Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1249/15.7T8VCT.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: DANOS CAUSADOS POR COISA IMÓVEL
DEVER DE VIGILÂNCIA
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Se as alterações que a apelante pretende que a Relação efectue na matéria de facto, não têm relevância em sede da decisão, o Tribunal deve abster-se de conhecer da impugnação.

II - O nº 1 do artº 493º do CC apenas exige a detenção material da coisa causadora do dano ou um dever de vigilância da parte do imputado responsável, pelo que tem aplicação nos casos em que o administrador do condomínio a quem incumbe a função de vigiar as partes comuns, não cumpre esse dever e, em consequência, causa danos.

III - Mostra-se adequada uma indemnização no montante de 12.000,00, a título de danos não patrimoniais, para compensar o sinistrado que, em consequência do acidente, ficou a padecer de uma IGP de 2 pontos, sofreu dores, tendo-lhe sido atribuído um quantum doloris de grau 2, numa escala de 1 a 7, ficou abatido psicologicamente, sofrendo inquietação e angústia, ficou com a perna direita imobilizada e usou canadianas, realizou 60 sessões de fisioterapia e necessitou de seis meses para ser considerado curado.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

JOSÉ P. intentou contra COMPANHIA DE SEGUROS …, S.A., acção declarativa de condenação, com processo comum, peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe a indemnização global de € 29.811,76, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

Para tanto alega que no dia 29 de Março de 2013, pelas 12h30, quando se dirigia da sua habitação para o terraço existente no mesmo prédio, ao subir as escadas escorregou, em virtude das águas pluviais que se encontravam depositadas no chão, que se haviam infiltrado através de uma clarabóia existente na cobertura do prédio. A queda sofrida causou-lhe dor intensa no joelho direito.
Como a dor se manteve, dirigiu-se ao hospital onde lhe foi diagnosticado um traumatismo de alta energia do joelho direito e, depois de ter sido submetido a uma ressonância magnética foi-lhe diagnosticada uma fractura osteocondral do prato tibial externo e aparente rotura intersticial do ligamento colateral interno. Foi-lhe atribuída uma IPG de 3%. Como o Autor já sofria de défices neurológicos por patologia da coluna vertebral, o seu estado de saúde agravou-se consideravelmente passando a ter mais dificuldades em executar as suas tarefas diárias. Mais, alega que que sentiu intensas dores quer após o acidente, quer nos tratamentos de fisioterapia a que foi submetido durante cerca de um ano. Finalmente, alega que em consequências das lesões sofridas suportou diversas despesas médicas.
A Ré contestou, alegando, em suma, que a patologia de que o prédio sofre é pré-existente à assunção do risco contratado pela Ré, para além de se encontrar excluída do seu âmbito de cobertura, pois a referida patologia é devida ao mau estado de conservação e à falta de manutenção do prédio. Mais alega que o Autor tinha conhecimento que o patamar estava molhado pelo que deveria ter evitado caminhar por aquele local sem prévia limpeza, tendo a sua actuação contribuído decisivamente para a verificação dos danos, o que exclui o dever de indemnizar.

No mais, impugna os factos alegados.
O Autor requereu a intervenção principal provocada do condomínio, a qual foi admitida por despacho de fls. 95.
Procedeu-se à realização da audiência prévia, com a prolação do despacho com fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:

“Pelo exposto, decide-se julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:

-Condena-se a Ré COMPANHIA DE SEGUROS …., S.A., a pagar ao Autor, a quantia de € 12.000,00 (doze mil euros), a título de danos não patrimoniais, quantia acrescida dos juros de mora a contar desde a presente data até efectivo e integral pagamento.
- Condena-se a mesma Ré a pagar ao Autor a quantia de € 1.303,82 (mil trezentos e três euros e oitenta e dois cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, a que acrescem juros de mora a contar desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Custas da acção pelo Autor e Ré, na proporção do respectivo decaimento (art. 527º, nº 1 do CPC).”
A R. não se conformou e interpôs o presente recurso, onde elaborou as seguintes conclusões:

1.A prova testemunhal é inequívoca de que, pelo menos desde o Inverno de 2012, já existiam infiltrações de água na escadaria do prédio em causa nos autos, através da clarabóia da caixa de escadas.
2.Razão pela qual, considerando os depoimentos das testemunhas Joana C. e Raquel C., conjugados com os factos considerados provados, sempre se dirá que a prova produzida impõe decisão diversa da proferida, mais concretamente deverá o facto provado e) da douta sentença ser considerado como parcialmente provado e, de acordo com o facto não provado c), ser substituído pela seguinte redacção:

e) Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o início de 2012, que ocorriam infiltrações de águas pluviais para a caixa de escada do prédio em que reside o Autor, através da estrutura da referida clarabóia, em dias de chuva intensa e vento.
3.Dos depoimentos das testemunhas Joana C. e Raquel C., que se mostraram claros e fundamentados, demonstrando as depoentes ser conhecedoras das características estruturais da clarabóia em causa nos autos, facilmente se constata que as infiltrações ocorreram devido à entrada de água pelas redes de ventilação da clarabóia.
4.A testemunha Joana C., Eng. Civil, que se deslocou ao local escassos dias após o sinistro e analisou a clarabóia, constatou que a mesma não padecia de nenhum dano ou vício construtivo que justificasse a entrada de águas através da clarabóia, sendo apenas possível que a água tenha entrado através das redes de ventilação devido a um fenómeno atmosférico atípico, nomeadamente, chuva intensa acompanhada de ventos fortes, sendo certo que, nos termos do facto provado e) da sentença em crise, foi considerado provado que as infiltrações só aconteciam em dias em que ocorresse chuva intensa acompanhada de vento.
5.Realce-se ainda que, a Mma. Juiz do Tribunal a quo estribou-se nos depoimentos supra transcritos para afastar que o sinistro se devesse a falta de manutenção: (…) referindo que a água se infiltrava através da grelha de ventilação lateral à clarabóia em apreço. Estes depoimentos excluem, assim, que as infiltrações de água que estiveram na origem da queda do Autor se tivessem devido à falta de manutenção e/ou de conservação do prédio.
6.Destarte, considerando os depoimentos das testemunhas Joana C. e Raquel C., conjugados com os factos considerados provados, deve ser aditado aos factos provados c) e e) os factos supra alegados e os mesmos serem substituídos pela redacção infra indicada:

c) Na cobertura desse prédio existe uma clarabóia, construída em ferro e vidro e que possui uma grelha de ventilação lateral, que ilumina a caixa de escada, que permite o acesso aos pisos e, destes, às respectivas fracções.
e) Desde data não concretamente apurada, mas anterior a 29 de Março de 2013, que ocorriam infiltrações de águas pluviais para a caixa de escada do prédio em que reside o Autor, através da estrutura da referida clarabóia, concretamente pela grelha de ventilação lateral, em dias de chuva intensa e vento.
7.De acordo com a alteração da matéria de facto que se peticiona, concretamente a alteração ao facto provado e), claro está que as infiltrações de aguas pluviais para a caixa de escada do prédio ocorrem desde, pelo menos, o início de 2012 ou seja, desde data anterior à da celebração do contrato de seguro – vide facto provado ae).
8.Assim, uma vez que o sinistro não se encontra coberto pelo contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, sempre se dirá que o sinistro em causa nos autos não se encontra garantido pela cobertura de responsabilidade civil que veio a ser contratada pelo mesmo.
9.A existência de uma clarabóia de um edifício, ainda que sujeita a deveres de manutenção, não implica um risco acrescido para terceiros ou para os condóminos, razão pela qual sempre se dirá que não é aplicável ao sinistro em causa nos autos o artigo 493.º do Código Civil
10.Cumpre ainda referir, por mera cautela e dever de patrocínio, que não é igualmente aplicável aos presentes autos o disposto artigo 492.º do Código Civil, uma vez que o A. não demonstrou a existência de um vício de construção ou defeito de conservação, ónus que lhe é imposto pelo artigo 342.º do Código Civil, sendo sobre o A. que incide o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito de indemnização.
11.Com o devido respeito e salvo melhor opinião, tendo em conta o supra exposto e a alteração da matéria de facto que se peticiona, nomeadamente quanto ao ponto c) e e) da matéria de facto, entende a Recorrente que não se encontram cumpridos ou verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, uma vez que nenhuma culpa é atribuível à segurada da recorrente, que cumpriu os deveres a que se encontrava adstrita.
12.O recorrido, apesar de bem saber que era habitual nos tempos de chuva intensa e vento existir água no local do acidente deslocou-se de forma imprudente, não tendo em consideração o risco de o chão se encontrar molhado, nem caminhando com a prudência exigível ao homem médio.
13.Destarte, uma vez que existiu culpa do lesado e a recorrente foi condenada a título de presunção de culpa, encontra-se excluído o dever da mesma em indemnizar, nos termos do vertido no artigo 540.º n.º 2 do Código Civil.
14.Se assim não se considerar, sempre se dirá que deverá a culpa do lesado ser considerada nos termos do 540.º n.º 1 do Código Civil, excluindo ou reduzindo significativamente a indemnização a que tenha direito.
15.O recorrido já se encontrava debilitado física e psicologicamente, encontrando-se inclusive reformado por invalidez aos 51 anos.
16.Sem prejuízo do supra exposto, sempre se dirá que o valor da compensação pelos danos não patrimoniais atribuída ao recorrido se apresenta excessivo, tendo em conta a globalidade dos factos e os critérios comummente estabelecidos na jurisprudência dominante.
17.Destarte, recorrendo a juízos de equidade e à jurisprudência em casos similares, e caso não seja considerada a exclusão de responsabilidade ou do dever de indemnizar por parte da Recorrente, sempre deverá ser fixada uma indemnização pelos danos não patrimoniais em valor não superior a € 8.000,00, quantia adequada e ajustada ao caso concreto.
18.Consequentemente e tendo em conta tudo o supra exposto, a sentença em crise violou o disposto nos artigos 342.º, 406.º, 483.º, 493.º, 496.º e 570.º do Código Civil e o art.º 414.º do Código de Processo Civil.
19.Sendo certo que, através da correcta interpretação das supra referidas normas jurídicas, deve a Recorrente ser absolvida do pleito, ou se assim não se entender, ser reduzido o quantum indemnizatório, conforme o explanado na conclusão 17.
Termos em que,
Deve o presente recurso de apelação ser admitido e, consequentemente, ser proferido acórdão que revogue a douta sentença em crise e absolva a R. integralmente do pedido ou, subsidiariamente, reduza o quantum indemnizatório, em conformidade com o supra alegado.

