Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
556/16.6T8VVD-B.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: ARRESTO
JUSTO RECEIO DE PERDA DA GARANTIA PATRIMONIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- No procedimento cautelar de arresto, para a prova do requisito de “justo receio” da perda da garantia patrimonial, não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de caráter subjetivo. É preciso que haja razões objetivas, convincentes, que aconselhem uma decisão cautelar imediata, como fator potenciador da eficácia da ação declarativa ou executiva.

II- O recurso à tutela judicial por parte de outro credor para satisfação do seu crédito junto da empresa devedora, não deixa de fundar para qualquer outro credor da mesma empresa um justificado receio de que, a qualquer momento, poderá ver seriamente comprometida a garantia patrimonial para satisfação do seu crédito, sobretudo tendo em atenção que o crédito reclamado por aquele credor, em conjugação com o do requerente de arresto, assume um valor claramente expressivo, sem que dos autos resulte que o património da sociedade requerida seja suficiente para a satisfação sequer do crédito do requerente.

III- A iminência do encerramento do estabelecimento comercial, onde a empresa devedora exerce habitualmente a sua atividade comercial, sem que dos autos resulte que a mesma se predispõe a reiniciar a sua atividade em qualquer outro local, é motivo de fundado receio de dissipação, a qualquer momento, dos bens móveis pertencentes à empresa, mormente os existentes no interior do mesmo estabelecimento a encerrar, frustrando a garantia patrimonial para satisfação do crédito do credor, em especial quando não são conhecidos quaisquer outros bens à devedora suscetíveis de apreensão.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO.

João intentou a presente ação cautelar de arresto contra Loja Comercial V, Lda., Joaquim e Maria, pedindo que o arresto de bens e créditos dos requeridos, alegando, em síntese, ser titular de crédito sobre estes no montante de € 28.683,90, resultante de fornecimentos de bens à primeira requerida, sendo que os 2º e 3º requeridos assumiram essa mesma dívida, declarando que se responsabilizavam pessoalmente pelos fornecimentos vencidos e futuros, aceitando pagar a dívida com o seu património pessoal caso fosse necessário; sendo que os requeridos tem dívidas para com outros fornecedores, o que já levou alguns a intentarem ações de cobrança nos tribunais e os requeridos estão na iminência de fechar as portas, uma vez que o contrato de arrendamento do estabelecimento da requerida foi denunciado pelo proprietário.

Por decisão de 30 de Junho de 2017 (cfr. fls. 26 a 36), foi deferido o presente procedimento cautelar, decretando-se o arresto dos bens indicados pelo requerente no seu requerimento inicial.

Os requeridos deduziram oposição, impugnando os factos alegados pelo requerente, concluindo, em suma, pelo levantamento (revogação) do arresto e a condenação do requerente, como litigante de má fé, em multa e indemnização.

Na sequência, por decisão de 23 de Outubro de 2017, veio a julgar-se improcedente a oposição, mantendo-se o arresto decretado.

Inconformados com o assim decidido, vieram os requeridos interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

