Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4/14.6GAPRG-B.G1
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: HONORÁRIOS A DEFENSOR OFICIOSO
COMPETÊNCIA MATERIAL
SESSÕES DE JULGAMENTO
CONTABILIZAÇÃO
PORTARIA 210/08
DE 29.02
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1 - A competência para fixação de honorários aos Defensores Oficiosos é dos Tribunais Comuns e não dos Tribunais Administrativos.

2 - Devem fixar-se duas sessões para efeitos de honorários aos Defensores Oficiosos e não apenas uma, sempre que no mesmo dia, o julgamento se prolongue pelas partes da manhã e da tarde".
Decisão Texto Integral:
1 – Relatório

Por decisão de 19 de Junho de 2 017 foi proferida decisão por despacho, indeferindo reclamação da Il. Defensora Oficiosa nos autos, que pretendia que duas sessões que decorreram durante o dia inteiro fossem contabilizada para efeitos de honorários como quatro. Entendeu-se com efeito, manter o ato do Senhor Secretário do Tribunal que contabilizou cada uma dessas sessões, como sessão única, desatendendo-se a pretensão da recorrente que pretendia ver reconhecidas duas sessões por cada um desses dias – uma da parte da manhã e outra, da parte da tarde.

Desta decisão recorreu a requerente, Sr.ª Dr.ª L. P., com o patrocínio da Ordem dos Advogados. Termina o recurso apresentado, com as seguintes conclusões:

“1. O presente recurso vem interposto do douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, datado de 19.06.2017, com a referência 31196310, que julgou correcta a contagem do número de dez sessões de julgamento efectuada pelo Sr. Secretário de Justiça para efeitos de pagamento de honorários à recorrente pela sua intervenção processual em representação do arguido Fernando nos presentes autos, indeferindo a sua reclamação.
2. No seu pedido, a Ilustre Defensora contabilizou duas sessões de julgamento no dia 16.02.2016, uma sessão no período da manhã e outra sessão no período da tarde, uma sessão de julgamento no dia 23.02.2016 no período da manhã, uma sessão de julgamento no dia 08.03.2016 no período da manhã, uma sessão de julgamento no dia 05.04.2016 no período da tarde, uma sessão de julgamento no dia 03.05.2016 no período da manhã, uma sessão de julgamento no dia 10.05.2016 no período da manhã, uma sessão de julgamento no dia 17.05.2016 no período da manhã, uma sessão de julgamento no dia 24.05.2016 no período da manhã, duas sessões de julgamento no dia 14.06.2016, uma sessão no período da manhã e outra sessão no período da tarde, e uma sessão de julgamento no dia 24.06.2016 no período da manhã, num total de doze sessões, tendo como critério aferidor o da interrupção da audiência - cf. Detalhe do Pedido de Pagamento AJ na Certidão junta.
3. Na decisão em crise, o tribunal a quo aderiu expressa e integralmente à Cota/Informação do Sr. Secretário de Justiça de fls. 3617 e verso dos autos, dando por reproduzidos os "fundamentos" aduzidos naquela, sem qualquer outra fundamentação.
4. Em tal cota/informação, surge absolutamente explícito que o "pedido foi rejeitado em virtude da Ilustre Mandatária ter requerido o pagamento de 12 sessões de julgamento e o signatário considerar que só poderiam ser requeridas 10 sessões ", rejeição que "deriva da posição defendida pelos organismos do Ministério da Justiça segundo o qual, num julgamento que se prolongue por todo o dia e que tenha sido interrompido para almoço, devera ser contabilizada apenas uma só sessão, conforme decorre do constante do ponto 5.6, página 13 do Elucidário do IAD que podera ser consultado no endereço electrónico https://www.oa.pt/up1/%7B2a7346f5-1266-4332- -9 a9 4-c6670afc0cba%7D.pdf ou do manual de perguntas e respostas sobre apoio judiciário emanado da DGAJ em 2016, ponto 1.3, páginas 5 e 6, que anexo à presente cota/informação".
5. Como consta do referido manual junto a fls. 3618 e verso dos autos como anexo a tal Cota/lnformação, a Ordem dos Advogados não acompanha a interpretação feita pelos organismos do Ministério da Justiça de que "nas situações em que a sessão seja iniciada no período da manhã, tenha sido interrompida, por exemplo, para almoço, e se prolongue pelo período da tarde, deverá ser contabilizada uma só sessão".
6. Tal entendimento, que o despacho em crise acompanha integrahnente, baseia-se, segundo a DGAJ, na alínea a) do artigo 2" da Portaria n'210/2008, de 29 de Fevereiro que revoga as notas 1 e 3 da tabela anexa da Portaria n' 1386/2004, de 10 de Novembro.
7 . Foi esta contagem de dez sessões e fundamentação que foi julgada correcta pelo Meritíssimo Juiz a quo no despacho de que se recorre, e é esta decisão que não pode aceitar-se.
8. Com todo o respeito, quanto ao dia 16.02.2016 deviam e devem ser contabilizadas duas sessões, como pediu e pede o recorrente, o mesmo acontecendo quanto ao dia 14.06.2016.
9. Com efeito, a sessão de julgamento da manhã do dia 16.02.2016 foi interrompida para almoço pelo Meritíssimo Juiz, tendo sido designada e consignada na Acta para sua continuação o mesmo dia pelas 14h15m, altura em que foi reaberta a audiência e realizada a sessão da tarde - cf. Acta da audiência de julgamento do dia 16.02.2016, que se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais.
10. Também a sessão de julgamento da manhã do dia 14.06.2016 foi interrompida para almoço pelo Meritíssimo Juiz, tendo sido designada e consignada na Acta para sua continuação o mesmo dia pelas 13h45m, altura em que foi reaberta a audiência e realizada a sessão da tarde - cf. Acta da audiência de julgamento do dia 14.06.2016, que se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais na Certidão junta.
11. Estamos, claramente, perante duas sessões autónomas entre si em cada um dos dias referidos dada a interrupção verificada e permitida pelo art. 328º, n.º 2 do CPP.
12. O facto de uma sessão ter sido realizada no período da manhã e a outra no período da tarde do mesmo dia não lhes retira autonomia para efeito de contagem do número de sessões.
13. Nos termos do art.º 328º, n.º 1 do CPP, a regra é a da continuidade da audiência, que deverá decorrer sem qualquer interrupção ou adiamento até ao encerramento, sem prejuízo do n.º 2 do mesmo normativo que admite excepcionalmente as interrupções estritamente necessárias, em especial para alimentação e repouso dos participantes e, se a audiência não puder ser concluída no dia que foi iniciada, deve ser interrompida para continuar no dia útil imediatamente posterior.
14. Foi a primeira das três causas de interrupção da audiência tipificadas na lei a ocorrida no final da manhã desses dias 16.02.2016 e 14.06.2016, ou seja, a audiência foi interrompida para almoço dos participantes.
15. É, ainda hoje, a Portaria n" 1386/2004, de l0 de Novembro, que rege e estabelece a Tabela de honorários dos Advogados, Advogados estagiários e Solicitadores pelos serviços que prestem no âmbito da protecção jurídica, como é aqui o caso.
16. Mas a Nota 1 da Tabela de honorários para a protecção jurídica anexa à Portaria n" 138612004, de 10 de Novembro - Considera-se haver lugar a nova sessão sempre que o acto ou diligência sejam interrompidos, excepto se tal interrupção ocorrer no mesmo período da manhã ou da tarde -, foj revogada nos termos do art. 2º, al. a), da Portaria n" 21012008, de 29 de Fevereiro.
17. O n.º 9 da Tabela de honorários para a protecção jurídica anexa à Portaria n" 1386/2004, de l0 de Novembro, mantém-se em vigor e estatui que quando a diligência comporte mais de duas sessões, por cada sessão a mais, 3,00 (UR).
18. Este o motivo pelo qual é tão importante saber como se conta o número de sessões que teve urna determinada diligência, qual o critério por que nos devemos reger nessa contagem, importando saber no caso concreto se foram dez ou doze as sessões de julgamento em que a Ilustre Defensora participou e pelas quais deve ser paga.
19. Na versão original de tal Portaria, o critério estabelecido para a determinação do número de sessões de uma diligência era o da interrupção do acto ou diligência, esclarecendo-se ainda que como tal não se consideravam as interrupções ocorridas no mesmo período da manhã ou da tarde, o que bem se compreende pois aí estamos perante meros intervalos.
20. Com a revogação da Nota 1 da Tabela de honorários para a protecção jurídica anexa à Portaria no 1386/2004, de 10 de Novembro, nos termos do art.º 2º, al. a) da Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro, a lei deixou de prever expressamente o critério para a contagem do número de sessões de cada diligência processual.
21. No entanto, ao manter em vigor o n.º 9 da mesma Tabela, tal significa que permanece relevante o facto de um acto ou diligência ter mais do que uma sessão e que, quando o acto ou diligência tenha mais do que duas sessões, por cada sessão a mais a/o Advogada/o tem direito a um adicional remuneratório.
22. Não é de aceitar a decisão do tribunal a quo de contabilizar o número de sessões de julgamento de acordo com o núrnero de dias em que o mesmo se realizou - dez dias, dez sessões - pois nada na lei permite tal interpretação.
23. A revogação daquela Nota 1 da versão original da Portaria n" 1386/2004, de 10 de Novembro, não pode ter o sentido de fazer contabilizar uma única sessão de julgamento por cada dia em que o mesmo se tenha realizado, indiferentemente de num determinado dia ter havido audiência no período da manhã e no período da tarde, tal como não pode significar, in extremis, que a diligência nunca teria mais do que uma sessão, o que não é razoável, sendo mesmo inaceitável.
24. Por outro lado, cremos, a revogação da supra mencionada Nota 1 não significa o afastamento por parte do legislador da interpretação que reputamos certa, de que, decorrendo a audiência durante todo o dia, com interrupção para almoço, deverão ser contabilizadas duas sessões, uma no período da manhã, outra no período da tarde - o critério aferidor de uma nova sessão só pode continuar a ser o da interrupção do acto ou diligência.
25. A lei, no art.328º, n.º 2 do CPP, prevê três causas de interrupção da audiência e não apenas a determinada pela impossibilidade de conclusão da audiência no dia em que se tiver iniciado, sendo que todas têm o mesmo valor, não distinguindo a lei entre elas - pelo que, não pode o intérprete distinguir.
26. Seguindo o notável Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, de 12 de Outubro de 2016, no processo n" I07/I3.4GATND-B.CI, disponível em www.dgsi.pt, "não descortinamos qualquer razão atendível para que uma audiência que tenha decorrido da parte da manhã e da parte da tarde de um mesmo dia equivalha, para este efeito, a uma sessão, e que uma audiência que tenha decorrido na manhã de um dia e na manhã ou na tarde de outro equivalha, para o mesmo efeito, a duas sessões, originando retribuições diversas para o mesmo tempo de serviço prestado, sem um mínimo de razoabilidade".
