Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6108/19.1T8BRG.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: DESPEDIMENTO
ACORDO DE REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - O despedimento traduz-se na ruptura da relação laboral por acto unilateral do empregador, mediante uma declaração feita verbalmente, por escrito ou por qualquer outro meio de manifestação da vontade (declaração negocial expressa), ou mediante uma declaração que possa ser deduzida de actos equivalentes que com toda a probabilidade a revelem (declaração negocial tácita).
II - Provando-se que o empregador promoveu a cessação do contrato de trabalho através da celebração com o trabalhador dum acordo de revogação do mesmo, que ambos assinaram, fica prejudicada a unilateralidade que necessariamente caracteriza o despedimento, ainda que tal acordo fosse nulo ou anulável por vício da vontade ou outra causa, pois esta situação apenas acarretaria a destruição dos respectivos efeitos e a consequente manutenção em vigor do contrato de trabalho e das obrigações dele emergentes, designadamente a de prestação de trabalho pelo trabalhador e a de pagamento da retribuição pelo empregador.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

N. B. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra X – FACILITY SERVICES, LDA., pedindo que seja declarada a ilicitude do seu despedimento pela R. e em conformidade seja a mesma condenada no pagamento do montante mínimo global de 12.489,00 €, para além das retribuições vincendas a partir da propositura da acção e até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento.
A R. não apresentou contestação, pelo que o tribunal proferiu sentença em que considerou confessados os factos articulados pela A. na petição inicial, terminando com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo totalmente improcedente a acção, e, consequentemente, absolvo a Ré do pedido.
Custas a cargo da Autora, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.»

A A., inconformada, interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«1- Pelas razões já expendidas no seu petitório, que desde já a Apelante reitera o alegado, designadamente a carta de despedimento apresentada pela supervisora N. B. a dizer que a Apelante estava sendo despedida e para que assinasse rápido pois teria uma cópia da carta para analisar mais tarde.
2- A supervisora N. B. disse ainda que a Apelante assinasse rápido e que mesmo que não percebesse, a Apelante, teria 48 (quarenta e oito) horas para reclamar.
3- O Tribunal Recorrido considerou o seguinte na sua fundamentação de facto que:
“(...) Procedeu-se a audiência de partes não tendo sido possível obter a sua conciliação pelos motivos constantes da acta de fls.10
Regularmente notificada, a Ré não apresentou contestação.
O Tribunal é absolutamente competente
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas
Inexistem nulidades. Excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer e obstem à apreciação do mérito da causa.

Considerando que a Ré não contestou, nos termos do disposto no artigo 57º do C.P.T, considero confessados os factos articulados pela A. na petição, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido:
a) A A. é Empregada de Limpeza.
b) A A. foi admitida pela Ré em 26 de janeiro de 20019 e desde então prestou serviços sob ordens e direcção da Ré até 04 de setembro de 2019.
c) Na realidade a A. foi admitida a 26 de janeiro de 2009 pela Empresa “Y Manutenção,S.A” que foi transmitida para a Empresa “W Limpeza Profissional LDA”;
d) A Empresa W Limpeza Profissional LDA foi transmitida para a Empresa “”K-Sociedade de Limpezas, LDA;
e) A Empresa “”K-Sociedade de Limpezas, LDA foi transmitida para a Empresa X-Fcility Services. LDA.Ré, que assumiu a A, mantendo a retribuição, antiguidade, categoria profissional e funções da A.
f) A A. desdea sua admissão prestou serviço com a categoria profissional de “Trabalhador de Limpeza”
g) Teve como local de trabalho, o Instituto Politécnico Porto-Este, situado na Rua ..., no Porto, onde desempenhou suas funções, com zelo e dedicação até Agosto de 2018.
h) Entretanto, foi comunicado à A. pela encarregada de Serviço, que aquela passaria a prestar serviço em Braga, no Invest ...-Forum, Braga.
i) Para o efeito, a Encarregada, ditou uma declaração para que a A. escrevesse com o próprio punho, datasse e assinasse a 01 de Setembro de 2018, para dar o seu consentimento na transferência do local de trabalho para Braga, data esta em que foi transferida para Braga e que se viu obrigada a mudar de residência com todos os inconvenientes que daí advieram.
