Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
520/17.8GBPVL.G1
Relator: TERESA COIMBRA
Descritores: CRIME DE INJÚRIA
SIGNIFICADO DAS EXPRESSÕES
«CALOTEIRO»
«FILHO DA PUTA»
PENAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1. A expressão caloteira dirigida a uma pessoa a quem não sejam atribuídas dívidas, é injuriosa.

2. Quando alguém chama a outra pessoa filho/a da puta não está a pensar na mãe dessa pessoa. Trata-se de uma expressão que, em regra, é dita para ofender e é sentida como ofensiva da honra da pessoa a quem é dirigida.

3. A expressão és uma papa-hóstias que roubaste a puta da velha dirigida a uma pessoa que não tenha praticado um crime de roubo/furto, é injuriosa para a pessoa a quem é dirigida, por lhe imputar a prática de um crime grave, como é o roubo (ou o furto), sublinhado com a insinuação de uma atitude sacrílega.

4. A expressão puseste as minhas filhas contra mim, hás-de andar de rastos como andam as cobras é injuriosa por imputar à pessoa a quem é dirigida, sem que tenha ocorrido a exceptio veritatis, um comportamento insidioso, de intriga, sublinhado pela comparação com um animal como a cobra.

5. As referidas expressões não são apenas deselegantes, nem típicas da região do Minho, nem cabem no direito à liberdade de expressão.

6. As expressões soube-te bem ontem estares a comer nos anos da minha filha e quando aquela puta daquela velha morrer, tu vais para cima dela, não são ofensivas da honra da pessoa a quem são dirigidas.

7. Não é excessiva a fixação das penas parcelares pela prática de dois crimes de injúria, previstos e punidos pelo art. 181º do Código Penal, em, respetivamente, 60 e 80 dias de multa e da pena única em 100 dias de multa, a uma arguida que dirigiu, em público e em dois diferentes momentos, à sua irmã, ofensas que atingiram a sua honra em diversas vertentes ( financeira, comportamental, familiar), não demonstrando a arguida em julgamento capacidade de reflexão, nem arrependimento.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I.
No processo 520/17.8GBPVL foi condenada a arguida C. R. nos seguintes termos (transcrição):

· Condeno a arguida C. R. pela prática do primeiro crime de injúria de que vem acusada, p. e p. pelo art. 181, nº1, do CP., na pena de sessenta dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros).

· Condeno a arguida C. R. pela prática do segundo crime de injúria de que vem acusada, p. e p. pelo art. 181, nº1, do CP., na pena de oitenta dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros).

· Condeno a arguida C. R., em cúmulo jurídico, pela prática dos dois referidos crimes de injúria de que vem acusada, p. e p. pelo art. 181, nº1, do CP., na pena única de cem dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), que autorizo seja paga em seis prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira dez dias após trânsito e as restantes em igual dia de cada um dos meses seguintes até integral pagamento.

· Condeno a demandada C. R. a pagar à demandante, a título de compensação de danos não patrimoniais, a quantia de € 1.000,00 (mil euros), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, a contar da data da notificação prevista no art. 78 do CPP.
(...)

Inconformada, recorreu a arguida para este Tribunal, extraindo da motivação do seu recurso as seguintes conclusões:

1. Como resulta da Sentença bem como essencialmente do Relatório Social da mesma, para o qual foi utilizada a metodologia e fontes de informação relativas à consulta da peça processual disponibilizada (acusação), entrevista à Arguida, ora Recorrente, nas instalações desta equipa da DGRSP, contacto telefónico com a filha F. N.; articulação com o Presidente da União de Freguesias de … e ... e deslocação ao meio de residência e contacto com elementos da comunidade vicinal, o processo de crescimento de C. R. decorreu junto dos pais e 3 irmãos mais velhos, grupo familiar integrado em meio rural, subsistindo economicamente da atividade na agricultura.

