Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1051/16.9T8VCT.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO CUNHA
Descritores: SOCIEDADE POR QUOTAS
EXCLUSÃO DE SÓCIO
DELIBERAÇÃO SOCIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. A exclusão de um sócio de Sociedade por quotas fundamentada na alegada falta de cumprimento da obrigação de entrada pelo sócio (remisso) pode ser efectuada por mera deliberação social, sem necessidade de intervenção do Tribunal (art. 204º; cfr. art. 241, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais),
II. A conclusão do ponto I) mantém-se ainda que a sociedade comercial em causa seja bipessoal (constituída por apenas dois sócios), não sendo, assim, nula a deliberação social que nestas circunstâncias seja tomada.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
I. RELATÓRIO.
Recorrente(s): - B.;
Recorrido(a)(s): - C.;
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A Autora C. veio intentar a presente acção de processo comum contra B. e D., alegando, entre outros fundamentos, que a sua exclusão de sócio da Sociedade Ré teria de ser decretada por decisão jurisdicional, o que não aconteceu, pelo que a deliberação social em apreço nos autos é inválida e ilegal.
Conclui, pois, que deve ser decretada a nulidade da deliberação para a exclusão da Autora, como sócia da Sociedade B., 1ª Ré, com as legais consequências.
Contestaram os RR., onde, além do mais, pugnaram pela improcedência da acção (com aquele fundamento).
No exercício do princípio do contraditório, a Autora apresentou ainda requerimento onde se pronuncia sobre a excepção de ilegitimidade passiva do Réu que havia sido invocada na contestação pelos Réus.
Findo os articulados, realizou-se a Audiência prévia, onde:
-se decidiu a excepção de ilegitimidade no sentido da sua improcedência
-o Tribunal comunicou às partes que estava “…em condições de decidir o mérito da causa, por entender que a exclusão do sócio impugnada na presente acção não respeitou o formalismo legal, pois deveria ter sido instaurada acção judicial própria para o efeito, tendo em consideração que está em causa uma sociedade com apenas dois sócios, por aplicação do disposto nos arts. 257º, nº5 e 186º, nº3 do CSC e 1005, nº3 do CC…”;
-e onde, após o cumprimento do princípio do contraditório, foi proferida, de uma forma fundamentada, a seguinte decisão:
“Nestes termos, decide-se julgar a presente acção procedente, e em consequência decretar a nulidade da deliberação social para a exclusão da autora como sócia da sociedade B.”.
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É justamente desta decisão que a Recorrente Sociedade B. veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
“1ª – Resulta das alíneas a) a g) do despacho “Saneador-Sentença” recorrido, que a deliberação social de exclusão da Recorrida como sócia da Recorrente foi adoptada com a rigorosa observância das normas legais dos arts. 241º, nº 1, arts. 202º, 203º, nº 3 e 204º, nº 1 e 2 do Cód. das Sociedades Comerciais, cumprindo com todos os procedimentos legalmente previstos nesse diploma legal para as situações de exclusão de sócio por falta da realização da entrada em dinheiro correspondente à sua quota.
2ª - Nos termos dos arts. 202º, 203º, nº 3 e 204º, nº 1 e 2 do Cód. das Sociedades Comerciais, o procedimento de exclusão da sociedade de um sócio que não tenha realizado as entradas em dinheiro respeitantes à sua quota não necessita de ser feito através da propositura de uma acção judicial, podendo ser feito através de deliberação social, precedida das interpelações admonitórias ao sócio relapso previstas nos arts. 203º e 204º daquele diploma legal.
3ª - Esse procedimento aplica-se independentemente do número de sócios que componham a sociedade por quotas, mesmo que sejam apenas dois sócios.
4ª – Nesse sentido vem a jurisprudência mais recente – aliás, citada no próprio despacho recorrido -, designadamente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Outubro de 2010 (Proc. nº 2703/05.4TBMGR.C1.S1, in www.dgsi.pt), onde se diz que “IV - A falta de cumprimento da obrigação de entrada pelo sócio remisso constitui uma cláusula de exclusão legal, especificamente, enunciada, e não contratual, que opera, validamente, por deliberação dos sócios, sem necessidade do instrumento da sentença judicial, não obstante tratar-se de uma sociedade por quotas constituída por dois sócios, um dos quais propôs uma acção contra o outro” (sublinhado nosso).
