Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4206/16.2T8VCT-C.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO
DETENTOR
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
DIREITO DE RETENÇÃO
PRINCÍPIOS DA PRECLUSÃO E DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - O regime do diferimento da desocupação previsto no art. 864º do C. P. Civil está reservado ao arrendatário habitacional, não se aplicando ao mero detentor do imóvel a desocupar que não tenha tido essa qualidade.
2 - Não podem os Embargantes invocar nos embargos de executado o direito ao valor de benfeitorias e consequente direito de retenção do imóvel cuja entrega se pretende, quando tiveram oportunidade de o fazer na contestação da ação declarativa, por os factos correspondentes já serem nessa data conhecidos daqueles.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

A. V., C. G., M. J., A. G. intentaram a presente oposição à execução mediante embargos de executado, alegando, sumariamente, em sua defesa: (1) a falta de título executivo por se mostrar ainda pendente um recurso de uniformização de jurisprudência; (2) a existência de causa prejudicial em virtude da pendência da ação n.º 65/20.9T8PTL; (3) a realização de benfeitorias no prédio objeto da execução a que os embargos foram apensos e, por efeito, o direito de exercer retenção sobre o mesmo; (4) o preenchimento dos requisitos legais para que seja diferida a sua desocupação.
Terminam peticionando: o indeferimento liminar da execução a que estes autos foram apensos por falta de prestação de caução; a suspensão da execução como efeito da invocada causa prejudicial; o reconhecimento de um direito de retenção sobre o prédio objeto da execução decorrente de benfeitorias aí alegadamente realizadas; subsidiariamente, que lhes seja permitido diferir a sua desocupação por período nunca inferior a 12 meses.
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Regularmente citada, a Exequente/Embargada veio pugnar pela improcedência da oposição apresentada.

No despacho saneador, entendendo-se que o estado do processo o permitia, foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes.
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Inconformados vieram os Embargantes recorrer formulando as seguintes Conclusões:

I. Ora, não podem os recorrentes conformar-se com a douta sentença do Tribunal recorrido no que concerne aos factos e ao direito, porquanto, decidindo como decidiu, o Meritíssimo Juiz “a quo” não fez uma adequada subsunção dos mesmos às normas jurídicas.
II. A Mm. Juiz a quo proferiu sentença ora impugnada no pressuposto de que os autos contêm já toda a matéria necessária para a decisão do mérito da causa.
III. Ora, o conhecimento imediato do mérito da causa, sem a realização do respetivo julgamento, só pode ocorrer se o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.
IV. Os recorrentes discordam da oportunidade da decisão proferida, que ocorreu sem que tivesse havido audiência de julgamento, onde se pudessem apresentar e valorar todas as provas que permitiriam enquadrar a matéria em discussão.
V. O conhecimento imediato do mérito da causa em sede de despacho saneador pressupõe, necessariamente, a verificação de que o estado do processo o permite.
Ou seja, tem de resultar inequivocamente que nos autos inexiste matéria de facto que deva considerar-se controvertida e, por outro lado, que a matéria de facto já assente é a relevante e suficiente para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
VI. Ora, este reconhecimento impõe que a matéria de facto, considerada essencial à decisão da causa, se encontre plenamente provada, por acordo ou por meios de prova dotados de força probatória pela produzida nos autos, ou que, por qualquer outra razão, se esgotaram os meios de prova admissíveis sobre tal matéria, sob pena de, tal não se verificando, tratar-se tão só de matéria de facto que deve considerar-se controvertida e necessitada de julgamento.
VII. No caso dos autos, entendem os recorrentes que não se encontram ainda
reunidos todos os factos necessários à prolação de uma decisão final.
VIII. Deste modo, por haver factos que carecem de instrução, e por não ter sido produzida qualquer outra prova, para além da documental junta aos autos, verifica-se que não resultam provados todos os factos necessários para a resolução do litígio.
IX. No caso dos autos, além de haver matéria controvertida, afigura-se que a factualidade considerada assente pela Mm.ª Juiz a quo é insuficiente para a justa e completa avaliação do peticionado pela recorrente.
X. Por outro lado, para prova dos factos por si alegados, além dos documentos
juntos aos autos, a recorrente requereu a inquirição de testemunhas que indicou, que conhecem pessoalmente os factos em causa.
XI. Entendemos por isso que é necessária a realização da audiência de julgamento para que se esclareçam e provem as questões suscitadas, de modo a poder reconhecer-se o direito em conformidade.
XII. Face ao exposto, entendemos que o tribunal a quo não poderia ter conhecido do mérito da causa.
XIII. Demais, sempre se dirá e no que se reporta às benfeitorias realizadas no prédio em questão, nos termos do artigo 1273 do Código Civil: “1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculando segundo as regras do enriquecimento sem causa".
XIV. Ora, as benfeitorias realizadas pelos recorrentes não podem ser levantadas sem deterioração da coisa, pelo que aquele tem o direito a serem indemnizados, na exata medida do valor despendido nas mesmas.
XV. Ora, consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa (nº1 do artigo 216º do Código Civil).
XVI. Basta, se o ato ou série de atos têm, segundo o consenso público, a energia suficiente para significar que, entre uma coisa e determinado indivíduo, se estabeleceu uma relação duradoura.
XVII. Assim, um só ato pode evidenciar a posse pelo que à luz pelo menos de tal instituto teriam necessariamente os recorrentes de se ver ressarcidos
XVIII. A sentença recorrida viola, entre outras, as disposições dos artigos 755°, 1305° e seguintes do C. Civil, os artigos 1037°, 510° e 206° do C. P. Civil, e ainda o artigo 60° da CRP,
XIX. Ao interpretar-se de uma forma diferente as aludidas disposições legais com a matéria de facto dada como provada, violou-se, manifestamente, aquelas mesmas disposições legais.
XX. De todo o modo, e mesmo reportando-se ao deferimento de desocupação do imóvel que os recorrentes alegam mal andou o tribunal em improceder tal alegação, senão vejamos;
XXI. O art.º 864º do NCPC permite aos executados, no caso de pedido de entrega de imóvel, diferir a desocupação por razões sociais imperiosas, devendo, nomeadamente, ponderar-se a circunstância de o executado não dispor imediatamente de outra habitação, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas (nº 3 do art. 864º, igualmente introduzido pela Lei nº 6/2006).
XXII. Os recorrentes e família, não dispõem de outro local para a habitar para lá do imóvel ajuizado, nem dispõem de capacidade económica, para procurar outra casa no mercado normal da habitação, restando-lhe o recurso à habitação social que, como é sabido de todos, não se consegue de um dia para o outro, acrescendo, não menos relevantemente, os transtornos que causará e que a sua situação precária tem vindo a agravar-se.
XXIII. Com efeito, o mercado imobiliário atualmente está impossível, com rendas muito inflacionadas, acresce que o credor não é um proprietário qualquer, antes uma Entidade Bancária pública, que não sairá assim tão prejudicada com a espera, para satisfação do comando constitucional de a todos assegurar o direito a uma habitação (art. 65º da CRP).
XXIV. De facto, ponderando os prejuízos com o protelamento da situação até ao prazo requerido para diferimento, o prejuízo da requerente com a entrega imediata, superará em muito o do exequente, e assim estar-se-á a dar cumprimento aquele desígnio constitucional.
XXV. Ora, na situação sub judice, temos que o incidente em causa foi deduzido
legitimamente
XXVI. Os recorrentes, cumpriram todas as formalidades: alegaram de forma pormenorizada e concisa os fundamentos plasmados nas alíneas a) a c) do art. 864º do NCPC, que preenche na totalidade e arrolou testemunhas.
XXVII. Pelas razões alegadas, se a desocupação suceder, os aqui recorrentes caíram numa dessas situações, uma vez que, entre outras coisas, carecem de rendimentos.
XXVIII. Perante todo o cenário desolador do ponto de vista económico e social que ficou descrito nas alegações, está de todo justificado o diferimento da entrega do local 14 em causa.
XXIX. Tal diferimento deverá ser por um período não inferior a 90 dias, para se dar oportunidade à requerente de encontrar uma nova habitação e refazerem a sua vida, sem o risco máxime de caírem na desgraça.
XXX. Pelo que, entendem os recorrentes, salvo o devido e douto entendimento, que a douta sentença, viola por errada interpretação a aplicação do disposto nos art.º 861º, 863º; 864º e 865º do CPC e artº 65º CRP.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá a sentença em crise e aqui recorrida, ser revogada.
ASSIM DECIDINDO, VOSSAS EXCELÊNCIAS, MUITO ILUSTRES DESEMBARGADORES FARÃO, COMO SEMPRE, JUSTIÇA!

