Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
648/15.9T8VVD.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
RESTRIÇÕES
DIREITO PÚBLICO
DIREITO PRIVADO
VIZINHANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - O artigo 1305.º do Código Civil coloca ao lado dos poderes de que goza o proprietário, as restrições ou limites impostas por lei.

2 – Tais restrições podem ser de direito público, como a expropriação por utilidade pública, ou de direito privado, como as que derivam de relações de vizinhança, que têm em vista regular conflitos de interesses que surgem entre vizinhos.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Ana Cristina Duarte (R. n.º 727)
Adjuntos: Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
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Sumário:

1 - O artigo 1305.º do Código Civil coloca ao lado dos poderes de que goza o proprietário, as restrições ou limites impostas por lei.
2 – Tais restrições podem ser de direito público, como a expropriação por utilidade pública, ou de direito privado, como as que derivam de relações de vizinhança, que têm em vista regular conflitos de interesses que surgem entre vizinhos.
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Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A. C. intentou ação declarativa contra “Casa R. – II, Lda”, “Casa R. – Transportes, Lda.”, A. G. e F. M. pedindo que os réus, como proprietários e/ou possuidores/detentores e/ou responsáveis dos prédios contíguos ao do autor, das obras e/ou dos bens e equipamentos aí existentes, sejam solidariamente condenados a:

A) Reconhecer o direito de propriedade do autor sobre os prédios identificados nos artigos 1, 2 e 3 da petição;
B) Abster-se da prática de actos e omissões que de alguma forma contendam com esse direito de propriedade do autor e que o prejudiquem ou possam prejudicar o seu uso ou gozo;
C) Procederem, a seu custo, a uma vistoria rigorosa e à realização de obras que retifiquem e resolvam a falta de salubridade e eliminem o perigo existente de desmoronamento do muro e das construções que já se encontravam edificadas no prédio do autor, provocadas pelo excesso de água nos prédios deste provindas dos prédios dos réus e originadas pelas obras de captação e entubamento de águas bravas realizadas há cerca de 10 anos por estes no seu prédio e que estorvam e continuam a estorvar o natural escoamento destas águas;
D) Efetuarem o corte constante ou o arrancamento das sebes que foram plantadas pelos réus na estrema norte do seu prédio, por forma a repor as vistas, salubridade e radiação solar dos prédios do autor;
E) Abster-se de actos e omissões que provoquem ruído, trepidações, gases, pó, lama, entre outros, que constituam ou possam constituir violação das (boas) relações de vizinhança e que ponham ou possam por em causa os direitos de personalidade do autor, mormente à integridade física e moral, ao sono, ao sossego, à saúde, ao ambiente e à sua qualidade de vida;
F) Nesse sentido, devem os réus retirar, recolocar ou redirecionar os potentes focos colocados nos seus prédios mas que estão direcionados para a habitação do autor, por forma a evitar ofuscação dos que aí se encontrem;
G) Também nesse sentido, devem inibir-se, na medida do possível, de porem, à noite e de madrugada, os motores a trabalhar das máquinas e camiões para além do estritamente necessário nas horas de descanso e de sono, pelo menos, das 22 h às 6 h;
H) Ainda nesse sentido, desmantelar ou, pelo menos, proteger cabalmente o depósito de inertes existente no prédio dos réus sito do outro lado da estrada em frente à casa do autor, por forma a que este e os seus prédios não sejam constantemente assolados com pedras, pó, areia, gases, trepidações, ruídos, entre outros;
I) A pagar ao autor por todos estes danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por este durante estes cerca de mais de 10 anos que levaram à perda de sono, da tranquilidade, do sossego e do descanso, associado à irritabilidade e perda de saúde e de qualidade de vida, em montante que deverá e requererá o seu apuramento aquando o términus desta situação, em liquidação de sentença.

Contestaram os réus, excecionando a ilegitimidade do 4.º réu e por impugnação.

Em despacho saneador, fixou-se o valor da causa e julgou-se improcedente a exceção de ilegitimidade passiva.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência:

a) Declarou que o autor é proprietário do prédio identificado no ponto 1 dos factos provados;
b) Condenou o 3.º réu, A. G., a proteger o depósito de inertes existente no prédio referido no ponto 8 dos factos provados, por forma a que o prédio referido no ponto 1 dos factos provados não seja assolado com pedras, pó ou areia por forma a evitar o entupimento das valetas existentes nas margens da via pública situada entre esses dois prédios;
c) Condenou o 3.º réu a pagar ao autor, pelos danos referidos nos pontos 39 a 46 dos factos provados, montante a apurar em liquidação de sentença;
d) Absolveu o 3.º réu dos restantes pedidos contra si formulados;
e) Absolveu os 1.º, 2.º e 4.º réus dos pedidos formulados pelo autor.