2. Nesse contexto, demonstrou-se que;

• A Arguida estudou até ao 4º ano de escolaridade em idade própria e mais tarde, em idade adulta obteve o 6º ano de escolaridade;
• Profissionalmente, a Arguida exerceu desde criança a atividade na agricultura, como apoio aos pais, destacando o facto de não lhe terem sido facultadas oportunidades de exercer outra profissão fora do meio de residência;
• A Arguida contraiu matrimónio aos 18 anos de idade, união da qual resultou o nascimento de três filhas;
• Findos 8 anos de casamento, a Arguida ficou viúva e continuou a viver junto dos pais, mas após o falecimento dos mesmos a casa foi vendida, pelo que a arguida confrontou-se com uma situação pessoal frágil, tendo sido apoiada na altura pela irmã mais velha, O. R. (ofendida), que a acolheu em sua casa;
• Assim e há cerca de 34 anos, a Arguida ocupou o rés-do-chão da casa da irmã juntamente com as filhas ainda menores e partilhavam as refeições.
3. A Arguida manteve a sua ocupação na agricultura, em terrenos da irmã referindo ter vivenciado muitas dificuldades para garantir às filhas condições de vida adequadas, reconhecendo o apoio da irmã, pese embora tenha retribuído com o seu trabalho e ainda com o apoio às sobrinhas.
4. As três filhas da Arguida viveram neste contexto familiar até se autonomizarem e mantiveram uma forte ligação à progenitora que assumiu os cuidados a todos os netos até à entrada no jardim-de-infância. Neste agregado também uma tia comum à arguida e ofendida que foi aqui acolhida depois de ter ficado numa situação pessoal frágil.
5. O relacionamento intrafamiliar foi sempre adequado e assente no respeito mútuo. Contudo, C. R. refere que a dinâmica familiar viria a sofrer alterações a partir da altura em que passou a integrar o agregado um outro elemento (namorado da sobrinha).
6. A rutura do relacionamento familiar viria a acontecer em maio de 2017, altura em que a Arguida é convidada a deixar o espaço habitacional, situação que aconteceu em julho de 2017, passando a morar sozinha numa casa arrendada, inserida em meio rural e distante da casa da ofendida.
7. Economicamente, a Arguida subsiste com a pensão de sobrevivência no valor de 169,00 €, rendimento ao qual acresce um valor variável por tarefas que realiza, quando solicitada, na área da agricultura. O arrendamento da habitação é custeado pela arguida (125,00 €) e pela autarquia (75,00 €), totalizando o montante de 200,00 €. As restantes despesas de água, eletricidade e gás comportam cerca de 50,00 €.
8. A Arguida beneficia de apoio do Banco Alimentar com um cabaz de alimentos regular.
9. A Arguida não se relaciona com a ofendida, manifestando sentimentos de revolta face ao afastamento da família e que determinou também a rutura da relação com as filhas mais novas, uma delas vizinha da ofendida e a outra emigrada em França.
10. A Arguida é pessoa solidária e que sempre apoiou a família com grande empenho, apesar das dificuldades económicas, mostrando-se constrangida com os conflitos familiares.
11. No meio de residência a arguida beneficia de uma inserção positiva, relacionando-se adequadamente com os vizinhos. Manifesta-se incomodada pela qualidade de arguida, discordando em parte da acusação que lhe foi formulada. Considera que este processo surgiu num contexto de conflito com a família, manifestando ainda alguma revolta face ao contexto.
12. A arguida apresenta uma condição económica frágil, assumindo as suas despesas com diminutos recursos e que vai colmatando com o exercício de tarefas agrícolas com carácter irregular. Bem como desenvolve e beneficia de uma inserção comunitária normativa.
13. Perante este quadro comportamental e psicossociológico da Arguida e ora Recorrente, é manifestamente percetível que as penas em que foi condenada individualmente são manifestamente excessivas, e, em consequência, excessiva a pena resultante do cúmulo jurídico aplicado:

- 60 dias de multa à taxa diária de 5 euros pela prática de um crime de injúria;
- 80 dias de multa pela prática de um segundo crime de injúria;
- O que em cúmulo jurídico, pela prática dos dois crimes de injúria de que vem acusada, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de cem dias à taxa diária de 5,00 euros.
14. Atentas as circunstâncias expostas, não faz sentido e não nem é justificável no caso a aplicação de penas manifestamente desproporcionadas quanto à personalidade da arguida – primária e pessoa com antecedentes de bom comportamento –, e quanto à relativa importância do bem jurídico lesado – pois as injúrias em causa não merecem tutela de pena de multa tão elevada na quantificação dos dias, individualmente e em cúmulo.
15. No contexto familiar descrito, é percetível que a Arguida não se relaciona com a ofendida, manifestando sentimentos de revolta face ao afastamento da família, o que determinou também a rutura da relação com as filhas mais novas, uma delas vizinha da ofendida e a outra emigrada em França.
16. Neste contexto e há cerca de 34 anos, a Arguida ocupou o rés-do-chão da casa da irmã, a O. R./ofendida, que a acolheu em sua casa, juntamente com as filhas ainda menores e partilhavam as refeições, e de repente, foi expulsa em julho de 2017 de casa, tendo perdido a sua normal e habitual dinâmica familiar, que viria a sofrer alterações a partir da altura em que passou a integrar o agregado um outro elemento (namorado da sobrinha), testemunha arrolada pela ofendida.
17. Toda esta situação trouxe à Arguida uma alteração psicológica anormal. Sentiu-se revoltada, desamparada, perdida e sozinha.
18. Daí que as expressões que dirigiu à Ofendida – como: “Caloteira”; “filha da puta”; “és uma papa hóstias que roubaste a pura da velha”; “caloteira, soube-te bem ontem estares a comer nos anos da minha filha?; Puseste as minhas filhas todas contra mim, hás-de andar de rastos como andam as cobras”; “Quando aquela puta daquela velha morrer, tu vais para cima dela” –, referindo-se à mesma tia comum, mais não foram proferidas que num contexto emocional de fragilidade absoluta. E ao proferir a expressão “filha da puta”, o que se explica apenas por emoções descontroladas, expunha a esse termo a sua própria pessoa. Não houve intensidade ou perigo da ofensa.
19. Há que considerar, por outro lado, que as expressões “Soube-te bem ontem estares a comer nos anos da minha filha? Puseste as minhas filhas todas contra mim, hás-de andar de rastos como andam as cobras”, ”Quando aquela puta daquela velha morrer, tu vais para cima dela”, não podem considerar-se suscetíveis de integrarem o crime de injúria porquanto mais não são do que expressões de revolta, sem intenção injuriosa com objetivo de ofender diretamente a ofendida.
20. Inclusive, são expressões utilizadas nesta região do Minho num desabafo de emoções ao rubro e incontidas. Poderão considerar-se expressões deselegantes, que denotam falta de contenção nervosa, mas não injurias no sentido da tutela penal.
21. Estas expressões fazem parte duma malha que vem a ser interpretada pelos nossos tribunais de modo demasiado amplo, ou seja, permite que se atribua relevância penal a comportamentos que manifestamente não são ofensivos da honra de ninguém. Mais não são do que estados emocionais exacerbados. O que leva a confundir e a criar uma disfunção processual e por isso mais fácil de levar a julgamento quando expressões utilizadas com outras que possam ser injuriosas.
22. As expressões em causa integram mais o lado da liberdade de expressão do que o lado da proteção da honra.
23. Donde, as demais expressões usadas – como: “caloteira” e “filha da puta” –, proferidas no contexto em que o foram não são merecedoras das penas em quantitativo de dias de multa aplicadas.
24. Quer os 60 dias de multa aplicados pelos factos praticados no dia 31.10.2017, quer os 80 das de multa aplicados pelos factos ocorridos no dia 25.11.2017, são por si só manifestamente excessivos atendendo a desadequação à culpa da Arguida, e, como tal, desconformes ao caso concreto.
25. É de notar que o Tribunal dos Direitos do Homem não tem seguido este entendimento e que há uma Convenção da Assembleia do Conselho Europeu que considera feudal e obsoleta a nossa legislação. Termina assim: “A legislação portuguesa em matéria de difamação deve ser reformulada de forma a prever normas claras de defesa, incluindo a verdade, a publicação razoável e a opinião, e qualquer indemnização atribuída deve ser razoável e proporcional ao dano causado”.
26. A não considerar-se assim, sempre se dirá que a aplicação de 30 dias de multa pela prática dos factos ocorridos em 31.10.2017 seriam mais do que adequados e suficientes face às expressões que podem ser consideradas injuriosas, mas que não se condescende, com sejam “caloteira” e “filha da puta”.
27. Não devendo considerar-se como praticado o crime de injúria pelos factos reportados ao dia 25.11.2018: “Soube-te bem ontem estares a comer nos anos da minha filha?; Puseste as minhas filhas todas contra mim, hás-de andar de rastos como andam as cobras”; ”Quando aquela puta daquela velha morrer, tu vais para cima dela”.
28. A não julgar-se assim, sempre se dirá que seria suficiente a aplicação de 20 dias de multa para tais factos. O que em cúmulo jurídico não poderia ultrapassa 60 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, o que equivaleria a uma multa global de 275,00 euros.
29. Pelo que se considera que as penas aplicadas não são de forma alguma proporcionais à culpa da Arguida, nem se pode considerar que as necessidades de prevenção geral e especial exigidas no caso concreto determinassem estas penas.
30. A Arguida, ora Recorrente é pessoa de bem aceite pela vizinhança com quem tem uma convivência pacífica, seja em ponto algum uma ameaça para a sociedade e para a “proteção dos bens jurídicos violados”. Nunca a Arguida foi considerada perigosa para a sociedade.
31. E mais: desde a prática dos factos (31.07.2017 e 25.11.2017, respetivamente) até à data de julgamento (22.11.2018), decorreu um ano!
32. Em razão do que deveria aplicar-se, quanto aos factos praticados em 31.07.2018, uma pena de multa menor à fixada, até pelas condições económicas comprovadas nos autos, tendo a fixação da pena ultrapassado em muito as exigências de prevenção – cf. artigo 72.º do Código Penal. A pena fixada ultrapassou, manifesta e injustamente, o princípio da razoabilidade e adequabilidade.
33. Ademais, as expressões que a Arguida proferiu, em qualquer dos referidos dias, mais não são do que uma continuidade de expressões, proferidas num único e isolado momento de contexto verbal, motivado por nervos e enquadrado numa cultura de gente rural, que durou apenas uns minutos e logo acabou. Não se compreende, pois, o motivo pelo qual o Tribunal a quo dá ao crime relevância tão elevada ao ponto de se aplicar os dias de multa individualmente e em cúmulo jurídico.
34. No que se refere à determinação da intensidade do dolo e grau de culpa já atrás foram tecidas considerações que concluem por uma acentuada atenuação em vista da boa conduta e personalidade do arguido e em vista da situação de pequena criminalidade em que se circunscrevem os factos em apreço nos autos.
35. Ora, a Sentença recorrida desconsiderou os factos correlativos aos rendimentos da Arguida. Os rendimentos da Arguida correspondem à pensão de sobrevivência no valor de 169,00 €, rendimento ao qual acresce um valor variável por tarefas que realiza, quando solicitada, na área da agricultura. O arrendamento da habitação por si custeado (125,00 €) e pela autarquia (75,00 €), totalizando o montante de 200,00 €. As restantes despesas de água, eletricidade e gás comportam cerca de 50,00 €, pelo que impossibilitam totalmente qualquer esforço económico que quisesse fazer. É impossível de cumprir, porquanto a Arguida também tem de se alimentar, vestir.
36. À vista do que não existem assim factos justificativos para o preenchimento da moldura penal aplicada.
37. Foi a ora Recorrente condenado a satisfazer à ofendida a quantia de 1.000,00 euros a título de indemnização. Também neste ponto, e sempre com o devido respeito, a Sentença recorrida nos merece sério reparo.
38. Com efeito, o Tribunal a quo, socorrendo-se do preceito do Código Penal que manda regular pela lei civil a indemnização de perdas e danos emergentes de crime, seguiu um critério para arbitrar a indemnização apoiado na tese da ressarcibilidade dos danos pela sua gravidade, ou seja, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à da lesada e do titular da indemnização, devendo ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. Os danos não patrimoniais sentidos pela ofendida seriam razoavelmente compensados pela fixação de uma indemnização consideravelmente inferior à fixada pelo Tribunal a quo.
39. Resulta, assim, claro dos autos que não foi devidamente ponderada a situação económica e a condição social da Arguida nem a relativa gravidade da infração e dos factos que a sustentara quer no que se refere à determinação da intensidade do dolo e grau de culpa, cuja atenuação é acentuada em vista da boa conduta e personalidade do arguido, quer no que se refere à situação de pequena criminalidade em que se circunscrevem os factos em apreço nos autos.
40. A Sentença em mérito violou, pois, entre outros, o disposto no artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal; e bem assim nos artigos 374.º, n.º 2, e 410.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.