A Embargada apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:

1.ª - Findos os articulados nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, pode o juiz proferir despacho saneador, conhecendo de imediato o mérito da causa, sempre que o estado do processo o permita, sem necessidade de mais provas, o que se verifica in casu - vd. al. b), n.º 1, art.º 595.º, ex vi al. c), art.º 597.º CPC
2.ª - O mesmo sucede quando a questão a decidir seja apenas de direito ou, sendo de direito e de facto, o processo contenha todos os elementos necessários à prolação de uma decisão de mérito fundamentada, o que se verifica in casu .
3.ª - A execução tem por base um título executivo e a inexistência ou a inexequibilidade do título constitui um dos fundamentos de oposição à execução
- vd. n.º 5, art.º 10.º CPC
- vd. al. a), art.º 729.º, ex vi n.º 1, art.º 860.º CPC
4.ª - A recorrida deu à execução a sentença proferida nos autos principais, pendente de recurso de uniformização de jurisprudência, com efeito meramente devolutivo, pelo que, essa sentença constitui um título executivo válido
- vd. n.º 2, art.º 627.º; n.º 1, art.º 689.º e art.º 693.º CPC
- vd. al. a), n.º 1, art.º 703.º e art.º 704.º CPC
5.ª - Na ação n.º 65/20.9T8PTL, a embargante C. G. peticiona o seu reconhecimento enquanto dona e legítima proprietária da “área sobrante do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo n.º … e descrito no registo predial sob o n.º …, com 255 m2”
- cfr. pontos 3.7 e 3.8 dos factos provados da sentença recorrida
6.ª - Essa questão foi já apreciada na ação declarativa principal que serviu de base à execução apensa e, como tal, a respetiva decisão constitui título executivo válido, pelo que, não poderá tal questão ser apreciada de novo
- vd. art.º 729.º CPC
7.ª - Por despacho de 26.05.2021, em sede de audiência prévia, aos recorrentes foi concedido o prazo de 10 dias para concretizar as datas da realização das ditas benfeitorias, o que não lograram concretizar
- vd. n.º 3, art.º 860.º CPC
8.ª - É na ação declarativa que o réu deve fazer valer os fundamentos de que dispõe para obstar à pretensão do autor, sob pena de não os poder invocar posteriormente
9.ª - Não podem os recorrentes invocar, em sede de oposição à execução, um alegado direito de retenção quando podiam tê-lo invocado na ação declarativa, pelo que, precludiu-se o respetivo direito, sob pena de violação do instituto do caso julgado.
- Ac. TR Guimarães de 15.05.2018, proc. n.º 59/16.9T8MNC-B.G1 - vd. n.ºs 1 e 3, art.º 860.º CPC
- vd. art.ºs 619.º e ss. CPC
10.ª - Ao arrendatário é concedida a possibilidade de solicitar o diferimento da respetiva desocupação, por razões sociais imperiosas, pelo prazo máximo de 5 meses a contar do trânsito em julgado da decisão que o conceder
- vd. art.º 864.º e n.º 4, art.º 865.º CPC
11.ª - In casu, estamos perante a entrega de um imóvel que constitui a casa de
morada dos recorrentes e seus familiares, sendo que, a lei lhe prevê um regime próprio, traduzindo-se no possível deferimento da desocupação do imóvel
- vd. n.ºs 3 a 5, art.º 863.º, ex vi n.º 6, art.º 861.º CPC
12.ª - O legislador ordinário consagrou regimes concretos no processo civil suscetíveis de proteger o direito à habitação e o direito à propriedade privada
- vd. art.ºs 62.º e 65.º CRP
13.ª - A execução apensa baseia-se no incumprimento da sentença, de 09 de julho de 2018, confirmada por acórdão, de 07 de março de 2019, pelo que, no caso sub judice, se verifica um protelar indefinido da entrega do imóvel em causa e nunca uma situação de carência económica ou dificuldades de realojamento, entre outros.
- vd. n.º 5, art.º 861.º e n.ºs 1 e 3, art.º 863.º CPC
14.ª - Quando se pretenda impugnar a matéria de facto, deve ser a mesma concretamente impugnada, o que os recorrentes não lograram efetivar, pelo que, aceitaram expressamente todos os pontos de facto provados da sentença recorrida
- vd. n.º 1, art.º 640.º CPC
15.ª - Os recorrentes nunca especificaram:
- os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados
- os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da plasmada na matéria de facto provada
- a decisão que, no seu entender, devesse ter sido proferida sobre as questões de facto em causa
- vd. als. a) a c), n.º 1, art.º 640.º CPC
16.ª - Os recorrentes têm a perfeita consciência que foram legitimamente condenados a entregar à recorrida o prédio objeto dos autos, no entanto, recusam-se, sem fundamento, a proceder em conformidade
17.ª - Os recorrentes perseguem um objetivo manifestamente ilegal ao protelarem indefinidamente a entrega do imóvel em causa, provocando na esfera jurídica da recorrida um prejuízo diário