5ª - Não tem lugar no caso dos autos - exclusão de socio por falta de pagamento das entradas em dinheiro a aplicação analógica dos arts. 186º, nº 3 e artº. 257º, nº 5 do Cód. das Sociedades Comerciais ou do art. 1005º do Cód. Civil.
6ª - Como ensina Raul Ventura, a aplicação deste último preceito limita-se situações em que a destituição tenha como fundamento “justa causa”, pois quando assim não seja – como não o é no caso dos autos – a destituição pode efectuar-se por deliberação dos sócios, tomada por maioria simples.
7ª - Não há, por isso, fundamento para a aplicação analógica do artº. 257º, nº 5 do Cód. Soc. Comerciais aos casos de exclusão do sócio por falta de pagamento das entradas, pois nestes casos o que está em causa é uma situação objectiva de falta de entrada de dinheiro e não uma apreciação subjectiva da conduta do sócio.
8ª – Acresce que, nenhum sentido faz invocar-se a aplicação analógica das disposições dos arts. 1005, nº 3 do Cód. Civil, e artº. 186º, nº 3 e artº. 257º, nº 5 do Cód. das Sociedades Comerciais, porquanto o instituto da aplicação por analogia se destina a integrar “casos que a lei não preveja” – cfr. artº. 10º, nº 1 do Cód. Civil.
9ª - Estando o regime jurídico de exclusão de sócio de uma sociedade por quotas que não realize a entrada em dinheiro do valor da sua quota expressamente previsto nos arts 202º a 204º do Cód. das Sociedades Comerciais, não existe qualquer lacuna que justifique uma aplicação analógica.
10ª - Pelo que a invocação de uma aplicação analógica dos arts. 1 005, nº 3 do Cód. Civil e artº. 2º do Cód. das Sociedades Comerciais não faz qualquer sentido.
11ª - Perante a factualidade considerada pelo tribunal “a quo” nas alíneas a) a g) do despacho “Saneador-Sentença”, a deliberação social adoptada pela Recorrente para exclusão da Recorrida como sócia não padece de qualquer nulidade.
12ª - Ao decidir de forma diversa, o tribunal “a quo” fez errada interpretação e aplicação do direito, violando, entre outras, as disposições dos artigos 241º, nº1, 203, nº 3, 204º, nºs 1 e 2, 186º, nº 3, 257º, nº 5, 2º e 56º, als. c) e d) do Cód. das Sociedades Comerciais, bem como dos arts. 1005º, nº3 e 10º, nº 1 do Cód. Civil.
13ª - Pelo que deverá ser revogado o despacho recorrido, na parte em que julgou nula a deliberação de exclusão da Recorrida como sócia do Recorrente, e, em sua substituição, ser proferido douto acórdão que considere que essa não é nula.
Termos em deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e proferindo-se, em despacho, acórdão em conformidade com as conclusões supra formuladas.”
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Foram apresentadas contra-alegações pela Recorrida, tendo esta pugnado pela improcedência do Recurso apresentado.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, a Recorrente/ Ré coloca a seguinte única questão que aqui importa apreciar:
1. Saber se, no caso de uma sociedade por quotas bipessoal, a exclusão de um dos sócios pode ser decidida por deliberação social e, consequentemente, saber se essa deliberação é, assim, válida, contrariamente ao decidido pela decisão aqui posta em crise que considerou que a mesma era nula;
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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O Tribunal de Primeira Instância considerou como factualidade relevante a seguinte:
a) Por contrato reduzido a escrito celebrado em 17/06/2014 foi constituída a sociedade comercial por quotas B., tendo como objecto social a compra e venda de madeiras, lenhas, materiais de construção, limpeza de florestas e serração de madeiras, capital social de 5.000,00€, integralmente realizado em numerário a entregar aos cofres da sociedade até ao final do primeiro exercício económico, representado pelas seguintes quotas: uma quota com o valor nominal de 2.500,00€ pertencente a D., e uma quota com o valor nominal de 2.500,00€ pertencente a C.;
b) Os sócios identificados declararam que até ao final do primeiro exercício económico procederiam à entrega do valor do capital social nos cofres da sociedade;
