Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
319/14.3BEMDL.G1
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
ILEGITIMIDADE ACTIVA
ASSOCIADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. As deliberações sociais que padeçam de vícios ou irregularidades no respectivo processo formativo (vício de procedimento) são, regra geral, anuláveis e não nulas.
2. Apenas não dispõe de legitimidade activa para a respectiva acção de anulação o orgão de administração ou o associado que, tendo participado no processo deliberativo, tenha contibuído para a aprovação da deliberação impugnada através de voto favorável à mesma.
3. Incumbe à parte interessada na validade e eficácia da deliberação o ónus de prova de que o impugnante votou favoravelmente a deliberação em crise.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório:
- Nos presentes autos, veio AA…, residente na Rua Cidade de Portimão, n.º …, 3.º Esquerdo, 5000-050 Vila Real, em representação da firma “ BB… Lda. ”, instaurar, ao abrigo do preceituado nos artigos 97.º a 99.º do C.P.T.A., acção de contencioso eleitoral, contra a Associação CC…, com sede na Rua Combatentes da Grande Guerra, n.º …, 5000-635 Vila Real, peticionando a final que se declare “a ilegalidade do ato eleitoral, seja declarado nulo ou anulado o ato de apuramento dos resultados definitivos, realizado no dia 11 de Julho de 2014, com as legais consequências”, requerendo também “a marcação de novas eleições, em que sejam cumpridos as formalidades dispostas na Lei e nos Estatutos.”
Para tanto, alega, em súmula, que no dia 11/07/2014 decorreram eleições para os vários órgãos sociais da ré, nas quais concorreu a presidente da Direcção, na qualidade de representante da associada “ BB, Lda. ”, e que o respectivo processo eleitoral apresenta os vícios infra discriminados, que colocam em causa a respectiva validade:
• não foi constituída comissão administrativa para gerir a ré até à realização de novas eleições;
• verificou-se a falta de regulamento eleitoral, os cadernos eleitorais encontravam-se desactualizados e não foi constituída mesa da assembleia eleitoral;
• houve associados que participaram no acto eleitoral, em representação de outros associados, com procurações irregulares, ou representando mais do que três associados, o que os estatutos da ré não permite;
• alguns associados exerceram o direito de voto e subscreveram procurações com quotas em atraso.
Conclui, pois, pela procedência dos pedidos por si formulados.
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Na contestação, a Ré veio invocar a incompetência em razão da matéria do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, por possuir a natureza de pessoa colectiva de direito privado, para além de ter refutado a ocorrência dos vícios suscitados pelo autor, concluindo subsidiariamente pela improcedência das pretensões aduzidas na petição inicial.

- Por despacho transitado em julgado, veio o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela a declarar-se incompetente em razão da matéria para conhecer do presente litígio.

- Os autos foram remetidos, sob requerimento da parte, ao Tribunal Judicial de Vila Real – vide fls. 265.

- Após tramitação dos autos, veio a ser proferido despacho saneador com absolvição da instância da Ré por ilegitimidade activa do Autor AA, ponderando, por um lado, que os vícios que inquinam as deliberações ora em crise são susceptíveis de configurar uma situação de anulabilidade, mas que não dispondo o Autor, a título pessoal e próprio, da qualidade de associado da Ré, carece ele de legitimidade processual activa para a acção de anulação em apreço.

- Não se conformando com o assim decidido foi interposto recurso, pugnando o(a) Recorrente pela revogação do despacho proferido com as legais consequências.
No âmbito do dito recurso, apresentou o(a) Recorrente as seguintes conclusões:
1) O presente recurso de apelação vem interposto do despacho saneador/sentença que, julgou procedente a excepção dilatória de legitimidade activa do AA em representação da Firma DD & Cª Lda Associado da Ré nº 120.
2) Constitui ratio da decisão, o entendimento do Tribunal a quo de que o sócio e gerente da firma BB Lda, AA não tem legitimidade activa para intentar acção de Anulação de Deliberações Sociais, visto ao contrário do que sucede com a sociedade DD & Companhia Lda, não possui a qualidade de associado da Ré e os vícios convocados na alegação, abstractamente considerados, são sancionados com anulabilidade; só no caso de serem sancionados com a nulidade o autor possuirá legitimidade activa.
3) Não podemos deixar de manifestar o nosso desacordo com o referido entendimento.
4) Como consta nos autos da P.I. apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela o autor aqui apelante José Pedro Branco em representação da sociedade BB Lda Associado nº120, intentou ao abrigo do disposto nos arts.97º a 99º do CPTA acção de contencioso eleitoral, contra a Associação CC, tendo em conta os vícios deliberativos, pedindo que fosse declarado "a ilegalidade do acto eleitoral, seja declarado nulo ou anulável o acto de apuramento dos resultados definitivos, realizado no dia 11 de Julho de 2014, com as legais consequências", requerendo também " a marcação de novas eleições, em que sejam cumpridos as formalidades dispostas na Lei e nos estatutos."
5)º O Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela declarou-se incompetente em razão da matéria.
6) O autor ao abrigo do previsto no art. 14º nº 2 do CPTA e 99º do CPC requereu a remessa do processo para o Tribunal Judicial de Vila Real actual Tribunal de Comarca de Vila Real.
7) Foi deferido o pedido de remessa do processo para o Tribunal competente; O processo foi remetido ao Tribunal de Comarca de Vila Real - Instância Local - Secção civil - J2, onde foi distribuído como " Acção de processo comum - Anulação de Deliberações Sociais.".
