação, do que foram dando conta à sociedade promitente vendedora, através de repetidos contactos telefónicos estabelecidos com P. D.” (ponto 27 dos factos provados) e que os “Autores eram repetidamente informados pelo Réu P. D. que o assunto estava totalmente resolvido, não havendo qualquer ilegalidade, nem faltando nenhuma licença, podendo a escritura de compra e venda realizar-se a qualquer altura” (ponto 28 dos factos provados) não colide com a factualidade demonstrada no sentido de que “o Réu P. D. sempre procurou ocultar dos Autores que a reconstrução não chegou a ser licenciada e que faltava um parecer favorável da RAN, insistindo que toda a documentação estava conforme” (ponto 37 dos factos provados).
Do que ali se trata é de que o Réu P. D. informou por diversas vezes os autores que o assunto estava totalmente resolvido, não havendo qualquer ilegalidade, nem faltando nenhuma licença, podendo a escritura de compra e venda realizar-se a qualquer altura, quando, na verdade, o referido réu procurou ocultar dos Autores factos relevantes ou essenciais com vista a uma adequada formação da vontade no sentido da outorga do contrato prometido, quais sejam, o de que “a reconstrução não chegou a ser licenciada e que faltava um parecer favorável da RAN”, não obstante ter insistido que toda a documentação estava conforme
Não se verificado a apontada contradição e não sendo invocado qualquer meio probatório no qual se estribe a pretensão impugnatória deduzida, resta-nos concluir pela improcedência do referido fundamento de impugnação.
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Nesta conformidade, coincidindo integralmente a convicção deste Tribunal quanto aos factos impugnados com a convicção formada pela Mm.ª Juíza “a quo”, impõe-se-nos confirmar na íntegra a decisão da 1ª instância e, consequentemente, concluir pela total improcedência da impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.
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2. - Da reapreciação da matéria de direito.

2.1. Da resolução unilateral e sem justa causa do contrato-promessa por parte dos promitentes compradores e suas consequências.

Não vem posto em causa como decidido que os autores e a sociedade P. D. & Filho, Ld.ª, entretanto dissolvida, e da qual os RR. foram sócios e/ou gerentes, celebraram entre si um contrato-promessa bilateral de compra e venda de um imóvel.
Com efeito, provou-se que, com data de 13/06/2009, a aludida sociedade e os Autores subscreveram um documento particular denominado “contrato-promessa de compra e venda”, mediante o qual a primeira prometeu vender, livre de quaisquer ónus e encargos, aos segundos, que o prometeram comprar, em regime de compropriedade, o prédio rústico aí identificado, pelo preço de € 15.000,00.
Mais se provou que, no mesmo contrato, a sociedade assumiu a responsabilidade da reconstrução, no mesmo prédio, da dependência agrícola, com a área de 70m2, de acordo com o modelo previamente apresentado pela sociedade construtora, obedecendo às especificidades de uma moradia de tipologia V3, bem como fazer o melhoramento dos acessos da reconstrução efectuada até ao caminho público, tudo pelo preço de € 52.500,00.
Provou-se igualmente que as partes acordaram na realização da escritura de compra e venda definitiva no prazo de 150 dias a contar da celebração do contrato-promessa (datado de 13/06/2009), acrescido de uma prorrogação de mais 30 dias, em caso de ocorrer alguma situação excepcional.
Subscrevendo a fundamentação explicitada na sentença recorrida – que não vem colocada em causa na apelação –, dir-se-á que, “[a]pesar dos termos utilizados pelas partes no contrato-promessa, com a inclusão de uma cláusula relativa à compra e venda do prédio rústico e outra relativa à “reconstrução” da dependência agrícola, transformando-a numa moradia V3, a intenção inequívoca a conferir a semelhante declaração negocial, de acordo com a posição de qualquer homem médio colocado na mesma situação, era de aquisição da casa a construir e respectivo logradouro.
Os Autores não tinham qualquer interesse na aquisição de um prédio rústico, mas apenas na aquisição de uma casa de férias [como, de resto, resulta do ponto 2 dos factos provados].
O interesse dos Autores era o cumprimento do contrato prometido – a compra e venda de um prédio urbano, a construir pelo promitente-vendedor (logo, um contrato-promessa de compra e venda de coisa futura) – e não a definição dos trabalhos a executar pela sociedade, pelo que se concorda que o contrato prometido realizar era de compra e venda, afastando o possível entendimento de se estar na presença também de um contrato de empreitada.
Do mesmo modo será de concluir que estando em causa um contrato-promessa de compra e venda de prédio urbano a construir pelo promitente-vendedor tal configura uma relação obrigacional complexa.
Parafraseando a fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-06-2011 (relator Fernando Bento), in www.dgsi.pt., muito embora o dever de construir pudesse parecer autonomizável do dever de vender, ambas as obrigações são indivisíveis de acordo com o convencionado entre as partes: o dever principal ou primário emergente do contrato-promessa era a obrigação de outorgar a escritura pública de compra e venda, emitindo a prometida declaração negocial de venda; o dever secundário acessório era o de preparar a realização dessa escritura, desde logo, concluindo a construção convencionada (moradia V3 e acessos) e certificando-se do cumprimento de todos os requisitos legais, nomeadamente da existência da documentação necessária, incluindo a obtenção da licença de habitabilidade.
Feito o antecedente enquadramento e tendo em conta as pretensões dos autores e dos réus (reconvenção), cumpre, sim, indagar se foi a promitente vendedora ou, antes, os promitente-compradores, quem incumpriu as obrigações que para si resultavam do contrato promessa de compra e venda celebrado, e, consequentemente, se (tal como decidido na sentença recorrida) a resolução operada pelos autores é lícita, tendo estes direito a receber em dobro o sinal que pagaram, ou, ao invés, os réus têm direito a fazer seu o montante recebido (pela sociedade P. D. & Filho, Lda) a título de sinal e princípio de pagamento.
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Dispõe o art. 410º, n.º 1 do Código Civil (doravante, abreviadamente, CC) que o contrato promessa consiste na “convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”, sendo-lhe aplicáveis as disposições legais que regulam o contrato prometido, excetuadas as que, pela sua própria razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato promessa.
O contrato promessa, como ensina o Prof. Antunes Varela (7), é a convenção pela qual ambas as partes, ou apenas umas delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato” (v.g., compra e venda, locação, mandato, etc.), isto é, o chamado contrato prometido.
É bilateral se ambas as partes se obrigam a celebrar o contrato definitivo; unilateral se apenas uma das partes se vincula (art. 411º do CC).
O contrato promessa tem como objeto um negócio jurídico (unilateral ou bilateral e de eficácia obrigacional ou real) e gera, necessariamente, uma ou duas obrigações de contratar, ou, por outras palavras, uma ou duas obrigações de emitir a declaração de vontade correspondente ao negócio prometido (8).
O objeto destas obrigações é uma prestação de facto jurídico positivo (uma prestação de facere jurídico), que consiste na "emissão de uma declaração negocial destinada a celebrar o contrato prometido” (9), a que corresponde o direito de crédito da contraparte de exigir o seu cumprimento.
Assim, na promessa bilateral de compra e venda, a obrigação a que os contraentes se obrigam é a de outorgarem, respetivamente, como comprador e como vendedor, num futuro contrato de compra e venda (contrato prometido ou definitivo).
É em si uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente.
O contrato promessa assume-se, pois, como um “contrato preliminar ou preparatório do negócio definitivo, um contrato de segurança ou de garantia do negócio prometido” (10).
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O contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art. 406º, n.º 1, do CC), designadamente, mediante a sua resolução fundada na lei ou em convenção (art. 432°, n.º 1, do CC).
Trata-se, no fundo, da consagração do velho princípio “pacta sunt servanda”, o qual deve ser entendido como significando que o contrato deve ser cumprido não apenas no aspecto temporal, mas em toda a linha, em todos os sentidos, “ponto por ponto” (11).
O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (art. 762º, n.º 1 do CC).
Salvo convenção, disposição legal ou uso em contrário, a prestação deverá ser efetuada integralmente e não por partes (art. 763º do CC).
Assim sendo, sempre que o devedor não cumpra a prestação a que está vinculado ou a tenha realizado em desrespeito de qualquer dos princípios referidos, estar-se-á perante uma situação de não cumprimento do dever obrigacional.
O devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que cause ao credor (art. 798º do CC).
Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua (art. 799º, n.º 1 do CC).
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A resolução do contrato é, como se disse, um dos casos admitidos na lei para a modificação ou extinção do direito (arts. 432º e 437º do CC).
A resolução é a destruição da relação contratual, validamente constituída, por um dos contraentes, com base em facto posterior à celebração do contrato (12).
Como estrutura negocial, a resolução surge como uma faculdade, integrando, normalmente, uma declaração extrajudicial não sujeita a qualquer formalidade (arts. 436.º e 224.º do CC).
Pressupõe uma declaração de vontade receptícia do credor da prestação, a qual se torna irrevogável logo que chega ao conhecimento do devedor ou é dele conhecida (arts. 224º, n.º 1 e 230º do CC).
A resolução de um vínculo contratual pode ocorrer por convenção ou vontade das partes e/ou fundada na lei – cfr. art. 432.º, n.º 1 do CC.
Para além das diversas situações em que a lei consagrou especialmente a possibilidade de uma das partes resolver o contrato – a título de exemplo, os arts. 437.º; 891.º; 966.º; 1140.º; 1150.º; 2248.º –, a resolução pode ser acionada quando um contraente deixe, definitiva e culposamente, de cumprir a prestação a que estava adstrito. É o que resulta dos arts. 798.º e 801.º, n.º 2 do CC: o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação toma-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, sendo certo que (tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral) o credor, face à impossibilidade do cumprimento pode, independentemente do direito à indemnização, resolver o contrato (13).
O direito de resolução (por incumprimento da obrigação) é um direito potestativo extintivo e depende de um fundamento – o que significa que precisa de se verificar um facto que crie esse direito, ou melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento) desse direito potestativo. Tal facto ou fundamento é, no que aqui releva, o facto de incumprimento ou situação de inadimplência (14).
A simples mora não confere ao contraente fiel o direito (potestativo) de pedir a resolução do contrato, mas tão só o direito de pedir a reparação dos prejuízos que o retardamento causou ao credor – cfr. art. 804.º, n.º 1 do CC (15).
Assim, o direito de resolução está sempre condicionado a uma situação de inadimplência (no caso de impossibilidade culposa – art. 801º) e, à semelhança do que sucede com a generalidade dos contratos, também a resolução legal do contrato-promessa pressupõe uma situação de incumprimento definitivo que resultará normalmente da conversão de uma situação de mora através de uma das vias previstas no art.º 808° do CC (seja pela interpelação admonitória, seja pela perda, objetivamente considerada, do interesse do credor) (16).
A declaração de resolução, ainda que fora dos parâmetros em que é admitida (ilícita, portanto), não é inválida, pelo que mesmo injustificada produz efeitos; ou seja, determina a cessação do vínculo (17).
*
O regime geral dos contratos – designadamente as regras atinentes à falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor, entre elas as dos arts. 798º, 801º, 804º e 808º do CC – é aplicável ao contrato-promessa de compra e venda, tal como resulta do disposto genericamente no art. 410º, n.º 1, do CC, tendo este, no entanto, um regime específico (constante dos arts. 442º e 830º do CC) ao nível das sanções aplicáveis ao não cumprimento do contrato, quando tenha havido lugar à constituição de sinal (convencionado ou presumido – arts. 440º e 441º do CC) (18).
Assim, toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente vendedor a título de antecipação do preço presume-se ter o carácter de sinal (art. 441º do CC).
Quando haja sinal, presumido (art. 441º) ou convencionado (art. 440º), a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida ou restituída, quando a imputação não for possível (art. 442º, n.º 1 do CC).
No caso de não cumprimento imputável a qualquer dos contraentes os efeitos do sinal são os regulados no art. 442º, n.º 2 do CC (19).
Segundo este normativo, no caso de não cumprimento imputável a quem constituiu o sinal (tradens), o outro promitente (accipiens) tem direito a reter o sinal; se, ao invés, o não cumprimento for devido a este último, o promitente não faltoso tem o direito a exigir o dobro do que prestou ou, no caso de ter havido tradição da coisa objeto do contrato prometido para o autor do sinal, este pode optar pelo valor que a coisa, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, tiver, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, mas devendo ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago.
Na ausência de convenção contrária, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, no caso de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento (art. 442º, n.º 4 do CC).
De acordo com o entendimento generalizado, na doutrina (20) e na jurisprudência (21), salvo se da interpretação da vontade negocial resultar diversamente, o regime legal do sinal é inaplicável em caso de simples atraso no cumprimento. De facto, só o incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa (e o consequente pedido resolutivo) dá lugar às cominações previstas no art. 442°, n. ° 2, do CC, não bastando, para o efeito, a simples mora [que é necessário transformar em incumprimento definitivo, nos termos gerais do art. 808° do CC], porquanto nada justifica que se excecione o contrato-promessa do regime geral aplicável à generalidade dos contratos (22).
*
O conceito de não cumprimento abrange várias modalidades de não realização da prestação enquanto devida.
Adotando o critério proposto por Menezes Leitão (23), definiríamos “o não cumprimento como a não realização da prestação devida, por causa imputável ao devedor, sem que se verifique qualquer causa de extinção da obrigação”.
Ficam, assim, excluídas as causas de incumprimento que não são imputáveis a conduta do devedor, v.g. impossibilidade objetiva da prestação que constitui causa de extinção – art. 790º, n.º 1, do CC.
A violação do dever de prestar, por causa imputável ao devedor, pode revestir uma dupla forma (consoante a prestação se torna definitivamente impossível ou se atrasa): o não cumprimento definitivo ou falta de cumprimento (inadimplemento ou inadimplência) e a mora (24).
Esta segunda hipótese – mora do devedor (que é um simples incumprimento temporário) – verifica-se quando, por causa que lhe seja imputável (i. é, que provenha de culpa sua), a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (art. 804º, n.º 2, do CC). O devedor não executou a obrigação quando ela se vence, mas poderá vir a executá-la mais tarde, dado que a prestação na sua forma originária continua a ser materialmente possível e o credor continua a ter interesse nela. Dá-se, então, um simples retardamento, demora ou dilação no cumprimento da obrigação, e não uma falta definitiva de realização da prestação debitória.
A simples mora apenas constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (n.º 1 do art. 804º do CC) e não lhe confere, em princípio, o direito à resolução do contrato.
Na referida primeira hipótese, a prestação impossibilita-se e de vez, torna-se em definitivo irrealizável – aqui ocorre a não realização definitiva da prestação debitória.