c) Por carta registada com A/R datada de 14/09/2015 a sociedade comercial Ré interpelou a autora para no prazo de 30 dias a contar da recepção da referida carta, proceder à entrega na sociedade da quantia de 2.500,00€ correspondente à entrada da quota ainda não realizada;
d) Por carta registada com A/R de 22/10/2015, a sociedade comercial Ré notificou a Autora que iria promover a exclusão da sociedade e consequente perda da quota caso não procedesse à entrega do valor da entrada;
e) Com data de 28/01/2016, a Autora recebeu uma convocatória assinada pelo 2º Réu, na qualidade de sócio gerente da 1ª Ré, para a realização de uma assembleia geral extraordinária com ponto único da ordem de trabalhos “a) deliberação de exclusão da sócia C., nos termos do Art. 204º, nº 1 do C.S.C.";
f) No dia 22/02/2016, na sede da 1ª Ré, reuniram-se em assembleia geral extraordinária os seus sócios, em concreto, Réu D. e a Autora, esta representada;
g) Na referida assembleia, a Autora foi impedida de votar o único ponto da ordem de trabalhos e foi deliberado, com a aprovação do voto do sócio D., a exclusão de sócia da aqui Autora, com fundamento na omissão da obrigação prevista no Art. 4º do contrato de sociedade.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Importa entrar directamente na questão atrás enunciada que, aliás, foi, de uma forma precisa, enquadrada pelo Tribunal de Primeira Instância.
Na verdade, como aí se salientou, a questão que o Tribunal Recorrido decidiu, logo na fase de saneamento do Processo, tem vindo a merecer, em termos Jurisprudência, tratamento controverso, tendo a decisão aqui posta em crise optado por entender subscrever, de uma forma fundamentada, uma das teses jurisprudenciais que têm vindo a ser defendidas (1), e nesse sentido sustentou que a exclusão da Recorrida/Ré de sócia da Sociedade Ré só pode ser decretada pelo Tribunal, pelo que, em consequência, “decretou a nulidade da deliberação social para a exclusão da autora como sócia da sociedade B.”
Entende a Recorrente que assim não será, invocando obviamente a tese jurisprudencial contrária (2).
Cumpre decidir.
Como se disse, são conhecidas as teses em confronto.
Ora, ponderados os argumentos de cada uma das teses em confronto, e tendo em conta o regime legal aplicável, afigura-se-nos efectivamente que, no presente caso, a exclusão do sócio, no caso da Autora, pode ser efectuada por deliberação social da Ré.
Em termos gerais, tal resulta, de uma forma clara, do disposto no art. 246º, nº 1, al. c) do Cód. das Sociedades Comerciais onde se estabelece que “ dependem de deliberação dos sócios, além de outros que a lei ou o contrato indicarem: (…) al. c) A exclusão de sócios…”.
Assim, a exclusão dos sócios fundada na lei ou nos estatutos societários efectua-se por norma através de deliberação dos sócios, como, aliás, resulta do disposto nos arts. 204º, nº 2 (sócio remisso quanto às entradas- onde se refere, aliás, expressamente:“…deliberando a sociedade excluir o sócio…”), 212º, nº1 (obrigação de prestações suplementares) e 241º, nº 2 (por força do contrato) do Cód. das Sociedades Comerciais.
Já a exclusão fundada na causa geral genérica prevista no art. 242º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais efectua-se por decisão judicial, sendo que a propositura da acção tem que ser, essa sim, deliberada pelos sócios.
Ora, no caso concreto, a deliberação social aqui questionada fundamentava-se justamente no disposto no Art. 204º, nº. 1 do Cód. das Sociedades Comerciais (v. matéria de facto considerada provada na decisão aqui posta em crise).
Nesta conformidade, dúvidas não existiriam, em face dos citados preceitos legais, que a exclusão da Autora de sócia da Ré, em circunstâncias normais, podia ser efectuada por deliberação social.
Na verdade, a questão só se levanta, no caso concreto, porque a Ré é uma Sociedade comercial por quotas bipessoal (constituída por apenas dois sócios).
E é justamente nesses casos que se vêm levantando as dúvidas que levaram à formação das duas teses jurisprudenciais acima mencionadas.