O autor interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes

Conclusões:

I- É sabido que os Advogados lêem as sentenças como lêem o Correio X, ou seja, primeiro a última página e, depois e eventualmente, as restantes.
II- Se não houvesse, pois, a tentação de espreitar, nua e crua, a douta decisão na(s) última(s) página(s), e se fosse lendo, atentamente, as primeiras 98 páginas do douto aresto, poder-se-ia cair no erro de pensar que as decisões seriam outras ou, se quisermos, poderiam ter sido outras, maxime quando lemos e analisamos os factos dados como provados.
III- Na verdade, há uma série de factos dados como provados que sustentariam ou poderiam sustentar outras decisões, com toda a certeza mais consentâneas com a realidade e verdade material e, por isso, mais justas.
IV- Só que dessas premissas o silogismo lógico do Tribunal deu noutras conclusões, numa clara divergência entre os factos dados como provados e as doutas decisões proferidas.
V- Para além de uma estranha e desajustada prevalência dos direitos de propriedade (dos RR.) sobre os direitos de personalidade (e de propriedade) do A..
VI- É certo que a douta sentença reconheceu o pedido formulado na alínea A) que o Autor é proprietários dos prédios identificados nos factos provados 1 e 2 - decisão A).
VII- De resto, condenou apenas o 3° R. a proteger o depósito de inertes existente no prédio 8 para que apenas o prédio 1 do A. não seja assolado apenas com pedras, pó e areia e evitar o entupimento das valetas existentes naquele local (decisão B);
VIII- e condenou apenas o 3° R. a pagar ao A. montante a apurar em liquidação de sentença pelos danos referidos apenas nos pontos 39 a 46, factos estes que nem situa temporalmente, como deveria e poderia.
IX- Esta anáfora com a palavra "apenas" é demonstrativa que a douta sentença ficou aquém das expetativas que os factos provados criaram na medida em que, por exemplo, em relação à decisão B) os factos provados (23 a 32 e, 39, 40, 42, 44 e 45) teriam que levar que se protegesse não só o prédio 1, como aconteceu, mas também o prédio 2;
X- E ambos os prédios ficassem protegidos não do 3° R. mas também dos restantes RR., sendo que, no que a esta matéria concerne, para além das múltiplas referências à "Casa R.", como resulta das transcrições da douta sentença que se fizeram supra, quando as testemunhas falaram em A. G., queriam e referiram-se a este na dupla qualidade de pessoa individual e como representante legal das sociedades comerciais RR..
XI- E a douta decisão não devia falar só de pedras, pó e areia, mas também de lamas e águas que provocam inundações e tudo aquilo que é referido nos factos provados 26 a 32 inclusive, acima referidos, causando poças, lagos de água, marcas de humidade nas construções e no pavimento que ficam negras de humidade, com bolor e verdete, encharcamento de terras agrícolas referidas em 5 dos factos provados, dificultando ou impossibilitando as sementeiras e plantações novas ou já existentes.
XII- E estes factos provados (26 a 32 inclusive) deviam ter reflexo, depois, no montante a liquidar em execução de sentença e não apenas os factos de 39 a 46, como também, sem qualquer sombra de dúvida, os factos provados 21, 22, 24, 25, 33, 34, que estão ligados a ensombramento, diminuição de radiação solar, águas e geada que provocam escorregadelas e derrapagens de veículos e pessoas que pela rampa do prédio do A. circulam.
XIII- No que refere ao pedido B), que consistia num pedido genérico para precaver qualquer falha nos outros pedidos, requeria-se que os RR. se absterem da prática de atos e omissões que de alguma forma contendessem com esses direitos de propriedade (e personalidade) do Autor e que prejudicassem ou pudessem prejudicar o seu uso ou gozo, o Tribunal ignorou-o de todo, menosprezando o inferno que os vizinhos RR. fazem do A ..
XIV- Quanto ao pedido C) pedia-se, entre outras coisas, a realização de obras que retificassem e resolvessem: 1- a falta de salubridade dos prédios do A. o que foi comprovado pelos factos 21 a 32 e 39 a 45; 2- o perigo existente de desmoronamento do muro e das construções edificadas no prédio do A., a que alude o facto provado 45; 3- o excesso de águas provindas dos prédios e/ou de ações/omissões dos RR. que estorvam e continuam a estorvar o natural escoamento das águas, que se comprovou com os factos provados 26, 32, 40, 44 e 45, entre outros.
XV- Não obstante tal matéria estar provada, os RR. foram absolvidos dos respetivos pedidos.
XVI- No que tange ao pedido D) para efetuar o corte constante da sebes ou o seu arrancamento para repor as vistas, salubridade e radiação solar da parte dos prédios do A. junto a essa estrema, há, desde logo, um facto provado (17) que diz: " Que, de ano para ano, se ergueram e erguem a mais de um metro acima do muro referido em 15.", redação esta que é, com o devido respeito, equivoca.
XVII- O que se percebe, e com a devida desculpa se não é esse o sentido, é que as sebes em causa crescem por ano cerca de um metro o que tem alguma lógica na medida em que, nesta altura, ultrapassam os 5 metros!
XVIII- Se assim for, como parece que será, dado estarmos na presença de uma sebe viva, de crescimento rápido e de folha permanente, impunha-se e impõe-se que de quando em vez se faça o seu corte, até para se evitar os efeitos constantes em 21, 22, 24 e 25, assim como aqueloutros referidos em 27, 29 e 31 dos factos provados, por forma a repor as vistas, salubridade e radiação solar dos prédios do Autor.
XIX- Acontece que o Tribunal não achou importante salvaguardar estes direitos e interesses do A., como igualmente não entendeu como importante decidir procedente o seu pedido identificado pela letra E).
XX- Não obstante praticamente todas as testemunhas tenham dito (Ver transcrições referidas acima) que o ruído, trepidações, gases, pó e lama e os demais referidos de 39 a 43 são diários e a qualquer hora, a parte inicial do facto provado 33, contra tudo e contra todos, limita-os ao período de dia e não lhes dá qualquer relevo como se fossem contingências naturais com que o A. tem que viver.
XXI- Já no que diz respeito ao pedido de retirada, recolocação ou redireccionamento do foco que ofusca, de noite, quem está, entra e sai da porta da cozinha da casa do A., não obstante todas as testemunhas (inclusive a dos RR.) tenham claramente confirmado factos que isso efetivamente acontece - cfr. as transcrição feita pela douta sentença referidas supra,
XXII- o único facto dado como provado (34) queda-se por dizer que "O 3.º Réu colocou um holofote no terreno referido em 7, que permanece aceso toda a noite:", não se especificando aonde e para onde e, já agora, a utilidade do mesmo, já que existe no local (prédios dos RR.) candeeiros com a função de iluminar e não de ofuscar vizinhos!
XXIII- Escusado será dizer que também este pedido foi dado como improcedente, como improcedente foi o pedido formulado sob a alínea G) em que se pedia, ao fim e ao cabo, bom senso em prol do descanso e do sono nas horas do dia (leia-se noite) em que isso é suposto acontecer, não obstante o referido em 33 (com as referências feitas em XX) e 43 dos factos provados.
XXIV- Quanto aos pedidos formulados sob as alíneas H) e I) valem as considerações vertidas acima nas conclusões VII a XIV, ou seja, que as condenações B) e C) da douta sentença que correspondem de alguma maneira a esses pedidos ficaram não só muito aquém da realidade da situação que os factos dados como provados retratam parcialmente que o A. é vitima da má vizinhança dos RR. que atropelam diariamente os seus mais elementares direitos de personalidade e de propriedade.
XXV- Por último, não se entende - e a douta sentença também não explica - o facto de se ter condenado apenas o 3° R. e ter-se absolvido os demais de todos os pedidos, quando a prova, nomeadamente testemunhal, transcrita acima, desmente essa realidade.
XXVI- Desta forma, deve a douta sentença em crise ser revista e reformulada de acordo com o supra alegado e condenar-se os RR. em todos os pedidos formulados pelo A., nos seus precisos termos, com o que se fará a habitual JUSTIÇA!