8) O Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" em 22/01/2015 proferiu despacho, com vista ao exercício do direito ao contraditório e porque se trata de matéria susceptível de eventual conhecimento oficioso, para as partes virem aos autos dizer o que tiverem por conveniente relativamente à legitimidade do autor, atendendo aos vícios deliberativos suscitados na petição inicial e tendo por referência o regime contido nos artigos 177º e 178º do Código Civil."
9) Foi apresentado pelo autor o respectivo articulado que aqui se dá por inteiramente reproduzido, concluíndo que deve ser considerado parte legítima; considerando em suma o seguinte:
• que o nº 1 do art. 178º C. Civil, confere a qualquer associado que não tenha votado a deliberação o direito de arguir a anulabilidade.
• Ora "votar a deliberação" só pode ser entendido como tendo votado favoravelmente essa deliberação, ou seja no sentido dessa deliberação.
• Por isso só faz sentido excluir o associado que haja votado favoravelmente essa deliberação.
•Não faria sentido o legislador tratar da mesma forma duas situações opostas: o sócio que vota favoravelmente a deliberação e aquele que vota em sentido contrário.
• As associações são pessoas colectivas como o são as sociedades comerciais e as cooperativas, não existem quaisquer normas legais que lhes altere essa natureza nem lhe confira restrições diferentes das sociedades e cooperativas, pelo que qualquer norma que faça uma discriminação negativa dos direitos dos associados será inconstitucional por violar os princípios da igualdade e de acesso aos tribunais previsto nos arts. 13º e 20º da CRP.
• Não sendo o disposto no art. 178º nº 1 inconstitucional, como se entende que não é e no respeito pelas citadas normas constitucionais, não se pode interpretar esta norma no sentido de impedir quem vota contra ou se abstém relativamente a uma deliberação como não tendo legitimidade para impugnar a deliberação, porquanto quer nas sociedades quer nas cooperativas os sócios e cooperantes que votem contra as deliberações têm esse direito.
• A expressão "que não tenha votado a deliberação" tem o sentido de "quem não aprovou a deliberação" pois é esse o sentido que o legislador lhe quis atribuir, aliás, sendo também o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça (Cfr. Acórdão 072681 JSTJ0002134 de 5.6.1985 in BMJ 348º 388), sob pena de outra interpretação ferir esta norma de inconstitucionalidade, o que desde já se invoca por mera cautela.
• Como resulta da P.I. nos artigos nºs 8º a 15, verificaram-se diversas ilegalidades; o autor suscitou expressamente a ilegalidade do acto eleitoral, seja declaro nulo ou anulado o acto de apuramento dos resultados definitivos realizado no dia 11 de Julho de 2014, com o fundamento nas referidas ilegalidades.
• Trata-se manifestamente de um vício grave, violador de um interesse de ordem pública - seriedade de um acto eleitoral - e que podia influir no resultado da eleição, sendo por isso as deliberações nulas.
• Como o referido na P.I. nº 16 da P.I. o autor apresentou no dia 17 de Julho de 2014 reclamação e pedido de Certidão (Doc. nº 3) onde manifestou o seu protesto, declarando que iria exercer o seu direito de impugnar o acto eleitoral.
• Esta reclamação (protesto), tem também a natureza de reserva consistente na declaração de um comportamento, não significa a renúncia a um direito subjectivo ou ao reconhecimento de um direito alheio.
• A não passagem de certidão, com a falta de informação não se trata de mera irregularidade, mas de uma nulidade.
10) O Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" não se pronunciou sobre estas questões.
11) Como consta do Despacho/Sentença, o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" chamou à colação uma questão de Direito nova "Por outro lado não se pode desconsiderar que o artigo 180º do Código Civil prescreve que, salvo disposição estatutária em contrário (que não se descortina existir "in causa"), o associado não pode incumbir outrem de exercer os seus direitos pessoais, como é necessariamente o caso da impugnação judicial de um acto eleitoral relativo a um órgão social de uma associação, o que obsta a que se admita que AA actua nestes autos como mero representante da associada da ré, DD & Companhia Lda (cfr. o cabeçalho da petição inicial) e não em nome próprio."
12) Esta nova questão de Direito, não foi alvo de contraditório pelas partes.
13) Verifica-se assim uma nulidade da Sentença nos termos do art. 615º nº 1 al. c) e d) do CPC.
14) Por outro lado, a falta de um pressuposto processual como é a legitimidade, não faz caso julgado (nem formal) constitui uma excepção dilatória, que obsta que o tribunal conheça do mérito, determinando a absolvição da instância, pelo que deve ser conhecida o mais cedo possível, a fim de evitar, custos, actos inúteis e a prescrição.
15) No presente processo esta excepção dilatória, transforma-se numa excepção peremptória que põe fim ao processo, caso se considere a sanção de anulabilidade; Ora nos termos do art. 178º do Código Civil a anulabilidade só pode ser arguida no prazo de seis meses.
16) Assim está o autor impossibilitado de renovar a Instância, pois o despacho saneador/sentença prazo, foi proferido depois de ultrapassado o prazo de seis meses.
17) Por outro lado, não podemos também deixar de discordar do Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" da interpretação que faz ao artigo 180º do Código Civil.
18) Como consta no Registo Comercial, na certidão Permanente com o Código de acesso 8301-5031-5711, AA, é sócio e gerente da sociedade DD & Cº. Lda.
19) José Pedro Branco intervém neste processo em representação da sociedade DD & Cª Lda, como consta em todos os articulados apresentados nos autos.
20) Na procuração junta com a PI que aqui se dá por inteiramente reproduzida, AA outorga a respectiva procuração forense " em representação da Firma BB Lda. Associado nº 120 da Associação CC", manifesta claramente em que qualidade intervém ou vai intervir no processo.