j) A A. foi contratada para cumprir um horário de trabalho semanal de 35 horas.
k) Entretanto, a A. gozou férias em Agosto de 2019 e deveria regressar ao serviço a 03 de setembro de 2019.
l) No dia 03/09/2019, quando se preparava para regressar ao trabalho, foi surpreendida, recebeu uma mensagem escrita no seu telemóvel, enviada pela supervisora N. B., com o seguinte conteúdo “N. B. não vá hoje de manhã. Vá pff de tarde mas eu confirmo a hora consigo”.
m) Para além disto, a supervisora N. B. deu a indicação para encontrarem-se/reunirem-se no café Fórum ....
n) Entretanto, a supervisora N. B. ligou para o telemóvel da A. e remarcou a reunião para o dia 04 de setembro de 2019 pelas 9:30 horas no café Fórum ....
o) Logo depois de chegar para a dita reunião, a supervisora N. B. apresentou-lhe o “acordo de extinção do posto de trabalho”, cuja cópia se encontra junta a fls 9 verso e que aqui se dá por integralmente reproduzido-, que a Autora assinou, entregando-lhe ainda o recibo de vencimento e um cheque no valor de 821,97 (oitocentos e vinte e um Euros e noventa e sete cêntimos), sem explicar a que correspondia
p) Em 6 de setembro de 2019 a A. remeteu à Ré a carta junta a fls 10 verso e 11 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. ( Carta da A. a demonstrar a discordância com o despedimento por extinção do posto de trabalho).
q) A A., pretende com a presente ação que o Tribunal reconheça a ilicitude do despedimento de foi alvo e que, consequentemente, se condene a Ré a indemnizá-la e a pagar-lhe as retribuições em falta.
r) O Tribunal aquo deu como provado, por não restarem dúvidas, que entre Autora e Ré foi celebrado um contrato de trabalho.
s) O Tribunal a quo entendeu que, quanto ao despedimento, não ficou provado uma declaração expressa ou tácita da intenção de despedimento por parte da Ré. E que do factos alegados pela Autora, apenas resultou provado que estava vinculada à Ré por um contrato de trabalho com a Ré, que se manteve ininterruptamente ao seu serviço até 04/09/2019.
t) Mais entendeu o Tribunal aquo que a A. não logrou provar que a Ré tivesse emitido uma declaração expressa de despedimento e que, antes pelo contrário,, que ambas as partes decidiram celebrar uma revogação do contrato por mútuo acordo através do documento 4. Cuja cópia consta a fls 9 verso e que foi dado o nome de “ acordo de extinção do posto de trabalho”
4- Ora, salvo o devido respeito, o Tribunal aquo não avaliou corretamente o documento 6 cuja cópia consta de fls. 10 verso e 11 e que trata-se de uma carta da A. a demonstrar a discordância com o despedimento por extinção do posto de trabalho, bem como doc 5 ( simulação de calculos efetuados pela ACT) e que contraria qualquer interpretação quanto a um acordo de cessação de contrato de trabalho que nunca existiu.
5- Por outro lado Procedeu-se a audiência de partes não tendo sido possível obter a sua conciliação pelos motivos constantes da acta de fls.10
6- Regularmente notificada, a Ré não apresentou contestação.
7- Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que a sentença recorrida, ao julgar totalmente improcedente a ação com a consequente absolvição da Ré, respeitante a declaração de ilicitude do despedimento e condenação da Ré no pedido, não interpretou nem aplicou, acertadamente, o estatuído no artigo 57º do C.P.T,.
8- Pois considerando que a Ré não contestou, tendo sido regularmente notificada nos termos do disposto no artigo 57º do C.P.T, deveria ter sido considerado confessados os factos articulados pela A. na Petição Inicial e ter sido declarado a ilicitude do despedimento condenando-se a Ré no pedido
9- Pelas sobreditas razões, o despedimento da apelante é ilícito, devendo a apelada ser condenada a pagar-lhe a compensação peticionada.»
A R. não apresentou resposta ao recurso da A..