Os réus contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso e deduziram recurso subordinado, cujas conclusões são as seguintes:

1. A sentença na parte ora em crise, não fez uma correcta interpretação e aplicação da lei e da prova produzida ao condenar o 3.º Réu a proteger o depósito de inertes existente no prédio referido no ponto 8 dos Factos Provados, por forma a que o prédio referido no ponto 1 dos Factos Provados não seja assolado com pedras, pó ou areia por forma evitar o entupimento das valetas existentes nas margens da via pública situada entre esses dois prédios;
2. E ainda a pagar ao Autor, pelos danos referidos nos pontos 39 a 46 dos factos Provados, em montante a apurar em liquidação de sentença.
3. Não pode o 3.º Réu conformar-se com tal decisão.
4. O prédio referido no ponto 8 dos factos provados se destina ao depósito de inertes, tais como areia e brita, e que os mesmos se destinam à venda, no âmbito da atividade comercial de venda de produtos e materiais para a construção civil.
5. Torna-se, assim, forçoso proceder ao seu carregamento.
6. Dos factos dado como provados não resulta que os mesmos resultam de uma utilização anormal do prédio identificado nos autos.
7. De facto, nos termos do art. 1346.º do CC., o proprietário de um prédio tem o direito de proibir outro, de um prédio vizinho, de praticar certos actos, mas esse direito não é absoluto, na medida em que isso limita o direito de propriedade do vizinho.
8. Esse direito só lhe é conferido se advier "um prejuízo substancial para o uso do imóvel e não resultem da utilização normal do prédio.
9. A Doutrina entende que os requisitos previstos neste artigo são cumulativos - dr Menezes Cordeiro (Direitos Reais, 1979).
10. Inexiste factualidade alegada e depois provada sobre a hipótese de a utilização do prédio para depósito de inertes e a sua comercialização, consubstanciar um uso anormal do prédio, pelo 3.º Réu.
11. Inexiste qualquer matéria que habilite a chegar a tal conclusão, pelo que não é possível considerar-se preenchido este pressuposto da norma.
12. Cabia ao Autor o ónus - art. 342.º, n.º 1 do C. Civil - de alegar factos verificadores dos pressupostos da norma constante do art. 1346.º do CC.
13. Pelo que, não pode o 3.º Réu ser condenado nos termos que o fez a sentença em crise.
14. Acresce, mesmo que assim não se entendesse, sempre os factos constantes dos pontos 39 a 42 resultam da ação de factores naturais como vento e chuva, não se verificando outro facto que se possa entender resultante de uma utilização anormal.
15. Desta forma, não pode o 3.º Réu ser condenado a indemnizar pelos factos referidos em 39 e 42 dos factos assentes, nem tem como acautelar a ação do vento e chuva.
16. Pelo não atuando conforme supre descrito, violou, a douta sentença, entre outras as disposições dos art.ºs 342.º, n.º 1 e art. 1346.º do C. Civil.

TERMOS EM QUE, deve conceder-se provimento ao presente recurso subordinado e revogar-se, nesta parte, a sentença recorrida, com o que se fará a habitual JUSTIÇA!

Ambos os recursos foram admitidos como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com os eventuais limites ao direito de propriedade em função das relações de vizinhança.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

a) Factos provados.

