Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
93/16.9T8MNC.G1
Relator: RAQUEL TAVARES
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
APREENSÃO
BEM COMUM
CITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I No processo de insolvência, onde é declarado insolvente apenas um dos cônjuges, deve ser apreendido para a massa insolvente, na totalidade, o imóvel que constitui bem comum do casal.

II – Estando em causa divida da responsabilidade de ambos os cônjuges não é necessário proceder à citação do outro cônjuge nos termos do artigo 740º do Código de Processo Civil para no prazo de 20 dias requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida pois neste caso respondem pela mesma os bens comuns do casal (artigo 1691º n.º 1, alínea a) e artigo 1695º n.º 1, ambos do Código Civil).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. RELATÓRIO

No processo de insolvência de António, de que os presentes autos são dependência, foi proferida sentença declarando a sua insolvência em 23 de Junho de 2016.

Foi elaborado o Auto de Apreensão de Bens onde consta a apreensão de cinco imóveis (verbas n.ºs 1 a 5) e de um veículo pesado de mercadorias (verba n.º 6).

Em 11 de Agosto de 2017 o Insolvente apresentou requerimento comunicando que o prédio rústico a que corresponde a verba n.º 5 foi vendido a Manuel há mais de 5 anos pelo preço de €7.000,00 sem que o negócio tivesse sido formalizado, requerendo a notificação do alegado comprador para poder exercer o direito que lhe assiste.

Por despacho de 14 de Setembro de 2017 foi determinada a notificação de Manuel da apreensão do prédio descrito na verba n.º 5 com cópia do auto de apreensão.

Em 26 de Setembro de 2017 o insolvente apresentou requerimento informando que é casado no regime da comunhão de adquiridos e que a verba n.º 1 é bem comum do casal, requerendo que o Administrador da Insolvência promova a separação desse bem.

Notificado o Administrador da Insolvência veio informar ter enviado carta ao eventual comprador do prédio da verba n.º 5 solicitando meios de prova da compra e ter sido informado pela Agente de execução Rita da existência de um processo de execução onde se encontra penhorado o imóvel e onde são executados o insolvente e o cônjuge, solicitando aquela a venda do imóvel no processo de insolvência; requereu autorização para a venda do imóvel da verba n.º 1 pela totalidade nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 743º do Código de Processo Civil, entregando posteriormente metade do produto da venda ao processo de execução.

Em 23 de Dezembro de 2017 foi proferido despacho determinando quanto à verba n.º 5 que os autos aguardassem até 15 de Janeiro de 2017 que o Administrador da Insolvência informasse se houve resposta à comunicação que enviou, e quanto à venda do imóvel da verba n.º 1 a determinar a notificação do insolvente e dos credores do requerimento apresentado pelo Administrador da Insolvência.

Em 15 de Janeiro de 2018 o Insolvente veio pronunciar-se no sentido de não concordar com a venda do imóvel da verba n.º 1 pela totalidade.

Em 18 de Janeiro de 2018 o credor Banco X SA veio pronunciar-se requerendo a venda do imóvel no processo de insolvência com posterior repartição do produto da venda pelos dois processos executivos instaurados contra o insolvente e o cônjuge, nos quais o imóvel se encontra penhorado.

Inconformado com o despacho proferido em 14 de Fevereiro de 2018 que determinou a manutenção da apreensão da verba n.º 5 e a venda pela totalidade do imóvel da verba n.º 1 veio o insolvente António, interpor o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:

“CONCLUSÕES

1) O Tribunal a quo deveria ter notificado o administrador da insolvência para informar aos presentes autos se o comprador da verba nº 5 respondeu a missiva que foi enviada pelo mesmo em 12 de Dezembro de 2017,
2) Somente após informação do administrador da insolvência deveria ser proferida a decisão de manter ou não a apreensão sobre a verba nº 5.
3) O que não foi realizado nos presentes autos, sendo assim violado o princípio do contraditório previsto no artigo 3 do CPC.
4) A verba nº 1 do auto de apreensão constitui a casa de morada de família, que é um bem comum do insolvente e da sua esposa S. R., que não foi declarada insolvente
5) Realizada a apreensão de bem comum do casal no processo de insolvência, como ocorre nos presentes autos, o Tribunal a quo deveria ter procedido a citação do cônjuge do insolvente, nos termos do artigo 740, nº 1 do CPC.
6) O que não foi feito nos presentes autos, sendo assim violado o disposto no artigo 740, nº 1 do CPC, aplicável ao processo de insolvência nos termos do artigo 17 do CIRE.
7) A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 3, 740, nº 1 do CPC e artigo 17 do CIRE”.
Pugna o Recorrente pela integral procedência do recurso e consequentemente pela revogação da decisão recorrida.
O Ministério Público apresentou contra-alegações considerando assistir razão ao Recorrente.
O Banco X, S.A. apresentou também contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo Recorrente são as seguintes:

1) Saber se o tribunal a quo deveria ter notificado o Administrador da Insolvência para informar aos presentes autos se o comprador da verba n.º 5 respondeu a missiva que foi enviada pelo mesmo em 12 de Dezembro de 2017, e só depois proferir decisão de manter ou não a apreensão sobre a verba nº 5;
2) Saber se o tribunal a quo deveria ter procedido à citação do cônjuge do insolvente, nos termos do artigo 740º n.º 1 do Código de Processo Civil.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

São duas as questões que se colocam no presente recurso: a primeira respeitando à verba n.º 5, que o Insolvente veio informar ter vendido verbalmente há mais de cinco anos a Manuel, e a segunda à verba n.º 1, bem comum, sustentando o Recorrente que o cônjuge deveria ter sido citado nos termos do artigo 740º n.º 1 do Código de Processo Civil.

Relembra-se aqui o teor do despacho recorrido:

“Apesar da informação do Insolvente de que teria vendido, há mais de 5 anos, o imóvel correspondente à verba n.º 5 a um Sr. Manuel, a verdade é que, notificado para o efeito, o alegado comprador nada disse nem comprovou tal aquisição, pelo que se mantém a apreensão daquela verba nestes autos de insolvência.
Notifique.
*
Não obstante a mulher do devedor (S. R.) não ter sido declarada insolvente, nada obsta a que se proceda à venda, pela totalidade, do imóvel correspondente à verba n.º 1, nos termos do art.º 743.º, n.º 2, do CPC, atenta a pendência das acções executivas nº 520/14.0T8PVZ e 2371/16.8T8VCT, nas quais foi apreendida a meação da mesma no património comum do casal.
Pelo exposto, autorizo que a venda do imóvel seja feita pela sua totalidade, procedendo-se depois à divisão do produto obtido.
Notifique”.

Apreciemos então as questões, sendo que as incidências fáctico-processuais a considerar são as descritas no relatório.

Relativamente à primeira questão importa apenas apreciar e decidir se o tribunal a quo, antes de decidir manter a apreensão da verba n.º 5, deveria ter notificado o Administrador da Insolvência para informar se o alegado comprador respondeu à carta por si enviada.

Analisados os factos constatamos que o tribunal a quo, em face da informação do insolvente sobre a alegada venda verbal (em data que não indicou referindo apenas ter sido há mais de cinco anos) determinou, por despacho de 14 de Setembro de 2017, fosse dado conhecimento ao alegado comprador da apreensão do prédio descrito na verba n.º 5 com cópia do auto de apreensão e notificado o Administrador da Insolvência para se pronunciar veio informar ter enviado carta ao eventual comprador do prédio da verba n.º 5 solicitando meios de prova da compra.

Em 23 de Dezembro de 2017 foi proferido despacho determinando quanto à verba n.º 5 que os autos aguardassem até 15 de Janeiro de 2018 que o Administrador da Insolvência informasse se houve resposta à comunicação que enviou, e em 14 de Fevereiro de 2018, nada tendo sido dito nos autos e inexistindo qualquer intervenção do alegado comprador, o tribunal a quo proferiu despacho decidindo manter a apreensão daquela verba.