O incumprimento é uma categoria mais vasta onde cabem:

a) O incumprimento definitivo, propriamente dito (arts. 798º e 799º do CC);
b) A impossibilidade de cumprimento (arts. 790º a 795 e 801º a 803º do CC);
c) A conversão da mora em incumprimento definitivo – art. 808º, nº 1, do CC;
d) A declaração antecipada de não cumprimento e a recusa categórica de cumprimento, antecipada ou não;
e) E o cumprimento defeituoso (art. 799º do CC).

No caso de incumprimento do contrato promessa de compra e venda, a nossa lei abre dois caminhos ao contraente não faltoso (25):

a) - a execução específica regulada no art. 830.º do CC, havendo simples mora;
b) - a resolução do contrato, havendo incumprimento definitivo, sendo que apenas este dá origem ao direito previsto no art. 442º, n.º 2 do CC (26).

O incumprimento definitivo, na previsão do art. 808º do C.Civil, verifica-se quando o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considerando-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
A mora apenas legitima a resolução quando convertida em incumprimento definitivo (arts. 801º, n.º 2 e 802º, n.º 2 “ex vi” do art. 808º, todos do CC), quer pela perda objetiva de interesse do credor ou, então, pelo recurso à interpelação admonitória, com a fixação de prazo razoável, apenas dispensável se houver uma recusa antecipada do devedor em cumprir.

Como se explicita no Ac. da RG de 4/06/2009 (relatora Rosa Ching), in www.dgsi.pt., a lei considera definitivamente não cumprida a obrigação nos seguintes casos de:

1º- estipulação de cláusula resolutiva ou termo inicial;
2º- impossibilidade culposa da prestação por parte do devedor (art. 801, n.º 1º do CC);
3º- mora, se ocorrer perda do interesse do credor na prestação (art. 808º, n.º 1 do CC), apreciada objetivamente (n.º 2 do mesmo artigo), ou seja, em função da utilidade que a prestação teria para o credor, justificada segundo o critério da razoabilidade própria do comum das pessoas.
4º- mora, se a realização da prestação não ocorrer dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor (art. 808º, n.º 1 do CC).
Mas, para além destes casos, a doutrina aponta um outro caso que pode constituir incumprimento definitivo por parte do devedor.
5º- Trata-se do caso em que o devedor (antecipada e inequivocamente) declara que não quer cumprir a prestação.
O n.º 1 do art. 808º do CC enuncia claramente duas possibilidades de a mora se converter em incumprimento definitivo: a) em consequência da perda objetiva de interesse do credor na prestação; b) em consequência da ultrapassagem do novo prazo razoável fixado pelo credor para o devedor cumprir finalmente a prestação em falta.
Não se trata, porém, de situações cumulativas ou que devam funcionar em conjunto.
Pelo contrário, estes dois modos de conversão da mora em incumprimento definitivo são alternativos e independentes entre si, ainda que possam ocorrer em simultâneo, tendo um pressuposto comum necessário (27): que o devedor esteja em mora, que a sua obrigação esteja vencida.
No tocante ao primeiro dos invocados fundamentos, a perda do interesse do credor na prestação acordada decorrente da mora do outro contraente é legalmente equiparada ao não cumprimento da obrigação (art. 808º, n.º 1, do CC) e é apreciada objetivamente (n.º 2 do mesmo artigo).
Para além dos casos em que a mora, em conjugação ou não com outras causas, fez desaparecer o interesse do credor na prestação, há que ter em conta todos os outros em que tal não acontece (28), mas nos quais não seria legítimo obrigar o credor a esperar indefinidamente pelo cumprimento por parte do devedor, continuando aquele adstrito ao cumprimento da sua contraprestação e à aceitação da realização extemporânea da obrigação omitida. Com efeito, o credor tem legítimo interesse em libertar-se do vínculo contratual que se encontra na base da obrigação omitida pelo vendedor, e, tendo em conta que apenas o incumprimento definitivo legitima a resolução, as consequências decorrentes da mora mostram-se redutoras para, em determinados casos, acautelar convenientemente o seu interesse, porquanto limitadas ao ressarcimento dos danos moratórios (29).
Por isso, a lei prevê a possibilidade de o credor (parte não inadimplente), uma vez incurso em mora o devedor, fixar a este um prazo suplementar razoável – mas perentório – dentro do qual se deverá verificar o cumprimento, sob pena de resolução automática do negócio, que pode conduzir às consequências do art. 801º do CC, se a obrigação não for cumprida dentro desse prazo fixado na mesma interpelação ou intimação.
A situação está prevista na 2ª parte do n.º 1 do art.º 808º do CC, na parte em que se prescreve que, se a prestação “não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”.
Nas elucidativas palavras de Antunes Varela (30), a interpelação admonitória consagrada no art. 808.º constitui «uma ponte essencial de passagem do atravessadouro (lamacento e escorregadio) da mora para o terreno (seco e limpo) do não cumprimento definitivo da obrigação».
Trata-se de uma intimação formal dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo, sob pena de se considerar o seu não cumprimento como definitivo – através da fixação de um prazo perentório, obtém-se uma clarificação definitiva de posições. Trata-se, na generalidade dos casos, de um ónus imposto ao credor que pretenda converter a mora em não cumprimento (31).
Essa interpelação admonitória – que pressupõe que o credor tenha ainda qualquer interesse no cumprimento – deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo perentório, e preciso, para o cumprimento; c) a admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida, caso não seja cumprida dentro daquele prazo suplementar (32).
Diz a lei que o prazo fixado pelo credor deve ser um prazo razoável, atenta a natureza da prestação – o prazo razoável será aquele que o for para o aprestamento da prestação, embora também não deva ser tal que prejudique ou faça desaparecer o interesse do credor.
Tem-se entendido que o prazo razoável fixado pelo credor para a dita conversão, se o devedor não cumprir, tanto se aplica às obrigações sem prazo (inicial) estabelecido, como às obrigações com prazo inicialmente fixado (33).
Para que possa validar-se a interpelação admonitória impõe-se que o prazo fixado “ab initio” não tenha sido clausulado, expressa e inequivocamente, como prazo fatal e que tenha havido um retardamento da prestação.
Todavia, enquanto o interesse do credor na prestação se mantiver e se quiser que a mora do devedor se converta em verdadeira falta de cumprimento, com as consequências jurídicas que o inadimplemento liberta, terá ele que dar nova oportunidade ao devedor em mora para que cumpra a sua obrigação. A interpelação admonitória do devedor em mora, sob a cominação apontada no n.º 1 do art. 808.º do CC, como explicita Antunes Varela (34), não constitui apenas um poder conferido ao credor, porque representa ao mesmo tempo um ónus que a lei lhe impõe (porque querendo converter a mora do devedor em não cumprimento definitivo da obrigação, o credor tem necessidade de recorrer a ela). E, para o devedor interpelado, ela representa, não só uma notificação (que o constitui no dever de prestar dentro do prazo fixado pelo interpelante, sob pena de ficar sujeito às sanções próprias da inadimplência da obrigação), mas também uma exceção (através da qual ele pode afastar, invocando a falta da interpelação prévia, a aplicação de qualquer das sanções correspondentes ao não cumprimento definitivo, apesar de inequivocamente ter faltado ao cumprimento da obrigação, quando incorreu em mora) (35).
Nos termos da denominada interpelação admonitória – qualificada por Pinto Oliveira (36) como princípio das duas oportunidades –, o devedor que não cumpre à primeira (a tempo) deve ter a oportunidade de cumprir à segunda – dentro de um prazo razoável depois do tempo (devido). Ou bem que aproveita, cumprindo – e indemnizando o credor pelos danos ou prejuízos causados pelo seu atraso –, ou bem que não a aproveita, não cumprindo.
O direito potestativo previsto, por ex., nos arts. 801º, n.º 2, e 802º do CC, só pode em princípio ser exercido desde que o devedor desaproveite duas oportunidades para cumprir e desde que se passe o segundo degrau.
Sendo certo que pode acontecer que a simples mora inviabilize logo a realização do contrato, como genericamente o admite o art. 808º do CC, no seu n.º 1, ao preconizar que a obrigação se tem como não cumprida quando a mora faça desaparecer o interesse do credor na prestação. Nestes casos já não haverá necessidade da interpelação admonitória para resolução do contrato, embora essa perda de interesse tenha de ser apreciada objetivamente, tal como se dispõe no n.º 2 do art.º 808.º do CC, isto é, que se revele através de dados factuais, de comportamentos, ações ou omissões, que indubitavelmente demonstrem que a perda de interesse se equipara ao não cumprimento definitivo da obrigação.
*
Na sentença recorrida, face à materialidade fáctica apurada, considerou a Mm.ª Juíza “a quo” estar demonstrado o incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da promitente vendedora, porquanto:

- não obstante a dependência agrícola implantada no prédio rústico não estar sujeita a licença de utilização (por ser edificação construída há mais de 70 anos), a operação urbanística de reconstrução e, consequentemente, o resultado final da obra careciam de licenciamento (não concedido).
- nas datas agendadas para as escrituras a sociedade promitente-vendedora já tinha vendido o prédio a um terceiro, ainda que esse terceiro fosse outra sociedade comercial também detida e/ou gerida pelos Réus (a Composição X, Lda) e que estes se tenham disponibilizado para celebrar a escritura de compra e venda na qualidade de sócios e/ou gerentes desta última, sendo que apenas 3 (três) meses mais tarde a Composição X, Lda. procedeu à venda do mesmo prédio a um novo comprador.
Esta venda a terceiros ocorreu antes do dia 1 de Julho de 2012, data fixada pelos Autores para a perda definitiva do interesse contratual e antes da remessa por aqueles das cartas para resolução do contrato-promessa.
*
Por se revelar essencial à apreciação da causa e lhe servir como pressuposto prévio, iniciaremos a nossa análise sobre a questão atinente à (des)necessidade da licença administrativa da reconstrução/obra em causa.
Abra-se, no entanto, um breve parêntesis para referir que, sobre o tema em apreço, constata-se que os recorrentes socorrem-se da citação de diversos excertos de depoimentos testemunhais (37) tendo em vista a alteração do decidido.
Saliente-se que tais meios probatórios não foram especificamente invocados como impondo decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, mas sim como determinantes da alteração da decisão de fundo ou de mérito.
Porém, contrariamente ao aventado pelos recorrentes, os indicados meios probatórios produzidos não são, “de per se”, idóneos à procedência das pretensões formuladas.
Não será despiciendo lembrar que os meios probatórios não têm por função a prova de realidades normativas ou de factos jurídicos abstratos, mas tão só a demonstração de factos concretos (art. 341º do Código Civil). Na verdade, da prova produzida jamais o tribunal poderá diretamente inferir a decisão a proferir sobre se, por exemplo, a operação urbanística promovida pela promitente vendedora estava, ou não, sujeita a prévio licenciamento. A produção daqueles meios de prova assume relevo ao nível do julgamento da matéria de facto, posto que será com base neles que o tribunal terá de discriminar os factos materiais julgados provados e não provados, motivando a sua convicção, pois que só ulteriormente procederá à subsunção destes factos à realidade normativa vigente (fundamentação de direito). A fundamentação de direito situa-se a jusante do apuramento da matéria de facto, sendo que somente em função da delimitação da facticidade apurada é que fará sentido subsumi-los ao direito aplicável, efectuando a sua qualificação e enquadramento jurídico, bem como aplicando as normas jurídicas correspondentes, com vista a proferir a decisão final da causa.
Fica assim explicada a razão por que abster-nos-emos de incidir a nossa análise sobre os diversos excertos reproduzidos ou invocados.
Como já salientámos, é frequentemente, designadamente dos contratos-promessa de compra e venda, que, paralelamente à prestação principal, derivem deles as denominadas obrigações de meios, acessórias ou secundárias, em relação à obrigação principal decorrente do contrato-promessa, as quais se destinam a preparar o cumprimento ou assegurar a perfeita execução da prestação principal.
Com efeito, o contrato-promessa de compra e venda tem como objecto e obrigação principal a celebração da escritura de compra e venda, sendo esse o sinalagma específico do contrato.
Impende, assim, sobre o devedor/promitente, não só essa obrigação principal de celebrar o contrato prometido, mas também a obrigação instrumental dessa obrigação principal, de realizar os actos possibilitadores do cumprimento, permitindo que o negócio prometido se celebre nos exactos termos convencionados, isto é, todos os deveres secundários, acessórios ou instrumentais da obrigação principal necessários à viabilização/satisfação do interesse que levou à celebração do contrato (38).
A nível legal, importa ter presente o regime previsto no Dec. Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação.

