Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6320/07.6TBBRG-W.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: INSOLVÊNCIA
ENCERRAMENTO DO ESTABELECIMENTO
EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
CRÉDITO LABORAL
DÍVIDA DA MASSA INSOLVENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. A declaração de insolvência, em si, não extingue o contrato de trabalho, mas sim o encerramento definitivo do estabelecimento.
2 – O acto de cessação de contratos de trabalho, após a declaração de insolvência, traduz-se num acto de gestão e administração da massa insolvente, sendo esta responsável pelas dívidas que daí surjam, com a extinção dos contratos de trabalho, que devem ser pagas nos termos do artigo 51 n.º 1 al. c) e 172 n.º 1, 2 e 3, ambos do CIRE.
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

M…, SA. requereu a sua insolvência, que foi decretada a 18 de Setembro de 2007, sem encerramento do estabelecimento.
Foram reclamados créditos e, posteriormente, reconhecidos e graduados por sentença de 11 de Julho de 2008, em que os créditos dos trabalhadores foram graduados em primeiro lugar e a serem pagos em pé de igualdade e rateadamente.
Do rateio do A.I. houve reclamação por parte dos trabalhadores A… e outros no sentido de que seja ordenada a organização do rateio de molde a serem distinguidos os seus créditos no montante de 1.269.599,60€ como créditos da massa insolvente e os restantes como créditos da insolvência.
A 12 de Fevereiro de 2013 foi proferido despacho que indeferiu a reclamação porque entendeu que os créditos reclamados não integram nenhuma das alíneas do n.º 1 do artigo 51 do CIRE e nem são qualificados como créditos da massa insolvente pelo mesmo diploma.
Do despacho que indeferiu a reclamação, os trabalhadores A… e outros suscitaram a reforma deste despacho ao abrigo do disposto no artigo 669 n.º2 do CPC. alegando, em síntese, lapso na decisão, uma vez que foi junta aos autos uma cópia da petição inicial e sentença transitada em julgado, proferida no Tribunal de Trabalho de Barcelos, cujos fundamentos vão no sentido de que os créditos emergem dum despedimento ilícito, levado a efeito pelo A.I., nascendo de facto posterior à declaração de insolvência, mantendo-se o estabelecimento em funcionamento.
A 5 de Abril de 2013 foi proferido despacho de indeferimento porque o despacho reformando é susceptível de recurso e não foi prescindido o respectivo recurso. E, além disso, dos factos provados na sentença junta, não resulta que tenha sido o AI a fazer cessar os contratos de trabalho, pelo que era de manter o despacho impugnado.

Deste despacho houve recurso que foi admitido por ordem do Tribunal da Relação, por despacho de 4 de Setembro de 2013.
Foram apresentadas as alegações a 23 de Setembro de 2013, que têm como objecto a decisão proferida sobre a reclamação onde requeriam que fossem considerados os seus créditos como da massa insolvente e não da insolvência.
Houve recurso subordinado de outros credores trabalhadores como a A…, E… e M… a suscitarem, no caso da procedência do recurso, que fossem julgados, também, os seus créditos, como sendo da massa insolvente, porque a cessação dos contratos ocorreu a 31 de Julho de 2008, posterior à declaração de insolvência.

Foi proferido acórdão a 29 de Setembro de 2014 no sentido de conceder provimento ao recurso principal, revogando a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que reconheça os créditos reclamados no ponto B2 da sentença do Tribunal de Trabalho de Barcelos, que devem ser pagos nos termos do artigo 172 n.º 1, 2 e 3 do CIRE. E nega provimento ao recurso subordinado.

Interposto recurso para o STJ, que foi admitido, veio a ser proferida decisão singular por este Tribunal que decidiu anular a decisão recorrida nos termos dos artigos 718 e 729 n.º 3 do CPC., ordenando a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Guimarães, para que o Acórdão seja reformulado, se possível com a intervenção dos mesmos Ex. mos Desembargadores, com a indicação da matéria de facto que serviu de fundamento à decisão recorrida.
Em cumprimento do ordenado vamos especificar a matéria de facto que fundamentou o Acórdão anulado, nos seguintes termos:
1 - A matéria de facto acima relatada.
2 - (…)

Tanto no recurso principal como no subordinado está em causa a qualificação dos créditos. Se se integram no conceito de créditos da massa insolvente, se no de créditos da insolvência.

1Recurso principal - A qualificação dos créditos incide apenas no que diz respeito aos que emergem das retribuições vencidas na pendência da acção, até ao trânsito em julgado da sentença, junta aos autos, que o Tribunal de Trabalho de Barcelos definiu no ponto decisório B2 (ponto facto 2) da respectiva decisão. E isto porque é o objecto do recurso, e, por outro lado, os outros pontos decisórios já foram objecto de decisão com trânsito em julgado, sentença de reconhecimento e graduação de créditos, (B1- indemnização por antiguidade e B3 que diz respeito à retribuição do mês de Setembro 2007 e os proporcionais de férias e Natal do ano de 2007 (pontos de facto – 11,12 e 13).