Conforme resulta da certidão permanente junta aos autos pelo Administrador da Insolvência o imóvel da verba n.º 5, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, encontra-se registado a favor do insolvente António pela AP 11169 de 2010/09/30 por sucessão hereditária e partilha.

Assim, encontrando-se registado o prédio a favor do Insolvente, considerando a presunção decorrente do artigo 7º do Código de Registo Predial (“o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”) e que apenas foi informado nos autos pelo Insolvente um alegado contrato de compra e venda realizado verbalmente e, por isso, nulo por falta de forma, realizado há mais de cinco anos, entendemos que nada obstava a que o tribunal a quo decidisse ser de manter apreendida a verba n.º 5.

De facto, em face da informação prestada pelo Insolvente, e não obstante da descrição n.º 304/199806730 constar a declaração de insolvência com identificação do processo e do tribunal em que corre termos, o tribunal a quo determinou a notificação do alegado comprador da apreensão realizada, com cópia do auto de penhora; notificado o Administrador da Insolvência veio informar ter também enviado carta ao eventual comprador do prédio da verba n.º 5 solicitando meios de prova da compra, a qual tem a data de 12 de Dezembro de 2017.

Assim, nada tendo sido comunicado nos autos pelo Administrador e nem pelo alegado comprador, e sem prejuízo deste ponderar fazer valer algum direito que entenda que lhe pode assistir, nada obstava a que fosse proferido despacho mantendo a apreensão e nem se vê que a prolação de tal despacho tivesse violado o princípio do contraditório previsto no artigo 3º do Código de Processo Civil.

O n.º 3 deste artigo 3º dispõe que o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem; na verdade, visa este preceito evitar que as partes sejam confrontadas com decisões surpresa.

No caso concreto, o Insolvente informou os autos de uma alegada venda verbal, o tribunal determinou a notificação do alegado comprador, notificou o Administrador da Insolvência e os credores, nada foi comunicado nos autos pelo alegado comprador, pelo que não se verifica qualquer violação do princípio do contraditório.
Improcede pois nesta parte a apelação sendo de manter o despacho recorrido que manteve a apreensão da verba n.º 5.
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A segunda questão a decidir é a de saber se o tribunal a quo deveria, antes de autorizar a venda da verba n.º 1, ter procedido à citação do cônjuge do insolvente, nos termos do artigo 740º n.º 1 do Código de Processo Civil.
No caso dos autos foram apreendidos cinco imóveis, apenas se suscitando a questão relativamente à verba n.º 1 do Auto de Apreensão correspondente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, aí registada em nome do Insolvente, casado com S. R. na comunhão de adquiridos.
Em face do artigo 1724º alínea b) do Código Civil tal imóvel é um bem comum do casal, o que aliás se não mostra controvertido nos autos (já as verbas 2, 3, 4 e 5 foram adquiridas pelo insolvente por sucessão hereditária e partilha e por isso, em face do regime de bens, constituem bens próprios do Insolvente – cfr. artigo 1722º n.º 1 do Código Civil).

Conforme decorre do artigo 36º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na sentença de declaração de insolvência o juiz decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 150º.

O processo de insolvência rege-se pelas disposições do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresa e pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie essas disposições (cfr. artigo 17º n.º 1), pelo que, não obstante as regras específicas previstas para a apreensão de bens no Código de Insolvência e de Recuperação de Empresa, são aplicáveis as disposições do Código de Processo Civil previstas para o processo executivo nomeadamente o regime da penhora.

O actual artigo 740º do Código de Processo Civil reporta-se à penhora de bens comuns em execução movida apenas contra um dos cônjuges prevendo no seu n.º 1 que quando nesta forem penhorados bens comuns do casal é o cônjuge do executado citado para no prazo de 20 dias requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida sob pena da execução prosseguir sobre os bens comuns.

Está dessa forma prevista actualmente a possibilidade de penhora dos bens comuns do casal ainda que a execução seja movida apenas contra um dos cônjuges, mas tal nem sempre sucedeu.

Antes da revisão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12/12, o artigo 825º n.º 1 do Código de Processo Civil estabelecia que na execução movida apenas contra um dos cônjuges, a execução dos bens comuns ficava suspensa, depois de penhorado o direito à meação do devedor, até ser exigível o cumprimento, nos termos da lei substantiva.