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos das Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2.Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a única questão que se coloca à apreciação do tribunal é a de saber se da factualidade provada resulta que a R. despediu ilicitamente a A., com as legais consequências.

3. Fundamentação de facto

Os factos provados são os seguintes:
a) A A. é Empregada de Limpeza.
b) A A. foi admitida pela R. em 26 de Janeiro de 2009 e desde então prestou serviços sob ordens e direcção da R., até 04 de Setembro de 2019.
c) Na realidade a A. foi admitida a 26 de Janeiro de 2009 pela Empresa “Y Manutenção, S.A.”, que foi transmitida para a Empresa “W Limpeza Profissional, LDA.”.
d) A Empresa “W Limpeza Profissional, LDA.” foi transmitida para a Empresa “K-Sociedade de Limpezas, LDA.”.
e) A Empresa “K-Sociedade de Limpezas, LDA.” foi transmitida para a Empresa X-Facility Services, LDA., aqui R., que assumiu a A., mantendo a retribuição, antiguidade, categoria profissional e funções da aqui A..
f) A A. desde a data da sua admissão prestou serviço com a categoria profissional de “Trabalhador de Limpeza”.
g) Teve como local de trabalho o Instituto Politécnico Porto-ESSE, situado na Rua ..., no Porto, onde desempenhou suas funções, com zelo e dedicação, até Agosto de 2018.
h) Entretanto, foi comunicado à A., pela Encarregada de Serviço, que aquela passaria a prestar serviço em Braga, no Invest ...-Forum, Braga.
i) Para o efeito, a Encarregada ditou uma declaração para que a A. escrevesse com o próprio punho, datasse e assinasse a 01 de Setembro de 2018, para dar o seu consentimento na transferência do local de trabalho para Braga, data esta em que foi transferida para Braga e que se viu obrigada a mudar de residência, com todos os inconvenientes que daí advieram.
j) A A. foi contratada para cumprir um horário de trabalho semanal de 35 horas.
k) Entretanto, a A. gozou férias em Agosto de 2019 e deveria regressar ao serviço a 03 de Setembro de 2019.
l) No dia 03/09/2019, quando se preparava para regressar ao trabalho, foi surpreendida, recebeu uma mensagem escrita no seu telemóvel, enviada pela supervisora N. B., com o seguinte conteúdo: “N. B. não vá hoje de manhã. Vá pff de tarde mas eu confirmo a hora consigo”.
m) Para além disto, a supervisora N. B. deu indicação para encontrarem-se/reunirem-se no café do Fórum ....
n) Entretanto, a supervisora N. B. ligou para o telemóvel da A. e remarcou a reunião para o dia 04 de Setembro, pelas 9.30 horas, no café do Fórum ....
o) Logo depois de chegar para a dita reunião, a supervisora N. B. apresentou-lhe o “acordo de extinção do posto de trabalho” – cuja cópia se encontra junta a fls. 9 verso e que aqui se dá por integralmente reproduzido –, que a A. assinou, entregando-lhe ainda o recibo de vencimento e um cheque no valor de 821,97 € (oitocentos e vinte e um Euros e noventa e sete cêntimos), sem explicar a que correspondia.
p) Em 6 de Setembro de 2019, a A. remeteu à R. a carta junta a fls. 10 verso e 11, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4. Apreciação do recurso

Importa, então, decidir se, em face da factualidade provada, é de entender que se verifica o despedimento ilícito da A. pela R., com as inerentes consequências jurídicas.
O despedimento é uma das formas de extinção do contrato de trabalho, que se consubstancia na resolução unilateral do mesmo por parte do empregador (arts. 340.º e 351.º e ss. do Código do Trabalho).
Na verdade, como ensina Pedro Furtado Martins (1), “[o] despedimento lícito pressupõe sempre uma declaração expressa da vontade patronal de pôr termo ao contrato de trabalho, a qual, para ser válida e eficaz, tem de obedecer ao formalismo legalmente exigido para as diferentes formas de despedimento, mais concretamente para a decisão de despedimento que culmina o respectivo procedimento - artigos 357.º, 363.º, 371.º e 378.º.