Nos termos do art. 2º, para efeitos do citado diploma, entende-se por:
«a) «Edificação», a atividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com caráter de permanência;
b) «Obras de construção», as obras de criação de novas edificações;
c) «Obras de reconstrução», as obras de construção subsequentes à demolição, total ou parcial, de uma edificação existente, das quais resulte a reconstituição da estrutura das fachadas;
d) «Obras de alteração», as obras de que resulte a modificação das características físicas de uma edificação existente, ou sua fração, designadamente a respetiva estrutura resistente, o número de fogos ou divisões interiores, ou a natureza e cor dos materiais de revestimento exterior, sem aumento da área total de construção, da área de implantação ou da altura da fachada;
(…)».

Nos termos do art. 4.º, sob a epígrafe “Licença, comunicação prévia e autorização de utilização”:
1 - A realização de operações urbanísticas depende de licença, comunicação prévia com prazo, adiante designada abreviadamente por comunicação prévia ou comunicação, ou autorização de utilização, nos termos e com as excepções constantes da presente secção.
2 - Estão sujeitas a licença administrativa:
(…)
c) As obras de construção, de alteração ou de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor;
d) As obras de conservação, reconstrução, ampliação, alteração ou demolição de imóveis classificados ou em vias de classificação, bem como de imóveis integrados em conjuntos ou sítios classificados ou em vias de classificação, e as obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração exterior ou demolição de imóveis situados em zonas de protecção de imóveis classificados ou em vias de classificação;
e) Obras de reconstrução das quais resulte um aumento da altura da fachada ou do número de pisos;
f) As obras de demolição das edificações que não se encontrem previstas em licença de obras de reconstrução;
h) As obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração ou demolição de imóveis em áreas sujeitas a servidão administrativa ou restrição de utilidade pública, sem prejuízo do disposto em legislação especial;
i) Operações urbanísticas das quais resulte a remoção de azulejos de fachada, independentemente da sua confrontação com a via pública ou logradouros;
j) As demais operações urbanísticas que não estejam sujeitas a comunicação prévia ou isentas de controlo prévio, nos termos do presente diploma.
3 - (…).
4 - Estão sujeitas a comunicação prévia as seguintes operações urbanísticas:
a) As obras de reconstrução das quais não resulte um aumento da altura da fachada ou do número de pisos;
b) As obras de urbanização e os trabalhos de remodelação de terrenos em área abrangida por operação de loteamento;
c) As obras de construção, de alteração ou de ampliação em área abrangida por operação de loteamento ou plano de pormenor;
d) As obras de construção, de alteração ou de ampliação em zona urbana consolidada que respeitem os planos municipais ou intermunicipais e das quais não resulte edificação com cércea superior à altura mais frequente das fachadas da frente edificada do lado do arruamento onde se integra a nova edificação, no troço de rua compreendido entre as duas transversais mais próximas, para um e para outro lado;
(…).
5 - Está sujeita a autorização a utilização dos edifícios ou suas fracções, bem como as alterações da utilização dos mesmos.
6 - Nas operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia pode o interessado, no requerimento inicial, optar pelo regime de licenciamento”.

Sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 2 do art. 4.º, estão isentas de controlo prévio as operações inscritas no art. 6.º, n.º 1 do mesmo diploma, tais como:
a) As obras de conservação;
b) As obras de alteração no interior de edifícios ou suas fracções que não impliquem modificações na estrutura de estabilidade, das cérceas, da forma das fachadas, da forma dos telhados ou coberturas ou que não impliquem a remoção de azulejos de fachada, independentemente da sua confrontação com a via pública ou logradouros;
c) As obras de escassa relevância urbanística;
(…)”.

De acordo com o n.º 8 do mesmo artigo: “O disposto no presente artigo não isenta a realização das operações urbanísticas nele previstas da observância das normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes de planos municipais, intermunicipais ou especiais de ordenamento do território, de servidões ou restrições de utilidade pública, as normas técnicas de construção, as de protecção do património cultural imóvel, e a obrigação de comunicação prévia nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março, que estabelece o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional”.

Segundo o art. 62.º:
1 - A autorização de utilização de edifícios ou suas fracções autónomas na sequência de realização de obra sujeita a controlo prévio destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte, e a conformidade da obra com o projecto de arquitetura e arranjos exteriores aprovados e com as condições do respetivo procedimento de controlo prévio, assim como a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis, podendo contemplar utilizações mistas.
2 - No caso dos pedidos de autorização de utilização, de alteração de utilização ou de alguma informação constante de licença de utilização que já tenha sido emitida, que não sejam precedidos de operações urbanísticas sujeitas a controlo prévio, a autorização de utilização de edifícios ou suas frações autónomas destina-se a verificar a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis, bem como a idoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o fim pretendido, podendo contemplar utilizações mistas”.

Sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou disciplinar, são puníveis como contraordenação a “realização de quaisquer operações urbanísticas sujeitas a prévio licenciamento sem o respetivo alvará de licenciamento, exceto nos casos previstos nos artigos 81.º e 113.º”, bem como a “ocupação de edifícios ou suas frações autónomas sem autorização de utilização ou em desacordo com o uso fixado no respetivo alvará ou comunicação prévia, salvo se estes não tiverem sido emitidos no prazo legal por razões exclusivamente imputáveis à câmara municipal” [cfr. art. 98.º, n.º 1, als. a) e d)].
Para reposição da legalidade urbanística quando sejam realizadas operações urbanísticas, prevê o art. 102.º, entre outras medidas, o embargo de obras [cfr. n.º 2, al. a)], a demolição total ou parcial de obras [cfr. n.º 2, al. e)], a determinação da cessação da utilização de edifícios ou suas fracções autónomas [cfr. n.º 2, al. g)].
Ora, estando em causa a reconstrução duma dependência agrícola, com a área de 70m2, obedecendo às especificidades de uma moradia de tipologia V3, cremos que o entendimento que deve ser seguido é o plasmado na sentença recorrida – que corresponde ao defendido pelos Autores/recorridos e pela Câmara Municipal –, no sentido de que, embora a dependência agrícola implantada no prédio rústico não estava sujeita a licença de utilização por ser edificação construída há mais de 70 anos, já o mesmo não se aplica à operação urbanística de reconstrução, nem, consequentemente, ao resultado final da obra.
Com efeito, seguindo o afirmado na sentença recorrida – por nos revermos na respectiva fundamentação e conclusão –, «a ausência dos alvarás de obras e de utilização, não impedia, no caso concreto, a celebração de uma escritura de compra e venda, desde logo porque a promitente-vendedora tinha na sua posse a certidão emitida pela Câmara de isenção de licença de utilização por ser edificação com mais de 70 anos.
Não obstante, não se pode considerar exigível aos Autores que prescindam do cumprimento das disposições legais aplicáveis, sujeitando-se à aquisição de um prédio sem o devido licenciamento, com os inerentes riscos de vir a ser determinada a cessação da utilização do edifício e, até, a eventual demolição.
O facto de, em prédios em situação idêntica, ainda não ter sido determinada a demolição (depreendendo-se que seja do interesse da Câmara Municipal a fixação de população – ainda que meramente sazonal - em áreas remotas/desertificadas), não configura qualquer garantia de que tal não possa vir a ocorrer. Tanto mais que foi emitido um parecer desfavorável à legalização da operação urbanística, nada garantindo que, um novo pedido de legalização (já que o dos autos foi considerado deserto por falta de resposta da construtora e promitente-vendedora) tenha destino diverso».
Assim, contrariamente ao propugnado pelos recorrentes, é de concluir que, na situação dos autos, a operação urbanística promovida pela promitente vendedora carecia do respetivo licenciamento, estando apurado nos autos que, apesar de ter sido efetuado um pedido de licenciamento junto da Câmara Municipal ... tendente ao licenciamento da operação urbanística em causa (proc. N.º LE-EDI n.º 108/2010) em nome de P. D. e Filho, Lda, a referida reconstrução nunca chegou a ser licenciada pela Câmara Municipal ... (ponto 36 dos factos provados).
Dilucidada a nossa posição sobre este ponto controvertido, importa, agora, particularizar o caso concreto.
Perante o elenco dos factos provados verifica-se que a sociedade promitente-vendedora, entretanto dissolvida, vinculou-se perante os Autores – e estes aceitaram – a celebrar o contrato definitivo no prazo de 150 dias a contar da celebração do contrato promessa – portanto, até 13/12/2009 –, acrescido de uma prorrogação de mais 30 dias – até 13/01/2010 – em caso de ocorrer alguma situação excepcional, o que pressupunha a prévia conclusão da construção da moradia e respectivos acessos até ao caminho público.
Os trabalhos de reconstrução decorreram mais lentamente do que estava previsto, pelo que não foi possível cumprir o prazo de 150 dias, acrescido de outros 30 dias.
Não decorre da facticidade provada que o prazo contratualmente estabelecido para a conclusão da obra revestisse a natureza de prazo fixo, essencial e absoluto, pelo que o seu esgotamento apenas implicou a constituição do devedor em mora. De facto, a não celebração do contrato prometido na data ajustada no contrato, por a construção não estar concluída, traduz uma situação de mora (culposa), visto que os Réus não lograram ilidir a presunção de culpa que impendia sobre a promitente vendedora no que respeita ao incumprimento contratual – art. 799º, n.º 1, do CC. É, aliás, manifesto que o excedimento daquele prazo não determinou a perda (definitiva) do interesse do credor no cumprimento do contrato promessa, posto que, a 19/06/2011, os autores adquiriram um conjunto de eletrodomésticos com vista à sua instalação na moradia em construção, no decurso do ano de 2011 diligenciaram pela obtenção de financiamento bancário e nas cartas datadas de 06/03/2012 e de 15/03/2012 sempre reiteraram o propósito de celebrar o contrato prometido (de compra e venda) até 1 de julho de 2012 por manterem interesse na celebração do contrato (contanto que a construção estivesse devidamente licenciada).
Subsequentemente, com data de 23/02/2012, os Autores receberam uma carta da sociedade P. D. & Filho, Lda, comunicando-lhes que a escritura de compra e venda do prédio objecto do contrato promessa estava marcada para o dia 9/03/2012, com a advertência de que “A falta de comparência de V. Exas. à escritura fará com que possa resolver o contrato promessa, fazendo nosso o valor de € 15.000,00 (quinze mil euros) recebido como sinal.”
Responderam os Autores através da carta datada de 06/03/2012, comunicando, além do mais, que: “[…] A referida construção deverá […] estar devidamente licenciada pela Câmara Municipal ..., para que o negócio prometido esteja apto a realizar-se. / […] faltando o necessário e imprescindível parecer favorável da entidade regional da Reserva Agrícola Nacional (RAN), para que a Câmara Municipal pondere o deferimento do pedido em apreço. […] Esse parecer não existe, encontrando-se a reconstrução por licenciar. / Desta feita, não estão reunidas as condições para a celebração do negócio prometido, pois que falta o necessário e imprescindível licenciamento, sem o qual os promitentes compradores não estão […] interessados na compra. Além do mais, os acessos da reconstrução efectuada até ao caminho público ainda foram realizados, […] o que também inviabilizava a celebração do negócio prometido. /Assim, os signatários dão conta […] de que não estarão presentes no próximo dia 9 de Março, para a celebração da aludida escritura de compra e venda, pois que não estão reunidas as necessárias condições para tanto (falta de licenciamento e não realização das obras respeitantes aos acessos), realidade a que são alheios e que é da exclusiva responsabilidade da P. D. & Filho, Lda., enquanto promitente vendedora. / […] ainda é sua intenção adquirir o(s) prédio(s) em causa, desde que devidamente licenciado(s) […], celebrariam o negócio de imediato, se o prédio estivesse devidamente licenciado e colhidos que se mostrassem os competentes alvarás. / A sociedade P. D. & Filho, Lda. encontra-se em mora no cumprimento da sua obrigação, […] pois que não cuidou ainda de realizar as obras relativas aos acessos ao prédio, nem de obter o necessário licenciamento da operação urbanística que promoveu. / […] considerando o estado do processo administrativo de licenciamento, os promitentes compradores mostraram-se dispostos a aguardar até ao dia 1 de Julho de 2012 pela realização do negócio prometido, nas condições exigíveis, designadamente com a obtenção do licenciamento da já realizada reconstrução. Na falta do licenciamento não é viável a realização do negócio […]. Se a escritura de compra e venda não for marcada até à referida data de 1 de Julho de 2012, cumprindo-se com as invocadas e necessárias condições, os promitentes compradores perdem definitivamente interesse no negócio, com as decorrentes consequências legais”.
Tal como tinham anunciado, os Autores não compareceram, efectivamente, ao agendamento de 09/03/2012, na Conservatória do Registo Predial ... (Casa ...).
A sociedade respondeu por carta datada de 08/03/2012, dando conta de que “a construção existente no prédio prometido vender e que” ficou “de reconstruir não está sujeito a licença de utilização, nos termos de certidão emitida pela Câmara Municipal ..., com data de 26/08/2012 […]”, pelo que espera que os Autores “compareçam na Casa ... […] no próximo dia 16/03/2012, pelas 10h00”, data para a qual adiaram a outorga da escritura.
Responderam mais uma vez os Autores a esta última carta da sociedade P. D. & Filho, Lda., com data de 15/03/2012, dando conta de que: “[…] o prédio que ali se achava implantado não estava sujeito a licença de utilização, até porque a respetiva construção fora anterior à entrada em vigor do RGEU […] o mesmo não pode dizer-se da operação urbanística promovida no mesmo, ou seja, a dita reconstrução. / […] a Câmara Municipal ..., confrontada com a certidão apresentada […] cuidou de esclarecer que efectivamente corria um processo de contraordenação, respeitante a essa operação urbanística e que tal processo era independente do processo administrativo tendente à legalização da operação urbanística, ainda por legalizar. / O mesmo foi posteriormente reiterado pessoalmente na Câmara Municipal ..., onde ficou claro que a operação urbanística em apreço carece de licenciamento, sublinhando-se encontrar-se o processo respectivo carente do parecer favorável da RAN […] /” não estão “reunidas as condições para a celebração do negócio prometido, não estando interessados na “compra de um problema” adquirindo uma construção não licenciada. Por isso não estaremos presentes no próximo dia 16 de Março de 2012, para a celebração do contrato. / […] reiteramos que até 1 de Julho de 2012, estaremos disponíveis para outorgar a escritura de compra e venda, desde que a construção esteja devidamente licenciada. A partir dessa data perderemos definitivamente o interesse no negócio, se o mesmo não fosse realizado até então, considerando a obrigação definitivamente incumprida, com as decorrentes consequências legais”.
Resulta igualmente provado que, apesar de ter sido efetuado um pedido de licenciamento junto da Câmara Municipal ... tendente ao licenciamento da operação urbanística em causa em nome de P. D. e Filho, Lda, a referida reconstrução nunca chegou a ser licenciada pela Câmara Municipal ....
Por fim, está provado que, por cartas datadas de 09/04/2013, os Autores comunicaram aos Réus P. D., T. B. e H. C. que consideravam resolvido o contrato.
Ora, as notificações datadas de 06/03/2012 e de 15/03/2012, expedidas pelos Autores à sociedade promitente vendedora, para a outorga do contrato prometido até 1 de julho de 2012, com a condição da construção estar devidamente licenciada, valem como notificações admonitórias ou interpelações cominatórias, sendo que, a verificar-se o decurso do prazo sem a celebração do contrato prometido (e o cumprimento das obrigações a que se vinculou), a mora seria convertida em incumprimento definitivo, nos termos da 2ª parte do n.º 1 do art. 808º do CC.

Na verdade, daquelas notificações constam os três requisitos constitutivos daquela intimação ou interpelação, quais sejam:
- i) a intimação para o cumprimento; ii) a fixação de um termo adicional e perentório para o cumprimento (até 1 de julho de 2012) e iii) a declaração admonitória ou cominatória de que, perante a inobservância daquele prazo e das condições acordadas, os promitentes compradores perdiam definitivamente interesse no negócio, com as decorrentes consequências legais.

No caso, os RR. nem sequer questionaram a irrazoabilidade do prazo (suplementar) para permitir ao devedor cumprir o seu dever de prestar, pelo que nos abstemos de qualquer pronúncia nesse sentido.
Sempre se poderia, porém, questionar se não houve previamente incumprimento definitivo por parte dos autores, os quais não compareceram nas datas agendadas para a outorga da escritura de compra e venda do prédio objecto do contrato promessa (9/03/2012 e 16/03/2012, respectivamente).
A resposta à questão colocada não pode deixar de ser negativa.
Em primeiro lugar, porque à data dos agendamentos das escrituras públicas supra referidas o melhoramento dos acessos à reconstrução até ao caminho público não estava concluído, sendo que esta era uma das obrigações que impendiam sobre a sociedade.
Em segundo lugar – e como decisivo –, porque a operação urbanística de reconstrução promovida no prédio carecia de licenciamento e a verdade é que a referida reconstrução nunca chegou a ser licenciada pela Câmara Municipal ....
Por conseguinte, uma vez verificada a mora (culposa) da promitente vendedora (que não concluiu a obra no prazo inicialmente acordado), e tendo os credores realizado efetivamente a interpelação admonitória, fixando um prazo suplementar, razoável e definitivo para o cumprimento da obrigação (até 1 de julho de 2012), sob a cominação de que a não realização da escritura nesse prazo final ditaria uma situação de irremediável incumprimento definitivo, facto esse que se tem como consolidado no processo – aliás, nas datas agendadas para as escrituras a sociedade promitente-vendedora tinha já alienado o prédio a uma sociedade (a Composição X, Lda), se bem que esta era detida e/ou gerida pelos Réus e estes sempre se disponibilizaram para celebrar a escritura de compra e venda, mesmo depois dessa venda, na qualidade de sócios e/ou gerentes desta última –, aquela interpelação feita à promitente vendedora, através das cartas datadas de 06/03/2012 e de 15/03/2012, era apta à conversão da mora em que incorrera em incumprimento definitivo (arts. 801º e 808º, n.º 1, do Código Civil), o que legitima a resolução do contrato operada por cartas datadas de 09/04/2013.
Considerando, pois, que a notificada (promitente vendedora) voltou a não cumprir (além de não ter concluído o melhoramento dos acessos à reconstrução até ao caminho público, não providenciou pela obtenção do necessário licenciamento referente à operação urbanística de reconstrução), dentro do prazo suplementar que para o efeito lhe foi concedido, a obrigação tem-se para todos os efeitos por não cumprida (incumprimento definitivo) e é inquestionável que os promitentes compradores têm o direito de resolver – como, de facto, resolveram – o contrato promessa (arts. 808º e 801º, n.º 2 do CC) e exigir – como exigiram – a aplicação da sanção prevista no n.º 2 do art. 442º do CC (no caso, a restituição do sinal em dobro).
*
2.2. Da devolução em singelo dos valores entregues a título de sinal.