Termos em que, por todas as razões e conclusões apresentadas e outras que, Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores deste Tribunal da Relação, doutamente suprirão e aplicarão, peticiona-se o total provimento ao presente Recurso, revogando-se, ipso facto et ipso iure, a douta Sentença recorrida por se considerar que os fatos praticados não preenchem o tipo legal de crime de injúria.

A não considerar-se assim, o que não se condescende mas se equaciona por cautela de patrocínio, deve considerar-se que as expressões proferidas em 25.11.2017 tocam o lado da liberdade de expressão e não o lado da proteção da honra, em face do que Tribunal a quo não considerou todos os critérios/fatores que conduzissem a um quantitativo de dias de multa e indemnização justos e adequados, mormente atendendo e considerando a situação económica e a condição social da Arguida.
Com o que farão a costumada e elementar Justiça!
*
O recurso foi corretamente admitido.
*
Respondeu o Ministério Público em primeira instância pugnando pela manutenção do decidido.
*
Idêntica posição veio a ser defendida pelo Ministério Público junto deste Tribunal da Relação,
*
Foi cumprido o disposto no artigo 417, nº 2 do Código de Processo Penal.
*
Após os vistos, realizou-se conferência.

II.
Cumpre apreciar e decidir, tendo em conta que é pelas conclusões que fica delimitado o objeto de recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e que analisando-as ( não obstante o relevo dado pela recorrente à sua personalidade e situação de vida retratada no relatório social, tal não configura questão a apreciar) é pedido a este Tribunal que decida:

1. Se as expressões utilizadas não são injuriosas, mas apenas deselegantes, de cariz regional e proferidas ao abrigo da liberdade de expressão, não reclamando tutela penal.
2. Se são excessivas as penas parcelares, respetivamente, de 60 e 80 dias de multa e a pena única de 100 dias de multa, pela prática de 2 crimes de injúria e, bem assim, a indemnização de 1000€ imposta.
*
Não tendo sido concretamente invocados (não obstante a formulação genérica da última conclusão) pela recorrente quaisquer dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2 do CPP, nem se constatando a sua existência, encontra-se definitivamente fixada a matéria de facto assente em primeira instância e que é a seguinte:

1. No dia 31/10/2017, cerca das 10h30m, à porta do Intermarché da Póvoa de Lanhoso, quando a assistente se encontrava a sair do dito estabelecimento, cruzou-se com a arguida que se dirigiu a ela e lhe disse: “caloteira”, “filha da puta”, “és uma papa-hóstias que roubaste a puta da velha”, referindo-se aqui a uma tia de ambas.

2. No dia 25/11/2017, por volta das 10h30m, quando a assistente se encontrava a assear a Capela de ..., na freguesia de ..., a arguida acercou-se daquela e disse-lhe: “caloteira, soube-te bem ontem estares a comer nos anos da minha filha? Puseste as minhas filhas todas contra mim, hás-de andar de rastos como andam as cobras”, tendo seguido o seu caminho.

3. Passados alguns minutos, a arguida dirigiu, ainda, à assistente as seguintes expressões “filha da puta” e “quando aquela puta daquela velha morrer, tu vais para cima dela”, referindo-se aqui novamente à mesma tia comum.

4. Tanto numa como na outra situação, os insultos foram proferidos em voz alta e por forma a ser escutada por quem quer que se encontrasse nas imediações, como na verdade aconteceu.

5. Com tais palavras, a arguida quis ofender a assistente na honra e consideração que lhe são devidas, como efectivamente ofendeu.