21) Também no Doc. nº 3 que aqui se dá por inteiramente reproduzida junto pelo autor na PI, em que apresenta Reclamação e pedido de certidão ao Exmo. Presidente da Assembleia Geral da Associação CC em que no cabeçalho e no primeiro paragrafo identifica-se como "AA, em representação da firma BB Associado nº 120 e candidato a presidente da Direcção pela Lista B nas eleições realizadas no dia 11/07/2018 (...)" ;
22) No final da reclamação e pedido de certidão, aparece o carimbo da firma LIVRARIA E PAPELARIA BRANCO DE CC & C.º Lda e assinatura de AA.
23) As pessoas colectivas não podem agir por elas mesmas, mas apenas através de determinadas pessoas singulares (assembleia geral, concelho de administração, directores, administradores delegados, gerentes etc.). (cfr. Carlos Alberto Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil - 4º Edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto - Coimbra Editora, pág. 315.)
24) As pessoas colectivas adquirem direitos e assumem obrigações por intermédio dos seus representantes, este poder representativo é atribuído a quem estiver, no quadro dos órgãos da pessoa colectiva, numa determinada posição, por causa desta relação com os órgãos, a representação da pessoa colectiva é designada por representação orgânica nos termos do art. 38º e 163º do Código Civil.
25) Para Coutinho de Abreu "A representação orgânica da sociedade compete aos administradores (arts. 252º, 1, 261º,1º; 405º, 2, 408º,1), estando vedada aos estatutos a possibilidade de nela fazer participar quem não tenha sido designado (com os respectivos poderes e deveres) administrador" (in Curso de Direito Comercial - Volume II Das Sociedades, 3º Edição, pág. 572)
26) Em resumo os titulares dos órgãos numa concepção mais antiga eram considerados, rotulados como mandatários da sociedade(teoria da representação); numa concepção doutrinária mais moderna é no sentido de entender, de acordo com a teoria organicista, que as funções destes órgãos não resultam de um mandato representativo, mas sim de uma situação jurídica de representação orgânica, estes são elementos da própria sociedade, através dos quais esta se manifesta e actua.(Cfr. Pupo Correia in Direito Comercial - Direito da Empresa, com a colaboração de António José Tomás e Octávio Castelo Paulo - 11ª edição, revista e actualizada, Setembro 2009, EDIFORUM -
Edições Jurídicas - Lisboa, pág. 255).
27) O autor teve legitimidade para participar em acto eleitoral como eleitor e candidato a presidente da Direcção pela lista B; teve legitimidade para apresentar reclamação conforme Doc. nº 3 junto da PI, em representação da sociedade DD& Cª Lda, também terá legitimidade para prosseguir com os presentes autos "Acção de Anulação de Deliberações Sociais".
28) Finalmente, o Despacho Saneador/Sentença de que se recorre é claramente inconstitucional por atentar nomeadamente contra os Princípios, da gestão democrática das associações e de acesso ao Direito e aos tribunais.
29) Conclui-se assim que o autor AA em representação "orgânica" da sociedade DD e Cª Lda associado nº 120 da ré, tem legitimidade activa para intentar e prosseguir com o presente processo "Anulação de Deliberações Sociais".

- Por seu turno, a Ré ofereceu contra-alegações pugnando pela manutenção do decidido, concluindo as mesmas nos seguintes termos:
A) A Recorrida concorda, como só pode concordar, com a douta sentença recorrida, que julga verificada a excepção dilatória da ilegitimidade activa do Autor/Recorrente AA, e, em consequência, decidiu absolver a Ré/Recorrida da instância.
B) Pois o Tribunal a quo fez uma correcta aplicação e interpretação da lei – artigos n.ºs 177º, 178º e 180º, todos do Código Civil e artigos n.ºs 278º, nº 1, alínea d), 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, alínea e) e 578º, do Código de Processo Civil e artigo 98º, n.º 1 do
C.P.T.A. – à factualidade constante dos autos.
C) A Recorrida é uma pessoa colectiva de direito privado, sem fins lucrativos e
dotada de personalidade jurídica, regulando-se pelos seus Estatutos e, nos casos omissos, pela legislação aplicável, de acordo com os Estatutos da Recorrida e artigos 157º e 167º, ambos do Código Civil.
D) Ora, no dia 18 de Julho de 2014, o Recorrente instaurou a Acção de Contencioso Eleitoral, sob a forma de processo urgente, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, nos termos dos artigos 97º a 99º do C.P.T.A., onde formulou o pedido de declaração de ilegalidade do acto eleitoral, realizado no dia 11 de Julho de 2014, para eleição dos órgãos sociais da mesa da assembleia geral, da direcção e do conselho fiscal, da Recorrida, para o triénio 2014/2016, sendo declarado nulo ou anulado o acto de apuramento dos resultados definitivos.
E) Tal como foi configurada a acção que apresentou nesse Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, o Recorrente AA tinha legitimidade para a propor, porquanto, estatui o artigo 98º, nº 1, do C.P.T.A. que “ 1 – Os processos do contencioso eleitoral podem ser intentados por quem, na eleição em causa, seja eleitor ou elegível ou, quanto à omissão nos cadernos ou listas eleitorais, também pelas pessoas cuja inscrição haja sido omitida.”.
F) Aliás, foi com base nesta norma legal – artigo 98.º, n.º 1 do CPTA – que o Recorrente invocou no artigo 21º da sua petição inicial, a sua legitimidade.
G) Acontece que, o processo foi remetido ao Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, onde foi distribuído como Acção de processo comum – Anulação de Deliberações Sociais, na sequência da decisão daqueloutro Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que se declarou incompetente, em razão da matéria, para conhecer da causa.