É que nestas situações de Sociedades por quotas bipessoal, estando o sócio visado pela exclusão de sócio (sócio excluendo) impedido de votar a deliberação (art. 251º, nº 1, al. d) do citado Código), esta deliberação só é tomada pelo outro sócio da Sociedade (sócio não-excluendo).
É este um dos fundamentos que a tese contrária à que aqui defendemos utiliza para sustentar que, nestas situações, o Tribunal tem que intervir necessariamente no sentido de proteger o sócio excluendo, aplicando, como fez a decisão aqui posta em crise, a analogia com as situações previstas nos arts. 186º, nº 3 e 257º, nº 5 do Cód. das Sociedades Comerciais, bem como do art. 1005º, nº 3 do CC.
Sucede que, conforme refere Coutinho de Abreu (3), “…não tem de ser assim. Uma deliberação de exclusão do sócio pode perfeitamente ser tomada tão-só com os votos de um dos dois sócios…” (desenvolvendo depois o Autor citado um conjunto de exemplos de situações em que isso sucede).
Na verdade, “… a decisão judicial é um “plus”, uma exigência suplementar que a lei por vezes adiciona à simples tomada de deliberação, sempre que especificas circunstâncias tornam aos olhos do legislador, aconselhável a intervenção do Tribunal…”(4).
E por isso é que é bem diferente o sentido da opção legislativa no âmbito da exclusão dos sócios das sociedades de pessoas (sociedades em nome colectivo- citado art. 186º; e sociedades civis- citado art. 1005º, nº 3) onde se exige a intervenção do Tribunal, já que só nessas sociedades é que a exclusão, com intervenção do Tribunal, depende do número de sócios (no caso, se a Sociedade for constituída por dois sócios) e por conseguinte existe a preocupação com a tutela do sócio excluendo contra o potencial arbítrio do outro.
Esta diferente opção legislativa nas Sociedades de pessoas- nas Sociedades por quotas o legislador de caso pensado, dizemos nós, não previu essa intervenção do Tribunal- torna evidente que não existe a possibilidade de aplicar por analogia às Sociedades por quotas o regime que se mostra fixado para as aludidas Sociedades de pessoas, já que não existe a identidade de razões exigida entre uma e outra situação.
Depois, importa atender a que ao defender-se essa posição “… está-se a ser mais exigente do que o próprio legislador societário, o qual mesmo para as sociedades em nome colectivo apenas se pronunciou nesse sentido no que respeita à exclusão fundada nas als. a) ou c) do art. 186, nº1…” (5).
Subjacente à argumentação da tese contrária está ainda a ideia de que existiria uma lacuna na lei que exigiria a aludida aplicação analógica dos citados preceitos legais.
Mas a verdade é que se analisarmos o disposto no art. 241º, nº1 do Cód. das Sociedades Comerciais constatamos que não existe qualquer lacuna no seu comando legal.
Com efeito, dispõe este preceito legal que “…um sócio pode ser excluído da sociedade nos casos e termos previstos na presente lei, bem como nos casos respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixados no contrato”.
Assim, como refere o ac. do Stj de 26.10.2010 já citado “…a referência que este normativo faz à «presente lei» deve ser entendida como a lei aplicável às sociedades por quotas, nas quais, como é óbvio, a exclusão do sócio não pode basear-se no disposto pelo artigo 1003º, do Código Civil, que se refere, especificamente, às sociedades sob a forma civil, quer com o fundamento na analogia, quer com o recurso ao carácter subsidiário do Código Civil, com base no disposto pelo artigo 2º, do CSC, porquanto inexiste qualquer lacuna, neste último diploma legal, que, nos seus artigos 241º e 242º, contém uma regulamentação completa e independente do instituto da exclusão de sócios.
Aliás, ao contrário do que acontece na hipótese do artigo 240º, nº 1, do CSC, onde se diz que “um sócio pode exonerar-se da sociedade nos casos previstos na lei e no contrato…”, já o artigo 241º, nº 1, do mesmo diploma legal, diz que “um sócio pode ser excluído da sociedade nos casos e termos previstos na presente lei…”, o que significa que existem termos diversos correspondentes a distintas espécies previstas na lei, como acontece com o disciplinado pelo artigo 186º, nº 3, do CSC, já citado, a propósito das sociedades em nome colectivo…”.