Contudo, para que exista um despedimento – ainda que ilícito –, basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.”
Ou seja, o despedimento configura-se como uma declaração de vontade unilateral, recepienda, vinculativa e constitutiva, dirigida à contraparte, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro (art. 357.º, n.º 7 do Código do Trabalho e art. 224.º do Código Civil).
Essa declaração unilateral, expressa ou tácita, terá de ser enunciada em condições de não suscitar dúvida razoável sobre o seu verdadeiro significado; é, assim, necessário que o empregador declarante - por escrito, verbalmente ou até por mera atitude - denote ao trabalhador declaratário, de modo inequívoco, a vontade de extinguir a relação de trabalho (art. 217.º do Código Civil).
O que é exigível é que, havendo tal vontade por parte do empregador, este assuma um comportamento que a torne perceptível e inequívoca junto do destinatário, enquanto declaratário normal, tendo sempre presente que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (art. 236.º do Código Civil).
Acresce que, em acção de impugnação do despedimento, por força do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, ao trabalhador compete fazer prova dos factos que integram o despedimento, e ao empregador, se for o caso, dos que demonstram que o mesmo assentou em justa causa e foi proferido na sequência de procedimento válido, por se tratar de factos que fundamentam os respectivos direitos.
Em conformidade, ocorrendo dúvida sobre a realidade de tais factos, a mesma resolve-se contra a parte a quem aproveitam (arts. 346.º do Código Civil e 414.º do Código de Processo Civil) (2).
Retornando ao caso dos autos, provou-se que, numa reunião em 4 de Setembro de 2019, a supervisora N. B. apresentou à A. o intitulado “acordo de extinção do posto de trabalho” – cuja cópia se encontra junta a fls. 9 verso e que aqui se dá por integralmente reproduzido –, que a A. assinou, entregando-lhe ainda o recibo de vencimento e um cheque no valor de 821,97 €, sem explicar a que correspondia.
Compulsado o aludido documento, constata-se que, para além do referido título, que, em si mesmo, é inequívoco, após a identificação completa de ambas as partes consta que “Entre as partes é celebrado o presente ACORDO EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO, nos termos e fundamentos seguintes:”, surgindo depois o clausulado, designadamente a indicação da cessação do contrato de trabalho com efeitos a 31 de Agosto de 2019 e a fixação duma compensação pecuniária de carácter global no valor de 1.631,99 €, finalizando com a menção do local e data – 4 de Setembro de 2019 – e as assinaturas da R. e da A..
Ora, tendo em conta as considerações acima expendidas, não pode considerar-se que ocorreu qualquer despedimento da A. pela R., uma vez que não resulta da factualidade provada qualquer declaração unilateral da R. no sentido de pôr termo ao contrato de trabalho, e, pelo contrário, dela decorre que a questão da cessação do contrato de trabalho nunca se colocaria se a A. não tivesse assinado o documento em apreço, não sendo suficiente para produzir aquele efeito que o mesmo, atento o seu teor, estivesse assinado apenas pela R..
Nos termos do disposto no art. 349.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5 do Código do Trabalho, o empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo, devendo este constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar, e mencionar expressamente a data de celebração do acordo e a do início da produção dos respectivos efeitos, bem como o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação, e se, no acordo ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária global para o trabalhador, presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta.
Acrescenta o art. 350.º, n.ºs 1, 2 e 3 que o trabalhador pode fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho mediante comunicação escrita dirigida ao empregador, até ao sétimo dia seguinte à data da respectiva celebração, ou, caso não possa assegurar a recepção da comunicação naquele prazo, mediante remessa da mesma por carta registada com aviso de recepção, no dia útil subsequente ao fim do prazo, sendo a cessação eficaz se, em simultâneo com a comunicação, o trabalhador entregar ou puser, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade do montante das compensações pecuniárias pagas em cumprimento do acordo, ou por efeito da cessação do contrato de trabalho.
Em suma, não se alegou nem provou qualquer factualidade que traduzisse a intenção da R. de pôr termo ao contrato de trabalho por vontade exclusiva sua, mas, pelo contrário, provou-se que a mesma o fez através de acordo com a A. nos termos legais acabados de transcrever, o que prejudica a unilateralidade que caracteriza necessariamente o despedimento.