No caso de ser reconhecido como justificado o direito de resolução do contrato promessa por parte dos autores, os réus defendem que se imporia a este Tribunal a prolação de uma decisão mais equitativa e justa que se traduziria na condenação (dos RR.) apenas e só no montante de € 15.000,00 €, acrescido do valor dos electrodomésticos (€ 1.687,21), tudo no valor total de € 16.687,21 €, sem juros (39).
A procedência da questão em apreço pressuporia que os elementos disponíveis nos autos permitissem concluir que o incumprimento é bilateral (visto ser bilateral o contrato em que ele se encontra constituído).
A esse respeito a jurisprudência do STJ tem considerado tratar-se de um caso de culpas concorrentes e, havendo igual culpa das partes, tem decidido que o sinal deve ser devolvido em singelo, por efeito da resolução do contrato (40).

No caso em apreço, os elementos apurados não nos permitem concluir pela verificação de uma conduta de incumprimento por parte dos AA., já que estes limitaram-se a exigir que a promitente vendedora diligenciasse pela obtenção do respetivo licenciamento camarário, visto este ser um elemento essencial à celebração do contrato prometido.

Veja-se que os RR. não lograram provar, como lhes competia, que:
- Os Autores não apareceram na escritura pública porque nunca conseguiram o empréstimo bancário para pagar na data e hora da mesma o valor remanescente [al. B) dos factos não provados].
- Os Autores tenham protelado a escritura pública porque não tinham capacidade financeira para pagar o preço remanescente [al. C) dos factos não provados].
- As obras acordadas tenham sido perfeitamente concluídas [al. D) dos factos não provados].
Donde não se mostrando demonstrado o incumprimento bilateral do contrato-promessa de compra e venda o fundamento em apreço está inelutavelmente destinado ao insucesso.
*
2.3. Dos pressupostos de responsabilização dos antigos sócios da sociedade extinta pelo passivo superveniente.

No caso de improcedência dos antecedentes fundamentos, defendem os recorrentes que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que decida que os réus apenas são responsáveis pelo pagamento da quantia de 18.634,24 €.
A eventual alteração da solução jurídica alcançada na sentença impugnada nessa parte dependia, na sua totalidade, do prévio sucesso da modificação da decisão de facto [mais concretamente da alteração do ponto 44 dos factos provados, de modo a que ficasse provado que “os sócios receberam na partilha apenas o capital próprio da sociedade liquidada P. D. e Filho, Lda no montante de € 18.634,24”], o que não sucedeu.
Sem embargo da afirmação antecedente, sempre se imporá tecer algumas breves considerações sobre as condições e limites de responsabilização dos antigos sócios da sociedade extinta pelo passivo superveniente, em função do regime previsto no art. 163º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
A sociedade dissolve-se por deliberação dos sócios (art. 141º, n.º 1, al. b), do CSC).
Dissolvida a sociedade, entra imediatamente em fase de liquidação (art. 146º, n.º 1 do CSC), mantendo ainda a sua personalidade jurídica, como estabelece o art. 146º, n.º 2, do CSC.
Uma sociedade dissolvida e em liquidação não está extinta; a extinção só se verifica com a inscrição, no registo, do encerramento da liquidação. De acordo com o n.º 2 do art. 160º do CSC, a sociedade apenas se considera “extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162.º a 164.º, pelo registo do encerramento da liquidação”.
É com a extinção da sociedade que deixa de existir a pessoa coletiva. Esta perde a sua personalidade jurídica e judiciária, não podendo instaurar nem ser destinatária de qualquer ação judicial.
Ora, no caso dos autos, no dia 27/04/2012, os sócios da sociedade comercial P. D. & Filho, Lda deliberaram dissolver a dita sociedade, “uma vez que [esta] deixou de exercer a sua actividade, tendo já sido liquidado todo o activo e passivo da dita sociedade, não existindo quaisquer bens a partilhar, tendo as respectivas contas sido encerradas e aprovadas por unanimidade”, sendo que da certidão da Conservatória do Registo Comercial resulta averbado, a 27/04/2012, o registo da dissolução e encerramento da liquidação.
Por conseguinte, tendo os sócios da sociedade devedora deliberado a dissolução da sociedade e, com fundamento na inexistência de activo ou passivo sociais, encerrado a liquidação, a ação foi intentada contra os Réus, por terem sido os seus sócios únicos e/ou gerentes, sob a alegação de que estes serem pessoal e solidariamente responsáveis pelo cumprimento da obrigação da sociedade perante os AA., ao abrigo do disposto nos arts. 78º, 158º e 163º, n.º 1, do CSC.
Este último normativo versa sobre o denominado “passivo superveniente”, entendendo-se como tal “o passivo social que posteriormente à liquidação se vem a apurar que existia (ou porque era desconhecido anteriormente ou porque era litigioso e se tornou certo apenas após o encerramento da liquidação) e não foi satisfeito ou assegurado na liquidação, não havendo mais bens sociais (bens ainda da titularidade da sociedade) que possam responder por ele” (41).

Prescreve o citado n.º 1 do art. 163º do CSC:

1 - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”.
Segundo Carolinha Cunha (42), “por circunstâncias várias, envolvendo ou não culpa (ou dolo) dos liquidatários, pode a sociedade vir a ser extinta sem que estejam satisfeitos todos os credores sociais. Os interesses dos credores e do tráfico jurídico em geral opõem-se fortemente a que a extinção da sociedade acarrete a extinção das dívidas sociais. Ora, permanecendo as dívidas, há que determinar quem responde por elas. A regra geral é a consagrada pelo art. 163.º: a responsabilidade dos antigos sócios, embora limitada pelo montante que receberam em partilha. O fundamento da solução legalmente consagrada radica na ideia de sucessão na titularidade daquela relação jurídica, embora de âmbito limitado pela extensão do direito de cada sócio relativamente ao antigo património social. Os sócios têm direito ao saldo da liquidação distribuído pela partilha; mas, se houverem recebido mais do que era seu direito porque havia débitos sociais insatisfeitos, terão de ser eles a satisfazê-los, agora à custa dos bens que receberam”.
Provando-se que aquando da dissolução de uma sociedade comercial por quotas foi declarado que não havia qualquer património da mesma, nem ativo nem passivo e vindo-se a provar que a sociedade tinha dívidas não satisfeitas e que se procedeu a partilhas do património da sociedade, são os respetivos sócios responsáveis pelas dívidas da sociedade, nos termos do art. 163º, nº 1 do CSC.
Os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante que receberam na partilha. A sua responsabilidade pessoal (falamos de sócios de sociedades de responsabilidade limitada) não excede, pois, as importâncias que hajam recebido em partilha dos bens sociais: eles são responsáveis até esse montante.
Por conseguinte, excepto no que se refere aos sócios de responsabilidade ilimitada (que não releva ao caso dos autos), a responsabilidade dos antigos sócios tem limites e não abrange, independentemente do mais, a totalidade dos débitos sociais insatisfeitos. Tão pouco tem a medida da sua participação no capital social da sociedade extinta (43). A responsabilidade dos sócios pelo passivo social não satisfeito ou acautelado depende de terem recebido na liquidação mais bens ou valores do que aqueles que podiam ter sido distribuídos aos sócios na liquidação e, como tal, tem como medida o montante ou o valor dos bens que receberam na partilha (44).
Como salienta Raúl Ventura (45), a intenção do citado art. 163º, n.º 1, “consiste em estabelecer um mecanismo que coloque os credores sociais na situação, relativamente a litígios judiciais, tanto quanto possível idêntica àquela com que eles deparariam se a sociedade não se tivesse extinguido, mas sem, contudo, esquecer esta extinção”, ou seja, como se explicitou no Ac. da RP de 11/05/2020 (relator Jorge Seabra), in www.dgsi.pt., “sem olvidar que a responsabilidade dos antigos sócios não pode ser superior àquela que a própria sociedade, se existisse, poderia e deveria assumir, em função do seu activo social, o que supõe a sua existência” (46).
Sendo assim, é requisito constitutivo insuprível de responsabilização dos sócios a demonstração – a fazer pelo credor social – de que os sócios beneficiaram pessoalmente de património social que deveria ter respondido pelo passivo social e foi antes, indevidamente, transferido para a titularidade dos sócios (47).
Tal como se considerou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/11/2017 (relator João Camilo), in www.dgsi.pt., «a existência de passivo da sociedade liquidada é um dos requisitos de que depende a responsabilidade dos sócios, prevista no referido nº 1 do art. 163º. Outro requisito é o de na dissolução daquela sociedade ter-se procedido a partilha de bens, necessariamente, aos respectivos sócios, a quem caberiam, nos termos do art. 156º do Cód. das Sociedades Comerciais. O quantitativo dos bens partilhados aos sócios apenas releva para efeito de funcionamento do limite previsto no referido preceito, ou seja, para quantificar a responsabilidade até ao montante recebido na partilha».
No caso em apreço, os recorridos lograram provar – como lhes competia (48) – que os sócios receberam na partilha um montante que não foi possível apurar (ponto 44 dos factos provados).
Significa isto que os credores cumpriram o ónus probatório que sobre eles impendia, demonstrando que na partilha, na sequência da dissolução da sociedade, os sócios fizeram seus bens da sociedade.
Pretendendo ser condenados a pagar menos do que o valor do crédito, cabia aos sócios o ónus da prova da insuficiência desses bens para a satisfação total dos créditos (49), designadamente que na partilha receberam apenas o capital próprio da sociedade liquidada no montante de € 18.634,24, prova essa que fizeram.
Por conseguinte, uma vez que os autores logram provar que os sócios se apropriaram de bens da sociedade em prejuízo dos credores sociais, e não tendo estes demonstrado que os bens de que se assenhoraram era inferior ao do crédito peticionado, forçoso será concluir pela improcedência deste fundamento de apelação.