27. Mais dizendo, acertadamente, que "perante o vazìo legal criado (com a revogação da Nota 1 referida) e uma vez que não foi revogado o n" 9 da referida Tabela anexa, a manutenção do critério da interrupção da audiência, nos termos em que o at.º 328º, n.º 2 do CPP a admíte, é a solução que se nos afigura mais razoável e capaz de obstar aos inconvenientes decorrentes das desigualdades apontadas, tanto mais que a Constituição da República Portuguesa qualifica o patrocínio forense - onde se inclui o acesso ao direito e aos tribunais por via, além do mais, da protecção jurídica, de que o apoio judiciário é modalidade - de elemento essencial à administração da iustiça, o que só será alcançável com a prestação de serviços de qualidade que, naturalmente, pressupõem ajusta e adequada remuneração " (negrito nosso).
28. Forçoso é concluir que, para os efeitos previstos no n.º 9 da Tabela de honorários para a protecção jurídica, anexa à Portaria n" 1386/2004, de 10 de Novembro, atento o princípio que se extrai do disposto no art.º 328º, n.º 2 do CPP, há lugar a nova sessão sempre que a diligência, iniciada no período da manhã, seja interrompida para almoço.
29. Também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10.05.2017, no processo n.º 1074/15.5PJPRT-B.P1, disponível em “www.dgsi.pt”, decidiu que "de acordo com as regras de integração de lacunas (artigo 10º, n.º 3, do Código Civil), na fixação dos honorários devidos a defensor oficioso, deverá ser considerada intervenção em duas sessões a intervenção desse defensor num julgamento que decorre na manhã e tarde do mesmo dia, com interrupção para almoço".
30. A interpretação plasmada no despacho recorrido de considerar como uma única sessão a audiência realizada no período da manhã e a realizada no período da tarde do dia 16.02.2016, o mesmo acontecendo no dia 14-06-2016, leva a que se retribua de forma diferente o trabalho assim realizado e o mesmo trabalho que seja realizado em iguais períodos mas em dias diferentes, com claro prejuízo e discriminação do trabalho do recorrente.
31. Retribuir de forma absolutamente diferente o mesmo período de trabalho não é aceitável e afronta notoriamente o princípio ínsito no art. 59º, n.º 1, al. al) da Constituição da República Portuguesa, também colocando em causa a essencialidade do patrocínio forense - onde se inclui o acesso ao direito e aos tribunais através da protecção jurídica, de que o apoio judiciário é modalidade - que a CRP, no seu art. 208º, considera como elemento essencial à administração da justiça.
32. Assim, o despacho recorrido violou o art.25º, n.º 1 da Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro, com a redacção da Portaria n.º 210/2008, de29 de Fevereiro, o art.º 328º, n.º 1 do CPP e o disposto no n.º 9 da Tabela de honorários para a protecção jurídica anexa à Portaria n" 1386/2004, de 10 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo art.º 2º, al. a) da Portaria n" 210/2008, de 29 de Fevereiro, e ainda o art. º 59º, n.º 1, al. a) da CRP.
33. Deverá, pois, ser revogado e substituído por outro que ordene a contabllização de doze sessões para efeitos de pagamento de honorários devidos à Ilustre Defensora.
34. Assim não se entendendo, então a interpretação conjugada do art.º 25º, n.º 1 da Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro, e do disposto no n.º 9 da Tabela de honorários para a protecção jurídica anexa à Portaria n" 1386/2004, de 10 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo art.º 2º, aI. a) da portaria n" 210/2008, de 29 de Fevereiro, no sentido de que, para efeitos de pagamento de honorários aos Advogados no âmbito do acesso ao direito e aos tribunais, se deve contabilizar como uma única sessão o acto ou diligência que decorra no período da manhã e, após interrupção, no período da tarde do mesmo dia, e como duas sessões o acto ou diligência que decorra nos mesmos períodos mas de dias diferentes, está ferida de INCONSTITUCIONALIDADE por violação do estatuído nos arts. 59º, n.º1, al. a) e 208ºda Constituição da República Portuguesa, bem corno do disposto no art.º 2º da Constituição, que estabelece o princípio fundamental do Estado de Direito, do qual são dimensões essenciais a racionalidade, juridicidade, previsibilidade e segurança jurídica, a legalidade, a constitucionalidade e os direitos fundamentais, concretizando-se no princípio da constitucionalidade, no princípio da legalidade da Administração, no princípio da independência dos Tribunais e do acesso à justiça, no princípio das garantias processuais e procedimentais ou do justo procedimento (due process), no
princípio da proporcionalidade e no princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica.
35. INCONSTiTUCiONALIDADE que vai arguida para todos os efeitos legais.”