O direito à meação do devedor/executado pelas dívidas da responsabilidade exclusiva deste último só era exigível depois de dissolvido, declarado nulo ou anulado o casamento, ou depois de decretada a separação judicial de pessoas e bens ou simples separação judicial de bens (o artigo 1696º n.º 1 do Código Civil previa então que pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondiam os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns, mas neste caso o cumprimento só era exigível depois de dissolvido, declarado nulo ou anulado o casamento, ou depois de decretada a separação judicial de pessoas e bens ou a simples separação judicial de bens).

O Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12/12, veio alterar a redacção do artigo 825º n.º 1, tendo eliminado a moratória no caso de dívida da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, e facultado a penhora de bens comuns do casal, independentemente da comunicabilidade da dívida, desde que o exequente, ao nomeá-los à penhora, pedisse a citação do cônjuge do executado, para requerer a separação de bens, impondo-se, no caso de penhora nos bens comuns do casal, a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida.

O n.º 1 do artigo 825º passou a ter a seguinte redacção: “Na execução movida contra um só dos cônjuges podem ser penhorados bens comuns do casal contanto que o exequente ao nomeá-los à penhora peça a citação do cônjuge do executado para requerer a separação”.

Em conformidade com a eliminação da moratória, foi também alterada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12/12 a redacção do artigo 1696º n.º 1 do Código Civil: “Pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns”.

Assim, nas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, o legislador deixou de exigir, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 329-A/95, a moratória, permitindo a penhora de bens comuns do casal, mas determinando a citação do cônjuge do executado, o que se mantém actualmente.

Podemos por isso concluir que, quer a dívida seja da responsabilidade de apenas um dos cônjuges quer seja da responsabilidade de ambos, a lei permite actualmente a penhora de bens comuns, devendo apenas no primeiro caso, e tal como o preceitua o referido artigo 740º n.º 1, proceder-se à citação do cônjuge para requerer a separação de bens ou juntar certidão da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns.
Voltando ao caso concreto, verificamos que, não obstante ter sido declarado insolvente apenas o Recorrente (e já não o seu cônjuge) foi efectivamente aprendido um imóvel que é bem comum do casal.

E tal apreensão mostra-se correctamente efectuada.

Conforme se lê no sumário do Acórdão desta Relação de 28/01/2016 (disponível em www.dgsi.pt) “I - No processo de insolvência intentado contra um dos cônjuges ou ex-cônjuge, no caso de existirem bens comuns do casal, não pode ser apreendido o “direito à meação do prédio”, por tal situação não ter sustentabilidade legal. II - O imóvel, que integra o património comum do casal dissolvido, por divórcio, deve ser apreendido, na totalidade, para a massa insolvente, e seguidamente, caso a dívida seja da responsabilidade exclusiva do cônjuge insolvente, ordenada a citação do ex-cônjuge do insolvente para requerer a separação de bens nos termos do art.º 740.º, n.º 1 do C.P.Civil, sem prejuízo de tal separação ser ordenada oficiosamente nos termos do art. 141.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 do CIRE” (neste sentido também o Tribunal da Relação do Porto no Acórdão de 11/03/2014, ali citado, disponível da mesma forma em www.dgsi.pt., concluiu que não é admissível a penhora ou a apreensão de um “direito à meação” em cada um dos bens que constitui o património do casal uma vez que não nenhum dos cônjuges possui uma quota-parte sobre bens em concreto, antes sendo titulares de um único direito sobre um património autónomo).

É que o património comum dos cônjuges constitui uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia - embora limitada e incompleta - mas que pertence aos dois cônjuges, em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela; assim, os bens comuns dos cônjuges constituem objecto não duma relação de compropriedade - mas duma propriedade colectiva ou de mão comum (v. Pereira Coelho, Curso de Direito da Família, 1986, página 478 e Antunes Varela, Direito da Família, 1987, pág. 394 e seguintes).