Por fim, na apelação não vem posto em causa o entendimento firmado na sentença recorrida no sentido de que:
i) - os Réus T. B. e H. C. (sócios à data da dissolução da sociedade) responderão ao abrigo do disposto no art. 163º do CSC.
ii) - os Réus T. B. e P. D. responderão, na sua qualidade de gerentes, ao abrigo do disposto nos arts. 78.º, 64.º, n.º 1, al. b) e 79.º, n.º 1 do CSC e art. 762.º, n.º 2, do CC.
iii) - As condutas assacadas aos Réus seriam ainda suficientes para chamar à colação, se necessário, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica a que fazem referência os Autores.

Isto porque, como ali se refere, “os Réus, nas respectivas qualidades de sócios e/ou gerentes, agiram como se não houvesse qualquer separação entre o património social e entre o seu património pessoal e como se as diferentes sociedades constituídas e/ou geridas pelos Réus se confundissem entre si, levando a crer que a gestão das várias sociedades e respectivas finanças era feita sob a perspectiva das conveniências dos sócios e/ou gerentes (pais e filho) e não de cada uma das sociedades individualmente consideradas.
Visando o instituto do levantamento da personalidade colectiva corrigir comportamentos ilícitos de sócios que abusaram da personalidade colectiva da sociedade, actuando com violação das regras de boa fé e em prejuízo de terceiros – os aqui Autores-, a sua conduta é passível de um juízo de reprovação”.
Nesta conformidade, a decisão de julgar a ação procedente está em conformidade com as normas legais e tem de ser confirmada.
Improcede, por isso, a apelação.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade dos recorrentes, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7, do CPC):

I - O regime geral dos contratos – designadamente as regras atinentes à falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor, entre elas as dos arts. 798º, 801º, 804º e 808º do Cód. Civil – é aplicável ao contrato-promessa de compra e venda, tendo este, no entanto, um regime específico ao nível das sanções aplicáveis ao não cumprimento do contrato, quando tenha havido lugar à constituição de sinal.
II - A mora apenas legitima a resolução quando convertida em incumprimento definitivo por uma das duas vias previstas no art. 808º, n.º 1, do CC: a) pela perda objetiva de interesse do credor na prestação ou b) pelo recurso à interpelação admonitória, com a fixação de prazo razoável, apenas dispensável se houver uma recusa antecipada do devedor em cumprir.
III - Essa interpelação admonitória – que pressupõe que o credor tenha ainda qualquer interesse no cumprimento – deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo perentório, e preciso, para o cumprimento; c) a admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida, caso não seja cumprida dentro daquele prazo suplementar.
IV - Provando-se que aquando da dissolução de uma sociedade comercial por quotas foi declarado que não havia qualquer património da mesma, nem ativo nem passivo e vindo-se a provar que a sociedade tinha dívidas não satisfeitas e que se procedeu a partilhas do património da sociedade, são os respetivos sócios responsáveis pelas dívidas da sociedade, nos termos do art. 163º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.
V - Os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante que receberam na partilha.
VI - Demonstrando os credores que na partilha, na sequência da dissolução da sociedade, os sócios fizeram seus bens da sociedade, caberá aos sócios, caso pretendam ser condenados a pagar menos do que o valor do crédito, o ónus da prova da insuficiência desses bens para a satisfação total dos créditos.
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VI. Decisão

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo dos apelantes/réus (art. 527.º do CPC).
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Guimarães, 29 de outubro de 2020