Acresce que importa dizer que não se consegue encontrar uma razão forte para que se exija nas sociedades por quotas a intervenção do Tribunal.
É que “… jamais o sócio indevidamente excluído ficará privado de tutela judicial, uma vez que sempre a poderá suscitar “a posteriori” …”, e isto é tanto mais verdade que o sócio excluído até poderá “…lançar mão de uma providência cautelar destinada a suspender a eficácia da deliberação que o excluiu…”(6).
Assim sendo, atendendo à causa de exclusão invocada pela Recorrente/Ré Sociedade Comercial por quotas que se fundamenta na alegada falta de cumprimento da obrigação de entrada pela sócia remissa (aqui Autora) e sabendo-se que, conforme decorre do exposto, essa exclusão de sócio se funda em especifica causa prevista na lei (art. 204º; cfr. art. 241, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais), tem que se concluir, com a Doutrina e Jurisprudência citadas, que a exclusão da Autora como sócia da Sociedade Ré pode ser efectuada por mera deliberação social, sem necessidade de intervenção do Tribunal (7), mesmo nos casos, como o concreto, em que sociedade por quotas é bipessoal (constituída por dois sócios), não sendo, assim, nula a deliberação social que nestas circunstâncias seja tomada.
Pelo exposto, não ocorrendo o vício da nulidade da deliberação social apontado pela decisão aqui posta em crise, atento o preceituado pelos artigos 56º, nº 1, c) e d) e 58º, nº 1, a) e b), do Cód. das Sociedades Comerciais, tem a aludida decisão que ser revogada, com a consequência, de os autos terem que prosseguir os seus ulteriores termos para apreciação dos demais fundamentos invocados pela Autora como causa de pedir do pedido de nulidade da deliberação social que formulou.
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Sumário ( elaborado pelo Relator- art.º 663º, nº 7 do CPC ):

“I. A exclusão de um sócio de Sociedade por quotas fundamentada na alegada falta de cumprimento da obrigação de entrada pelo sócio (remisso) pode ser efectuada por mera deliberação social, sem necessidade de intervenção do Tribunal (art. 204º; cfr. art. 241, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais),
II. A conclusão do ponto I) mantém-se ainda que a sociedade comercial em causa seja bipessoal (constituída por apenas dois sócios), não sendo, assim, nula a deliberação social que nestas circunstâncias seja tomada.”
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III-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o Recurso apresentado pela Recorrente, e em consequência, decide-se revogar a Decisão Recorrida.
Na sequência, determina-se que os presentes autos prossigam os seus ulteriores termos processuais no Tribunal de Primeira de Instância, a fim de que este se pronuncie sobre os demais fundamentos invocados pela Autora como causa de pedir do pedido de nulidade da deliberação social que formulou.
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Custas pela Recorrida (art. 527, nº 1 do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 15 de Dezembro de 2016
(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)
(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)
(Dra. Elisabete de Jesus Santos de Oliveira Valente)
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(1)Entre outros, nos acs. citados pela decisão, ou seja, nos acs. da RG de 14.3.2013 (relator: Conceição Bucho), da RL de 05.07.2000 (relator: Nunes Ricardo) e da RC de 11.11.2003 (relator: Garcia Calejo), disponíveis em Dgsi.pt;
(2)Defendida, entre outros, pelos acs. do Stj de 26.10.2010 (relator: Hélder Roque), e da RC de 13-04.2010 (relator: Barateiro Martins) e de 24.1.2012 (relator: Carlos Gil), todos disponíveis em DGsi.pt
(3)In “ Curso de Direito Comercial”, Vol. II, págs. 439 e 440;
(4)Carolina Cunha, in “CSC em comentário”, Vol. III, pág. 591;
(5)Carolina Cunha, in “CSC em comentário”, Vol. III, pág. 591;
(6)Carolina Cunha, in “CSC em comentário”, Vol. III, pág. 591;
(7)No ac. do Stj de 26.10.2010 considera-se aliás que “…, quando a causa de exclusão se encontra, especificamente, enunciada na lei e esta estabelece os termos que lhe devem corresponder, como acontece com a exclusão do sócio remisso, consagrada pelo artigo 204º, do CSC, que se não compadecem com a exclusão pela via judicial, está vedado o recurso à propositura de uma acção em Tribunal…”.