6. Sabia que a sua conduta era proibida e que a mesma lhe estava vedada por Lei.

7. No entanto, não se coibiu de levá-la a cabo deliberada, livre e conscientemente.

8. A assistente é pessoa educada, respeitada e respeitadora e com as referidas expressões sofreu abalo moral, tristeza e dissabores, incómodos e arrelias, tanto mais que a arguida é sua irmã.

9. O teor do relatório social da arguida, que não tem antecedentes criminais, é o seguinte:

I - Condições sociais e pessoais

O processo de crescimento de C. R. decorreu junto dos pais e 3 irmãos mais velhos, grupo familiar integrado em meio rural, subsistindo economicamente da atividade na agricultura. A arguida estudou até ao 4º ano de escolaridade em idade própria e mais tarde, em idade adulta obteve o 6º ano de escolaridade.

Profissionalmente exerceu desde criança a atividade na agricultura, como apoio aos pais, destacando o facto de não lhe terem sido facultadas oportunidades de exercer outra profissão fora do meio de residência. A arguida contraiu matrimónio aos 18 anos de idade, união da qual resultou o nascimento de três filhas. Findos 8 anos de casamento a arguida ficou viúva e continuou a viver junto dos pais, mas após o falecimento dos mesmos a casa foi vendida, pelo que a arguida confrontou-se com uma situação pessoal frágil, tendo sido apoiada na altura pela irmã mais velha, O. R. (ofendida), que a acolheu em sua casa. Neste contexto e há cerca de 34 anos, a arguida ocupou o rés-do-chão da casa da irmã juntamente com as filhas ainda menores e partilhavam as refeições. A arguida manteve a sua ocupação na agricultura, em terrenos da irmã referindo ter vivenciado muitas dificuldades para garantir às filhas condições de vida adequadas, reconhecendo o apoio da irmã, pese embora tenha retribuído com o seu trabalho e ainda com o apoio às sobrinhas. As três filhas da arguida viveram neste contexto familiar até se autonomizarem e mantiveram uma forte ligação à progenitora que assumiu os cuidados a todos os netos até à entrada no jardim-de-infância. Neste agregado viveu também uma tia comum à arguida e ofendida que foi aqui acolhida depois de ter ficado numa situação pessoal frágil. A arguida destacou que o relacionamento intrafamiliar foi sempre adequado e assente no respeito mútuo. Contudo, C. R. refere que a dinâmica familiar viria a sofrer alterações a partir da altura em que passou a integrar o agregado um outro elemento (namorado da sobrinha). A rutura do relacionamento familiar viria a acontecer em Maio/17, altura em que a arguida é convidada a deixar o espaço habitacional, situação que aconteceu em Julho/2017. Tendo por referência a data dos factos, a arguida vivia sozinha na morada indicada – Rua dos … – .... Integra por vezes este agregado o neto mais velho por motivos profissionais. A arguida habita uma casa arrendada, inserida em meio rural e distante da casa da ofendida. Economicamente a arguida subsiste com a pensão de sobrevivência no valor de 169 €, rendimento ao qual acresce um valor variável por tarefas que realiza, quando solicitada, na área da agricultura. O arrendamento da habitação é custeado pela arguida (125 €) e pela autarquia (75 €), totalizando o montante de 200 €. As restantes despesas de água, eletricidade e gás comportam cerca de 50 €. C. R. beneficia de apoio do Banco Alimentar com um cabaz de alimentos regular. C. R. não se relaciona com a ofendida, manifestando sentimentos de revolta face ao afastamento da família e que determinou também a rutura da relação com as filhas mais novas, uma delas vizinha da ofendida e a outra emigrada em França. A arguida mantém um relacionamento próximo com a filha mais velha, familiar que lhe reconhece alguma impulsividade quando confrontada com situações consideradas desmerecidas/injustas. Contudo, aponta a progenitora como pessoa solidária e que sempre apoiou a família com grande empenho, apesar das dificuldades económicas, mostrando-se constrangida com os conflitos familiares. No meio de residência a arguida beneficia de uma inserção positiva, relacionando-se adequadamente com os vizinhos. C. R. manifesta-se incomodada pela qualidade de arguida, discordando em parte da acusação que lhe foi formulada. Considera que este processo surgiu num contexto de conflito com a família, manifestando ainda alguma revolta face ao contexto. Em abstrato e perante a problemática criminal em causa, a arguido apresenta capacidades para reconhecer a sua ilicitude e a existência de vítimas. A arguida não apontou repercussões significativas decorrente deste processo, a não ser alterações ao nível emocional. C. R. tem audiência de julgamento agendada para o dia 20.11.2018 no âmbito do processo nº 175/17.0T9PVL – Juízo de Competência Genérica da Povoa de Lanhoso.

II – Conclusão

A arguida cresceu num contexto familiar de humilde condição socioeconómica, cuja subsistência assentou na atividade de agricultores dos pais. O percurso laboral da arguida apresentou-se desde muito cedo confinado ao setor agrícola, junto dos pais e posteriormente junto da irmã. C. R. enviuvou muito cedo e assumiu adequadamente o processo de crescimento das três descendentes, apesar dos condicionalismos económicos que vivenciou, apresentando-se como elemento de apoio no quotidiano das filhas e de outros familiares. Conflitos familiares determinaram o envolvimento da arguida com o sistema de justiça penal e o afastamento do grupo familiar. A arguida apresenta uma condição económica frágil, assumindo as suas despesas com diminutos recursos e que vai colmatando com o exercício de tarefas agrícolas com carater irregular. C. R. beneficia de uma inserção comunitária normativa. Atento ao exposto, em caso de condenação, cremos que a arguida reúne condições para garantir a exequibilidade de sanção na comunidade, direcionada para a interiorização do desvalor da conduta.