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
2. Conclusões B), HH) e II).
3. Conclusão G.
4. Conclusões OO) e RR).
5. Cfr. Ac. Rel. Porto de 14.04.94, CJ, 1994, T. II, p. 213; António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 1997, p. 236 e J. P. Remédio Marques, in Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2007, p. 409.
6. Cfr. Helena Cabrita, A fundamentação de facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, pp. 177/179 e Ac. da RL de 13/05/2009 (relator Ferreira Marques), in www.dgsi.pt..
7. Cfr. Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., Almedina, p. 308.
8. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, p. 309, Ana Prata, O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, Almedina, 2001, 1993, p. 573 e Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 14ª ed./2017, Almedina, p. 13.
9. Cfr. Almeida Costa, Contrato Promessa, Uma síntese do Regime Actual, separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 50, I, 1990, pág. 41.
10. Cfr. Calvão da Silva, obra citada, p. 15.
11. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed. Coimbra Editora, p. 373.
12. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 4ª ed., Almedina, p. 265.
13. Cfr. Acs. do STJ de 11/02/2015 (relator Gabriel Catarino) e de 22-03-2011 (relator Moreira Alves), disponíveis in www.dgsi.pt.
14. Cfr. João Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Ivridica, Braga, 1991, p. 130 e ss..
15. Cfr. Acs. do STJ de 12/01/2010 (relator Paulo Sá) e de 11/02/2015 (relator Gabriel Catarino), disponíveis in www.dgsi.pt. e Pedro Romano Martinez, Da cessação do contrato, 3ª ed./2017, Almedina, pp. 127 e 132.
16. Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 22/06/2010 (relator Fonseca Ramos) e Ac. da RC de 21/09/2010 (relator Fonte Ramos), in www.dgsi.pt.
17. Sem embargo de poder haver razões justificadas por limitações ao exercício do direito ou ao modo de exteriorização que inviabilizem a imediata cessação do contrato. - cfr. Pedro Romano Martinez, obra citada, p. 208.
18. Cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 10/09/2009 (relator Santos Bernardino), de 20/10/2009 (relator Fonseca Ramos) e de 12/01/2010 (relator Paulo Sá), disponíveis in www.dgsi.pt.
19. Não existindo sinal, o contraente não faltoso terá direito a uma indemnização calculada de acordo com as regras gerais da responsabilidade civil (arts. 562º e ss. do CC).
20. Cfr., neste sentido, entre outros, Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, (…), p. 98/103 e Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, p. 297; Antunes Varela, Sobre o Contrato-Promessa, p. 70, nota 1; Antunes Varela, RLJ, ano 119, p. 216, Almeida Costa, Contrato-Promessa (…), p. 54; Januário Gomes, Tema de Contrato-Promessa, 1990, AAFDL, pp. 55/60; Brandão Proença, Do incumprimento do contrato-promessa bilateral, 1996, pp. 119/126, Ana Prata, O contrato-promessa e o seu regime civil, p. 780/782 e Ana Prata, Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume I, 2017, Almedina, p. 567.
21. Cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 22/06/2010 (relator Fonseca Ramos), de 11/02/2015 (relator Gabriel Catarino), de 19/05/2016 (relator Lopes do Rego), de 16/06/2016 (relator Pires da Rosa), de 13/10/2016 (relatora Maria da Graça Trigo), de 2/02/2017 (relatora Maria da Graça Trigo) e de 30/11/2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
22. O que significa que a resolução do contrato-promessa e as sanções da perda do sinal ou da sua restituição em dobro só têm lugar no caso de inadimplemento definitivo da promessa.
23. Cfr. Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, p. 223 e segs..
24. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações (…), Vol. II., p. 119.
25. Cfr. Ac. do STJ de 10/12/1007, CJSTJ, Ano V, T. III-1997, p. 164, Ac. da RG de 11/07/2013 (relatora Purificação Carvalho) e Ac. RP de 28/04/2014 (relator Manuel Domingos Fernandes), ambos consultáveis in www.dgsi.pt.
26. Remete-se para as referências doutrinárias e jurisprudenciais explicitadas nas notas 15, 16, 10, 21 e 22.
27. Cfr. Ac. do STJ de 6/02/2007 (relator Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt.
28. Dá-se como exemplo os casos em que não tenha sido estipulada uma cláusula resolutiva ou um termo essencial absoluto, nem o credor possa alegar, de modo objetivamente fundado, perda do interesse na prestação por efeito da mora. - cfr. João Baptista Machado, Pressupostos da resolução por incumprimento (…), p. 164/165 e Ac. STJ de 10/07/2008 (relator Alberto Sobrinho), in www.dgsi.pt.
29. Cfr. Comentário ao Código Civil - Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral, anotação de Maria da Graça Trigo/Mariana Nunes Martins ao artigo 808º, Universidade Católica Editora, p. 1143.
30. Cfr. RLJ, ano 128.º, p. 119.
31. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações (…), Vol. II., p. 125 e ss.
32. Cfr. Baptista Machado, Pressupostos da Resolução (…), p. 164; Brandão Proença, A resolução do contrato no direito civil. Do enquadramento e do regime, Coimbra Editora, 1996, pp. 119/121; na jurisprudência, Acs. do STJ de 10/07/2008 (relator Alberto Sobrinho), de 02/02/2017 (relatora Graça Trigo), de 19-12-2018 (relator Olindo Geraldes) e de 10/12/2019 (relatora Raimundo Queirós), in www.dgsi.pt.
33. Cfr. Antunes Varela, RLJ, ano 128, p. 136.
34. Cfr. Das Obrigações em Geral, vol. I, (…), p. 346 e Das Obrigações em Geral, vol. II, (…), pp. 119 e 120.
35. Cfr. Antunes Varela, RLJ, ano 128, p. 139.
36. Cfr. Princípios de Direito dos Contratos, 2011, Coimbra Editora, p. 807 e segs.
37. Reportamo-nos ao depoimento das testemunhas I. M. e M. A..
38. Cfr. Ac. da RL de 17/05/2018 (relatora Ondina Carmo Alves), in www.dgsi.pt.
39. Conclusões JJ) a NN).
40. Cfr. Ac. do STJ de 25/11/2010 (relator Gonçalo Silvano) e o sumário do Ac. do STJ de 22/03/2011 (relator Moreira Alves), disponíveis in www.dgsi.pt.
41. Cfr. Acs. da RP de 8/01/2015 e de 11/10/2018 (ambos relatados por Aristides Rodrigues de Almeida), publicado in www.dgsi.pt.
42. Cfr. Responsabilidade dos sócios pelo passivo superveniente após a extinção da sociedade nos casos de ausência de liquidação, III Congresso do Direito das Sociedades em Revista, Almedina, Outubro de 2014, pág. 173 e 174, e in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume II, coord. de Jorge M. Coutinho de Abreu, Almedina, p. 668. Em sentido similar, Raul Ventura, in Dissolução e liquidação de sociedades - Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993, p. 480.
43. O capital social apenas constitui o valor representativo das entradas dos sócios, ou seja, consubstancia-se em factor imaterial, realidade diversa do património societário, líquido ou ilíquido, que pressupõe a existência de bens ou direitos avaliáveis em dinheiro. E, para os efeitos do disposto no artigo 163º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, o capital social da sociedade em causa não pode ser considerado como património societário - cfr. Ac. do STJ de 15/11/2007 (relator Salvador da Costa), in www.dgsi.pt.
44. Cfr. Acs. da RP de 11/10/2018 (relator Aristides Rodrigues de Almeida) e de 11/05/2020 (relator Jorge Seabra), in www.dgsi.pt.
45. Cfr. obra citada, p. 486.
46. Cfr. Ac. da RP de 11/05/2020 (relator Jorge Seabra), in www.dgsi.pt.
47. Cfr. Ac. da RP de 11/10/2018 (relator Aristides Rodrigues de Almeida), in www.dgsi.pt.
48. Como é sabido, a problemática do ónus de prova dos pressupostos da efectivação da responsabilidade do liquidatário e dos antigos sócios pelo passivo não satisfeito ou acautelado tem merecido posições divergentes quer na nossa doutrina, quer na jurisprudência. Uma corrente largamente maioritária (a que se adere) sustenta incumbir ao credor social a prova, enquanto elemento constitutivo da norma invocada em seu benefício, de que os sócios receberam em partilha, na sequência da dissolução da sociedade de que eram sócios, bens da sociedade que poderiam responder integral ou parcialmente pelo seu crédito [cfr., entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - de 15/11/2007 (relator Salvador da Costa), de 23/04/2008 (relator Sousa Peixoto), de 26/06/2008 (relator Santos Bernardino), de 06/03/2012 (relator Fonseca Ramos), de 07/02/2013 (relator Bettencourt de Faria) e de 12/03/2013 (relator Garcia Calejo), de 25/10/2018 (relatora Maria Graça Trigo) de 1/10/2019 (relatora Fátima Gomes); Acórdãos da Relação do Porto - de 23/01/2012 (relator Caimoto Jácome), de 05/07/2012 (relator Teles de Menezes e Melo), de 04/06/2013 (relator Fernando Samões), de 13/01/2014 (relator João Nunes), de 14/01/2014 (relatora Márcia Portela), de 8/01/2015 (relator Aristides Rodrigues de Almeida), de 23/02/2015 (relator José Eusébio de Almeida), de 18/05/2017 (relator Filipe Caroço), de 27/04/2017 (relator Rui Moreira), de 5/02/2018 (relator Correia Pinto), de 22/10/2018 (relator Augusto Carvalho), de 11/10/2018 (relator Aristides Rodrigues de Almeida), de 13/01/2020 (relator Manuel Domingos Fernandes) e de 11/05/2020 (relator Jorge Seabra); Acórdãos da Relação de Lisboa – de 12/07/2012 (relator Luís Lameiras), de 11/07/2013 (relator Vaz Gomes), de 24/06/2014 (relator Manuel Marques), de 4/05/2017 (relator Ferreira de Almeida), de 12/07/2018 (relator Eduardo Petersen) e de 29/01/2019, (relator Pedro Brighton); da Relação de Coimbra – de 22/03/2011 (relator Carlos Querido), de 21/03/2013 (relator Francisco Caetano) e de 5/05/2015 (relator Falcão de Magalhães); da Relação de Évora de 18/01/2018 (relatora Paula do Paço) e de 8/11/2018 (relatora Ana Margarida Leite); e da Relação de Guimarães – de 11/10/2018 (relatora Ana Cristina Duarte) e de 4/04/2019 (relatora Conceição Sampaio), todos disponíveis in www.dgsi.pt.]. Outra corrente, minoritária, sustenta que basta ao credor, nos exactos termos que seriam aplicáveis se a sociedade não tivesse sido extinta, demonstrar a existência do seu crédito sobre a sociedade, incumbindo aos antigos sócios, enquanto elementos impeditivos da pretensão do credor social, a demonstração de que não existia activo social para partilha ou de que não receberam em partilha qualquer ativo social [na jurisprudência, Acórdãos da Relação de Lisboa de 9/03/2010 (relator Afonso Henrique), de 15/03/2011 (relatora Graça Araújo), de 12/06/2014 (relatora Maria T. B. Albuquerque), de 8/03/2017 (relatora Maria João Romba) e de 12/02/2020 (relator Eduardo Sapateiro), todos disponíveis in www.dgsi.pt.; na doutrina, perfilhando também esta posição, Carolina Cunha, Código das Sociedades (…), Vol. II, (…), p. 705, Joana Alexandra Carvalho Maia, dissertação de Mestrado “Dissolução e Liquidação Societária – A (Des) Protecção dos Credores Sociais”, pp. 43-48, disponível in repositório-aberto.up.pt/bitstream/1026/109728/2/237467.pdf., Ana Luísa Miranda Ferreira, dissertação de mestrado «A liquidação societária e a responsabilidade pelo passivo superveniente», disponível in https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/18945/1/Liquida%C3%A7%C3%A3o%20societ%C3%A1ria%20e%20Responsabilidade%20pelo%20passivo%20superveniente_vf.pdf e Sónia Alexandra dos Santos Felício, dissertação de mestrado «Dissolução Imediata de Sociedades por Deliberação dos Sócios», disponível in https://iconline.ipleiria.pt/bitstream/10400.8/1538/1/S%C3%B3nia%20Fel%C3%ADcio_Disserta%C3%A7%C3%A3o%20MSE-ESTG.pdf.]
49. Cfr. Acs. da RP de 8/01/2015 e de 11/10/2018 (ambos relatados por Aristides Rodrigues de Almeida), publicados in www.dgsi.pt. Como se refere nos citados arestos: “Note-se que não sustentamos que para obter a procedência da acção os credores tenham de fazer a prova da suficiência desses bens para pagar totalmente o seu crédito. O requisito da responsabilidade dos sócios é eles terem recebido na liquidação do património social bens da sociedade que respondiam pelo crédito. Basta por isso que os credores demonstrem que os sócios fizeram seus bens da sociedade. Aos sócios já caberá, contudo, caso pretendam ser condenados a pagar menos do que o valor do crédito, o ónus da prova da insuficiência desses bens para a satisfação total dos créditos”.