Claro que – se fosse o caso – a A. podia alegar e provar factualidade devidamente concretizada que fundamentasse a verificação de vícios da vontade da trabalhadora na assinatura do acordo de revogação do contrato de trabalho, designadamente erro na declaração, dolo ou coacção moral da R., etc., mas tal, obviamente, teria como consequência a invalidade desse acordo e a manutenção da vigência do contrato de trabalho celebrado entre as partes, com a inerente obrigação de a A. restituir a quantia recebida e se apresentar ao trabalho, por um lado, e de a R. aceitar a prestação do trabalho e continuar a pagar a retribuição estipulada, por outro lado (arts. 247.º e ss. e 289.º do Código Civil).
Na verdade, como é por demais evidente, a invalidade de qualquer acordo de revogação de contrato de trabalho, por vício da vontade ou por qualquer outra causa, simplesmente acarreta a destruição dos respectivos efeitos, mantendo-se em vigor o contrato de trabalho, não tendo a veleidade de converter o acordo invalidado em declaração unilateral de despedimento por parte do empregador.
Em alternativa, e independentemente da sua validade, a A. podia fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho mediante comunicação escrita dirigida ao empregador, acompanhada da restituição do montante da compensação pecuniária recebida, nos termos do aludido art. 350.º do Código do Trabalho, mas, também neste caso, a consequência seria a manutenção da vigência do contrato de trabalho e das obrigações dele emergentes, nomeadamente a de prestação de trabalho pela A. e de pagamento da retribuição pela R..
Ora, compulsada a carta que a A. remeteu à R. em 6 de Setembro de 2019, não se retira do seu conteúdo que a A. pretendesse a cessação do acordo de revogação do contrato de trabalho e colocasse à disposição da R. a quantia recebida por efeito do mesmo, nem que, apesar de invocar circunstâncias que alegadamente a teriam levado a assiná-lo, pretendesse invocar a respectiva invalidade por vícios da vontade, nem que, expressa ou implicitamente, considerasse o contrato de trabalho em vigor e manifestasse a intenção de se apresentar ao trabalho.
Pelo contrário, em tal carta a A. pressupõe que o contrato de trabalho cessou em virtude dum pretenso despedimento – que, como se explicitou, não pode ter-se como verificado –, e reclama as quantias que alegadamente derivariam da respectiva ilicitude.
Acresce que, na presente acção, a A. mantém a mesma linha de argumentação, formulando um pedido que emerge juridicamente dum pretenso despedimento ilícito, e, por outro lado, nenhuma pretensão deduzindo em conformidade lógica com a invocação, ainda que de modo conclusivo, de circunstâncias que supostamente a levaram a assinar o documento em apreço, pretensão essa que necessariamente teria de se traduzir na anulação ou declaração de nulidade do acordo de revogação do contrato de trabalho, na manutenção deste em vigor e no pagamento recíproco das quantias daí decorrentes (3).
Assim, não tendo a A. logrado demonstrar, como lhe competia por força do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, que foi objecto de despedimento pela R., tal como o mesmo deve ser entendido, nos sobreditos termos, improcede necessariamente a sua pretensão de que a R. lhe pague quantias que pressupõem a verificação de um despedimento ilícito, mantendo-se inteiramente o decidido na sentença recorrida.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela A..
Em 4 de Fevereiro de 2021

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso


1. Cessação do Contrato de Trabalho, Princípia, Cascais, 2012, p. 151.
2. A questão da noção, natureza e prova do despedimento está amplamente debatida na jurisprudência, sem divergências, sendo disso exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 19318/16.4T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
3. Sobre situação com semelhanças, em que as contradições lógicas entre os factos e entre estes e o pedido formulado motivaram que se considerasse a petição inicial inepta, por ininteligibilidade, cfr. o Acórdão desta Relação de Guimarães de 25 de Junho de 2020, proferido no processo n.º 714/19.1T8BRG.G1, disponível em www.dgsi.pt.