II – Objecto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:
. se a matéria de facto deve ser alterada, o que tem como pressuposto prévio apurar se a alteração pretendida pode ter influência na decisão;
. se o artº 493º, nº 1 do CC é aplicável na situação presente;
. se deve ser excluída ou diminuída a responsabilidade da apelante por culpa do lesado, nos termos do artº 570º do CC ;
. em caso negativo, se a indemnização pelos danos não patrimoniais, não deve ser fixada em valor superior a € 8.000,00.

III – Fundamentação

Na 1ª instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:
Factos Provados:

a) Por escritura pública outorgada no dia 08 de Março de 2001, exarada a fls. 24 a fls. 26 do Livro de Notas nº ... do 2º Cartório Notarial de Viana do Castelo, António C., na qualidade de gerente e em representação da Sociedade de Construções … Lda., declarou vender, a José P. e esposa Maria da Graça P., que declararam comprar, a fracção autónoma designada pela letra “N”, correspondente ao terceiro andar esquerdo, no Bloco Norte, destinada a habitação, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal situado no Lugar dos …, da freguesia de …, concelho de Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº 1999, omisso na matriz (cfr. fotocópia da escritura junta como doc. nº 1 com a petição inicial).
b) Tal prédio foi construído em 2000, tendo a licença de habitabilidade sido emitida em 12/02/2001, com o nº 98, pela Câmara Municipal (cfr. doc. nº 1 com a petição inicial).
c) Na cobertura desse prédio existe uma clarabóia, construída em ferro e vidro, para iluminação da caixa de escada, que permite o acesso aos pisos e, destes, às respectivas fracções.
d) O 3º andar corresponde ao último piso de habitação do prédio, por cima do qual existe um terraço afecto ao uso exclusivo dos proprietários das respectivas fracções.
e) Desde data não concretamente apurada, mas anterior a 29 de Março de 2013, que ocorriam infiltrações de águas pluviais para a caixa de escada do prédio em que reside o Autor, através da estrutura da referida clarabóia, em dias de chuva intensa e vento.
f) Desse facto, quer o Autor, quer os demais proprietários das fracções daquele prédio deram conhecimento reiterado à empresa que administrava o condomínio denominada … – Administração de Condomínios, Lda.
g) No dia 29 de Março de 2013, pelas 12h30, quando o Autor saiu da sua habitação para se dirigir ao terraço situado por cima da sua fracção, e encontrando-se o patamar que serve a sua fracção e dá acesso às escadas para o referido terraço molhado em consequências das referidas infiltrações de água, escorregou e caiu. h) Em consequência da queda sentiu dor intensa no joelho direito.
i) Devido à intensidade da dor no joelho direito e consequente dificuldade de locomoção, o Autor dirigiu-se ao serviço de urgência da ULSAM, naquele mesmo dia, pelas 21h51.
j) Após realização de exames radiológicos foi-lhe diagnosticado traumatismo de alta energia do joelho direito, com entorse.
k) Efectuaram-lhe artrocentese desse joelho, para drenagem de derrame articular, com imobilização da perna, e com recomendação de uso de canadianas para deambular sem fazer carga e foi medicado com anti-inflamatórios.
l) O Autor ficou com a perna direita imobilizada e usou canadianas por período não concretamente apurado.
m) No dia 09/05/2013, realizou uma ressonância magnética ao joelho direito que revelou fractura osteocondral do prato tibial externo e aparente rotura intersticial do ligamento colateral interno.
n) Realizou 40 sessões de fisioterapia, em regime diário, com início em 05/08/2013 e fim em 16/10/2013.
o) Por não se encontrar melhor, no dia 16/01/2014, consultou o Dr. C. Rio, médico fisiatra com consultório em Viana do Castelo, que lhe prescreveu mais sessões de fisioterapia.
p) O Autor realizou mais 20 sessões de fisioterapia com início em 09/07/2014 e fim em 30/09/2014.
q) Foi dado como clinicamente curado em 27 de Novembro de 2013.
r) Em consequência das lesões sofridas ficou a padecer de uma IPG de 2%.
s) À data do acidente, o Autor sofria de défices neurológicos por patologia da coluna vertebral, que se agravaram com a queda.
t) À data do acidente, o Autor encontrava-se reformado da sua profissão de canalizador, com uma reforma mensal de € 412,81 + € 702,00 x 14 meses.
u) À data do acidente, o Autor tinha 51 anos de idade (cfr. assento de nascimento junto como doc. nº 11 com a petição inicial).
v) Antes do acidente, o Autor executava algumas tarefas domésticas, designadamente ia às compras.
w) Em virtude das lesões sofridas, o Autor passou a ter mais dificuldades em executar as tarefas diárias, designadamente quando está em pé, nos movimentos de baixar e erguer o corpo e caminhar.
x) Em virtude do acidente e das lesões dele advenientes, o Autor sofreu dores, quer logo após a sua ocorrência, quer com os tratamentos e fisioterapia a que foi submetido.
y) Sofreu um quantum doloris de 2 pontos, numa escala de 1 a 7.
z) As limitações advenientes do acidente, deixaram o Autor abatido psicologicamente, sofrendo de inquietação e angústia e isolou-se do convívio das demais pessoas.
aa) Em virtude das lesões sofridas, o Autor suportou despesas médicas e medicamentosas, no montante total de € 1.303,82.
bb)Em 2006, o Autor sofreu um acidente de trabalho com lesão lombar que determinou que fosse reformado por invalidez.
cc) Em 2011, sofreu um acidente de viação com lesão de chicote com alterações sensitivas nos 4 membros.
dd) Anteriormente ao acidente, o Autor já sofria de patologia psiquiátrica.
ee) A sociedade … – Administração de Condomínios, Lda., responsável pela Administração do prédio em que o Autor residia, à data do acidente, havia transferido para a Ré a sua responsabilidade civil relativamente a danos causados no prédio a terceiros e a condóminos, através do contrato de seguro do ramo multirriscos condomínio titulado pela apólice nº …, com início às 00h00 do dia 22/06/2012 e termo às 24h00 do dia 31/05/2013, automática e anualmente renovável a partir de 01/06/2013, tendo por objecto e local de risco as partes comuns do referido prédio.
ff) De acordo com as condições particulares da apólice estava incluída uma cobertura facultativa de responsabilidade civil cruzada, com o capital de € 25.000,00, por sinistro e anuidade (conforme documento nº 1 junto com a contestação).
gg) Segundo a cláusula 1º, 1.1. B2 das condições gerais, intitulada “Responsabilidade civil cruzada” “A. garante a responsabilidade civil extra-contratual legalmente imputável aos condóminos, na qualidade de proprietários das fracções seguras na apólice, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais exclusivamente decorrentes de lesões corporais e/ou materiais acidentalmente causadas aos outros condóminos e/ou ao condomínio em si, até ao limite de capital fixado nas Condições particulares.
A garantia da apólice é ainda extensiva aos danos imputáveis à administração do Edifício relativamente à utilização das partes comuns;”
hh) De acordo com o art.º 3º das condições contratuais da apólice, ponto B), alínea a) “B. Não ficam garantidos, em caso algum, as perdas ou danos verificados: a) Edifícios em estado de conservação que contrarie as normas técnicas ou regulamentos sobre manutenção de edifícios, ou estando em obras de manutenção, transformação ou ampliação, reduzam as suas condições de resistência e segurança, bem como os danos causados por estes a terceiros;…”
ii)O Autor tinha conhecimento que era habitual que nos tempos de chuva intensa e vento existissem infiltrações de águas pluviais naquele local.