1. O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida em primeira instância que julgou procedente o procedimento cautelar requerido mantendo o arresto sobre os bens dos ora Apelantes, nomeadamente, saldos das contas bancárias que a 1ª Requerida tem nos Bancos em atividade em Portugal, direito ao trespasse e recheio do estabelecimento, vitrines, balcões, estantes e câmaras frigoríficas, e ainda, os saldos das contas bancárias do segundo requerido e terceira requerida e os prédios urbanos e rústicos que se encontrem registados em seu nome.
2. De facto, é notória a deficiente apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, o que, salvo o devido respeito pela opinião do Tribunal recorrido, que é muita, impunha decisão que ordenasse o levantamento do arresto.
3. Para sufragar entendimento contrário, o Tribunal recorrido alicerçou a sua fundamentação essencialmente em duas razões de ordem: a) Por um lado, considerou suficientemente demonstrado o crédito do Requerente sobre a primeira Requerida julgando ainda que o segundo requerido e a terceira requerida assumiram pessoal e cumulativamente a dívida contraída pela Requerida “Loja Comercial”; b) Por outro lado, verificou preenchido o requisito do justificado receio de perda da garantia patrimonial, dando como assente que a denúncia do contrato de arrendamento impedirá a Loja Comercial V de exercer a sua atividade comercial e que a existência de outras dívidas de montante elevado e subsequente oneração do património dos requeridos que considerou idóneos a causar num credor medianamente cauteloso e prudente o aludido receio de perda de garantia patrimonial.
4. O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto e na subsunção que efetuou dos factos ao Direito.
5. Quanto à matéria de facto, o Tribunal julgou erradamente os pontos de facto n.ºs 5, 6, 7, 11 e 16 que deviam ter sido julgados não provados.
6. Revela nessa matéria o depoimento do Requerente João prestado no dia 16 de Outubro de 2017, com início às 15h15m (transcrito no corpo da motivação 25m52s) sendo manifesto que não consegue disfarçar a estranheza quando questionado sobre a inexistência de interpelação para pagamento ao segundo requerido e terceira requerida, assumindo que nunca interpelou porque sempre contratou com a Loja Comercial V – como se fosse uma evidência – que é(!). Dizem-nos as regras da experiência e da normalidade do acontecer que, tivesse o segundo requerido e terceira requerida assumido qualquer dívida a título pessoal e teriam sido igualmente interpelados pelo Requerente o que nunca aconteceu (!).
7. Também é esclarecedor o depoimento da testemunha Paula, filha do Requerente, prestado no dia 23 de Junho de 2017, com início às 15h:21m, aos 07m45s, sendo evidente a confusão da testemunha relativamente à separação de patrimónios da pessoa coletiva e da pessoa singular, sendo altamente ambígua a sua última afirmação “Ele disse que pagava tudo” que não pode servir para corroborar a tese de que os requeridos se vincularam pessoalmente a dívida da Loja V..
8. Já a testemunha Susana, filha dos Requeridos, com depoimento prestado no dia 16 de Outubro de 2017, e início às 15h49m, 01m32s e 05m26s, especialmente próxima dos Requeridos e conhecedora da matéria em litígio, não só pela ligação familiar mas também por razões profissionais – dado que em determinada altura trabalhou na Loja V. e foi sempre acompanhando a evolução da empresa – explicou de forma coerente, lógica e verosímil o circunstancialismo em causa, relatando as razões que levaram à criação da sociedade Loja V., assumindo que a Loja V. deve ao Requerente e negando sempre, perentoriamente, que o seu pai alguma vez tenha assumido a título pessoal a dívida da sociedade.
9. É ainda particularmente relevante a prova documental, nomeadamente, o doc. n.º 50 junto na petição inicial, que demonstra que em momento algum o Requerente interpelou os Requeridos a título pessoal, tendo dirigido sempre as suas missivas à Loja Comercial V.
10. Ainda que se considerasse que o Requerido Joaquim proferiu a expressão “Eu pago-te tudo” – o que não se admite - se dúvidas houvesse quanto ao conteúdo e sentido da declaração alegadamente feita pelo segundo requerido ao requerente, elas teriam de ser resolvidas tendo em atenção o disposto no artigo 236º n.º 1 do C.C., pois se nos colocarmos na posição de um declaratário normal, colocado na posição do, temos de concluir que quando manifestou ao Requerente e à testemunha Carla vontade de pagar as dívidas objeto dos presentes autos, o que é normal é que apenas lhe tenha querido dizer que era o seu desejo, como gerente da Loja Comercial V, angariar os meios necessários ao pagamento dessas dívidas, pois não havia qualquer motivo razoável que o levasse a assumir pessoalmente tais dívidas, dado que também resultou da audiência de julgamento que o que não falta hoje em dia são fornecedores de carne.
11. É, quanto basta, para se dizer que o Tribunal valorou erradamente os pontos de facto 4., 5., 6., 7. E 11., devendo os mesmos ser julgados não provados.
12. Mas, também andou mal o Tribunal, ao julgar provado o ponto 12 do elenco dos factos provados.
13. Na verdade, não resulta dos autos que o mini-mercado e o respectivo talho tenha as suas estantes vazias.
14. Tal alegação foi amplamente contraditada pelos fornecedores de carne e frescos da Loja V., nomeadamente, as testemunhas Maria B. (início às 15H24m aos 01m21s) e Nuno (início às 15h57m 03m10s), com depoimento prestado no dia 16 de Outubro de 2017.
15. Estas testemunhas afirmaram que o estabelecimento se encontra em funcionamento regular, que os fornecimentos dos seus respetivos produtos mantêm-se e que nada têm de apontar ao estabelecimento em termos de “anormal” contraditando tudo o que foi afirmado pelo Requerente.
Atente-se também que já a testemunha Susana tinha corroborado o funcionamento normal do estabelecimento, também reforçado pelas fotografias juntas pelos Requeridos que evidenciam as estantes repletas de produtos.
16. Não há, por isso, qualquer elemento probatório que permita ao Tribunal afirmar que o minimercado apresenta as suas estantes vazias, devendo, atento a prova produzida, o ponto 12. da matéria de facto merecer juízo probatório negativo.
17. Acresce ainda que, o Tribunal a quo deu como provado que: “Os Requeridos têm vários imóveis penhorados a favor de Rosa B., para pagamento da quantia de € 68.560,00, na execução n.º 614/17.0T8VNF, pendente no Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão” – Ponto 16 dos factos provados.
18. O julgamento deste facto como provado está em absoluta contradição com o ponto 26. dos factos provados “As partes na execução referida em 16 celebraram um acordo de pagamento que acarretou a extinção do aludido processo executivo” e, também em manifesta contradição com a prova documental – cópia do despacho de extinção da execução e depoimento da Testemunha Susana que confirmou o pagamento da aludida dívida.
19. Pelo exposto, o ponto 16 deve ser julgado não provado.

Sem prescindir,
20. Cumpre reafirmar que os autos não contêm elementos para que o Tribunal possa decidir pela verificação do justo receio de perda da garantia patrimonial.
21. A sentença recorrida considerou os pontos 13, 14 e 15 dos factos provados como suficientes para demonstrar a existência de periculum in mora;
22. Com o devido respeito, estes factos, não preenchem o alegado requisito do justo receio de perda de garantia patrimonial do crédito da requerente no que toca à 1ª Requerida.
23. É que o artigo 391º n.º 1 do C.P.C. visa conferir ao credor um instrumento que lhe permita proteger-se de uma previsível conduta (censurável) do devedor de ocultação ou dissipação de bens, levada a cabo com a finalidade de impedir ou dificultar a satisfação do crédito daquele.
24. Ou seja, a perda de garantia patrimonial tem de radicar numa situação deficitária do devedor ou numa sua conduta tendente a prejudicar os direitos do seu credor, não podendo considerar-se abrangidas as situações decorrentes do exercício por outro credor de um direito que lhe assiste.
25. Assim, não ficou assente que a situação económica da 1ª Requerida é deficitária, nada tendo sido invocado relativamente à insuficiência do seu património para saldar a alegada dívida do Requerente.
26. A mera oposição à renovação do contrato de arrendamento não é de molde a justificar o receio de perda de garantia patrimonial, porque não é sinónimo de encerramento do estabelecimento, e se assim fosse, os credores desatariam a pedir o arresto de bens dos devedores comerciantes (!).
27. Para além disso não foi alegado um único facto que inculque a ideia de que os requeridos pretendem subtrair os seus bens à esfera de ação dos credores.
28. A alegada dívida a José é, neste momento, uma dívida litigiosa, que está a ser dirimida no Tribunal Competente, encontrando-se o processo ainda na fase de discussão (em sede de audiência prévia) da legitimidade do Autor (José). Portanto, não há uma sentença condenatória transitada em julgado, não há um título executivo, não há nada de concretamente palpável que permita dar por assente a existência de tal dívida.
29. Tendo em conta que, por outro lado, o processo executivo 614/17.0T8VNF está extinto com o subsequente levantamento das penhoras entretanto registadas, o que significa que os Requeridos não devem € 68.560,00, vale por dizer, os Requeridos nada devem a Rosa B..
30. A única suposta dívida que resta é aludida dívida a José (€ 34.658,17) que, como vimos, não pode, de maneira nenhuma, justificar o arresto de bens dos requeridos.
31. A que se terá de juntar a constatação das testemunhas (cujo depoimento acima se transcreveu – Maria B. e Nuno) – fornecedores da Loja Comercial V – de que a loja se encontra a funcionar normalmente, as estantes estão repletas como sempre estiveram, e as encomendas são efetuadas e pagas com regularidade.
32. Conforme se disse, se por um lado, os Requeridos não assumiram qualquer dívida da sociedade, por outro lado, nada foi alegado quanto à insuficiência do património da Loja Comercial V para satisfazer a alegada dívida do Requerente – é que o património da Requerida pode bem ser suficiente para pagar de imediato esse valor, e quanto a isto, nada foi apurado.
33. Não basta o credor alegar que o devedor não lhe paga para que seja decretado o arresto dos seus bens – é necessário que haja um justificado receio de perda da garantia patrimonial que, é evidente, objetivamente não existe.
34. Em suma: não há qualquer alteração no estado de coisas desde o arresto anterior (levantado após oposição dos requeridos) para o arresto que ora se discute, impondo-se a alteração da decisão no sentido de ser levantado o arresto determinado sobre os bens dos Requeridos.
35. Ao decidir como decidiu, o Tribunal violou o disposto nos artigos 362º n.º 1, 391º n.º 1 do C.P.C. e ainda 619º do C.C..
36. Devendo, em consequência, revogar-se a sentença recorrida e determinar-se o levantamento do arresto que incide sobre os bens dos Requeridos.
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O requerente apelado apresentou contra-alegações, concluindo pela manutenção da decisão recorrida.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