EM CONFORMIDADE COM AS RAZÕES EXPOSTAS DEVE NEGAR-SE PROVIMENTO À APELAÇÃO CONFIRMANDO-SE A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA
ASSIM DECIDINDO ESTE VENERANDO TRIBUNAL FARÁ JUSTIÇA
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Questões a decidir:

- Analisar se assiste aos Embargantes obter o diferimento da desocupação do imóvel cuja entrega se pretende obter na ação executiva;
- Analisar se os Embargantes podem invocar nos embargos o direito de retenção.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir. entrados em juízo

A matéria considerada provada na 1ª instância é a seguinte:

1. Nos autos principais de execução entrega de coisa certa, entrados em juízo aos 15.02.2020, é exequente Caixa …, CRL, sendo executados A. V., C. G., M. J., A. G..
2. Nos autos principais de execução, a exequente apresentou como título executivo a sentença condenatória proferida nos autos 4206/16.2T8VCT, com data de 09.07.2018.
3. Nos termos da sentença em sujeito, foi decidido, entre o mais: “a) Declarar que a autora é a legítima proprietária do prédio urbano composto por moradia, cobertos e horta a nascente e um anexo a poente, (…) sito no lugar de …, freguesia de …, Ponte de Lima, descrito no registo predial sob o n.º …; b) Condenando-se os RR a reconhecer tal direito de propriedade da A., a absterem-se da prática de atos de violem, perturbem ou diminuam tal direito, e bem assim a restituírem o prédio à A. respeitando a sua composição (designadamente quanto às parcelas com que ilicitamente se apropriaram), condenando-se os RR na demolição dos dois muros ilicitamente construídos no prédio urbano da autora e a retirar do local todos os materiais correspondentes a tal demolição, no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado da presente sentença.”---
4. Interposto recurso da sentença pelos então RR., o qual foi admitido com efeito suspensivo, por despacho datado de 29.11.2018, veio o mesmo a ser julgado improcedente por Acórdão datado de 07.03.2019.
5. Inconformados, os RR. pediram revista excecional para o STJ, a qual não foi admitida nos termos do Acórdão datado de 12.09.2019, confirmado ainda pelo indeferimento, aos 31.10.2019, da reclamação entretanto apresentada.
6. Inconformados, ainda, interpuseram os RR. o recurso para uniformização de jurisprudência, o qual não foi admitido por decisão datada de 14.09.2020, posteriormente confirmada em sede de decisão quanto à reclamação, com data de 17.11.2020.
7. Aos 27.01.2020, a ora Embargante/Executada C. G. interpôs contra a ora Embargada/Exequente ação declarativa de simples apreciação positiva e constitutiva, sob a forma comum, que correu então termos sob o n.º 65/20.9T8PTL deste Juízo Central Cível – Juiz 2, pedindo que: se declare que a Autora é dona e legítima proprietária de prédio que está omisso na matriz e não se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima; se ordene a inscrição do referido prédio; seja a então Ré condenada a reconhecer e respeitar esse direito de propriedade e a abster-se da prática de qualquer ato que colida ou afete esse direito, a cessar de imediato a intromissão e a prática de qualquer ato que viole o direito de propriedade da Autora sobre aquele prédio.
8. Em concreto, pretendia a A. em sujeito o reconhecimento de que é dona e legítima proprietária da “área sobrante do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo n.º … e descrito no registo predial sob o n.º …, com 255 m2”, que alega lhe ter sido doada pelos pais, os aqui os embargantes M. J. e A. G..
9. Naquela ação, a Ré veio, além do mais, defender-se por exceção, invocando o caso julgado, alegando que a questão em juízo havia já sido suscitada pela Autora e pela ora Ré, na ação comum n.º 4206/16.2T8VCT e que a questão da propriedade do aludido prédio urbano foi já objeto da referida ação.
10. Por decisão datada de 28.04.2021, o Tribunal julgou verificar-se naqueles autos a invocada exceção do caso julgado, decidindo pela absolvição da então Ré da instância.
11. Ao longo dos anos em que habitaram o prédio urbano supra id., os embargantes realizaram diversas obras, designadamente, a colocação de janelas, casa de banho, mudança de telhado.
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Conhecendo:

Vejamos se o processo se encontrava em condições de ser proferida decisão de mérito no despacho saneador.
Os Recorrentes entendem que não uma vez que na petição de embargos alegaram factos que fundamentam o seu pedido de deferimento da desocupação.
Ora, de acordo com o disposto no art. 595º do C. P. Civil, no despacho saneador é permitido conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.
Como dizem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 696), no despacho saneador o juiz deve conhecer do pedido ou pedidos formulados “sempre que não haja matéria controvertida suscetível de justificar a elaboração de temas da prova e a realização de audiência final. A antecipação do conhecimento de mérito pressupõe que, independentemente de estar em jogo matéria de direito ou de facto, o estado do processo possibilite tal decisão, sem necessidade de mais provas (…)”.
No despacho saneador só deve ser proferida decisão sobre o pedido ou pedidos formulados quando a prova dos factos que permaneçam controvertidos seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis da(s) questão(ões) direito.
Vejamos então se os Embargantes poderiam lograr obter o deferimento da desocupação do imóvel identificado nos autos, caso provassem os factos que fundamentam tal pedido.
Os Recorrentes entendem ser aplicável ao caso o disposto no art. 864º do C. P. Civil que, na parte com interesse para o caso em apreço, dispõe que “No caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três.
Como resulta da análise da citada disposição legal, são requisitos da obtenção do deferimento da desocupação, que se trate de um imóvel arrendado para habitação e que existam razões sociais imperiosas que justifiquem tal deferimento.
No caso, não estamos perante um imóvel arrendado, pelo que, a aplicar o regime invocado pelos Embargantes e acima mencionado, teria que ser com recurso à analogia.
Conforme decorre do disposto no art. 10º do C. Civil, só é possível recorrer à analogia relativamente a casos que a Lei não preveja. Na verdade, “o recurso à analogia pressupõe a existência de uma lacuna da lei, isto é, pressupõe que uma determinada situação não está compreendida nem na letra nem, no espírito da lei” (Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, pág. 263).
Ora, a suspensão da execução (que na prática se traduz num diferimento da desocupação) quando esteja em causa a casa de habitação do executado, encontra-se expressamente prevista no art. 861º, nº 6 do C. P. Civil, que remete para o regime previsto nos nºs 3 a 5 do art. 863º do mesmo Código e que poderá ser deferida quando a diligência puser em risco de vida a pessoa que se encontra no local.
Tal como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 18/12/18 (in www.dgsi.pt ) “Estas normas [863º, nºs 3 a 5 por via do 861, nº 6] consagram a protecção que o legislador optou por conceder ao executado que tenha de entregar o imóvel onde habita, que no caso de doença grave que possa pôr em risco a sua vida vê suspensas as diligências de entrega do imóvel e caso tenha sérias dificuldades no seu realojamento, designadamente por questões económicas, vê o agente de execução com antecedência comunicar o facto às entidades assistências competentes, para que possam providenciar por uma solução. Não obstante o legislador tenha distinguido a protecção a conferir ao executado nos casos do imóvel que constitui a sua habitação ser arrendado ou não, não podemos falar de uma qualquer lacuna da lei, uma vez que em ambos os casos foi estabelecida uma regulamentação da protecção do executado que tem de entregar o imóvel onde reside, fundamentada em razões sociais, ainda que em moldes diferentes.“.
O regime do diferimento da desocupação invocado pelos Embargantes está, pois, reservado ao arrendatário habitacional, não se aplicando ao mero detentor do imóvel a desocupar que não tenha tido essa qualidade. A jurisprudência tem sido unânime neste sentido (v. além do acórdão acima citado, Ac. STJ de 17/3/16; Ac. desta Relação de 21/3/19; Acs. R. de Lisboa de 17/01/17 e de 10/10/19; Acs. R. do Porto de 11/09/17 e de 9/12/20); Acs. R. de Évora de 11/07/19 e de 14/01/21, todos in www.dgsi.pt ).
O mencionado entendimento não é inconstitucional pois é ao Estado que incumbe assegurar o direito fundamental à habitação e não aos particulares, designadamente ao proprietário do imóvel que pretende a sua desocupação e tal direito não é um direito absoluto que se sobreponha a qualquer outro, nomeadamente o direito de propriedade (v. Ac. do STJ de 05/03/15 in www.dgsi.pt ).