Rebateu o recurso interposto, o M.P. No seu entender, a revogação da nota 1, anexa à Port. 1 386/04, 10/11 só pode levar ao entendimento de que quando ocorrem duas sessões no mesmo dia, uma de manhã e outra de tarde, para efeitos de honorários tais períodos devem ser contabilizados como um só. Defende pois, a improcedência do recurso.

Já neste Tribunal da Relação, a Dignm.ª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a atividade do Secretário do Tribunal na fixação de honorários é um ato extraprocessual e administrativo e que assim, este Tribunal é materialmente incompetente para conhecer da questão. Sustentou pois, a rejeição do recurso interposto.

Notificada nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., respondeu a recorrente referindo, em súmula, que o que está em causa nos autos é saber como se contabilizam os atos judiciais praticados no processo e que assim, tal questão deveria ser determinada nestes autos, como dispõem os ns.º 2) e 5), do art.º 152º C.P.C. Entende pois, que esta questão deve ser dirimida neste processo.
O recurso vai ser julgado em conferência, como dispõe o art.º 419º/3, b), C.P.P.

2 – Fundamentos

A decisão recorrida é do seguinte teor:

“Veio a ilustre Defensora Oficiosa do arguido Fernando reclamar da decisão do Sr. Secretário Judicial de rejeição do pedido judiciário nos tennos e com os fundamentos exposto no seu requerimento de fls. 3608 e ss. Ouvido o Sr. Secretário, este lavrou a cota/informação que se mostra a fls. 3617, tendo o M.P. com vista subscrito tal parecer. Apreciando e decidindo. A reclamação deveria ter sido feita para o Sr. Secretário e não para o Tribunal, tal como se menciona no Parecer; apesar disso, decide-se de imediato para evitar mais actos burocráticos, aderindo-se integralmente ao parecer do Sr Secretário por ser o rnesmo fundamentado na lei e portarias em vigor que regulam os pedidos de pagamento de honorários e forma de pagamento das sessões / fls.3618 e verso. Assim sendo, com tais fundamentos que aqui se dão por reproduzidos, indefere-se à reclamação, mantendo-se o decidido pelo Sr. Secretário Judicial.”

2.1. – Questões a Resolver

2.1.1. – Da Competência Material deste Tribunal;
2.1.2. – Da Contabilização de Sessões de Audiência de Julgamento para Efeitos de Honorários a Advogados Oficiosos

2.2. – Da Competência Material deste Tribunal

A tabela de pagamento a Defensores Oficiosos consta da Port. 1 386/04, 10/11 – esta fora revogada pela Port. 10/08, 3/1, no seu art.º 36º, mas tal norma revogatória foi também revogada, antes de produzir efeitos, pelo art.º 2º Port. 210/08, 29/2. Aquela primeira Portaria mantém-se pois, em vigor.

Contrariamente ao que já aconteceu e talvez no sentido de não serem as Magistraturas a fixar os honorários aos Advogados, o sistema de pagamento ocorre hoje, em princípio, sem intervenção do Juíz e com a previsão dos pagamentos em montantes fixos. Foi este o caminho trilhado, no sentido de não serem as Magistraturas a, de alguma forma, definir os pagamentos aos Advogados Oficiosos – lembre-se que anteriormente, tais honorários eram fixados pelo Juiz tendo em conta determinados limites mínimos e máximos.

Não é o que sucede hoje, dado que os montantes são fixos e o sistema funciona extraprocessualmente.

Entende a Dignm.ª Procuradora Geral Adjunta que está assim em causa atividade administrativa do Estado, sendo este Tribunal incompetente em termos materiais, para definir questões relativas a honorários.

E, com efeito, nos termos do art.º 28º Port. 10/08, 29/2, o pagamento dos honorários a Advogados Oficiosos (no âmbito do apoio judiciário ou da nomeação de patrono em processo Penal) é processado pelo “I.G.F.I.J.”, tendo em conta a informação remetida pela Ordem dos Advogados e confirmada pela Secretaria dos Tribunais. Tudo é feito em plataforma informática, criada para o efeito pelo “I.G.F.I.J.”.

O que está em causa nestes autos é esta confirmação. Com efeito, a senhora Advogada ora recorrente considera ter estado presente em 12 (doze) sessões de julgamento, mas o senhor Secretário do Tribunal Judicial de Vila Real apenas confirmou a presença em 10 (dez) sessões.

Foi deste ato que a recorrente reclamou no processo e, tendo sido indeferida a reclamação, interpôs o presente recurso.