Factos não provados:

a) Devido à intensidade e frequência da entrada das águas pluviais na caixa de escada, ao fim de alguns meses passaram a surgir marcas de calcário no patamar da entrada do 3º andar que serve o apartamento do Autor.
b) Em consequência do acidente e das lesões sofridas o Autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica no Hospital, Porto.
c) As infiltrações de águas pluviais para a caixa de escada do prédio ocorrem desde, pelo menos, o início de 2012.
d) As infiltrações de águas pluviais que originaram o acidente em apreço nos autos, são consequência da falta de manutenção do prédio que se encontra em mau estado de conservação.

Da impugnação da matéria de facto:

Nos termos do artº 662º, nº 1 do CPC a Relação pode alterar a decisão da matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa.
A apelante alega que ocorreu erro de julgamento relativamente a parte dos factos constantes da alínea e), propondo nova redação e a adição de outros factos aos factos constantes da alínea c), sugerindo também nova redação.

As alíneas c) e e) têm a seguinte redação:

c)Na cobertura desse prédio existe uma clarabóia, construída em ferro e vidro, para iluminação da caixa de escada, que permite o acesso aos pisos e, destes, às respectivas fracções.
e)Desde data não concretamente apurada, mas anterior a 29 de Março de 2013, que ocorriam infiltrações de águas pluviais para a caixa de escada do prédio em que reside o Autor, através da estrutura da referida clarabóia, em dias de chuva intensa e vento.

No entender da apelante deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos (realça-se a negrito os factos que a apelante pretende ver aditados):

c)Na cobertura desse prédio existe uma clarabóia, construída em ferro e vidro e que possui uma grelha de ventilação lateral que ilumina a caixa de escada, que permite o acesso aos pisos e, destes, às respectivas fracções;
e) Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o início de 2012, que ocorriam infiltrações de águas pluviais para a caixa de escada do prédio em que reside o Autor, através da estrutura da referida clarabóia, concretamente pela grelha de ventilação lateral, em dias de chuva intensa e vento.
A apelante fundamenta-se no depoimento das testemunhas Joana C. e Raquel C..
Vejamos, primeiramente, se as alterações que a apelante pretende que a Relação efectue têm relevância em sede da decisão, porquanto o Tribunal deve abster-se de conhecer da impugnação “quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível de questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados” (1).

E no caso, não se vislumbra como é que a alteração das respostas a estes artigos possa alterar a decisão. Da alegação da apelante resulta que a mesma entende que, caso seja dado como provado que as infiltrações ocorriam desde o início de 2012, ou seja desde data anterior à celebração do contrato de seguro, o sinistro não se encontraria coberto. A apelante não indica em que cláusula do contrato de seguro ou disposição legal se baseia para concluir nos termos descritos.