H) Sendo que o Recorrente não alterou a identificação das partes, nem a qualidade em que as mesmas intervêm, mantendo-se exactamente as mesmas partes, pese embora, se tivessem alterado os pressupostos processuais, aquando da distribuição da acção ao Tribunal Judicial.
I) Pois, e desde logo, a disposição legal que determina a legitimidade activa, deixa de ser o predito artigo 98.º, n.º 1 do CPTA, para passar a ser o artigo 178.º, nº. 1, do Código Civil.
J) Tendo por base que todos os vícios que o Recorrente invoca são passíveis de ser sancionados com a anulabilidade, o que se não aceita, e não com a nulidade,
K) Estabelece o artigo 178.º, n.º 1, do Código Civil, sob a epígrafe “ Regime da anulabilidade”, que “ 1 – A anulabilidade prevista nos artigos anteriores pode ser arguida, dentro do prazo de seis meses, pelo órgão da administração ou por qualquer associado que não tenha votado a deliberação.”. (destaque nosso)
L) Acontece que, quem figura na acção como Autor é AA e não a
sociedade “BB, Lda”, e se dúvidas subsistissem, que não subsistem, quanto à identificação da pessoa do Autor, sempre poderíamos socorrer-nos do texto da petição inicial, no qual, como bem nota o Tribunal a quo, “se faz sempre menção ao “autor” no masculino”.
M) AA não é associado da Associação Recorrida, sendo que quem é associado é a sociedade BB, Lda.
N) Para além de não ser associado, o Recorrente participou e votou na deliberação, para eleição dos órgãos da Associação Recorrida, o que lhe retira a legitimidade para figurar nesta acção como Autor, à luz do que dispõe o artigo 178º, do Código Civil.
O) E porque assim foi – participou e votou o Recorrente na deliberação – nos termos do artigo 178.º, do Código Civil, não tem legitimidade para vir pedir, como pede, que seja declarada “a ilegalidade do acto eleitoral, seja declarado nulo ou anulado o acto de apuramento dos resultados definitivos, realizado no dia 11 de Julho de 2014 e a deliberação da assembleia geral/acto eleitoral, que elegeu para os órgãos sociais da ré para o triénio 2014/2016 os candidatos integrantes da lista/candidatura “A” constantes da acta nº 2/2014, com as legais consequências. Requer também a marcação de novas eleições, em que sejam cumpridas as formalidades dispostas na Lei e nos Estatutos.”.
P) Pelo que, o Recorrente só pode e deve ser considerado parte ilegítima na presente acção, aqui em recurso.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Fundamentos:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, n.º 3, e 639º, nºs 1 e 2, do NCPC.
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No seguimento desta orientação, as questões que constituem o cerne do recurso em apreço consistem, em primeiro lugar, em saber se o despacho recorrido é nulo, em segundo em saber se AA litiga nos presentes autos em seu nome pessoal ou, ao invés, enquanto representante (legal) da sociedade “ BB, Lda. ”, sendo esta última a Autora nos autos, e, em terceiro lugar, em função da resposta à anterior questão, se ocorre a excepção dilatória de ilegitimidade activa.
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III. O Direito:

Da nulidade do despacho recorrido:
A sentença ou o despacho que conheça de excepções dilatórias (como, é o caso do concreto despacho ora em em apreço – cfr. arts. 577º, al. e)-, 595º, n.º 1 al. a)- e 613º, n.º 3, todos do NCPC), como acto jurisdicional, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretado, e então torna-se passível de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC.
De acordo com a alínea c)- do nº 1 deste preceito, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão inintelegível.
Quanto à primeira hipótese (contradição entre os fundamentos e a decisão), ela bem se compreende, pois que os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário. Trata-se, ao fim e ao cabo, de a conclusão (decisão) decorrer logicamente das premissas argumentativas nela expostas. Assim sendo, existirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença (ou do despacho) apenas quando os respectivos fundamentos conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada.
Por outro lado, quanto à segunda hipótese (obscuridade ou ambiguidade da sentença ou do despacho), ela ocorrerá sempre que a sentença ou o despacho seja obscuro ou ambíguo, ou seja, quando contenha algum passo cujo sentido não seja inteligível, ou quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes, não se sabendo o que o juiz quis dizer, na primeira situação, e hesitando-se entre dois sentidos diferentes e, porventura, opostos, na segunda.
Em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade; se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo qual o pensamento do juiz.
Neste sentido, colhe-se da lição do AC do STJ de 28.03.1995, in BMJ nº 445, pág 388, que o acórdão será obscuro quando contenha algum passo cujo sentido seja ininteligível e será ambíguo quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.
Nesta sede, e não obstante não tenha o recorrente exposto nas suas conclusões recursórias qual a concreta contradição lógica ou obscuridade/ambiguidade por si constatada no despacho ora em crise, julgamos patente que o despacho ora em crise não sofre de qualquer dos apontados vícios.
Com efeito, os argumentos expendidos pelo Sr. Juiz a quo (independentemente do seu bom fundamento – questão que não releva em sede de nulidade da sentença ou do despacho, mas antes em sede de erro de julgamento a suscitar por via de recurso de mérito), são perfeitamente claros e perceptíveis e, nos seus próprios termos (isto é, em termos de raciocínio lógico do próprio juiz), apenas poderiam ter conduzido à procedência da excepção de ilegitimidade activa e consequente absolvição da Ré da instância.