- Saber se cumpre proceder à alteração da factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal a quo nos moldes preconizados pelos recorrentes.
- Na sequência, saber se se mostram preenchidos os pressupostos legais necessários à procedência do presente procedimento cautelar de arresto em relação a todos os requeridos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FACTOS PROVADOS

O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1 - O Requerente exerce a atividade de comerciante de bovinos vivos e, nesse exercício forneceu à primeira Requerida diversas mercadorias do seu comércio, nomeadamente, carne de bovino, conforme consta das seguintes facturas:
2 - Factura n.º 75, de 26.09.2012, no valor de € 1.157,52;
- Factura n.º 83, de 1.11.2012, no valor de € 1.011,24;
- Factura n.º 86, de 22.11.2012, no valor de € 680,52;
- Factura n.º 91, de 20.12.2012, no valor de € 871,32;
- Factura n.º 95, de 25.12.2012, no valor de € 413,40;
- Factura n.º 99, de 23.01.2013, no valor de € 623,28;
- Factura n.º 102, de 6.02.2013, no valor de € 585,12;
- Factura n.º 106, de 8.03.2013, no valor de € 632,82;
- Factura n.º 110, de 26-03-2013, no valor de € 1.198,86;
- Factura n.º 116, de 8.05.2013, no valor de € 979,44;
- Factura n.º 123, de 13.06.2013,no valor de € 664,62;
- Factura n.º 128, de 4.07.2013, no valor de € 1.109,82;
- Factura n.º 133, de 31.07.2013, no valor de € 1.068,48;
- Factura n.º 139, de 21.08.2013, no valor de € 877,68;
- Factura n.º 141, de 20.09.2013, no valor de € 578,76;
- Factura n.º 143, de 3-10-2013, no valor de € 1.039,86;
- Factura n.º 147, de 31.10.2013, no valor de € 629,64;
- Factura n.º 149, de 21-11-2013, no valor de € 858,60;
- Factura n.º 157, de 18-12-2013, no valor de € 674,16;
- Factura n.º 163, de 14.01.2014, no valor de € 1.109,82;
- Factura n.º 169, de 6.02.2014, no valor de € 429,30;
- Factura n.º 176, de 26.02.2014, no valor de € 1.049,40;
- Factura n.º 179, de 27.03.2014, no valor de € 318,00;
- Factura n.º 182, de 16.04.2014, no valor de € 672,30;
- Factura n.º 183, de 30.04.2014, no valor de € 629,64;
- Factura n.º 188, de 21.05.2014, no valor de € 893,58;
- Factura n.º 194, de 26.06.2014, no valor de € 1.302,91;
- Factura n.º 199, de 23.07.2014, no valor de € 884,04;
- Factura n.º 202, de 13.08.2014, no valor de € 860,72;
- Factura n.º 209, de 16.09.2014, no valor de € 555,44;
- Factura n.º 212, de 1.10.2014, no valor de € 805,07;
- Factura n.º 222, de 8.11.2014, no valor de € 1.253,98;
- Factura n.º 227, de 19.12.2014, no valor de € 601,65;
- Factura n.º 231, de 7.01.2015, no valor de € 853,30;
- Factura n.º 235, de 4.02.2015, no valor de € 720,00;
- Factura n.º 239, de 25.02.2015, no valor de € 723,45;
- Factura n.º 246, de 1.04.2015, no valor de € 1.742,11;
- Factura n.º 255, de 19.05.2015, no valor de € 593,60;
- Factura n.º 258, de 12.06.2015, no valor de € 1.235,43;
- Factura n.º 264, de 17.07.2015, no valor de € 1.109,02;
- Factura n.º 268, de 6.08.2015, no valor de € 316,94;
- Factura n.º 273, de 20.08.2015, no valor de € 1.387,54;
- Factura n.º 282, de 22.09.2015, no valor de € 1.291,87;
- Factura n.º 293, de 2.11.2015, no valor de € 1.051,10;
- Factura n.º 299, de 3.12.2015, no valor de € 790,23;
- Factura n.º 305, de 23.12.2015, no valor de € 698,96;
- Factura n.º 312, de 19.01.2016, no valor de € 716,03;
- Factura n.º 315, de 4.02.2016, no valor de € 805,07.
3 - Os requeridos liquidaram, durante o ano 2015 e ano 2016, o valor de € 11.814,59, referente às facturas nºs 231, 235, 239, 246, 255, 258, 264, 268, 273, 282, 293 e 299.
4 - A Requerida é gerida pelo seu sócio, o Requerido Joaquim, casado com a outra sócia, a Requerida Maria.
5 - No ano de 2013, o Requerido Joaquim e a Requerida Maria deslocaram-se à moradia do Requerente para lhe solicitar a sua ajuda, para que continuasse a fornecer o seu negócio.
6 - Declarando que se responsabilizavam pessoalmente pelos fornecimentos vencidos e futuros.
7 - Por serem conhecidos desde a sua infância, o Requerente disponibilizou-se a ajudar o Requerido, fornecendo os bovinos descritos nas facturas discriminadas em 1 à sua sociedade e com base na confiança e promessa efetuada pelos Requeridos quanto à sua garantia pessoal.
8 - Uma vez que lhe referiram de forma expressa que pagariam com o seu património pessoal caso fosse necessário.
9 - Face ao referido em 1 e 2, o Requerente, através do seu mandatário, enviou aos Requeridos a missiva junta a fls. 7 e 8 dos autos principais, na qual declarou o seguinte:

“Na qualidade de advogado do Sr. João, venho pela presente interpelar V. Ex.ª para proceder ao pagamento da quantia de 28.683,90 €, acrescida dos respectivos juros que nesta data ascendem a 4.740,98 €, o que perfaz a quantia total de 33.424,88 €”.
10 - Tendo-se disponibilizado para receber em prestações, mediante a assinatura de um reconhecimento de dívida com termo de autenticação.
11 - Os Requeridos não pagaram as quantias referidas em 8, não obstante as insistências e as reuniões com o Requerente nesse sentido.
12 - E também não se disponibilizaram para assinar qualquer tipo de documento, apesar de reconhecerem a dívida existente a favor do Requerente e de o mandatário deste ter elaborado uma minuta do acordo de pagamento em prestações para a sua análise.
13 - O mini-mercado e talho da Requerida tem, por vezes, as estantes quase vazias.
14 - O proprietário do imóvel onde se localiza o estabelecimento da Requerida, José, enviou a esta uma carta no passado dia 16 de Setembro de 2016, na qual declara o seguinte:
15 - “Venho por este meio comunicar a V.Exªs. que não pretendo renovar o contrato de arrendamento comercial celebrado no dia sete de Janeiro de 2008 e renovado por cinco anos em 7/01/2013. / Ficando por isso caducado o referido contrato a partir de 7 de Janeiro de 2018”.
16 - A Requerida Maria e a Requerida “Loja Comercial” não pagam ao referido José a quantia de € 34.658,17 que este reclama na qualidade de liquidatário da “Casa P., Electrodomésticos, Lda.”, relativa ao fornecimento de eletrodomésticos e material elétrico.
17 - Tendo este intentado ação judicial que se encontra pendente neste Tribunal com o n.º 589/16.2T8VVD.
18 - Os Requeridos têm vários imóveis penhorados a favor de Rosa B., para pagamento da quantia de € 68.560,00, na execução n.º 614/17.0T8VNF, pendente no Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão, J1.
19 - Uma ex-funcionária da Requerida recorreu ao Tribunal de Trabalho de Braga, reclamando desta o pagamento da quantia de € 1.246,09, correspondendo € 485,00 a subsídio de férias, € 485,00 a subsídio de Natal e € 542,47 a proporcionais de subsídio de férias de Natal, subtraídos de € 100,00, alegando ter-se despedido em 30.04.2014 com o fundamento “de que exercer outra actividade profissional”.
20 - Nessa ação, as partes chegaram a acordo, reduzindo a aí Autora o pedido à quantia de € 500,00, que foi paga.
21 - A Requerida tem uma dívida à Fazenda Nacional, mas está a proceder ao seu pagamento em prestações.
22 - É referido pela vizinhança que os Requeridos têm perdido clientela devido a conflitos que criam e que o Requerido tem sido visto durante várias horas no interior do seu veículo, estacionado no exterior do estabelecimento.
23- A clientela tem também deixado de comprar no estabelecimento dos Requeridos, devido a escassez de produtos ali à venda, preferindo por isso deslocar-se a locais onde possam efetuar todas as compras necessárias de uma vez.
24 - O Requerente intentou contra os Requeridos, em 13 de Junho de 2016, procedimento cautelar de arresto de bens e créditos dos Requeridos, alegando, em síntese, ser titular de crédito sobre estes no montante de € 28.683,90, resultante de fornecimentos à primeira Requerida e de assunção de dívida pelos segundo e terceiro Requeridos, bem como o receio de perda de garantia patrimonial do seu crédito, procedimento que correu termos neste Tribunal, com n.º 405/16.5T8VVD, nos termos que constam da certidão de fls. 27 a 202.
25 - No procedimento cautelar referido em 22 foi, por decisão datada de 09.06.2016, decretado o arresto requerido, providência que foi levantada após oposição dos Requeridos, por decisão proferida em 21.10.2016 e já transitada em julgado.
26 - No âmbito da prossecução do seu objeto social, a “Loja Comercial V” estabeleceu relações negociais com diversos fornecedores, incluindo o aqui Requerente.
27 - O Requerente deslocou-se ao estabelecimento comercial da Requerida “Loja Comercial V”, acompanhado do seu Advogado, solicitando que os Requeridos assinassem o documento junto a fls. 37 a 39.
28 - As partes na execução referida em 16 celebraram um acordo de pagamento que acarretou a extinção do aludido processo executivo.
29 - Os Requeridos não têm quaisquer dívidas à Segurança Social e o Requerido tem a sua situação regularizada junto da Autoridade Tributária.
30 - O equipamento arrestado no estabelecimento comercial tem o valor de € 10.900,00.
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FACTOS NÃO PROVADOS

- Artigo 9.º do Requerimento Inicial, salvo na parte que resulta dos pontos 12 e 13 dos Factos Provados.
- Artigo 10.º do Requerimento Inicial, salvo na parte que resulta dos pontos 14 e 15 dos Factos Provados.
- Artigo 12.º do Requerimento Inicial.
- Artigo 13.º do Requerimento Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 19 dos Factos Provados.
- Artigo 15.º do Requerimento Inicial, na parte em que se diz “de marca Mercedes”.
- Artigos 7.º e 8.º da Oposição.
- Artigos 11.º e 12.º da Oposição.
- Artigo 15.º da Oposição.
- Artigo 21.º da Oposição.
- Artigo 22.º da Oposição, salvo na parte que resulta do ponto 25 dos Factos Provados.
- Artigo 23.º da Oposição, salvo na parte que resulta do ponto 26 dos Factos Provados.
- Artigo 24.º da Oposição, salvo na parte que resulta do ponto 27 dos Factos Provados.
- Artigo 27.º da Oposição.
- Artigo 29.º da Oposição.
- Artigos 34.º e 35.º da Oposição, salvo na parte que resulta do ponto 28 dos Factos Provados.
- Artigo 52.º da Oposição.
- Artigo 57.º da Oposição.

Mais se consignou que a restante matéria alegada é meramente conclusiva ou de direito.
*
*
IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A primeira questão que importa dirimir refere-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida.
Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objeto da impugnação.
Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe «Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto», dispõe o n.º 1 do art. 640º do C. P. Civil, que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “ (…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.” (sublinhado nosso).

Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar ainda o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto.
Os aspetos fundamentais que o recorrente deve assegurar neste particular prendem-se com a definição clara do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida).
Porém, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.
Assim, como salienta Abrantes Geraldes(1), o Supremo Tribunal de Justiça “vem batalhando precisamente no sentido de evitar os efeitos de um excessivo formalismo que ainda marca alguns acórdãos das Relações, promovendo que o esforço que é aplicável na justificação de soluções que exponenciam aspectos de natureza meramente formal sem suficiente tradução na letra da lei, nem no espírito do sistema, seja canalizado para a efectiva apreciação das impugnações de matéria de facto”. (2)

Por outro lado, na fase da admissão formal do recurso de apelação em que é impugnada a decisão da matéria de facto, importa que se estabeleça uma clara separação entre os requisitos formais e os ligados ao mérito ou demérito da pretensão que será avaliado em momento posterior.
Deste modo, havendo “sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto, quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos. (3)

Tendo, assim, presente este enquadramento legal, cumpre decidir.

No caso em apreço, os recorrentes, cumprindo os apontados requisitos formais, considera incorretamente julgados os factos provados na decisão recorrida sob os nºs 4, 5, 6, 7, 11, 12 e 16, que, antes, deveriam ter sido julgados como não provados.

Neste âmbito, os recorrentes defendem, no essencial, que existe um conjunto de meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida, no sentido que pugna a final, mormente a prova documental resultante do doc. n.º 50 junto com a petição inicial, em conjugação com as declarações de parte do requerente e dos depoimentos das identificadas testemunhas ouvidas, indicando as respetivas passagens dos seus depoimentos que considera relevantes em face da impugnação da decisão da matéria de facto que formulam nos moldes acima referenciados.

Tendo presente, assim, a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pelos recorrentes, importa saber se, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise.
Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes (4), que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.

Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

De facto, o acesso direto do Tribunal da Relação à gravação integral do julgamento antes efetuado, terá de permitir-lhe, na formação da sua própria e autónoma convicção, sustentada numa análise crítica da prova, para além da apreciação dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente, a ponderação e a reanálise de todos os meios probatórios produzidos, sujeitos às mesmas regras de direito probatório material a que se encontra sujeito o tribunal de 1ª instância, enquanto forma, por um lado, de atenuar a inevitável quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, e, por outro, ainda, de evitar julgamentos descontextualizados ou parciais, submetidos apenas à leitura dos meios probatórios convocados pelo recorrente.
Pretende-se, pois, uma visão global, integrada e contextualizada de todos os meios probatórios produzidos, como garantia de uma decisão de facto o mais próxima possível da realidade, sem que tal implique a procura de uma verdade ou de uma certeza naturalística ou absoluta, que é, por princípio, insuscetível de ser alcançada.

Por outro lado, ainda, no que se refere à reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos/declarações prestados pelas partes ou por testemunhas ou, ainda, a reapreciação da prova pericial, é de recordar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova (5), princípio que expressamente se consagra no art. 607º, n.º 5, do C. P. Civil. (6)

De facto, ao contrário do que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, sem pré-fixação legal do mérito de tal julgamento, mas sempre sendo de exigir que esse mérito decorra de uma apreciação crítica e integrada de todo o acervo probatório produzido, ou seja, de uma ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência humana, da lógica e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso, ponderação essa que deverá ficar plasmada na fundamentação do decidido (art. 607º, n.º 4, do C. P. Civil).

Como refere Miguel Teixeira de Sousa (7), a propósito do sistema de prova livre, o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão.”

Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Todavia, face aos atuais poderes da Relação ao nível da reapreciação da decisão de facto, daí não decorre que não possa e não deva o tribunal ad quem analisar, também ele, criticamente, e sujeito às mesmas regras da experiência, da lógica e da ciência, a prova produzida, formando ele próprio, uma nova e autónoma convicção, caso em que, constatando, que ela não é coincidente com a convicção formada pelo Sr. Juiz de 1ª instância, deverá efetuar as correções na matéria de facto que aquela sua convicção lhe imponha.
Quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição.

Deste modo, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo. (8)

Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Feitas estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, conhecer da factualidade impugnada pelos recorrentes.
(…)
(…)
(…)

Deste modo, a apontada falta de isenção e credibilidade das testemunhas referidas e incongruências acima apontadas, leva-nos a concluir que a factualidade descrita sob os nºs 4, 5, 6 e 7, deverá merecer resposta negativa.

A factualidade contida no n.º 11 dos factos assentes é de manter, até porque a mesma, no seu essencial, resulta logicamente do teor factual dos nºs 9, 10 e 25, em conjugação com o teor do documento de fls. 37 verso a 39.

A factualidade descrita no n.º 12 dos factos provados é igualmente de manter, acompanhando-se totalmente a motivação que, neste circunspecto, foi realizada pelo tribunal a quo, designadamente dando especial relevo ao depoimento objetivo e circunstanciado da testemunha Maria B., em conjugação com o teor das fotografias juntas a fls. 233, 235 e 236.

Por último, é de manter igualmente a matéria factual constante do n.º 16, na medida em que a mesma não se mostra em contradição com os factos contidos sob o n.º 26, até porque não foi produzida qualquer prova documental, dando conta do levantamento da penhora incidente sob os identificados imóveis.

Por conseguinte, reponderando todos os elementos probatórios acima mencionados, e concluindo nos termos sobreditos este tribunal ad quem, de acordo com sua própria e autónoma convicção, por uma séria e fundada dúvida sobre a verificação efetiva da alegada reunião ocorrida, em 2013, entre requerente e requeridos, sobretudo com os contornos alegados pelo requerente, é manifesto que a decisão que incidiu sobre a matéria de facto incluída nos apontados nºs 4 a 7 dos factos dados como provados não é de manter, impondo-se, assim, que se responda negativamente aos mesmos factos.

No mais, a decisão recorrida que incidiu sobre a demais matéria de facto alegada pelas partes é de manter.