Ora do elenco das causas de exclusão do contrato de seguro, não está previsto que não estejam a coberto do contrato celebrado entre as partes, os sinistros ocorridos em data posterior à data da celebração do contrato, como é pacífico no caso, decorrentes de deficiências existentes à data da celebração do contrato.

Dispõe a cláusula 5ª do capítulo II contrato de seguro que :

.1. Salvo disposição legal ou convenção em contrário, em caso de danos causados por vício próprio da coisa segura existente ao tempo do contrato de que o tomador do seguro devesse ter conhecimento e que não tenha sido declarado à seguradora, aplica-se o regime da declaração inicial ou do agravamento do risco previsto, respectivamente na proposta e nos artigos anteriores.
2. Se o vício próprio da coisa segura tiver agravado o dano, as limitações decorrentes do número anterior aplicam-se apenas à parcela do dano resultante do vício.

Desconhece-se o texto da proposta. E de acordo com cláusula 4ª do capítulo II, se tiver ocorrido um sinistro cuja consequência tenha sido influenciada pelo agravamento do risco, a entidade seguradora apenas pode recusar a cobertura em caso de comportamento doloso do Tomador do seguro com o propósito de obter uma vantagem, mantendo o direito aos prémios vencidos e pode ainda recusar a cobertura do sinistro, nos termos da cláusula 4ª 2º, se “demonstrar que em caso algum celebra contratos que cubram os riscos com as características resultantes desse agravamento”.

Ora a apelante não alegou os factos que a provarem-se poderiam conduzir à exclusão da responsabilidade.
A apelante limitou-se a alegar que ocorriam infiltrações desde data anterior à celebração do contrato, sendo por conseguinte uma patologia ou um vício pré-existente de que o tomador do seguro teria de ter tido conhecimento (artigos 13 a 15 da contestação), mas daqui não retirou qualquer conclusão factual nem jurídica, nem na contestação nem nas alegações. Em momento algum refere que se conhecesse que ocorriam infiltrações para a caixa da escada do prédio não teria celebrado o contrato de seguro nem alegou factos que provados permitissem concluir que o tomador do seguro dolosamente ocultou os factos com o propósito de obter uma vantagem.

Na cláusula 8ª do contrato seguro estão previstas duas causas de nulidade do contrato de seguro (o apelante não invocou a nulidade do contrato de seguro, mas a nulidade pode ser conhecida oficiosamente), mas nenhuma delas é susceptível de aplicação ao caso dos autos.
Também a declaração inexacta a que se refere o artº 429º do Código Comercial só dá causa à nulidade do contrato de seguro, desde que tais condições pudessem ter influenciado na existência ou condições do contrato de seguro e a apelante, reafirma-se, nada alegou nesse sentido.

Pretende também a apelante a alteração da matéria de facto, passando a constar que a infiltração da água ocorre através da grelha de ventilação lateral. Em primeiro lugar estes factos não foram alegados e apenas poderiam ser considerados pelo tribunal, nas circunstâncias descritas no artº 5º do CPC. Mas também esta alteração, ainda que procedente, nenhuma repercussão teria na decisão.

Assim, no artigo 3º das condições contratuais, ponto B) alínea a) está previsto que :

B) Não ficam garantidos em caso algum, as perdas e danos verificados em:

a) Edifícios em estado de conservação que contrarie as normas técnicas ou regulamentos sobre manutenção de edifícios, ou estando em obras de manutenção, transformação ou ampliação, reduzam as suas condições de resistência e segurança, bem como os danos causados por estes a terceiros.

Ora, ainda que se desse como provado que a água se infiltra através da grelha lateral à clarabóia e não pela clarabóia, não poderia o tribunal sem mais concluir, sem outra matéria de facto, que se trata de um edifício que por falta de manutenção se encontra em estado de conservação que contrarie as normas técnicas, caso em que resultaria excluída a sua responsabilidade, que foi a causa invocada pela apelante na contestação para declinar a sua responsabilidade.

Assim, não há que proceder à análise da impugnação da matéria de facto, por as alterações pretendidas não serem susceptíveis de influenciar a decisão.