2. OS FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevância para a decisão da causa não se provou que a assistente tenha nos dois referidos dias dirigido à assistente as expressões “vaca e ladra” e que a assistente ainda não tenha recuperado do abalo moral sofrido e que tenha tido despesas.

3. A CONVICÇÃO DO TRIBUNAL

A arguida negou a prática dos factos imputados mas não negou que nos dias e horas referidos na acusação tenha estado com a assistente e tenha discutido com ela.
Foi ouvida a assistente e duas testemunhas presenciais, M. G. e O. F., (a primeira, quanto aos factos ocorridos no dia 31.10.2017 e a segunda, quanto aos factos ocorridos no dia 25.11.2017).

Foram depoimentos detalhados, precisos, homogéneos e, no essencial, coincidentes, quer quanto às circunstâncias de tempo e de lugar, quer quanto às expressões proferidas pela arguida e ao sofrimento moral da assistente.

Naturalmente, nestes casos, o tribunal só deu como provadas as expressões reproduzidas em audiência.

As restantes três testemunhas, D. C., J. C. e S. F., não presenciaram os factos mas esclareceram o Tribunal quanto ao dano não patrimonial sofrido pela assistente, com rigor e isenção.

Nada se provou quanto às alegadas despesas da assistente, pois sobre isso nenhuma prova (testemunhal, documental ou outra foi produzida).

Junto aos autos temos:

o Auto de denúncia a fls. 4 e ss.
o CRC a fls. 63.
o Relatório social a fls. 71 e ss.
*
Apreciação do recurso.

Como já se disse, as 18 primeiras conclusões do recurso sintetisam o teor do relatório social e delas não retira a recorrente diretamente qualquer pretensão. Percebe-se que o faz a título de introito das demais questões, pelo que é delas que passamos agora a conhecer.

Entende a recorrente que as expressões utilizadas são deselegantes, mas não injuriosas e que, concretamente, as proferidas no dia 25/11/2017 não ultrapassam um exercício de liberdade de expressão.

O Tribunal a quo não analisou cada uma das expressões proferidas, concluindo, apenas que elas tinham, todas, conteúdo injurioso. De facto, na sentença recorrida o tribunal a quo referiu apenas que “À luz da matéria de facto assente é manifesto que a arguida praticou todos os factos objetivos e subjetivos imputados, agiu com dolo direto, com consciência da ilicitude e com culpa. Praticou, portanto, os dois crimes de que vem acusada”.

Assim, impõe-se, ainda que brevemente, que este Tribunal se detenha sobre cada uma das expressões, uma vez que a recorrente não as considera injuriosas e que, efetivamente nem todos os factos, ou palavras que envergonham, perturbam ou humilham, cabem na previsão do artigo 181° do Código Penal.

Aliás, a distinção nem sempre é fácil, apesar de (como diz Oliveira Mendes, in O Direito à honra e a sua tutela penal, Almedina, 1996, 38): "existir em todas as comunidades um sentido comum, aceite por todos ou, pelo menos, pela maioria, sobre o comportamento que deve nortear cada um na convivência com os outros, em ordem a que a vida em sociedade se processe com um mínimo de normalidade. Há um sentir comum em que se reconhece que a vida em sociedade só é possível se cada um não ultrapassar certos limites na convivência com os outros. (...) Do elenco desses limites ou normas de conduta fazem parte "regras" que estabelecem a "obrigação e o dever" de cada cidadão se comportar relativamente aos demais como um mínimo de respeito moral, cívico e social. É evidente que esse mínimo de respeito não se confunde com educação ou cortesia. Assim, os comportamentos indelicados, e mesmo boçais, não fazem parte daquele mínimo de respeito".

Por outro lado, situações há que afastam a punibilidade da conduta. Estão previstas no n° 2 do artigo 180º do Código Penal.

Estabelece, esta norma, expressamente, que a conduta não será punível quando:

a) a imputação for feita para realizar interesses legítimos
e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento para, em boa fé, a reputar verdadeira.

Como resulta do texto legal os referidos requisitos são cumulativos e embora a lei não diga o que são interesses legítimos, terão os mesmos, certamente, de ser conformes à ordem jurídica; já no que concerne ao segundo requisito exige ele a prova da verdade da imputação (exceptio veritatis).

Posto isto,

comecemos, então, por analisar se as expressões proferidas pela arguida são ofensivas, sem esquecer que, para se concluir se uma expressão é, ou não, ofensiva da honra e consideração, é necessário enquadrá-la no contexto em que foi proferida, ter em conta o meio a que pertencem ofendido e arguido, as relações entre eles, entre outros aspetos (cfr Ac. RE de 13/07/2017 in www.dgsi.pt).

Mas ainda antes, pelo acerto do que é dito, apraz-nos recordar o acórdão Relação do Porto de 24/02/2016, citado no já referido acórdão da RE de 13/07/2017: "É próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas. Há frequentemente desavenças, lesões de interesses alheios, etc., que provocam animosidade. E é normal que essa animosidade tenha expressão ao nível da linguagem. Uma pessoa que se sente prejudicada por outra, por exemplo, pode compreensivelmente manifestar o seu descontentamento através de palavras azedas, acintosas ou agressivas. E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere suscetibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função".

Desçamos, então, ao caso concreto.

Resulta dos autos que a arguida, dirigindo-se à assistente, sua irmã, no dia 31/10/2017, às 10h30m, à porta de um hipermercado lhe disse:

“- caloteira; filha da puta; és uma papa-hóstias que roubaste a puta da velha”, referindo-se aqui a uma tia de ambas.

Mais se provou que, no dia 25/11/2017, pelas 10h30m, quando a assistente se encontrava na Capela da ..., em ..., a arguida lhe disse:

- “caloteira, soube-te bem ontem estares a comer nos anos da minha filha? Puseste as minhas filhas todas contra mim, hás-de andar de rastos como andam as cobras”.

Passado alguns minutos disse-lhe ainda: - “filha da puta, quando aquela puta daquela velha morrer, tu vais para cima dela”, referindo-se aqui novamente à mesma tia comum.

São estas as expressões a analisar e desde já se diga que não têm caráter regional, porque são ditas e compreendidas em todo o país com o mesmo significado.

Comecemos pela expressão “caloteira”, dita em ambas as ocasiões.

Chamar “caloteiro/a a alguém é dizer, em linguagem pouco polida, que não paga o que deve. É uma expressão de uso popular claramente ofensiva quando dirigida a quem não deva dinheiro e aja com honestidade. Isto é, quem adote um comportamento financeiramente irrepreensível e verdadeiro, não pode deixar de sentir-se ofendido com tal expressão. Já o mesmo não se pode dizer de quem deva e não pague.

Nada nos autos nos permite a afirmação de que a assistente devia dinheiro à arguida.

A expressão “caloteira” é dita, portanto, para imputar à assistente um comportamento sem lisura em termos financeiros, o que neste tempo em que tanta gente adota comportamentos pouco escrupulosos relativamente a dinheiro alheio, não pode deixar de considerar-se ofensivo.

Para que o não fosse era necessária a prova de que a assistente devia efetivamente dinheiro, prova essa que não foi feita.

Analisemos agora a expressão “filha da puta”.

É, incontroversamente, a expressão mais vezes usada com o objetivo de ofender alguém. Mas, contrariamente ao que à primeira vista possa parecer, com tal expressão não se pretende atingir a mãe da visada, mas a própria, imputando-lhe um comportamento, pelo menos, moralmente reprovável.

De facto, quando alguém chama a outra pessoa “filha da puta” não está a pensar na mãe dessa pessoa. Até porque se assim fosse, no caso em apreço a mãe era comum, o que só por si conferiria à situação contornos estranhos. Isto mesmo entende a recorrente ao dizer que a circunstância de a mãe ser comum, retira carga injuriosa à expressão.

Mas assim não é, de facto.

A expressão “puta” numa das interpretações mais consensuais, radica no latim “Poda” (deusa da mitologia romana que presidia à poda das árvores).

Nas festas em honra da referida deusa, as mulheres prostituíam-se em honra da deusa, aí radicando o comportamento que veio a ser atribuído à expressão que chegou até aos nossos dias.

Apesar de estar longe a etimologia da palavra, o certo é que o significado se manteve, ao longo dos anos, claramente pejorativo e ofensivo.

E foi como ofensiva que a assistente sentiu a expressão que lhe foi dirigida e foi para ofender que a arguida a disse. Esta expressão é, portanto, tal como a anterior, ofensiva.

Disse ainda a arguida “és uma papa-hóstias que roubaste a puta da velha”.

A expressão “papa-hóstias” é uma forma indelicada de dizer que alguém se abeira com frequência da comunhão eucarística, ou que vai muitas vezes à missa.

A arguida pretendeu ser mais do que indelicada, porque ao mesmo tempo que chamou à irmã papa-hóstias, acrescentou que a assistente roubou a tia.

Dizer a alguém que rouba outra pessoa é imputar-lhe a prática de um crime grave e quando esse alguém o faz apesar de demonstrar apreço por coisas sagradas como é o sacramento da eucaristia, é imputar-lhe além de um comportamento socialmente criminoso, ainda um comportamento moralmente indigno.

A expressão é, portanto, também ofensiva e, nessa medida, injuriosa.

Aqui chegados é portanto, já possível afirmar que todas as expressões proferidas no dia 31/10/2017, são injuriosas.

Vejamos agora as que foram ditas na segunda data em causa nos autos.

Uma delas, a expressão “caloteira”, já foi analisada. Não se impõe repetir o que se disse.

A expressão “soube-te bem ontem estares a comer nos anos da minha filha?”, nada tem de injurioso. É uma pergunta inócua do ponto de vista do ilícito em apreço.

Já o mesmo não se poderá dizer de “puseste as minhas filhas contra mim, hás-de andar de rastos como andam as cobras”.

Imputar a alguém um comportamento de intriga, capaz de gerar animosidade entre mãe e filhas é ofensivo. A intriga está sempre ligada à traição, à mentira (sublinhada na comparação com uma cobra) e à vontade de prejudicar outrem.

Não se percebendo dos autos qualquer motivo para tal afirmação, quer a imputação do comportamento insidioso, quer a comparação com um animal como é a cobra, são ofensivos.

Nesse mesmo dia foi repetida a expressão “filha da puta” – já analisada - e ainda a expressão “quando aquela puta daquela velha morrer, tu vais para cima dela”.

Nesta expressão poderia perceber-se mais do que uma ofensa, uma ameaça, pelo menos, velada. Não a tendo sentido desse modo a assistente, terá de concluir-se que a arguida desejava apenas que a tia e a irmã, na morte ficassem sepultadas no mesmo local.

Assim sendo, não se verifica nesta concreta expressão uma carga ofensiva capaz de justificar a tutela penal.

Aqui chegados é já possível afirmar que as expressões provadas caloteira, filha da puta, és uma papa hóstias que roubaste a puta da velha, puseste as minhas filhas contra mim, hás-de andar de rastos como andam as cobras, ultrapassam a mera deselegância ou liberdade de expressão, pelo que neste segmento o recurso improcede.

Vejamos agora a medida das penas servindo-nos do que a este propósito se encontra plasmado na lei penal.

Dispõe o artigo 71º do Código Penal que:

1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente,
b) A intensidade do doto ou da negligência,
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram,
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica,
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime,
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena".

(..)
Como se retira do texto legal e usando os ensinamentos do Professor Cavaleiro de Ferreira, pode dizer-se, resumindo, que a enumeração exemplificativa das circunstâncias a atender na fixação da pena a aplicar por qualquer crime se reportam, quer ao facto ilícito (alínea a) - 1ª parte), quer à culpa (restantes alíneas e parte final da alínea a) e têm caráter agravante (alínea f), atenuante (alínea e), ou ambivalente (alíneas a) a d)). Usando um outro ponto de vista, podem ser agrupadas em circunstâncias relativas à execução do facto (alíneas a), b), c) e e) parte final); à personalidade do agente (d) e f) e relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (al. e)).

Importa ainda referir que, na determinação da medida concreta, ao juiz está vedado utilizar para a fixação da pena circunstâncias já tomadas em consideração ao estabelecer a moldura penal do ilícito em apreço, sob pena de violação do princípio de proibição da dupla valoração.

O Tribunal atentou em cada um dos parâmetros legais, separando as circunstâncias que favorecem a arguida, daquelas que relevam em seu desfavor. Quanto às primeiras considerou o Tribunal o grau médio da ilicitude, a intensidade do dolo (direto), o grau médio de culpa, a relação familiar entre a arguida e a assistente e a ausência de arrependimento. A favor da arguida, a ausência de antecedentes criminais, a idade e o teor do relatório social.

A recorrente não identifica claramente quais as circunstâncias que no seu entender o Tribunal a quo não valorou devidamente na fixação das concretas penas, mas percebe-se que entende que a existência de conflitos familiares anteriores apontaria para uma diminuição da culpa e das necessidades de prevenção geral e especial (ponto 37 da motivação de recurso). Não se afigura que assim seja, sem mais. É que se se percebe que a causa da prática do crime foi precisamente a situação do conflito familiar, não resolvido - apesar de ter decorrido um ano entre os factos e a data do julgamento, - também se pode perspetivar que, enquanto se mantiver, será sempre terreno propício a novos conflitos.

Invocou também a recorrente a circunstância de a arguida viver com grandes dificuldades económicas dando especial relevo a essa realidade.

Tais circunstâncias, contudo, foram tidas em conta pelo Tribunal a quo, que fixou a taxa diária de multa no mínimo legal, não sendo, portanto, possível a sua redução.

Assim, tendo em conta que as injúrias proferidas se dirigiram a diversas vertentes da vida da assistente (financeira, comportamental, familiar), que foram proferidas uma num lugar público, outra num lugar sagrado, que a arguida não demonstrou capacidade de reflexão ao repetir o comportamento ilícito cerca de um mês depois dos primeiros factos (o que justifica a agravação da pena no segundo dos crimes), e que não demonstrou arrependimento, não se afigura excessiva, não obstante a fragilidade da situação financeira – que sempre poderá ser ultrapassada, por exemplo, pela futura substituição da multa por prestação de trabalho – a fixação das penas parcelares em 60 e 80 dias de multa e a pena única em 100 dias, penas concretas que, pelo exposto, se mantêm.

Uma última palavra para referir que, provados os crimes, a este Tribunal ad quem, fica vedada a apreciação do montante fixado a título de indemnização civil por força do que dispõe o nº 2 do artigo 400º do Código de Processo Penal.

III.
DECISÃO

Em face do exposto decidem os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCS.

Notifique.
Guimarães, 10 de julho de 2019

Maria Teresa Coimbra
Cândida Martinho