De facto, analisada a decisão em apreço, nela não só é patente e clara a argumentação jurídico-argumentativa exposta pelo Sr. Juiz a quo, - qual seja, a de ser Autor nos autos AA (e não a sociedade “ BB, LDA. ”), de os vícios assacados às deliberações sociais em apreço, sendo vícios procedimentais, apenas poderem ser configurados em sede de anulabilidade e, ainda, no sentido de o aludido Autor, atento o facto de agir em seu próprio nome, não ser associado da Associação Ré, o que, à luz do preceituado no art. 178º, n.º 1 do Cód. Civil, lhe retiraria legitimidade processual activa no litígio dos autos, que visa a impugnação de deliberações sociais adoptadas pela Ré na sua Assembleia Geral de 11.07.2014 -, como, ainda, a decisão que conclui pela procedência da excepção dilatória de ilegitimidade activa (e inerente absolvição da Ré da instância) se mostra concordante com as ditas premissas argumentativas invocadas. Sobre a nulidade em apreço e no sentido por nós perfilhado, vide, por todos, AC RP de 29.06.2015, processo n.º 1106/12.9YYPRT.B-P1, Alberto Ruço, AC RP de 1.06.2015, processo n.º 843/13.5TJPRT.P1, Caimoto Jacóme, e desta Relação de 14.05.2015, processo n.º 414/13.6TBVVD.G1, Manuel Bargado, todos in wwwdgsi.pt .
Nestes termos, à luz do antes exposto, improcede a sobredita nulidade do despacho em crise.
A segunda nulidade suscitada pelo recorrente reporta-se já ao disposto no art. 615º, n.º 1 al. d)- do NCPC.
Preceitua o aludido normativo que é nula a sentença em que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Decidindo.
Como se refere no Acordão desta Relação antes citado, a previsão do art. 615º, n.º 1 al. d)- está em consonância com o comando do n.º 2 do art. 608.º do CPC, no qual se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Por outro lado, como se refere ainda no mesmo aresto e é jurisprudência unânime, não há que confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido.
Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC. Daí que, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia. Vide, neste sentido, por todos, AC STJ 8.02.2011, processo n.º 842/04.8TBTMR.C1.S1, Moreira Alves, e AC RG de 24.11.2014, processo n.º 29/13.9TBPCR.G1, Filipe Caroço, todos in www.dgsi.pt .
Ora, como bem se vê da decisão em recurso, e com o devido respeito por opinião em contrário, versou ela sobre a questão da alegada ilegitimidade activa (que é, aliás, de conhecimento oficioso – cfr. arts. 577º, al. e)- e 578º do NCPC), sendo certo que, como se colhe da lição acima exposta, nenhuma nulidade foi cometida pelo facto de não ter o Sr. Juiz a quo conhecido ou dirimido todos e cada um dos argumentos jurídico-factuais invocados pelo recorrente.
A não apreciação de todos os argumentos ou razões invocadas pela parte pode, até, admite-se, em termos de raciocínio, vir a prejudicar a boa decisão da causa, numa perspectiva de conhecimento de excepções (dilatórias ou peremptórias) ou até de conhecimento do próprio mérito da causa; Todavia, como exposto, daí não decorre a nulidade da decisão nos termos e para os fins a que alude o art. 615º, n.º 1 al. d)- do NCPC.
E, ainda, pelas mesmas razões também não incorreu o Sr. Juiz a quo em qualquer violação do princípio do contraditório ao analisar o argumento por si retirado do preceituado no art. 180º do Cód. Civil em sede de fundamentação jurídica da sua decisão, sendo certo que o princípio geral consignado no n.º 3 do art. 3º do NCPC se reporta a questões de direito ou de facto, mas já não a argumentos ou razões jurídicas invocadas em sede de fundamentação jurídica, sendo certo, aliás, que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito - art. 5º, n.º 3 do NCPC.
E, assim, à luz do exposto, improcede também esta outra nulidade invocada em sede de recurso.
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Dirimidas as nulidades antes expostas, cumpre conhecer do presente recurso.
Decidindo.
Como se vê do despacho em crise, sustentou ali o Sr. Juiz a quo que o Autor nos autos será AA, a título pessoal, visto ser ele quem figura nos autos como Autor, por usar a expressão Autor no masculino, por invocar que «o Autor é representante da firma BB, Lda.» e, ainda que «O Autor na eleição dos orgãos sociais, apresentou-se em representação da firma BB, Lda. como eleitor e candidato elegível pela lista B a Presidente da Direcção», assim clarificando a qualidade em que intervém, separando a sua qualidade de Autor relativamente à sociedade BB, Lda., de que é sócio-gerente.
Estamos, porém, em crer que a leitura e interpretação do articulado em apreço (petição inicial) não se nos afigura a mais consentânea com todos os elementos objectivos constantes dos autos (em particular a petição inicial e a procuração forense que a acompanha) e com as regras da interpretação aplicáveis ao caso.
Com efeito, se é certo que o Il. Mandatário que subescreve a petição inicial incorre num erro (pois que, em termos estritos, ali deveria ter identificado como Autora a sociedade “ BB, Lda. ”, representada por AA e não, como fez, referindo-se a AA, em representação da sociedade “ BB – gerando, assim, algum equívoco quanto à definição do Autor/a), cremos que, à luz do texto inserto no cabeçalho da petição inicial e da própria procuração forense a fls. 32 dos autos, é de concluir que AA não intervem nos autos em seu próprio nome, e a título individual, mas antes, como ali consta expressamente, «...em representação da Firma BB, Lda. Associado n.º 120 da Associação CC...» (vide procuração a fls. 32 dos autos e cabeçalho da petição inicial). – sublinhado nosso.
Aliás, a perfilhar-se o entendimento sustentado no despacho ora em crise, as aludidas referências à representação da sobredita sociedade, efectuadas, como se disse, na petição inicial e na procuração forense, seriam, de todo em todo, destituídas de qualquer sentido útil e totalmente dispiciendas.