Do Direito

Defende a apelante que o artº 493º do CC aplicado na sentença recorrida, não tem cabimento no caso dos autos, nem este também recai na previsão do artº 492º do CC.
Na sentença recorrida entendeu-se que a clarabóia era uma parte comum do prédio, o que não merece censura e ainda que se tivesse dado como provado que a água entrava por uma grelha de ventilação adjacente à clarabóia, essa grelha situada na cobertura, também constituiria parte comum (artº 1421º, nº 1, alínea b) e e) do CC) e escreveu-se a propósito: “A responsabilidade civil extracontratual ou pela prática de facto ilícito exige a verificação dos seguintes pressupostos: a ilicitude do facto, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, nos termos do disposto no art.º 483º do Cód. Civil.
No caso concreto, ocorre a ilicitude do facto na medida em que ocorreu, numa parte comum do prédio em causa, mais concretamente nas escadas de acesso à cobertura do prédio, uma ofensa à integridade física do Autor em consequência da queda sofrida, em virtude da existência de águas pluviais nas referidas escadas que se infiltraram pela clarabóia existente na cobertura. Ora, tanto as escadas, como a clarabóia, como a cobertura são inexoravelmente partes comuns do prédio, nos termos do disposto no art.º 1421º, nº 1, al. b) e c) do Cód. Civil.
Nos termos do disposto no art.º 1436º, d) e f) incumbe ao administrador do condomínio efectuar as despesas comuns e realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns.
As referidas despesas comuns e a prática de actos conservatórios decorrem do dever de vigilância e conservação das coisas comuns.
Este dever de vigilância tem consagração no art.º 493º, nº 1 do Cód. Civil, quando estipula que quem tiver a seu cargo coisa imóvel com o dever de a vigiar responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa da sua parte, estabelecendo, assim, uma presunção de culpa da pessoa onerada com o referido dever.
De acordo com a norma supra referida, incumbia à Ré, alegar e provar que o dano não é imputável ao seu segurado, nos termos do disposto no art.º 350º, nº 2 do Cód. Civil.
A este propósito a Ré nada alegou nem provou, limitando-se a invocar em sua defesa uma cláusula de exclusão da sua responsabilidade por falta de manutenção, mau estado de conservação do prédio e desrespeito das condições mínimas de segurança (cfr. resulta dos art.ºs 17º a 20º da contestação). Se bem que, em sede de alegações, e contrariando a tese defendida no referido articulado, defendeu que não há culpa do condomínio na produção do evento lesivo.(…) A nosso ver a factualidade provada não permite concluir qual a causa concreta das referidas infiltrações, desconhecendo-se se as mesmas se devem a defeito de construção (possibilidade que ao que tudo indica estará afastada pois de acordo com os depoimentos das testemunhas as referidas infiltrações não se verificam desde a construção do prédio, mas iniciaram a sua ocorrência muitos anos depois), a desgaste dos materiais, quer daqueles que compõem a clarabóia em concreto (estrutura, componentes ou materiais vedantes), quer daqueles que compõem a própria estrutura do prédio que pode ter cedido com o decurso do tempo.
Não obstante, e mesmo não se tendo apurado qual a causa concreta das infiltrações de água que originaram a queda do Autor, não está afastada a aplicação do disposto no art.º 493º do Cód. Civil, no qual cabem todos os danos causados pela coisa sem que, contudo, haja prova do que originou o sinistro e da culpa efectiva. Conforme tem sido entendido pela jurisprudência a referida norma visa assegurar a ressarcibilidade dos danos ainda que se desconheça a origem exacta do evento (vício da coisa, falta de cuidado na manutenção) e concreta imputação ao demandado, generalizando o conceito de perigosidade e o consequente dever de vigilância e, consequentemente, reduzindo as hipóteses de afastamento da presunção de culpa.
Ela consagra uma modalidade especial de responsabilidade delitual que se aproximada responsabilidade pelo risco decorrente do dever geral de prevenção do perigo ou dos deveres de segurança no tráfego em que se insere o dever de vigilância da coisa (neste sentido Acórdão da Relação do Porto, de 22/01/2015, proc. 355/12.4 TBSJM.P1).

Verificam-se, pois, os pressupostos de ilicitude e de culpa para que, nos termos do artº 493º, nº 1, CC, o condomínio responda extracontratualmente pelos danos causados, e, em seu lugar, contratualmente, a ré seguradora, que não logrou elidir a presunção de culpa prevista na norma em apreço, não tendo provado que nenhuma culpa houve da administração do condomínio, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”

A apelante pugna pela inaplicabilidade do artº 493º do CC por não se poder considerar estarmos em presença de uma actividade perigosa. Em seu entender, a mera existência de uma clarabóia num edifício não implica a existência de uma perigosidade nem de uma especial capacidade para causar danos a terceiros.

Da leitura do artº 493º do CC ressaltam várias diferenças entre s seus nºs 1 e 2. O nº 1 prevê e regula os danos causados por coisas ou animais e pressupõe a existência dum dever de vigilância. O nº 2 reporta-se a actividades perigosas por natureza ou pelos meios utilizados e pressupõe um especial dever de diligência activa, por parte da pessoa que exerce ou controla essa actividade. Trata-se dum dano que é sempre imputável à pessoa e não à coisa. Só no nº 2 é que a lei exige o carácter perigoso da actividade exercida. O nº 1 exige apenas a detenção material da coisa causadora do dano ou um dever de vigilância da parte do imputado responsável. Ora, incumbe ao administrador do condomínio a função de realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns (artº 1430, nº1 e 1436º, alínea f) do CC), recaindo sobre si o dever de vigilância das partes comuns.
Como se refere no Ac. do TRE de 11.05.2006, proc. nº 676/06-3, pronunciando-se a propósito dos nºs 1 e 2 do artº 493º do CC em ”qualquer das duas situações existe uma presunção de culpa. Mas o regime da sua elisão é diferente para o caso dos danos previsto no n.º 1 – provocados por coisas ou animais- e o do nº2 –provocados por actividades perigosas. Na verdade enquanto nos danos provocados pelas coisas a responsabilidade é excluída pela prova da inexistência de culpa ou da inevitabilidade dos danos, designadamente pela relevância negativa da causa virtual, nos danos causados pela actividade perigosa esta última causa de exclusão da responsabilidade não é admitida ou seja só a prova da inexistência de culpa releva para o afastamento da presunção [2] , sendo portanto um regime mais gravoso, mas em todo o caso assente ainda na culpa (embora presumida ) [3] e não na responsabilidade objectiva, como parece defender o recorrente. Ao recorrente, enquanto administrador, compete, nos termos do disposto no artigo 1430º n. º1 CC, a administração das partes comuns do edifício, o que pressupõe zelar pelo bom funcionamento e praticar todos os actos de conservação e manutenção das partes comuns. Daqui decorre para o administrador do condomínio um dever de vigilância sobre as partes comuns do edifício que, como quaisquer outras coisas, são sempre susceptíveis de provocar danos.”