Trata-se de uma situação jurídica que não cabe na compropriedade e dela se distingue designadamente porque o direito dos contitulares não incide sobre cada um dos elementos mas sobre todo o património, como um todo unitário, em que cada cônjuge é titular de um único direito sobre o mesmo.

É certo que no processo de insolvência não está em causa a penhora de bens próprios ou comuns para pagamento de uma dívida, em execução movida contra um só dos cônjuges, mas da apreensão de todo o património de um dos cônjuges, sendo que este é composto pelos seus bens próprios e pela sua meação nos bens comuns do casal para satisfação dos credores (o processo de insolvência é um processo de execução universal com essa finalidade baseado designadamente na liquidação do património do devedor insolvente e repartição do produto obtido pelos credores – artigo 1º n.º 1 do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresa) e, estando em causa todo o património autónomo, é possível concretizar cada um dos bens que o compõem (próprios e comuns).

E se o referido artigo 740º n.º 1 permite a penhora de bens comuns em execução movida apenas contra um dos cônjuges, também permite a apreensão dos bens comuns em processo de insolvência em que é insolvente apenas um dos cônjuges, impondo no entanto, nos casos em que a dívida seja apenas da responsabilidade do cônjuge insolvente, a citação do outro cônjuge para no prazo de 20 dias requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida; já não sendo necessário proceder a tal citação se a divida for da responsabilidade de ambos os cônjuges pois neste caso respondem pela mesma os bens comuns do casal (artigo 1691º n.º 1, alínea a) e artigo 1695º n.º 1, ambos do Código Civil).

Ora, no caso concreto, incide sobre o imóvel da verba n.º 1, adquirido pelo Recorrente e respectivo cônjuge na constância do matrimónio sob o regime de comunhão de adquiridos, hipoteca voluntária destinada a garantir o crédito do Banco X SA resultante de abertura de crédito concedido ao Insolvente e ao seu cônjuge; crédito reclamado e reconhecido como crédito garantido no processo de insolvência.

A divida em causa, de que é credor o Recorrido Banco X SA é da responsabilidade de ambos os cônjuges e pela mesma respondem os bens comuns do casal.
Assim, entendemos não existir necessidade de se proceder à citação do cônjuge do insolvente para requerer a separação de bens nos termos do artigo 740º n.º 1 do Código de processo Civil antes de determinar a venda por se tratar, conforme já referimos, de dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, pela qual respondem os bens comuns.

A isto acresce que o Insolvente e o seu cônjuge eram ambos executados na execução n.º 520/14.0T8PVZ.1, a correr termos na Instância Local de Monção, Comarca de Viana do Castelo, contra si instaurada por Cristina (também credora no processo de insolvência, onde reclamou o seu crédito), no âmbito da qual foi convertido em penhora o arresto sobre o imóvel em causa, tendo a agente de execução solicitado ao Administrador da Insolvência a venda do imóvel no processo de insolvência, face à apreensão da totalidade do imóvel.

Em face do exposto impõe-se pois concluir que deve ser negativa a resposta a dar à questão colocada pelo Recorrente não tendo o tribunal a quo, antes de autorizar a venda da verba n.º 1, de proceder à citação do cônjuge do insolvente, nos termos do artigo 740º n.º 1 do Código de Processo Civil, improcedendo por isso, também nesta parte o recurso.
As custas do recurso são integralmente da responsabilidade do Recorrente atento o seu integral decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil):

I No processo de insolvência, onde é declarado insolvente apenas um dos cônjuges, deve ser apreendido para a massa insolvente, na totalidade, o imóvel que constitui bem comum do casal.
II – Estando em causa divida da responsabilidade de ambos os cônjuges não é necessário proceder à citação do outro cônjuge nos termos do artigo 740º do Código de Processo Civil para no prazo de 20 dias requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida pois neste caso respondem pela mesma os bens comuns do casal (artigo 1691º n.º 1, alínea a) e artigo 1695º n.º 1, ambos do Código Civil).
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Guimarães, 10 de Julho de 2018
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária


(Raquel Baptista Tavares)
(Margarida Almeida Fernandes)
(Margarida Sousa)