1- Encontra-se inscrita no registo predial a favor de A. C. e de A. E. a aquisição da propriedade do prédio urbano sito em ..., freguesia ..., concelho de Vila Verde, com a área coberta de 118m2 e a área descoberta de 330,50m2, composto de casa de rés-do-chão e andar com logradouro, a confrontar do Norte com T. V., 27,50m, do Nascente com A. GC., do Sul com A. G., 40m e 40m, respectivamente, e do Poente com Estrada Municipal, 35m, inscrito na matriz predial sob o art.º 200 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob o n.º ....
2- Encontra-se inscrito sob o artigo 23 da matriz predial rústica da União das Freguesias de … um prédio denominado “Leira da ...”, com 10 macieiras, sito no lugar de ..., com a área total de 0,142100ha, a confrontar do Norte com F. V., do Sul com J. R. (18) e outro, do Nascente com T. V. e do Poente com Caminho dos Campos.
3- O Autor reside há mais de 30 anos nos prédios referidos em 1 e 2, onde edificou a casa aí descrita, bem como, em anexo, uma garagem e arrumos.
4- O logradouro à volta da casa permitiu-lhe fazer um jardim na parte frontal desta, onde plantou flores, arbustos e outras plantas ornamentais.
5- Bem como cultivar e grangear a parte traseira do mesmo, de onde colhia e colhe produtos agrícolas.
6- Tudo há mais de 20 anos, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.
7- Existe um terreno, que confronta com toda a estrema Sul dos prédios referidos em 1 e 2.
8- Do lado Poente dos prédios referidos em 1 e 2, separado destes pela estrada municipal que liga … e …., agora designada Avenida da …, existe outro terreno.
9- A 1.ª Ré desenvolve a sua actividade de estaleiro e comercialização de artigos para a construção civil no terreno referido em 7, onde existe um parque de estacionamento para camiões de transporte de mercadorias, aí se encontrando sedeadas a 1.ª e a 2.ª Rés.
10- No terreno referido em 7 foram efectuados vários aterros pelo 3.º Réu, daí resultando duas plataformas, a primeira das quais desnivelada cerca de 2,1m abaixo da estrada municipal e a segunda situada a cerca de 3,3m abaixo do nível da primeira e cerca de 1,3m acima de um campo agrícola situado a Nascente.
11- Os prédios referidos em 1, 2 e 7 situam-se na parte final da mesma encosta de um monte.
12- Os lados Poente, junto à Estrada Nacional, mais elevados, faziam com que as águas bravas ou pluviais provindas desse monte escorressem naturalmente, a céu aberto, pelo terreno referido em 7 para os terrenos mais baixos, que se situam a Nascente.
13- Há cerca de 13 anos, essa linha de águas bravas ou pluviais foi entubada em toda a extensão por onde as mesmas passavam no prédio referido em 7.
14- O solo do terreno referido em 7 foi pavimentado, na primeira plataforma, com “pavée” de cimento, e, na segunda plataforma, com tout-venant compactado.
15- No lado Norte do terreno referido em 7, onde o mesmo confronta com os prédios referidos em 1 e 2, numa extensão de cerca de 40 metros, o 3.º Réu construiu um muro em bloco de cimento, sem revestimento, com travamentos estruturais pontuais e sem padrão definido.
16- Entre o muro e o restante terreno referido em 7 o 3.º Réu deixou, em toda a extensão da confrontação com os prédios referidos em 1 e 2, um canteiro em terra com cerca de meio metros de largura, onde plantou cedros para vedação.
17- Que, de ano para ano, se ergueram e erguem a mais de um metro acima do muro referido em 15.
18- O 3.º Réu colocou, na parte superior do muro referido em 15, uma rede de vedação em arame, com cerca de um metro e meio de altura.
19- E mais recentemente, ainda, uma rede de sombra, que colocou no lado interior da rede em arame referida em 16, com iguais dimensões.
20- Todas essas obras têm sido realizadas pelo 3.º Réu, gradualmente, de há 12/13 anos a esta parte, com o intuito de no terreno referido em 7, fazer o parque e estaleiro da 1.ª e 2.ª Rés.
21- O referido em 15 a 19 contribui para que a parte mais a Sul dos terrenos referidos em 1 e 2 esteja ensombrada durante parte do dia.
22- A radiação solar, nos prédios referidos em 1 e 2, junto a toda a estrema com o terreno referido em 7, diminuiu algumas horas por dia.
23- Nessa parte dos prédios referidos em 1 e 2, existe uma rampa em cimento.
24- Na rampa referida em 23, por se encontrar sombria, no Inverno e nas épocas mais frias o gelo não derrete.
25- Dificultando o principal acesso carral e pedonal aos prédios referidos em 1 e 2 por essa rampa, causando a derrapagem e escorregadelas a quem aí passe de veículo automóvel ou aí se locomova a pé.