Incumbia à apelante, para afastar a sua responsabilidade, a alegação e prova de que a administração do condomínio tinha agido com a diligência devida ou seja que tinha zelado pelo bom isolamento da clarabóia e tinha praticado todos os actos de conservação e manutenção da mesma ou que os danos se produziriam mesmo sem culpa sua. Ora a apelante não o alegou, tendo optado por outra linha de defesa – a alegação da falta de manutenção do prédio que conduziu a um mau estado de conservação (artº 19º da contestação), o que também não o logrou provar. E como já supra se mencionou, ainda que se tivesse alterado a matéria de facto e se tivesse dado como provado que a água entrava por uma grelha lateral, a decisão seria a mesma, pois que também nada se provou no sentido de que a segurada da apelante tinha praticado todos os actos para impedir o sinistro, não obstante ter sido reiteradamente alertada da entrada de água e da sua acumulação no pavimento (cfr. se apurou em f) dos factos provados).
Tendo se concluído pela aplicabilidade do artº 493º do CC ao caso dos autos, prejudicada fica a discussão sobre a aplicabilidade do artº 492º do CC.

Defende ainda a apelante que a responsabilidade deve ser excluída devido a culpa do lesado nos termos do artº 570º do CC, uma vez que se apurou que o lesado tinha conhecimento que era habitual a entrada de água em dias de chuva e vento intenso.

Apenas a culpa exclusiva do lesado poderia afastar a responsabilidade da seguradora. Mas a apelante não a logrou provar. Qual foi o comportamento do lesado que deu causa ao sinistro participado? O lesado saiu de casa a correr, sem previamente se inteirar das condições do chão, embora soubesse ou não pudesse desconhecer que o patamar se encontrava molhada, em virtude das condições meteorológicas de vento e chuva? Nada se apurou nem se alegou a esse propósito. A apelante alega que o sinistrado não caminhou com a prudência de um homem médio, mas tal alegação não tem suporte na matéria de facto. E da circunstância de não constar no elenco dos factos provados que o lesado tomou diversas cautelas, não se pode concluir que não as tomou.

Assim não tem aplicação no caso o disposto no artº 570º, nº 2 do CC, nem também o seu nº 1.

Finalmente, insurge a apelante quanto ao valor da indemnização a título de danos morais que o tribunal recorrido fixou em 12.000,00 euros.
A lei não fornece uma definição do que deve entender-se por danos não patrimoniais, mas tem-se entendido que danos não patrimoniais “são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente(…)”(como se refere no Ac. do STJ de 25.11.2009, proferido no proc.397/03, acórdão onde são referidos diversos acórdãos do STJ, onde se discutiram montantes indemnizatórios).

Para Dario Martins de Almeida (Manual de Acidentes de Viação, 2ª edição, Coimbra:Almedina, 1980, p. 267), «dano não patrimonial é todo aquele que afecta a personalidade moral, nos seus valores específicos».
O dano não patrimonial assume vários modos de expressão: o chamado quantum doloris, que se reporta às dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, no qual ter-se-à que considerar a extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; o “dano estético” que simboliza o prejuízo anátomo-funcional e que se refere às deformidades e aleijões que perduraram para além do processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de distracção ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, como a renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”; o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o prejuízo juvenil que afecta os sinistrados muito jovens que ficam privados das alegrias próprias da sua idade; o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; o “prejuízo da auto-suficiência”, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária.
Sabe-se que o lesado, à data dos factos, já tinha sofrido um acidente de trabalho com lesão lombar que determinou que tivesse que se reformar, já tinha sofrido um acidente de viação com lesão de chicote e alterações sensitivas nos 4 membros e já sofria de patologia psiquiátrica.

Contudo, em consequência do acidente ficou a padecer de uma IGP de 2 pontos, sofreu dores, tendo-lhe sido atribuído um quantum doloris de grau 2, numa escala de 1 a 7 e apurou-se também que as limitações decorrentes do acidente deixaram o A. abatido psicologicamente, sofrendo de inquietação e angústia. Em consequência do acidente o A. ficou com a perna direita imobilizada e usou canadianas, realizou 60 sessões de fisioterapia e necessitou de seis meses para ser considerado curado.
O facto do A. já ter tido acidentes anteriores, dos quais decorreram limitações, não diminui o sofrimento do A. perante mais um acidente na sua vida. Pelo contrário, a capacidade de resiliência tenderá a diminuir e o lesado a sentir-se mais abatido, perante a reiterada ocorrência de situações adversas na sua vida.