Ao invés, com o devido respeito por opinião contrária, à luz dos aludidos elementos objectivos e da interpretação que deles faria um declaratário normal (cfr. art. 236º, n.º 1 do Código Civil), a conclusão que seria expectável extraír-se dos mesmos seria, ao contrário do sustentado no despacho em crise, a de que o Autor, «rectius», a Autora nos autos é a própria sociedade “ BB, Lda. ”, intervindo AA, atenta a sua qualidade de gerente, como seu representante ou «em (sua) representação».
Com efeito, como refere C. Mota Pinto, “ Teoria Geral do Direito Civil ” , Coimbra Editora, 4ª edição (por A. Pinto Monteiro e P. Mota Pinto), pág. 539, «a representação traduz-se na prática de um acto jurídico em nome de outrem, para na esfera desse outrem se produzirem os respectivos efeitos.» (sublinhado nosso)
O que vale por dizer que AA, ao actuar expressamente em representação da aludida “ BB, Lda. ” (vide cabeçalho da p.i. e procuração forense junta aos autos), pretendeu propor, em nome da sua representada e para na esfera jurídica desta última se produzirem os respectivos efeitos, a presente acção de contencioso eleitoral/impugnação de deliberações sociais.
É certo que na petição inicial se utiliza, repetidamente, a expressão «O Autor» - cfr. arts. 5º, 10º e 21º da dita peça; No entanto, para efeitos interpretativos da causa e das respectivas partes na mesma, não podia o tribunal deixar de ponderar e interpretar, nos termos acima expostos, todos os demais elementos constantes dos autos e, em particular, o aludido cabeçalho da petição inicial e a procuração forense (a fls. 32 dos autos), elementos estes que, como exposto, impõem a interpretação/conclusão de que a Autora nos presentes autos é, de facto, a sociedade “ BB, Lda. ”, agindo esta em juízo através (representada) do seu gerente, AA – cfr. art. 25º, n.º 1 do mesmo NCPC.
Aliás, se dúvidas existissem no espírito do Sr. Juiz sempre poderia ele optar por endereçar convite à Parte para esclarecer a sua dúvida, explicitando, exacta e cabalmente, qual a demandante, isto é, se a aludida sociedade, actuando AA como seu representante (como se deveria concluir), ou, ao invés, se AA, a título pessoal/individual – cfr. art. 590º, n.º 2 al. b)- do NCPC.
Acresce, ainda, que a esta representação da sociedade Autora por intermédio do seu gerente não obsta, como se sustenta no douto despacho em crise, o preceituado no art. 180º do Cód. Civil.
Com efeito, as sociedades comerciais, enquanto pessoas colectivas, constituem uma realidade ou ente jurídico, sem vontade física própria.
Para exercerem a sua actividade económica lucrativa e para, de uma forma geral, actuarem na prossecução dos seus interesses, precisam de ser servidas por uma vontade. É para exprimir esta sua vontade que a pessoa colectiva possui orgãos. Vide, neste sentido, por todos, Luis Brito Correia, “ Direito Comercial – Sociedades Comerciais ”, II volume, AAFDL, 2000, pág. 235 e A. Soveral Martins, “ Da Personalidade e Capacidade Jurídicas das Sociedades Comerciais ”, in Estudos de Direito das Sociedades, Almedina, 2013, 11ª edição, pág. 103.
Em suma, a pessoa colectiva, como é o caso da sociedade Autora (sociedade por quotas), enquanto ente jurídico distinto das pessoas que constituem os seus sócios ou gerentes, tem de se estruturar, organizar e manifestar através de corpos próprios (os orgãos), que viabilizem a sua intervenção no comércio jurídico. Vide, neste sentido, ainda, Paulo Olavo Cunha, “ Comentário ao Código Civil – Parte Geral ”, Universidade Católica, 2014, pág. 356-357.
Neste sentido preceitua o art. 163º do Cód. Civil que «a representação da pessoa colectiva, em juízo e fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por ela for designado». Vide, ainda, art. 25º do NCPC.
Por seu turno, no âmbito particular das sociedades comerciais por quotas, como é o caso da Autora, a sua representação em juízo e fora dele incumbe aos respectivos gerentes (ou gerência) – cfr. arts. 252º, 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais.
Desta forma, e para concluir, sendo Autora no presente litígio a própria sociedade “ BB, Lda. ”, embora actuando ela, como era suposto e exigido por lei (art. 25º, n.º 1 do NCPC, art. 163º do Cód. Civil e arts. 252º, 252º e 260º do Código das Sociedades Comerciais), por meio do orgão que legal e estatutariamente a representa, ou seja o seu gerente, AA (vide certidão do registo comercial a fls. 422-429), é patente que a presente acção não representa o exercício por este último de qualquer direito «pessoal» da aludida sociedade, mormente o direito à impugnação judicial de uma deliberação social adoptada em Assembleia Eleitoral da Associação Ré, de que aquela “ BB, Lda. ” é, confessadamente, associada, antes consubstancia o exercício do aludido direito de impugnação por parte da Autora (representada pelo seu gerente), enquanto associada da Ré.
Razão porque, salvo o devido respeito, não pode colher o argumento invocado pelo Sr. Juiz a quo e decorrente do preceituado no art. 180º do Cód. Civil, que não tem aplicação no caso dos autos.

Dirimida, assim, a primeira questão suscitada pelo recurso, importa conhecer da questão atinente à legitimidade processual da Autora “ BB, Lda. ” no âmbito do presente litígio.
Segundo o disposto no art. 30º/n.º 1 do NCPC, o autor será parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu, por seu turno, será parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.
Digamos, portanto, que a legitimidade processual do autor ou do réu se afere pelo seu interesse directo em demandar ou em contradizer, à luz da utilidade derivada da procedência da acção e do prejuízo decorrente dessa procedência.
É certo, porém, que estes conceitos de «interesse directo» ou «utilidade derivada da procedência/prejuízo decorrente dessa procedência», atenta a sua natureza de conceitos indeterminados, carecem de um critério que os torne, em termos prático-jurídicos, verdadeiramente operativos.
E o dito critério é hoje – após larga controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre a matéria – definido expressamente pela actual lei processual civil no art. 30º/n.º 3 (norma, aliás, exactamente igual ao art. 26º do anterior Código de Processo Civil).
Com efeito, ali se consigna expressamente que “…são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade, os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor ”. (sublinhado nosso)
Assim, aplicando o dito critério ter-se-á o seguinte princípio a aplicar em sede de apreciação da legitimidade processual: - tomando e aceitando como referência a relação material controvertida, tal como é ela desenhada pelo Autor, serão o Autor e o Réu partes legítimas se forem eles, respectivamente, os titulares activos ou passivos daquela aludida relação material controvertida e independentemente do mérito da causa.
Neste sentido, refere J. Lebre de Freitas, “ Código de Processo Civil Anotado ”, Coimbra Editora, 1999, I volume, pág. 50-51 que o pressuposto processual da legitimidade «exprime a relação entre a parte no processo e o objecto deste (pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.» (sublinhado nosso)
Ora, em consonância com o exposto, dir-se-á que a parte só estará em posição (relativamente ao objecto do processo) de deduzir a respectiva pretensão formulada em juízo se for, na sua própria configuração, a titular activa da relação jurídica substantiva (admitindo que ela exista e, portanto, sem indagar do seu mérito) que suporta aquela sua pretensão.
De outro modo, i.é, não sendo ela a titular activa da relação jurídica invocada em juízo, não tem ela um interesse directo (directo e não meramente indirecto ou reflexo) nessa pretensão, por falecer a conexão legalmente configurada e exigida entre o Autor e o objecto do processo.
Perante os ensinamentos expostos, importa, portanto, definir a pretensão deduzida em juízo, à luz da respectiva causa de pedir e do pedido, por forma a determinar se existe entre a Autora e o objecto do processo a conexão exigida por lei, ou, dito de outra forma, se é a Autora parte legítima.
Como se evidencia dos autos reportam-se eles à alegada invalidade das deliberações sociais adoptadas pela Associação Ré na sua Assembleia Geral de 11.07.2014, em particular a eleição dos seus respectivos orgãos sociais, que veio a culminar com a eleição da lista designada pela letra A, sendo certo que AA se candidatou já na lista B, como canditado elegível a Presidente da Direcção.
A aludida invalidade decorreria de vários vícios, como seja inexistência de comissão administrativa para gerir a associação até à realização de novas eleições (arts. 21º, n.º 2 e 12º, n.º 4 dos Estatutos), falta de regulamento eleitoral, desactualização dos cadernos eleitorais, falta de constituição da mesa da Assembleia Eleitoral, associados munidos de procurações em representação de mais de três associados (art. 19º, n.º 4 dos Estatutos) e exercício de voto e emissão de procurações por parte de associados com quotas em atraso (arts. 10º, al. c)- e 11º dos Estatutos).
Decidindo.
As deliberações sociais nem sempre são válidas e eficazes, podendo enfermar de vícios que resultem da preterição de formalidades essenciais no respectivo processo de formação ou de uma deficiência substancial ao nível do próprio conteúdo da deliberação.
Quando ocorre esse vício da deliberação – porque a mesma é contrária à lei ou aos estatutos, em razão do seu objecto, isto é, da matéria sobre a qual recai, ou devido a irregularidades verificadas na convocação ou no funcionamento da assembleia geral –, a aludida deliberação será, por princípio, anulável.
Com efeito, como decorre do preceituado no art. 177º do Cód. Civil «as deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objecto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis.»
A lei optou por esta solução – (análoga à consagrada para as sociedades comerciais – cfr. art. 58º, n.º 1 do Cód. das Sociedades Comerciais) - diferente do regime da invalidade dos negócios jurídicos praticados contra norma imperativa (nulidade – cfr. art. 294º do Cód. Civil) -, consagrando expressamente a anulabilidade das deliberações sociais viciadas. «O fundamento desta escolha, que não foi casual, refira-se, assenta na teoria das deliberações sociais em cadeia, segundo a qual as deliberações não podem, em princípio, estar sujeitas a uma invalidade radical, sob pena de declaradas nulas sem dependência de prazo, poderem comprometer a subsistência de todas as que nelas se alicerçarem.» - Vide Paulo Olavo da Cunha, op. cit., pág. 384-385; No mesmo sentido, ainda, A. Menezes Cordeiro, “ Tratado de Direito Civil Português ”– Parte Geral, Tomo III, Das pessoas, Almedina, 2ª edição, 2007, pág. 740-741.
Admite-se, no entanto, naturalmente, a nulidade das deliberações cujo vício seja tão grave que repugne aceitar a sua convalidação pelo decurso do prazo durante o qual poderiam ser impugnadas, o que sucederá com as deliberações cujo conteúdo se revele contrário a norma imperativa, contrário à ordem pública ou aos bons costumes ou de objecto impossível. – Vide, neste sentido, Paulo Olavo da Cunha, A. Menezes Cordeiro, op. e pág. 384-385, e, no âmbito societário, J. Pinto Furtado, “ Deliberações dos Sócios ”, Almedina,1993, pág. 289 e segs.... e Pedro Maia, “ Deliberações dos Sócios ”, in Estudos de Direito das Sociedades, cit., pág. 237 e segs...
No caso em apreço, e tendo presente as concretas irregularidades e vícios invocadas pela Autora, acima expostas, a invalidade que poderá afectar as deliberações em apreço apenas se pode confinar, como aliás se defende na decisão recorrida, à figura da anulabilidade.
De facto, as ditas irregularidades ou vícios apontam para irregularidades formais ao nível da convocação da Assembleia Geral, ao nível do seu funcionamento e do processo eleitoral no âmbito da dita Assembleia Geral realizada a 11/07/2014, em (eventual) violação de regras estatutárias ou legais aplicáveis ao caso, longe, portanto, de uma qualquer violação de norma imperativa, dos bons costumes, da ordem pública ou até de quaisquer interesses públicos que cumpra acautelar.
Com efeito, o procedimento deliberativo reconduz-se ao modo ou processo de formação da deliberação, sendo constituído por uma sucesssão de actos ordenados de certo modo em vista da produção de determinado efeito final, como sejam a convocação, a reunião, a discussão e apresentação de propostas, a votação, a contagem dos votos, o apuramento dos votos e apuramento/determinação do resultado final da votação.
Ora, tendo-se presente a matéria alegada nos autos – acima referida – e que constitui a causa de pedir, os vícios em causa reconduzem-se, precisamente, ao aludido procedimento deliberativo, alegadamente viciado, em nada contendendo, com o devido respeito, com quaisquer interesses públicos, com a ordem pública ou os bons costumes.
Ao invés, os interesses em disputa nos autos situam-se no estrito âmbito privado, entre a sociedade comercial Autora, enquanto associada da Ré, e esta última, no âmbito do processo eleitoral que conduziu à eleição dos respectivos orgãos sociais, eleição que, por vícios procedimentais, aqui se pretende ver impugnada.
Desta forma, concluindo, e como já exposto, os vícios em causa nos autos apenas poderão conduzir à eventual anulabilidade das deliberações impugnadas, mas já não à sua nulidade.
Neste contexto e pressuposto, importa então enfrentar a questão da legitimidade processual, que constitui o cerne do presente recurso.
Quanto à legitimidade para a arguição da apontada anulabilidade, dispõe o art. 178º, n.º 1 do Cód. Civil que «a anulabilidade (...) pode ser arguida, dentro do prazo de seis meses, pelo orgão da administração ou por qualquer associado que não tenha votado a deliberação.» (sublinhado nosso)
Têm, assim, legitimidade para o efeito o orgão de administração e qualquer associado que não tenha votado favoravelmente a deliberação, na linha do previsto para a anulabilidade das deliberações dos sócios das sociedades comerciais, que reconhece ao orgão de fiscalização e ao sócio que não tenha votado favoravelmente a deliberação a indispensável legitimidade para a impugnar – cfr. art. 59º, n.º 1, in fine, do Cód. das Sociedades Comerciais.
Como salienta Paulo Olavo da Cunha, op. cit., pág. 387, cuja lição aqui se segue de perto, a lei refere-se a «qualquer associado que não tenha votado a deliberação», pretendendo abranger todos aqueles que não votaram favoravelmente a deliberação e não apenas os que participaram na mesma, ainda que rejeitando-a.» (sublinhado nosso)
Nestes termos, só os associados que, tendo participado no processo deliberativo, e tenham aprovado a deliberação em apreço, votando-a favoravelmente, não dispõem de legitimidade para posteriormente a impugnar em juízo; Todos os demais, sejam os que não votaram a deliberação (por abstenção ou ausência), sejam os que, tendo participado na votação, votaram em sentido diverso do que prevaleceu, dispõem de legitimidade activa para efeitos de impugnação da deliberação – vide, neste sentido, além de Paulo Olavo da Cunha, cit., ainda, Pedro Maia, op. cit., pág. 253-254, e a nível jurisprudencial, por todos, AC STJ de 6.10.2005, processo n.º 05B183, relator Pereira da Silva e AC RL de 11.10.2012, processo n.º 255/12.8TVLSB-A.L1-6, relator Tomés Ramião, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
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Assim, concluindo, em consequência de todo o antes exposto, sendo Autora nos autos a sociedade “ BB, Lda. ”, não estando posto em crise que a mesma sociedade é associada da Ré, não estando sequer alegado pela Ré que as deliberações sociais aprovadas na Assembleia Geral realizada a 11.07.2014 tenham merecido o voto favorável daquela sua associada (ónus de alegação e de prova que incumbia à Ré – vide, neste sentido, o citado AC STJ de 6.10.2005), à luz do preceituado nos arts. 177º e 178º do Cód. Civil, a aludida sociedade Autora é parte legítima nos presentes autos de anulação das citadas deliberações sociais.
O que importa a consequente procedência da apelação.


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IV. Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto, revogando o despacho recorrido e declarando a Autora “ BB, Lda. ” parte legítima nos presentes autos, com o consequente prosseguimento dos autos.
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Custas pela Recorrida, que ficou vencida.
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Guimarães, 8.10.2015
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PROCESSO N.º 319/14.3BEMDL.G1

Sumário:
1. As deliberações sociais que padeçam de vícios ou irregularidades no respectivo processo formativo (vício de procedimento) são, regra geral, anuláveis e não nulas.
2. Apenas não dispõe de legitimidade activa para a respectiva acção de anulação o orgão de administração ou o associado que, tendo participado no processo deliberativo, tenha contibuído para a aprovação da deliberação impugnada através de voto favorável à mesma.
3. Incumbe à parte interessada na validade e eficácia da deliberação o ónus de prova de que o impugnante votou favoravelmente a deliberação em crise.
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Dr. Jorge Seabra
Dr. José Amaral
Drª Maria Dolores Silva