A doutrina e a jurisprudência estão divididas sobre a influência da insolvência sobre os créditos laborais, em certas circunstâncias. E a mais importante, e a que tem interesse para a discussão e decisão do recurso, diz respeito à cessação dos contratos de trabalho dum estabelecimento, que continua em funcionamento, após a declaração de insolvência.
Neste caso, a cessação dos contratos de trabalho de alguns trabalhadores, a 30 de Setembro de 2007, após decisão que declarou a empresa insolvente, a 18/09/2007, insere-se na actividade de administração da empresa insolvente, a cargo do administrador da insolvência, enquadrada no processo global de liquidação da massa insolvente, uma vez que se traduz num acto de gestão, com vista a agilizar a produção, perspectivando uma maior rentabilidade, tornando-se mais atractiva para o mercado. Os créditos que daí advenham serão da responsabilidade da massa insolvente, nos termos do artigo 51 n.º 1 al. c), que deverão ser pagos nos termos do artigo 172 n.º 1, 2 e 3, ambos do CIRE. Pois, estamos perante um dívida conexa com a administração e liquidação da massa insolvente, da responsabilidade do Administrador da Insolvência.

Pois, há que diferenciar os efeitos da insolvência sobre as relações laborais. A insolvência, em si, não afecta os contratos de trabalho se não gerar, imediatamente, o encerramento do estabelecimento. É o encerramento que determina a extinção dos contratos de trabalho, como decorre da leitura do artigo 391 n.º 1 do Código de Trabalho, vigente à data dos factos. Enquanto perdurar, faz parte do património da massa insolvente e é gerido pelo AI., sendo responsável pelas dívidas que gerar. E como responsável pela gestão deste património, o acto de fazer cessar vários contratos de trabalho faz parte da sua administração, enquanto integrado no processo de liquidação, e as dívidas daí advindas terão de ser qualificadas como dívidas da massa como se depreende do disposto no artigo 51 n.º 1 al. c) do CIRE (conf. Luís Carvalho Fernandes, Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho, segundo o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Revista de Estudos de Direito e Estudos Sociais, Ano XLV, n.º 1, 2, 3, pag. 5 a 39; Luís Menezes Leitão, As repercussões da insolvência no contrato de trabalho, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XLVII, n.º 3 e 4, pag. 273 a 289).
Assim, os créditos identificados no ponto B2 da decisão do Tribunal de Trabalho de Barcelos, como emergem da cessação dos contratos de trabalho ocorridos a 30 de Setembro de 2007, após a declaração da insolvência, terão de ser qualificados como da massa insolvente e não da insolvência, pelo que devem ser pagos nos termos do artigo 172 n.º 1, 2 e 3 do CIRE, não sendo necessário reclamá-los nos termos do artigo 128 e 146 do mesmo diploma. Apenas terão de ser provados perante o AI., e foi o que os agravantes fizeram com a reclamação ao rateio, instruída com a petição inicial da acção que propuseram no Tribunal de Trabalho de Barcelos e com a sentença, por ele proferida, sobre o assunto. E este título é vinculativo, porque se trata de uma decisão jurisdicional.
2 Recurso subordinado -No que diz respeito ao recurso subordinado temos os despedimentos ilícitos dos trabalhadores identificados nos pontos de facto 5 a 10, que ocorreram a 31/07/2008, tendo havido reclamações de créditos para o AI e propostas acções nos termos do artigo 146 do CIRE, para verificação e reconhecimento dos seus créditos, baseados na indemnização por antiguidade, férias e subsídio de férias, proporcionais de férias e subsidio de férias e Natal, que vieram a ser reconhecidos por sentenças transitadas em julgado. Estas sentenças proferidas a 18/12/2008, 19/12/2008 e 6/01/2009 apenas reconheceram os créditos reclamados nas respectivas acções. E apenas a sentença de 11/07/2008, que homologou a lista dos créditos e credores reconhecidos pelo AI., apresentada a 28/02/2008, é que qualificou esses créditos como da insolvência e os graduou. Os créditos reconhecidos e referenciados no recurso subordinado emergiram de despedimentos ilícitos dos respectivos trabalhadores que ocorreram a 31/07/2008, são da responsabilidade do AI., pelos fundamentos expostos no recurso principal. Assim, terão de ser qualificados como créditos da massa insolvente, a ser pagos rateadamente com os outros créditos referidos no recurso principal, pois foram verificados e reconhecidos por sentenças transitadas em julgado, títulos jurisdicionais vinculativos.

Concluindo: 1. A declaração de insolvência, em si, não extingue o contrato de trabalho, mas sim o encerramento definitivo do estabelecimento.
2 – O acto de cessação de contratos de trabalho, após a declaração de insolvência, traduz-se num acto de gestão e administração da massa insolvente, sendo esta responsável pelas dívidas que daí surjam, com a extinção dos contratos de trabalho, que devem ser pagas nos termos do artigo 51 n.º 1 al. c) e 172 n.º 1, 2 e 3, ambos do CIRE.

Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em conceder provimento ao recurso principal e ao subordinado, revogando a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que reconheça os créditos reclamados no ponto B2 da sentença do Tribunal de Trabalho de Barcelos (ponto de facto 2) e nas acções e sentenças de verificação e reconhecimento de créditos ao abrigo do artigo 146 do CIRE (pontos de facto 5 a 10), que devem ser pagos nos termos do artigo 172 n.º 1, 2 e 3 do CIRE, de forma rateada.
Custas a cargo da massa insolvente – artigo 304 CIRE
Guimarães, 21/05/2015
Espinheira Baltar
Henrique Andrade
Eva Almeida