Vejamos alguns exemplos de indemnizações atribuídas pelos tribunais superiores. Assim:
No Ac. do TRG de 11.07.2012 (proferido no proc. 1401/10), fixou-se a quantia de 14.000,00 a um sinistrado que sofreu fractura da clavícula direita e do polegar esquerdo; tendo sofrido um internamento hospitalar de quatro dias, regressou a casa e permaneceu acamado mais duas semanas; foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao polegar esquerdo; andou durante dois meses com o ombro direito imobilizado, precisando do auxílio de terceira pessoa, até para se alimentar; teve de se deslocar por diversas vezes ao Hospital de Santa Maria, no Porto, a fim de aí receber tratamentos; ainda continua a sentir dores quando move o ombro direito e na base do polegar esquerdo, sofrendo ainda dores cervicais e lombares ocasionais, o que se agrava com as mudanças do tempo – a perícia médico-legal calculou o quantum doloris no grau 4, numa escala que vai até 7; no momento do acidente e nos instantes que o precederam receou pela própria vida. Resultou ainda provado que o A. não teve culpa nenhuma na produção do evento danoso, que só ocorreu por negligência do condutor do outro veículo; antes do acidente era saudável e as sequelas que lhe resultaram das lesões causam-lhe desgosto.

No Ac. do TRG 19.06.2012 (proferido no proc. 430/09) manteve-se a indemnização fixada pela 1ª instância no montante de 10.000,00, ao A. que não teve culpa nenhuma na produção do evento danoso, que só ocorreu por negligência da condutora do veículo atropelante; era uma pessoa saudável, dinâmico e de grande vigor físico; sentiu um grande nervosismo e ansiedade, com perturbação do seu descanso, da sua paz interior e da estabilidade da sua vida familiar; teve o braço esquerdo imobilizado por suspensão ao pescoço durante 96 dias, com os incómodos que daí decorrem para a execução das mais pequenas tarefas da vida diária; ficou totalmente incapaz para o trabalho desde a data do acidente – 25/04/2007 – até 21/03/2008; sentia dores intensas nos braço e ombro esquerdos quando precisa de os levantar na execução de um qualquer trabalho.

No Acórdão do TRG de 22/03/2011 com o n° de processo 90/06.2 TBPTL.G1, fixou-se uma indemnização por danos não patrimoniais na quantia de 12.500,00 a um lesado, com 49 anos e que sofreu traumatismos lombares, dorsais e cervicais, nos membros inferiores e no membro superior esquerdo e um período de incapacidade temporária de oito meses.

No Acórdão do TRP de 05/05/2014 com o n° de processo 779/11.4 TBPNF.P1 atribuiu-se uma indemnização de 12.500,00 a uma lesada de 19 anos, com uma IPG de 7 pontos e que ficou imobilizada com colar cervical durante 2 meses, em consequência da lesão apresenta cervicalgias com contratura paravertebral cervical, mais acentuada à direita, com dor à apalpação, sem irradiação da mesma; limitação da mobilidade na flexão anterior, extensão, rotação direita, inclinação direita e contratura paravertebral da região dorsal, antes do acidente gozava de saúde e encontrava-se no pleno gozo das suas capacidades físicas e mentais, era uma jovem robusta, dinâmica e muito trabalhadora, desenvolvia a actividade de dança e de futebol, o que lhe dava satisfação pessoal e bem-estar físico; depois do acidente passou a sentir constantemente dores ao ombro direito, na face posterior do pescoço e região da omoplata direita; e, diminuição de força muscular nos membros inferiores, o que sucede ao longo do dia e em repouso; sente dores constantes na face posterior do pescoço e região da omoplata direita com a permanência na mesma posição melhorando com a posição de decúbito; em consequência das dores que sente a autora deixou de praticar natação; as dores que sente impossibilitam-na de praticar dança e futebol; por sentir dores no pescoço a autora passou a ter dificuldades em passar a ferro, estender roupa, lavar a loiça, lavar o chão, fazer a cama, levantar e suster objetos; a autora sente-se diminuída nas suas capacidades físico-motoras, no seu bem-estar pessoal, o que a faz sentir triste e deprimida e a tornou facilmente nervosa e irritável o que afecta as suas relações sociais e familiares e que se agrava por saber que essas lesões são irreversíveis; quando retomou o trabalho de costureira após o período de baixa sentiu dores que a obrigaram a parar de trabalhar e foi despedida.
No Acórdão do TRG de 23/01/2014 com o n° processo 334/10.6 TBMNC.G1 fixou-se uma indemnização de €15.000,00 por Danos não Patrimoniais a uma lesado de um acidente de viação, que não ficou com qualquer défice funcional permanente, mas que sofreu traumatismo no tórax, face, nariz, hematoma do músculo tríceps de um braço e fratura de dois dedos do pé, imobilização com aparelho gessado durante seis semanas, repouso forçado com pé elevado durante uma semana, necessidade do uso de canadianas durante alguns meses, submissão a fisioterapia, consultas, exames e injecções, dores muito intensas principalmente durante as primeiras duas semanas e tristeza, insónia, perda de apetite e vergonha pelas limitações físicas.

Tudo ponderado, norteando-nos pelo critérios supra referidos e considerando o que tem vindo a ser decidido nos Tribunais da Relação, nomeadamente ao nível desta Relação, não consideramos excessiva a indemnização atribuída ao A., não aceitando os valores propostos pela R. que, em nosso entender, não cumprem a sua função compensatória.
Assim, nada há a censurar à decisão recorrida.


IV- Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 15 de fevereiro de 2018

Helena Melo
João Peres Coelho
Pedro Damião e Cunha


1. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil Novo Regime , 3ª edição revista e atualizada, Almedina, 2010, p. 337.