Termos em que, se julga parcialmente procedente, neste segmento, a pretensão recursiva dos requeridos e, em consequência, fazendo uso do disposto no art. 662º, n.º 1, do C. P. Civil, decide-se alterar a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, nos termos sobreditos, passando os factos provados e não provados a serem os seguintes:

FACTOS PROVADOS

1- O Requerente exerce a atividade de comerciante de bovinos vivos e, nesse exercício forneceu à primeira Requerida diversas mercadorias do seu comércio, nomeadamente, carne de bovino, conforme consta das seguintes facturas:

- Factura n.º 75, de 26.09.2012, no valor de € 1.157,52;
- Factura n.º 83, de 1.11.2012, no valor de € 1.011,24;
- Factura n.º 86, de 22.11.2012, no valor de € 680,52;
- Factura n.º 91, de 20.12.2012, no valor de € 871,32;
- Factura n.º 95, de 25.12.2012, no valor de € 413,40;
- Factura n.º 99, de 23.01.2013, no valor de € 623,28;
- Factura n.º 102, de 6.02.2013, no valor de € 585,12;
- Factura n.º 106, de 8.03.2013, no valor de € 632,82;
- Factura n.º 110, de 26-03-2013, no valor de € 1.198,86;
- Factura n.º 116, de 8.05.2013, no valor de € 979,44;
- Factura n.º 123, de 13.06.2013,no valor de € 664,62;
- Factura n.º 128, de 4.07.2013, no valor de € 1.109,82;
- Factura n.º 133, de 31.07.2013, no valor de € 1.068,48;
- Factura n.º 139, de 21.08.2013, no valor de € 877,68;
- Factura n.º 141, de 20.09.2013, no valor de € 578,76;
- Factura n.º 143, de 3-10-2013, no valor de € 1.039,86;
- Factura n.º 147, de 31.10.2013, no valor de € 629,64;
- Factura n.º 149, de 21-11-2013, no valor de € 858,60;
- Factura n.º 157, de 18-12-2013, no valor de € 674,16;
- Factura n.º 163, de 14.01.2014, no valor de € 1.109,82;
- Factura n.º 169, de 6.02.2014, no valor de € 429,30;
- Factura n.º 176, de 26.02.2014, no valor de € 1.049,40;
- Factura n.º 179, de 27.03.2014, no valor de € 318,00;
- Factura n.º 182, de 16.04.2014, no valor de € 672,30;
- Factura n.º 183, de 30.04.2014, no valor de € 629,64;
- Factura n.º 188, de 21.05.2014, no valor de € 893,58;
- Factura n.º 194, de 26.06.2014, no valor de € 1.302,91;
- Factura n.º 199, de 23.07.2014, no valor de € 884,04;
- Factura n.º 202, de 13.08.2014, no valor de € 860,72;
- Factura n.º 209, de 16.09.2014, no valor de € 555,44;
- Factura n.º 212, de 1.10.2014, no valor de € 805,07;
- Factura n.º 222, de 8.11.2014, no valor de € 1.253,98;
- Factura n.º 227, de 19.12.2014, no valor de € 601,65;
- Factura n.º 231, de 7.01.2015, no valor de € 853,30;
- Factura n.º 235, de 4.02.2015, no valor de € 720,00;
- Factura n.º 239, de 25.02.2015, no valor de € 723,45;
- Factura n.º 246, de 1.04.2015, no valor de € 1.742,11;
- Factura n.º 255, de 19.05.2015, no valor de € 593,60;
- Factura n.º 258, de 12.06.2015, no valor de € 1.235,43;
- Factura n.º 264, de 17.07.2015, no valor de € 1.109,02;
- Factura n.º 268, de 6.08.2015, no valor de € 316,94;
- Factura n.º 273, de 20.08.2015, no valor de € 1.387,54;
- Factura n.º 282, de 22.09.2015, no valor de € 1.291,87;
- Factura n.º 293, de 2.11.2015, no valor de € 1.051,10;
- Factura n.º 299, de 3.12.2015, no valor de € 790,23;
- Factura n.º 305, de 23.12.2015, no valor de € 698,96;
- Factura n.º 312, de 19.01.2016, no valor de € 716,03;
- Factura n.º 315, de 4.02.2016, no valor de € 805,07.
2- Os requeridos liquidaram, durante o ano 2015 e ano 2016, o valor de € 11.814,59, referente às facturas nºs 231, 235, 239, 246, 255, 258, 264, 268, 273, 282, 293 e 299.
3- A Requerida é gerida pelo seu sócio, o Requerido Joaquim, casado com a outra sócia, a Requerida Maria.
4- Face ao referido em 1 e 2, o Requerente, através do seu mandatário, enviou aos Requeridos a missiva junta a fls. 7 e 8 dos autos principais, na qual declarou o seguinte:
5- “Na qualidade de advogado do Sr. João, venho pela presente interpelar V. Ex.ª para proceder ao pagamento da quantia de 28.683,90 €, acrescida dos respectivos juros que nesta data ascendem a 4.740,98 €, o que perfaz a quantia total de 33.424,88 €”.
6- Tendo-se disponibilizado para receber em prestações, mediante a assinatura de um reconhecimento de dívida com termo de autenticação.
7- Os Requeridos não pagaram as quantias referidas em 4, não obstante as insistências e as reuniões com o Requerente nesse sentido.
8- E também não se disponibilizaram para assinar qualquer tipo de documento, apesar de reconhecerem a dívida existente a favor do Requerente e de o mandatário deste ter elaborado uma minuta do acordo de pagamento em prestações para a sua análise.
9- O mini-mercado e talho da Requerida tem, por vezes, as estantes quase vazias.
10- O proprietário do imóvel onde se localiza o estabelecimento da Requerida, José, enviou a esta uma carta no passado dia 16 de Setembro de 2016, na qual declara o seguinte:

“Venho por este meio comunicar a V.Exªs. que não pretendo renovar o contrato de arrendamento comercial celebrado no dia sete de Janeiro de 2008 e renovado por cinco anos em 7/01/2013. / Ficando por isso caducado o referido contrato a partir de 7 de Janeiro de 2018”.
11- A Requerida Maria e a Requerida “Loja Comercial” não pagam ao referido José a quantia de € 34.658,17 que este reclama na qualidade de liquidatário da “Casa P., Electrodomésticos, Lda.”, relativa ao fornecimento de eletrodomésticos e material elétrico.
12- Tendo este intentado ação judicial que se encontra pendente neste Tribunal com o n.º 589/16.2T8VVD.
13- Os Requeridos têm vários imóveis penhorados a favor de Rosa B., para pagamento da quantia de € 68.560,00, na execução n.º 614/17.0T8VNF, pendente no Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão, J1.
14- Uma ex-funcionária da Requerida recorreu ao Tribunal de Trabalho de Braga, reclamando desta o pagamento da quantia de € 1.246,09, correspondendo € 485,00 a subsídio de férias, € 485,00 a subsídio de Natal e € 542,47 a proporcionais de subsídio de férias de Natal, subtraídos de € 100,00, alegando ter-se despedido em 30.04.2014 com o fundamento “de que exercer outra actividade profissional”.
15- Nessa ação, as partes chegaram a acordo, reduzindo a aí Autora o pedido à quantia de € 500,00, que foi paga.
16- A Requerida tem uma dívida à Fazenda Nacional, mas está a proceder ao seu pagamento em prestações.
17- É referido pela vizinhança que os Requeridos têm perdido clientela devido a conflitos que criam e que o Requerido tem sido visto durante várias horas no interior do seu veículo, estacionado no exterior do estabelecimento.
18- A clientela tem também deixado de comprar no estabelecimento dos Requeridos, devido a escassez de produtos ali à venda, preferindo por isso deslocar-se a locais onde possam efetuar todas as compras necessárias de uma vez.
19- O Requerente intentou contra os Requeridos, em 13 de Junho de 2016, procedimento cautelar de arresto de bens e créditos dos Requeridos, alegando, em síntese, ser titular de crédito sobre estes no montante de € 28.683,90, resultante de fornecimentos à primeira Requerida e de assunção de dívida pelos segundo e terceiro Requeridos, bem como o receio de perda de garantia patrimonial do seu crédito, procedimento que correu termos neste Tribunal, com n.º 405/16.5T8VVD, nos termos que constam da certidão de fls. 27 a 202.
20- No procedimento cautelar referido em 18 foi, por decisão datada de 09.06.2016, decretado o arresto requerido, providência que foi levantada após oposição dos Requeridos, por decisão proferida em 21.10.2016 e já transitada em julgado.
21- No âmbito da prossecução do seu objeto social, a “Loja Comercial V” estabeleceu relações negociais com diversos fornecedores, incluindo o aqui Requerente.
22- O Requerente deslocou-se ao estabelecimento comercial da Requerida “Loja Comercial V”, acompanhado do seu Advogado, solicitando que os Requeridos assinassem o documento junto a fls. 37 a 39.
23- As partes na execução referida em 12 celebraram um acordo de pagamento que acarretou a extinção do aludido processo executivo.
24- Os Requeridos não têm quaisquer dívidas à Segurança Social e o Requerido tem a sua situação regularizada junto da Autoridade Tributária.
25- O equipamento arrestado no estabelecimento comercial tem o valor de € 10.900,00.
*
(…)
*
B) Da subsunção jurídica em face da nova factualidade apurada

De acordo com o disposto no art. 391º, n.º 1, do C. P. Civil, “o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”.
Para o efeito o requerente deverá alegar factos que tornam como provável a existência do crédito e justificam o receio invocado – cfr. art. 392º, n.º 1, do C. P. Civil – decretando o tribunal a providência cautelar de arresto requerida, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais enunciados – cfr. art. 393º, n.º 1, do citado Código.
Por conseguinte, o arresto depende, pois, da verificação cumulativa destes dois requisitos: i) possibilidade da existência do crédito do requerente; ii) receio justificado da perda de garantia patrimonial.
O arresto, como providência cautelar que é, visa impedir que, “durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere, de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável perca toda a eficácia ou parte dela. Pretende-se desse modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica.(9)
Precisamente porque os procedimentos cautelares se destinam a prevenir o periculum in mora, o juiz, na prova dos requisitos do arresto, não pode exigir o mesmo grau de averiguação, de convicção e de certeza que se lhe impõe relativamente aos fundamentos da ação principal.
Na medida em que a decisão do arresto aparece sempre com feição provisória, o juiz tem de se limitar a uma averiguação perfunctória dos seus requisitos, sendo com base nesse conhecimento que decretará a providência.
A apreciação da relação controvertida há-de fazer-se no processo principal, onde será proferida uma decisão definitiva, alicerçada no conhecimento profundo do objeto em litígio.
A lei não faz depender, por conseguinte, a decretação do arresto de uma prova cabal do direito que se pretende acautelar, contentando-se, antes, com a probabilidade séria da existência do crédito do requerente, o que se reconduz à mera aparência do respetivo direito.
Basta-se, assim, com um fumus boni iuris, obtido atrás de uma summaria cognitio.
Por outro lado, não é preciso que a perda de garantia patrimonial seja certa ou venha a tornar-se efetiva. Exige-se, tão-só, que haja um receio justificado dessa perda.
Importa realçar, no entanto, que não basta o receio subjetivo, porventura exagerado do credor, de ver insatisfeita a pretensão a que tem direito; sendo antes decisivo que o credor fique ameaçado de lesão por ato do devedor e seja razoável e compreensível o seu receio de ver frustrado o pagamento do seu crédito.
Numa palavra, o receio, para ser considerado justificado por exigência da lei “há-de assentar em factos concretos, que o revelem à luz de uma prudente apreciação.(10)
Tal como defende António Abrantes Geraldes (11)o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjetivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjeturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva.
Também Antunes Varela refere que “para que se prove o justo receio (como quem diz o receio justificado e não apenas receio) da perda da garantia patrimonial, não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de caráter subjetivo. É preciso que haja razões objetivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente, que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular.(12)
No mesmo sentido, ao nível jurisprudencial, vai, entre outros, o Ac. Relação de Coimbra de 10.02.2009 (13), esclarecendo-se ainda neste aresto que “a fim de indagar sobre o preenchimento, ou não, do requisito geral do “justificado receio de perda de garantia patrimonial”, haverá que atender, designadamente, à forma da actividade do devedor, à sua situação económica e financeira, à sua maior ou menor solvabilidade, à natureza do seu património, à dissipação ou extravio que faça dos seus bens (quer se tenha já iniciado, quer existam sérios indícios de que o pretende fazer em breve), à ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir a obrigação, ao montante do crédito que está em causa, e, por fim, à própria relação negocial estabelecida entre as partes.