26- Ano a ano, os fundos da habitação do Autor e a garagem e anexo sitos no fim da rampa referida em 23 têm sido alvo de águas pluviais, que limitam espacial e temporalmente o seu uso.
27- Com marcas de humidade no pavimento e paredes dessas construções, que ficam negras ou com verdete.
28- Também nos terrenos anexos, quando chove com alguma intensidade, formam-se poças e lagos de água.
29- O muro referido em 15 encontrar-se negro de humidade.
30- E a habitação do Autor e demais construções adjacentes, têm vindo a sofrer fissuras nas suas paredes exteriores, com presença de bolor.
31- Os pavimentos no exterior dos prédios referidos em 1 e 2 encontram-se com humidade e com verdete.
32- Nos períodos do ano de maior pluviosidade, ocorre o encharcamento das terras agrícolas referidas em 5, dificultando ou impossibilitando que nas mesmas se cultive ou plante o que seja ou fazendo que as plantações ou sementeiras existentes se percam ou tenham dificuldade em vingar.
33- Durante o dia, as máquinas e camiões fazem-se movimentar para os terrenos referidos em 7 e 8, sem qualquer restrição, provocando ruído, gases, trepidação e pó.
34- O 3.º Réu colocou um holofote no terreno referido em 7, que permanece aceso durante toda a noite.
35- Os prédios referidos em 1 e 2 confinam a Poente com estrada municipal que liga … a … (hoje Avenida da …).
36- Do outro lado dessa estrada municipal, em frente aos prédios referidos em 1 e 2, o 3.º Réu, no terreno referido em 8, instalou um depósito de inertes, onde despeja e carrega areia, brita e demais materiais.
37- A faixa de terreno referida em 8 tem uma área de pouco mais de 500m2, de forma triangular, cujo cateto adjacente se estende por cerca de 70 metros longitudinalmente em relação à dita estrada.
38- Na estrema do terreno referido em 8 que deita directamente para a estrada municipal, existe um muro, com cerca de 0,60m de altura, com uma abertura entrada/saída de veículos, com cerca de 7/8 metros, situada em frente ao portão principal da casa referida em 1.
39- Quando há vento, os inertes mais leves galgam a estrada e instalam-se nos prédios referidos em 1 e 2.
40- Quando chove, os inertes e lamas são canalizados para a saída do terreno referido em 8 e, dali, atravessam a estrada, para a entrada dos prédios referido em 1 e 2.
41- Sujando toda a entrada do prédio referido em 1, e criando ao Autor dificuldades em aceder àquela parte do terreno, quando isso acontece.
42- No Verão ou nas épocas mais secas, por acção do vento ou das máquinas e camiões que colocam ou retiram esses inertes, criam-se, naquela, zona nuvens de pó que, num raio de algumas dezenas de metros, tudo sujam.
43- As máquinas e camiões, a entrar e sair do dito depósito, causam barulho e ajudam a enlamear ou a arear a estrada municipal naquele sítio.
44- E os detritos provenientes desse depósito tapam as respectivas valetas e sarjetas com areia e pedra, impedindo o escoamento das águas pluviais que, assim, resvalam para os prédios referidos em 1 e 2, inundando-os.
45- Tais águas encharcam os prédios referidos em 1 e 2 e potenciam o desmoronamento e falência das construções aí existentes e do muro referido em 15.
46- O Autor padece sofrimento e mágoa com as situações referidas, andando triste e irritado.
47- O 4.º Réu é gerente da 1.ª e da 2.ª Rés.
48- Antes do aterro efectuado no terreno referido em 7, já aí encontrava instalado um armazém, desnivelado em relação à estrada municipal.
49- Parte do aterro realizado foi feito para a cota desse armazém, mantendo o desnível já existente da estrada municipal.
50- Pelo menos parte do encaminhamento das águas referidas em 12 foi feito pela Câmara Municipal de … e colocado pela mesma.
51- Pelo menos parte da linha de água existente foi entubada pela Câmara Municipal de ….
52- Antes desse entubamento, o rego dessas águas corria a céu aberto.
53- Que entravam no terreno referido em 7 e seguiriam para o terreno de trás deste, que se situa a uma cota inferior.
54- Durante vários anos, no rés-do-chão da moradia referida em 1, laborou uma confecção de peúgas, com o ruído inerente à utilização da respectiva maquinaria.
55- Posteriormente, nesse rés-do-chão, laborou um estabelecimento de confecção de comida, que, além dos cheiros que provoca, necessita de ligar um gerador, nas falhas de electricidade, causador de ruído.
56- O holofote colocado no terreno referido em 7 destina-se a acautelar eventuais furtos e não está direccionado para a residência do Autor, mas antes para o parqueamento.