E, com efeito, estabelece o art.º 152º/2 C.P.C. – aplicável ao Processo Penal via art.º 4º C.P.P. – que as Secretarias Judiciais executam despachos, cumprem orientações de serviço emitidas pelo Juiz e praticam atos que por este lhes sejam delegados, no âmbito dos processos de que é titular e nos termos da lei.

Prevê ainda o C.P.C. que, dos atos dos funcionários da Secretaria é sempre possível recurso para o Juiz, de que aquela dependa funcionalmente – art.º 152º/7 C.P.C. Isto naturalmente, se estiver em causa matéria processual.

A questão está pois em saber se o que está em causa é um ato administrativo praticado pelas Secretarias ou um ato processual.

Ora e como bem diz a recorrente, o que está em causa nos autos não é propriamente o pagamento dos honorários devidos à recorrente, mas a forma como se contabilizam atos processuais praticados no próprio processo.

Está em causa pois, atividade processual e não propriamente um qualquer poder das Secretarias, munidas de “jus imperii”. E, estando em causa atividade processual, ainda que indiretamente, faz todo o sentido que tal questão seja dirimida no próprio processo.

É que, não está em análise a atividade do Tribunal, em termos de responsabilidade civil extracontratual por atos praticados no processo, caso em que aí sim, a competência seria dos Tribunais Administrativos.

Está em causa a própria atividade processual do Advogado no processo e a forma como deve ser contabilizada. E, o facto de a resposta do Senhor Secretário ser dada no próprio processo ou em plataforma informática individualizada traduz-se num argumento meramente formal, já que a substância dessa atividade continua a ser processual.

Nem se vê em que alguma das quinze als. do art.º 4º/1 E.T.A.F. – que define a competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais – se possa tal questão inserir, no sentido de que esta competência é desta jurisdição.

Neste termos, entende-se que do seu ato pode reclamar-se, nos termos do disposto no art.º 152º/2 e 152º/7 C.P.C., aplicável via art.º 4º C.P.P.

Aliás e segundo a “natureza das coisas” faz muito mais sentido que tal discussão ocorra em incidente no próprio processo em que o Advogado foi nomeado, do que em processo administrativo autónomo. E, a celeridade será também naturalmente, outra.

Conclui-se pois, pela competência material deste Tribunal e pela não rejeição do recurso da recorrente, como defendido pelo M.P.

2.3. - Da Contabilização de Sessões de Audiência de Julgamento para Efeitos de Honorários a Advogados Oficiosos

A questão em causa neste recurso é de simples enunciação: qual o número de sessões a considerar para pagamento ao Defensor Oficioso, quando um julgamento decorre no mesmo dia de manhã e de tarde, com interrupção para almoço?

A questão tinha resposta clara na redação inicial da Port. 1 386/04, 10/11. Com efeito e nos termos da nota 1 da respetiva tabela anexa de honorários, considerava-se haver lugar a nova sessão para efeito de pagamento de honorários ao Advogado sempre que o ato ou diligência fossem interrompidos, exceto se tal interrupção ocorresse no mesmo período da manhã ou da tarde. Ou seja: era claro que em tais casos, como no dos autos em 16/2/2 016 e em 14/6/2 016, deveriam contabilizar-se duas sessões.

Sucede que, nos termos do disposto no art.º 2º/a, Port. 210/08, 29/2, tal dispositivo foi revogado, não havendo agora qualquer normativo que trate da questão diretamente. Este diploma legislativo não tem Preâmbulo, pelo que se desconhece com exatidão, a razão da revogação.

Em casos como este podem ocorrer sempre pelo menos duas leituras:

- a de que se quis pôr fim ao normativo constante do diploma, para contrariar daí para a frente o que nele se previa;
- a de que o normativo continha matéria que já decorria dos princípios, sendo pois desnecessário por redundante.

No contexto de contenção de custos que se vive pode pensar-se ter sido a primeira a intenção, mas mesmo aí deve ter-se em conta que, em termos interpretativos, o legislador não prefere a “mens legislatoris”, à “mens legis” – art.º 9º C.C.

De todo o modo, entendeu-se já que, com aquela revogação se pretendeu pôr fim ao que decorria da citada nota 1) e que assim, um julgamento cuja audiência decorreu na manhã e tarde do mesmo dia com interrupção para almoço, devia ser contabilizado para efeitos de honorários, como uma sessão – Acórdão da Relação do Porto de 2/7/2 014, José Piedade, em www.dgsi.pt.

Mas, a verdade é que inexiste hoje norma expressa sobre a questão. Pode pois dizer-se que existe lacuna a ser colmatada pela criação de norma pelo intérprete, dentro do espírito do sistema – art.º 10º C.C.

Deve, em primeiro lugar, referir-se que a lei permite tal tipo de interrupções, como dispõe o art.º 328º/2 C.P.P. – “em especial, para alimentação e repouso dos participantes na audiência”. Repare-se porém, que a lei processual penal não fala em sessões, mas na audiência. Como se disse, não estabelece pois qualquer critério para a resolução do problema.

Já houve quem defendesse que o número de sessões seria definido pelo número de atas. Se fosse uma haveria uma sessão e se fossem duas, teriam ocorrido duas sessões – no caso, havia apenas uma ata com interrupção em cada um dos dias.

Parece-nos porém que este argumento é puramente formal e aleatório, além do que o número de atas se deve referir ao número de audiências e não ao número de sessões.

Mantemo-nos assim, no critério de integração de lacunas previsto no art.º 10º C.C.

E aqui, há que criar a tal norma dentro do espírito do sistema.

Ora, a verdade é que a dita Port. 1 386/04, de 10/11, prevê que um Advogado Oficioso seja pago, quando está de escala e não tenha feito qualquer diligência, em 3 (três) U.R.`s pelo período da manhã e noutras 3 (três), pelo período da tarde – n.º 10, da tabela anexa. Isto é, entendeu-se que o período da manhã e o período da tarde deveriam ser pagos autonomamente,

Demais, não deve esquecer-se que a própria C.R.P. impõe, no seu art.º 59º/1, a), C.R.P., a regra “a trabalho igual, salário igual”. Ora, não faria de facto sentido que que um Advogado que trabalhasse em audiência um dia inteiro recebesse metade daquele que o fizesse na manhã de um dia e na tarde do dia seguinte.

Nem se argumente com as despesas decorrentes de duas deslocações, pois que estas são sempre pagas à parte.

Acresce que naturalmente que o acesso ao direito (art.º 20º C.R.P.) está claramente relacionado com a disponibilidade de Defensor, reconhecendo a Constituição o “patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça” – art.º 208º C.R.P. Compete pois ao Estado assegurar que a representação dos mais pobres é feita em condições de dignidade para o próprio Advogado. E isso não sucede, quando trabalhar de manhã ou um dia inteiro é pago da mesma maneira.

Assim e não obstante a revogação da referida nota 1, considera-se que nos casos em que a audiência se prolonga por um dia inteiro, o Advogado Oficioso deve ser pago como se tivessem ocorrido duas sessões – no mesmo sentido, os Acórdãos da Relação de Coimbra de 12/10/2 016, Proc.º 107/13.4, Vasques Osório, do Porto de 10/5/2 017, Proc.º 1 074/15, Pedro Vaz Pato e ainda do Porto, de 21/3/2 018, Jorge Langweg.

Decide-se pois, que quanto às audiências ocorridas em 16/2/2 016 e 14/6/2 016 deve contar-se, quanto a cada uma e para efeitos de honorários, uma sessão pela parte da manhã e outra, pela parte da tarde.

Merece pois provimento, o recurso interposto.
**
Termos em que, se decide

3 – Decisão

a) julgar totalmente procedente o recurso interposto por L. P., assim se alterando a decisão recorrida, no sentido de que nas audiências de 16/2/2 016 e 14/6/2 016 e para efeitos de honorários, devem em cada uma ser contabilizadas duas sessões, uma pela parte da manhã e outra pela parte da tarde.
b) Sem custas, dada a não sucumbência.
c) Notifique.

(Pedro Cunha Lopes)
(Ausenda Gonçalves)