Deste modo, para obter a decretação do arresto, o requerente tem de deduzir, portanto, os factos suscetíveis de conduzir ao preenchimento dos dois requisitos supra enunciados.
Ora, dos factos dados como assentes, resulta, com toda a probabilidade, a existência de um crédito do requerente para com a sociedade requerida, demonstrado como ficou que, no exercício da sua atividade comercial, o requerente forneceu à sociedade requerida diversas mercadorias do seu comércio (nomeadamente carne de bovino), conforme consta das faturas discriminadas supra, encontrando-se por pagar do preço titulado nas referidas faturas a quantia global de € 28.683,90 (cfr. nºs 1 e 2 dos factos provados), a que acrescem os respetivos juros de mora.
Já no que se refere ao invocado direito de crédito sobre os 2º e 3º requeridos, cumpre concluir que, da factualidade ora dada como provada, em resultado da decisão deste tribunal ad quem sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelos recorrentes (que excluiu os factos provados sob os anteriores nºs 4 a 7 da relação de factos provados inicial), o mesmo já não se encontra sumariamente demonstrado, devendo, consequentemente, o arresto ser indeferido no que se refere a estes requeridos.
De qualquer modo, cumpre salientar que não se nos afigura que a factualidade anteriormente dada como assente sob os nºs 4 a 7 da relação de factos inicial, possa configurar a existência de um contrato de “assunção de dívida” (art. 595º, do C. Civil) celebrado entre o requerente e os 2º e 3º requeridos; sobretudo se atentarmos ao anterior n.º 7 dos factos provados em que expressamente se refere a natureza subsidiária da referida obrigação dos requeridos (… pagariam com o seu património pessoal caso fosse necessário), conduzindo-nos antes para o regime da “fiança” (cfr. art. 627º e segs. do C. Civil, cujo regime é diverso da assunção de dívida (14)), figura jurídica esta que, porém, não constitui a “causa de pedir” no que se refere ao invocado direito de crédito do requerente em relação aos 2º e 3º requeridos.

No que se refere ao fundado receio de perda de garantia patrimonial do mesmo crédito, em relação à sociedade requerida, temos como assente que:

9- O proprietário do imóvel onde se localiza o estabelecimento da Requerida, José, enviou a esta uma carta no passado dia 16 de Setembro de 2016, na qual declara o seguinte:

“Venho por este meio comunicar a V.Exªs. que não pretendo renovar o contrato de arrendamento comercial celebrado no dia sete de Janeiro de 2008 e renovado por cinco anos em 7/01/2013. / Ficando por isso caducado o referido contrato a partir de 7 de Janeiro de 2018”.
10- A Requerida Maria e a Requerida “Loja Comercial” não pagam ao referido José a quantia de € 34.658,17, que este reclama na qualidade de liquidatário da “Casa P., Electrodomésticos, Lda.”, relativa ao fornecimento de eletrodomésticos e material elétrico.
11- Tendo este intentado ação judicial que se encontra pendente neste Tribunal com o n.º 589/16.2T8VVD.

No que se refere aos pontos 10 e 11 dos factos provados, é evidente que ainda não existe qualquer decisão, transitada em julgado, que nos permita concluir que o crédito reclamado por José Carlos Peixoto é devido e, como tal, possui força executiva, pondo imediatamente em causa o património da devedora. Não obstante, tal recurso à tutela judicial por parte de outro credor, não deixa de fundar para qualquer credor um justificado receio de que, a qualquer momento, poderá ver seriamente comprometida a garantia patrimonial para satisfação do seu crédito, sobretudo tendo em atenção que o crédito reclamado por aquele credor, em conjugação com o do requerente, assume um valor claramente expressivo, sem que dos autos resulte que o património da sociedade requerida seja suficiente para a satisfação sequer do crédito do requerente (cfr. ainda n.º 24 dos factos provados).

Por sua vez, a factualidade dada como provada sob o n.º 9 dos factos provados, em nosso ver, assume ainda maior relevância para a justificação daquele receio do requerente na perda da garantia patrimonial do seu crédito.

Na verdade, sendo patente que a empresa requerida terá necessidade de encerrar o seu estabelecimento, no local onde habitualmente exerce a sua atividade comercial, por via da apontada denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio, sem que dos autos resulte – até porque não foi sequer alegado pela requerida – que a mesma se predispõe a reiniciar a sua atividade em qualquer outro local, torna-se notoriamente evidente que a dissipação dos bens móveis pertencentes à requerida, mormente os existentes no interior do mesmo estabelecimento a encerrar, poderá ocorrer a qualquer momento, pondo definitivamente em causa ou dificultando enormemente a garantia patrimonial para satisfação do crédito do requerente, até porque também não são conhecidos quaisquer outros bens à requerida suscetíveis de apreensão.

Por conseguinte, torna-se ingente concluir pela verificação (manutenção), em concreto, dos indicados pressupostos legais necessários à procedência do presente procedimento cautelar de arresto no que se refere à sociedade requerida.
*
V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação em presença, revogando-se parcialmente a decisão recorrida e, consequentemente, indefere-se o presente procedimento cautelar de arresto deduzido contra os requeridos Joaquim e Maria, deste modo ordenando-se o levantamento do arresto efetuado nestes autos sobre os bens e direitos destes requeridos.

No mais, mantém-se a decisão recorrida.

Custas de ambas as instâncias pelo requerente e sociedade requerida em partes iguais (art. 527º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil).
*
Guimarães, 15.02.2018


Relator António José Saúde Barroca Penha
Des. Eugénia Marinho da Cunha
Des. José Manuel Alves Flores

1. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4ª Edição, pág. 164.
2. Cfr. ainda diversos Acs. do STJ, aludidos na ob. citada, págs. 161 a 165.
3. Abrantes Geraldes, ob. citada, págs. 165-166.
4. Ob. citada, págs. 274 e 277.
5. Segundo Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 569, prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais pré-estabelecidos, isto é, ditados pela lei.”
6. O princípio da livre apreciação dos meios probatórios resulta, ainda, em sede de direito probatório material, no que se refere à prova por declarações de parte (não confessórias), à prova testemunhal, à prova por inspeção e à prova pericial, do estipulado nos arts. 361º, 389º, 391º e 396º, todos do C. Civil.
7. Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348.
8. Vide, neste sentido, por todos, Acs. do STJ de 03.11.2009, proc. n.º 3931/03.2TVPRT.S1, relator Moreira Alves; e Ac. do STJ de 01.07.2010, proc. n.º 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1, relator Bettencourt de Faria, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
9. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, 2ª edição, pág. 23.
10. Cfr. Jacinto Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II, Almedina, 3ª edição, pág. 268.
11. In Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, Almedina, 2ª edição, pág. 187.
12. Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, 7ª edição, pág. 465, nota (1).
13. Proc. n.º 390/08.7TBSRT.C1, relator Isaías Pádua, acessível em www.dgsi.pt.
14. A este propósito, cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, 7ª edição, págs. 364-366.