b) Factos não provados.

Artigo 1.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta dos pontos 1 e 2 dos factos Provados.
Artigos 2.º a 4.º da Petição Inicial, salvo na parte que consta do ponto 3 dos Factos Provados.
Artigos 5.º e 6.º da Petição Inicial.
Artigo 8.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 5 dos Factos Provados.
Artigos 12.º a 15.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta dos pontos 7, 8 e 9 dos Factos Provados.
Artigo 16.º e 17.º da Petição Inicial.
Artigo 18.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 10 dos Factos Provados.
Artigo 19.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 11 dos Factos Provados.
Artigo 20.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 12 dos factos Provados.
Artigos 21.º e 22.º da Petição Inicial.
Artigo 23.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 13 dos Factos Provados.
Artigos 24.º a 28.º da Petição Inicial.
Artigo 29.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 10 dos Factos Provados.
Artigo 30.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 14 dos Factos Provados.
Artigo 31.º da Petição Inicial.
Artigo 32.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 15 dos Factos Provados.
Artigo 34.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 16 dos Factos Provados.
Artigo 35.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 17 dos Factos Provados.
Artigo 36.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 18 dos Factos Provados.
Artigos 38.º e 39.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 20 dos factos Provados.
Artigos 41.º a 47.º da Petição Inicial.
Artigos 48.º e 49.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 21 dos Factos Provados.
Artigo 50.º da Petição Inicial.
Artigo 51.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 22 dos Factos Provados.
Artigo 52.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 23 dos factos Provados.
Artigo 53.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 24 dos Factos Provados.
Artigos 54.º e 55.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 25 dos Factos Provados.
Artigo 56.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 26 dos Factos Provados.
Artigo 57.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 27 dos Factos Provados.
Artigo 58.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 28 dos Factos Provados.
Artigo 59.º da Petição Inicial.
Artigo 60.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 29 dos Factos Provados.
Artigo 61.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 30 da Petição Inicial.
Artigos 62.º a 64.º da Petição Inicial.
Artigo 65.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 30 dos Factos Provados.
Artigo 66.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 31 dos Factos Provados.
Artigo 67.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 32 dos factos Provados.
Artigos 69.º a 71.º da Petição Inicial.
Artigo 72.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 33 dos Factos Provados.
Artigos 73.º a 75.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 34 dos Factos Provados.
Artigo 77.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 36 dos Factos Provados.
Artigo 79.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 36 dos Factos Provados.
Artigo 80.º da Petição Inicial.
Artigo 81.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 37 dos Factos Provados.
Artigo 82.º da Petição Inicial.
Artigos 84.º e 85.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 39 dos Factos Provados.
Artigo 86.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 40 dos Factos Provados.
Artigo 88.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 42 dos Factos Provados.
Artigo 89.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 43 dos Factos Provados.
Artigo 90.º da Petição Inicial.
Artigo 91.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 44 dos Factos Provados.
Artigos 99.º a 102.º da Petição Inicial.
Artigos 103.º e 104.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 45 dos Factos Provados.
Artigo 105.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 30 dos Factos Provados.
Artigo 110.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 46 dos Factos Provados.
Artigo 2.º da Contestação, salvo na parte que resulta do ponto 47 dos Factos Provados.
Artigos 5.º a 7.º da Contestação.
Artigo 8.º da Contestação, salvo na parte que resulta do ponto 9 dos Factos Provados.
Artigo 13.º da Contestação, salvo na parte que resulta do ponto 49 dos Factos Provados.
Artigo 15.º da Contestação, salvo na parte que resulta do ponto 50 dos Factos Provados.
Artigo 16.º da Contestação, salvo na parte que resulta do ponto 51 dos factos Provados.
Artigos 18.º a 22.º da Contestação, salvo na parte que resulta do ponto 53 dos Factos Provados.
Artigos 23.º a 30.º da Contestação.
Artigo 31.º da Contestação, salvo na parte que resulta do ponto 54 dos Factos Provados.
Artigos 32.º e 34.º da Contestação, salvo na parte que resulta do ponto 55 dos Factos Provados.
Artigos 36.º e 37.º da Contestação.
Artigos 40.º a 44.º da Contestação.

Começaremos por referir que, embora o apelante discorde da redação de alguns factos provados, não impugna a decisão de facto nos termos constantes do disposto no artigo 640.º do CPC, não cumprindo nenhum dos ónus que ali lhe são impostos, caso pretendesse impugnar a decisão relativa à matéria de facto – designadamente, não indica os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnada, limitando-se a fazer apelo ao que ficou exarado na motivação da decisão, para concluir que a redação dos factos em causa deveria ser outra.

Nas conclusões não vem pedida qualquer alteração da decisão de facto, pelo que, não tendo sido dado cumprimento ao disposto naquele artigo 640.º do CPC e não sendo claro se o apelante, verdadeiramente, pretendia tal alteração, teremos que concluir que não está impugnada a decisão de facto, sendo a sua discordância apenas de direito.

Aliás, se bem percebemos, o que o apelante entende é que a matéria de facto, tal como ficou definida na sentença, é suficiente para obter a condenação dos réus em todos os pedidos formulados na petição inicial.

Vejamos.

A sentença é clara e bastante desenvolvida quanto aos conceitos de propriedade e seus respetivos poderes – uso, fruição, disposição e transformação da coisa, bem como exclusão dos demais do seu gozo – mas também quanto às limitações que tal direito sofre, designadamente as que se fundam na necessidade de prevenir e solucionar conflitos entre direitos.

O artigo 1305.º do Código Civil coloca ao lado dos poderes de que goza o proprietário, as restrições ou limites impostas por lei. Trata-se de restrições de direito público, onde sobressai a expropriação por utilidade pública, mas também as restrições ao direito de construir por motivos de estética ou de higiene, ou resultantes da proximidade de certas vias de comunicação ou de correntes de água ou exigidas por interesses de defesa militar, interesses de economia nacional, defesa da propriedade florestal, dos valores artísticos e arqueológicos, pelo transporte de energia elétrica, pela defesa do meio ambiente, enfim “o seu número cresce dia a dia com a sobreposição frequente dos interesses da colectividade, dos grandes grupos sociais, aos interesses dos particulares “ – Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. III, 2.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, pág. 94.

As restrições de direito privado, são as que resultam das relações de vizinhança. Têm em vista regular os conflitos de interesses que surgem entre vizinhos, em virtude da impossibilidade de os direitos dos proprietários serem exercidos plenamente sem afetação dos direitos dos vizinhos – autores e obra citada, pág. 95.

A sentença recorrida discorre exaustivamente sobre estes conceitos, fundando-se na melhor doutrina, pelo que nos dispensamos de prosseguir tal caminho, ali já perfeitamente trilhado.

A primeira discordância do apelante surge, precisamente, quanto ao problema do excesso de água nos prédios do autor que, segundo a sua alegação será originada pelas obras de captação e entubamento de águas bravas realizada pelos réus há cerca de 10 anos no seu prédio e que estorvaram e continuam a estorvar o natural escoamento das águas – cfr. pedido B) da petição inicial.