Na verdade, estamos perante realidades materiais distintas que, por isso, não implicam tratamento legislativo igual.
Deste modo, em face da clara improcedência do pedido de desocupação do imóvel identificado nos autos, não havia razão para que o processo seguisse para julgamento para ouvir testemunhas que iriam depor sobre os factos que fundamentam tal pedido.
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Os Embargantes recorrem ainda de decisão proferida na primeira instância por a mesma não lhes ter reconhecido o direito de retenção com base no valor das benfeitorias que dizem terem realizado no prédio cuja desocupação se pretende e que entendem lhes ser devido pelo Embargado. Na decisão recorrida considerou-se, bem, que tal direito se encontra precludido por não ter sido invocado na ação declarativa de que a execução em causa é dependente.
Com efeito, como decorre do disposto no art. 573º, nº 1 do C. P. Civil, deveria o Réu ter alegado tal matéria na contestação/reconvenção apresentada na ação declarativa, já que é nesta que deve ser deduzida toda a defesa (v. art. 571º do C. P. Civil). Na verdade, os princípios da concentração da defesa e da preclusão obrigam o(s) réu(s) ou requerido a invocar contra o autor ou requerente, todos os meios de defesa que têm ao seu alcance, sob pena de perda do direito de invocação dos mesmos.
O mencionado art. 571º consagra o princípio da concentração da defesa que tem como corolário a preclusão. Assim, se na contestação o Réu não impugnar os factos alegados pelo autor e não alegar os factos que fundamentam qualquer exceção (com exceção dos supervenientes), preclude a possibilidade de o fazer.
Os fundamentos dos embargos de executado em execução em que o título executivo é uma sentença são, por isso, limitados aos mencionados no art. 729º do C. P. Civil, uma vez que na ação declarativa o réu teve já oportunidade de invocar todos os argumentos factuais e jurídicos que poderiam servir de base à sua defesa.
No caso, estamos perante uma execução para entrega de coisa certa e, se é certo que o nº 1 do art. 860º do C. P. Civil permite que, além dos fundamentos de embargos especificados nos artigos 729º a 731º do mesmo Código, o embargante pode reclamar o seu direito a benfeitorias, tal direito não é admitido quando, baseando-se a execução em sentença condenatória como a presente, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito (nº 3 do art. 860º).
Saliente-se que os direitos que os Embargantes invocam já existiam à data da dedução da contestação/reconvenção na ação declarativa, podendo, pois, ter sido aí invocados.
Como diz Lopes do Rego (in Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 1999, página 620: “desde que tenha tido oportunidade processual para o fazer – “maxime” porque tal direito não é de considerar superveniente, relativamente ao momento em que era oportuno deduzi-lo na ação declaratória – considera-se o mesmo precludido – não podendo ser invocado no âmbito da execução”.
Por sua vez, no Ac. do STJ de 10/10/12 (in www.dgsi.pt ) afirma-se que “apesar da latitude aparente do art. 274º do CPC, a invocação do eventual direito de indemnização fundado em realização de benfeitorias (direito substantivo) é impedida, no âmbito da oposição à sentença executiva, nos casos em que o executado se tenha abstido de invocar tal direito na acção declarativa de que emerge a sentença exequenda, não podendo a acção executiva para entrega de coisa certa ser perturbada com a invocação desse direito de crédito. (…) quer para contrariar o reconhecimento do direito de propriedade invocado pelos autores na primeira acção, quer para impedir a condenação na restituição da parcela e na demolição da construção, tinham os ora AA. o ónus de trazer para o objecto dessa acção tudo quanto pudesse colidir com qualquer daquelas pretensões. “.
Em face do que acima foi dito, não podiam os Embargantes invocar nos embargos de executado o direito ao valor das benfeitorias e consequente direito de retenção, uma vez que tiveram oportunidade de o fazer na contestação da ação declarativa, pois os factos correspondentes poderiam ter sido deduzidos na defesa apresentada a essa ação por já aí serem conhecidos dos Embargantes.
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Decisão:

Nos termos que se deixam expostos, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida
Custas pelo Apelantes.
Guimarães, 16 de dezembro de 2021

Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira
José Cravo