A análise desta questão está bem efetuada na sentença recorrida. Importa considerar o que dispõe o artigo 1351.º do Código Civil quanto ao escoamento natural das águas em conjugação com os factos provados acerca desta matéria. “Na verdade, o preceito em análise regula, em termos reais, a posição relativa dos proprietários confinantes, dele emergindo, para o proprietário do prédio inferior, uma pretensão absoluta e objectiva – ou seja, independente de dolo ou negligência – de impedir a realização de obras em contravenção com o nele disposto – por via de acção negatória – ou de obter a reconstituição do statu quo ante, correspondente ao estabelecido pelo legislador como forma de melhor harmonizar os interesses em presença”. Acontece que, da análise dos factos provados resulta que o autor não logrou provar que, fruto das obras realizadas pelos réus, designadamente, terraplanagens e entubamento de um rego, o escoamento natural das águas bravas, que se fazia naturalmente desde os prédios superiores, para os prédios inferiores, se tenha alterado em detrimento do seu prédio (sendo certo que a ele cabia o ónus da prova respectiva – artigo 342.º, n.º 1 do CC). Ficou, aliás, provado que, pelo menos parte das obras de entubamento ou condução das águas foi efetuada pela Câmara Municipal – factos 50 e 51 – e que, desde sempre, as águas bravas ou pluviais, provindas do monte, escorriam naturalmente a céu aberto, pelo terreno do réu para os terrenos mais baixos, a nascente, tendo sido entubada, há cerca de 13 anos – factos 12 e 13 – nada existindo nos factos provados que permita concluir que as obras efetuadas no prédio do réu agravaram o escoamento de águas que, naturalmente, se fazia para o prédio do autor.

Também quanto à questão da sebe, o apelante não tem razão.

Nos termos do disposto no artigo 1356.º do Código Civil “A todo o tempo o proprietário pode murar, valar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de qualquer modo” e pode fazê-lo até à linha divisória dos prédios, sendo apenas permitido ao dono do prédio vizinho arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem – artigo 1366.º, n.º 1 do CC.

Como bem se salienta na sentença recorrida: “A edificação de um muro, ao diminuir a luminosidade incidente sobre o prédio vizinho ou as vistas de que o mesmo beneficia, não contende com qualquer servidão predial mas, tão, só, com o gozo desse mesmo prédio do Autor, correspondendo a uma restrição legalmente consagrada ao direito de propriedade e, portanto, a uma área de interesses que deixa de gozar de tutela jurídica no âmbito de tal direito subjectivo”.

A questão que deve colocar-se é a de saber se não poderá a vedação ou tapagem do prédio constituir um abuso do direito de propriedade.

Para Pires de Lima e Antunes Varela, na obra citada, pág. 204, não é fácil admitir que o proprietário, ao vedar o seu prédio, abuse do seu direito “O autor da vedação está, na verdade, a exercer um direito em harmonia com o fim social que a lei visa ao atribuir-lho, e que é precisamente o de lhe assegurar exclusivismo na fruição ou gozo da coisa”. “Teoricamente, porém, a possibilidade do abuso de direito tem de admitir-se. Será o caso, por exemplo, de o proprietário não ter nenhum interesse sério na vedação e procurar apenas fazer sombra na horta do vizinho ou prejudicar de outro modo as culturas do prédio contíguo”.

Ora, no caso dos autos, se é verdade que se provou que a construção do muro e sebe contribuiu para que a parte mais a sul dos terrenos do autor esteja ensombrada durante parte do dia, a verdade é que também se provou que tais obras têm sido efetuadas gradualmente, de há 12/13 anos a esta parte, com o intuito de no terreno do réu fazer o parque e estaleiro da 1.ª e 2.ª rés, com o interesse na privacidade e proteção da propriedade do réu e dos bens existentes na mesma.

A este propósito, vem citada na sentença recorrida, doutrina e jurisprudência vária, que nos dispensamos de repetir, mas cuja conclusão vai no sentido de o abuso de direito só ocorrer quando o proprietário não retirar qualquer benefício pessoal com a construção do muro e/ou sebe e, ao mesmo tempo, causar dano considerável a alguém, ou ainda, situações de desproporcionalidade evidente entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem.

A única questão que poderia equacionar-se seria a da desproporção do sacrifício imposto ao autor em comparação com a vantagem auferida pelo réu.

“A este propósito cumpre, desde logo, referir que a lei, ao regular expressamente o direito de tapagem, aceitou como inevitável algum sacrifício dos interesses que o Autor aqui visa salvaguardar – na medida em que a tapagem não se pode fazer, em regra, sem que os mesmos sejam sacrificados” – cfr. sentença recorrida.

Os acórdãos citados – STJ de 22/02/2004, R. Porto de 21/12/2004, R. Lisboa de 02/10/2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt – têm a ver exatamente com situações de sombra no prédio vizinho, sem que se tenha concluído pelo abuso de direito face à justificação objetiva da construção, à luz do melhor aproveitamento do prédio, sua privacidade e segurança.

Não se verificando, assim, abuso de direito, nada há a criticar à sentença recorrida, nesta vertente.

Quanto aos demais pedidos, uma vez mais não poderíamos dizer mais, nem melhor do que está dito na sentença recorrida quanto às restrições ao direito de propriedade que resultem da utilização anormal do prédio ou com prejuízo substancial para o uso do imóvel, provenientes de emissões de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor, ruídos, trepidações – artigo 1346.º do CC – quando relacionadas com os Princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e da nossa Constituição da República, quanto ao direito a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado, todos conjugados com o artigo 70.º do Código Civil, que consagra a tutela geral da personalidade.

“Tendo em consideração que muitas das situações potencialmente lesivas dos direitos à saúde, ao sossego e a um ambiente equilibrado correspondem ao exercício de verdadeiros direitos subjectivos, também eles com dignidade constitucional – é o caso dos direitos de propriedade e de iniciativa económica, consagrados nos artigos 61.º e 62.º, da Constituição da República Portuguesa –, a solução terá que passar pela ponderação conjunta de todos os interesses em presença, à luz do que dispõe o art.º 335.º, do Código Civil: “1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. 2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior”.

Ora, muito embora não exista um modelo de solução válido para todos os casos, em termos gerais e abstractos, é forçoso reconhecer que a Constituição da República Portuguesa concede maior protecção aos direitos, liberdades e garantias do que aos direitos económicos, sociais e culturais: estando, assim, de um lado o direito à integridade física, à saúde, ao bem-estar e, de outro, um direito de propriedade ou de iniciativa económica, em princípio, deve prevalecer aquele primeiro – Cfr., Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 26.04.95, BMJ n.º 446º, pág. 224, e de 9.01.96, BMJ nº 453, pág. 417.

Porém, essa prevalência não é aprioristicamente válida para todos os casos, não se impondo um radical sacrifício do direito patrimonial ao direito de personalidade.

Caso a caso, haverá que averiguar se a prevalência dos direitos relativos à personalidade não resulta em desproporção intolerável face aos interesses em jogo e se, excluindo o total sacrifício do direito inferior, haverá formas de condicionar o seu exercício, satisfazendo simultaneamente o titular do direito predominante” – cfr. sentença recorrida.

O que se verifica, no caso, é que o autor não provou que o holofote de iluminação das instalações das rés estivesse virado para a sua propriedade, ou que a sua luz a atingisse de forma a causar-lhe perturbação no sossego, descanso ou mesmo sono, ou que as máquinas e camiões circulem durante a noite e/ou madrugada, produzindo ruído ou trepidações perturbadores do sono e descanso do autor.

Quanto ao uso diurno das máquinas e camiões, trata-se do uso normal de tais equipamentos, num estabelecimento como o das rés, nada se tendo provado que permita concluir que excede o uso para o qual o referido prédio se destina, nem em que medida tal atinge ou afeta o prédio do autor que, como bem se refere na sentença, confina com uma estrada municipal e sempre estará sujeito ao ruído, gases, trepidação e pó que resultam da circulação de viaturas nessa via pública.

Já quanto aos inertes – e avançamos para a análise do recurso subordinado – haverá que proceder ao seu tratamento com as devidas cautelas, por forma a que, com o vento, os inertes não galguem a estrada e se depositem no prédio do autor, sujando toda a entrada e criando nuvens de pó com a sua movimentação que tudo sujam e contribuem para enlamear a estrada municipal, na entrada da casa do autor, para além de que tais detritos tapam as respetivas valetas e sarjetas, impedindo o escoamento das águas pluviais que, acabam por inundar os passeios e pátios circundantes – ocorre aqui um prejuízo substancial para o uso do imóvel do autor, pelo que ele pode opor-se a esta utilização dos inertes, nos termos do disposto no artigo 1346.º do Código Civil, conforme ficou decidido na sentença, improcedendo, assim, o recurso subordinado.

É que, ao contrário do que sustentam os réus, os requisitos previstos no artigo 1346.º do Código Civil – prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam – não são cumulativos. “Basta que ocorra um deles, pois que funcionam em alternativa. Se houve um prejuízo substancial para o prédio vizinho, pouco importa que as emissões resultem da utilização normal do prédio donde emanam” – Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pág. 178.

E claro, o réu não tem culpa da ação do vento e da chuva, mas pode proteger o depósito de inertes, de forma a que os mesmos não sejam lançados para a rua e para o prédio do autor quando ocorrem tais fenómenos climáticos.

Finalmente, quanto à condenação do réu a pagar ao autor o montante a apurar em liquidação de sentença, pelos danos referidos nos pontos 39 a 46 dos factos provados, nada há a alterar na sentença recorrida, uma vez que, ambos os recursos tinham como pressuposto, quanto a esta questão, o ganho de causa nas anteriores questões, o que, como já vimos, não aconteceu.

Uma última palavra, ainda, para nos atermos ao pedido de condenação dos demais réus, ao lado do 3.º réu – conclusão XXV. O apelante não sustenta de forma nenhuma tal pretensão, sendo certo que a mesma não tem qualquer suporte nos factos provados, onde todas as atuações lesivas do direito de propriedade do autor – as provadas e as apenas alegadas – foram levadas a cabo pelo 3.º réu, sem qualquer participação dos demais réus (factos provados 10, 16, 18, 20, 34, 36). Tenha-se em conta, sobretudo, que foi o 3.º réu que instalou o depósito de inertes no terreno em frente ao prédio do autor, onde despeja e carrega areia, brita e demais materiais e que as condenações têm a ver com este depósito de inertes.

Do que fica dito, resulta, assim, a total improcedência dos recursos, com a confirmação da sentença recorrida.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedentes ambos os recursos, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas de cada recurso pelos respetivos recorrentes.
***
Guimarães, 28 de fevereiro de 2019

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes