Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1393/13.5TAVNF. G1
Relator: FÁTIMA FURTADO
Descritores: BURLA
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
ELEMENTOS DO CRIME
ABSOLVIÇÃO
CONDENAÇÃO NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/03/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I. Para o preenchimento do tipo objetivo do crime de burla é necessária «a prática de atos» pela vítima em consequência do erro ou engano em que foi induzida, «que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial».
II. O crime de falsificação ou contrafação de documento comporta diversas modalidades de conduta, no plano objetivo, contempladas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 256.º do Código Penal.
No plano subjetivo exige o dolo genérico, consubstanciado no conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade; bem como, ainda, o dolo específico, plasmado na intenção de causar prejuízo a terceiro, de obter para si ou outra para pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.
III. Tendo o arguido sido absolvido em 1ª instância e condenado no julgamento do recurso interposto para a Relação, a determinação da respetiva espécie e medida da pena é feita nesta última instância, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal, conforme jurisprudência já fixada nesse sentido no acórdão uniformizador do STJ n.º 4/2016, publicado no Diário da República n.º 36/2016, Série I, de 22.02.2016.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO
No processo comum singular nº 1393/13.5TAVNF, da instância local de Vila Nova de Famalicão, secção criminal, juiz 1, da comarca de Braga, foi submetido a julgamento o arguido A. L., com os demais sinais dos autos.
A sentença, proferida a 11 de novembro de 2016 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo:
«Parte Crime
i) Absolver o arguido A. L. da prática dos crimes de burla qualificada e de falsificação de documento que lhe estavam imputados na acusação pública;
ii) Absolver o arguido da prática do crime de ofensa a pessoa colectiva que lhe estava imputado na acusação particular.
Custas a cargo do assistente ... SA, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal – artigo 515.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal.
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Parte Cível
Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante ... SA, absolvendo-se do mesmo o demandado A. L..
Custas a cargo da demandante – artigo 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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Notifique e deposite.»
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Inconformada, a assistente … S.A., identificada nos autos, interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:
«1. Na decisão proferida pelo tribunal “a quo”, cometeram-se graves erros na valoração da prova e na aplicação da matéria de direito.
2. O tribunal não teve em consideração a data cronológica em que foram praticados os crimes, bem como, as circunstâncias subjacentes à celebração da transação, as quais foram explicadas na audiência de julgamento de forma espontânea e com absoluta razão de ciência pelo Administrador Único da recorrente e pela testemunha R. V..
3. Foi explicado e ficou provado que a mencionada transação judicial celebrada em 2016 foi realizada com o propósito de evitar e reduzir os constrangimentos que a ... SA vinha sofrendo junto de clientes, fornecedores e instituições bancárias, quanto à concessão de crédito, bem como, para evitar que fosse indeferido o pedido de incentivo que a recorrente tinha em marcha no âmbito da QREN.
4. A conclusão feita pelo Tribunal de que a relação laboral existente entre as partes não tinha qualquer relevância para apreciação dos factos em discussão nos autos, impediu que a ora recorrente produzisse mais prova demonstrativa da inexistência de contrato de trabalho, e é contrária à posterior decisão de absolver o arguido com fundamento na relação de trabalho alegadamente existente entre este e a sociedade assistente, por entender que, não existiu interesse e enriquecimento ilegítimo.
5. Atenta a decisão do Senhor Juiz “a quo” no início da audiência de julgamento, sobre a matéria da conclusão anterior, impediu a assistente de produzir mais prova quanto ao referido facto, bem como, face às declarações da assistente e da testemunha R. V., não poderia o tribunal “a quo” ter considerado provado que entre a ... SA e o arguido tinha sido celebrado um contrato de trabalho, e absolver o mesmo dos crimes de que vinha acusado, pois, ficaram plenamente demonstradas as razões que estiveram subjacentes à celebração da transação.
6. Relativamente a tal facto, deveria o tribunal ter considerado que entre o arguido e a assistente não existiu verdadeiramente uma relação de trabalho, uma vez que, ficou demonstrado, de forma clara e sem margem para quaisquer dúvidas, que a transação celebrada em 2016, no âmbito da já referida ação laboral, teve como fundamento terminar com os constrangimentos que a assistente vinha sofrendo junto de clientes, fornecedores e instituições bancárias, sendo ainda certo que, teve também como causa justificativa o facto da recorrente ter receio que tal incidente negativo pudesse comprometer a decisão de deferimento do pedido de incentivo que tinha apresentado no âmbito do QREN.
7. Atenta a matéria factual dada como provada, não podia o tribunal “a quo” ter decidido pela absolvição do arguido da prática dos crimes de que vinha acusado, e ter julgado improcedente o pedido de indemnização civil formulado.
8. Quanto ao crime de burla qualificada, não pode merecer qualquer acolhimento o entendimento do tribunal, segundo o qual, a conduta do arguido não preenche os elementos típicos do crime, pois, além de ser manifesto que o mesmo pretendeu obter um enriquecimento ilegítimo, a verdade é que, a disposição normativa em análise nem sequer exige que efetivamente se verifique tal enriquecimento, sendo suficiente a mera intenção de o obter.
9. Mesmo que se entendesse que entre o arguido e a assistente tinha sido celebrado um contrato de trabalho, a verdade é que, nunca se poderia concluir que o mesmo não pretendeu obter um enriquecimento ilegítimo, e que os seus comportamentos não determinaram ninguém à prática de atos causadores de prejuízo, pois, o arguido só efetuou as referidas comunicações e declarações à Segurança Social, no dia 13 de dezembro de 2013, após o legal representante da assistente, lhe ter solicitado que abandonasse as instalações da empresa, ou seja, após ter cessado o alegado vínculo laboral, por força do também alegado despedimento.
10. O arguido depois de ter deixado a empresa ora assistente na manhã do dia 13 de dezembro de 2013, fez-se constar na base de dados dos serviços da Segurança Social como funcionário da assistente, prolongando, assim, o seu vínculo laboral, com o intuito de beneficiar dos direitos inerentes a tal qualidade, com o correspondente prejuízo patrimonial da assistente e da Segurança Social, pois, conforme é consabido, quando mais tempo estivesse inscrito como trabalhador da assistente, mais benefícios teria, nomeadamente, no caso de futura reforma e subsídios, pois, registava mais dias de desconto do que aqueles que efetivamente tinha direito.
11. Para além da intenção de obter um enriquecimento ilegítimo, através dos factos expostos, é também manifesto o prejuízo patrimonial da assistente, uma vez que, constando como seu trabalhador após ter abandonado as instalações da assistente, mais comparticipações à segurança social e impostos teve suportar.
12. Verifica-se ainda a existência de prejuízo patrimonial da assistente quando teve de suportar o pagamento da quantia de € 592,33 referente às cotizações do mês de dezembro de 2013, quando tal valor não é proporcional aos dias em que o arguido alegadamente trabalhou na empresa assistente.
13. O comportamento do arguido, além de configurar a prática do crime de burla, também consubstancia um crime de falsificação de documento, na medida em que, contrariamente ao que entendeu o tribunal “a quo” encontra-se preenchido o elemento subjetivo do referido tipo legal, porquanto o mesmo teve a intenção de obter um benefício ilegítimo.
14. Também não pode colher o fundamento do tribunal “a quo”, para a sua decisão ao defender que o comportamento o arguido se baseou na obtenção de provas da existência da relação laboral, para no futuro, em caso de cessação do contrato de trabalho, ser mais fácil reclamar os seus créditos laborais e indemnizações alegadamente devidas em virtude da cessação do contrato de trabalho, pois, tal entendimento do tribunal, contraria frontalmente a ideia de justiça e os princípios e regras de direito, e é impulsionadora da justiça privada, sendo por isso de rejeitar em absoluto, sob pena de premiar o criminoso que leva a cabo uma atuação claramente violadora da lei penal.
16. A decisão do tribunal “a quo” conduziu o processo a resultados totalmente irrazoáveis, na medida em que, deixou de censurar o comportamento de uma pessoa que imita a assinatura de outrem, para obter provas dos seus direitos, ao invés de recorrer aos meios legais e legítimos de obtenção de provas, nomeadamente através de uma ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho, prevista no artigo 186-K e seguintes do Código de Processo de Trabalho.
17. A mesma decisão contraria igualmente os limites e as regras de meios de obtenção de provas previstas no Código de Processo Penal, pois, assim sendo, seriam admissíveis todos e quaisquer comportamentos, mesmo que criminosos, desde que tivesse como fundamento a obtenção de prova, o que não é de aceitar, por inadmissível.
18. O arguido praticou o crime de burla qualificada e falsificação de documentos, pelo que, além de dever ter sido condenado pela prática de tais ilícitos criminais, é manifesto que devia ter sido julgado procedente o pedido de indemnização civil, pois, encontram-se verificados os elementos da responsabilidade civil pela prática de factos ilícitos, apreciados à luz do artigo 483.º do Código Civil, e, por essa razão, deveria o demandado ter sido condenado a pagar à demandante uma indemnização pelos danos que com a sua conduta lhe causou.
20. A atuação do arguido é ilícita, por violação de diretos de personalidade, e é culposa pois era-lhe imposto que recorre-se aos meios legais para obtenção de prova.
21. A atuação ilícita e culposa do arguido causou vários danos à recorrente, pois, como ficou demonstrado, a ação intentada pelo mesmo contra a ora assistente elevou o risco comercial da empresa, condicionando o acesso desta a créditos junto de instituições bancárias.
22. Ficou provado, através do depoimento da testemunha R. V. e das declarações da assistente, que a partir do momento em que foi intentada a referida ação os fornecedores começaram a exigir garantias de pagamento dos bens fornecidos e reduziram as facilidades de pagamento em vigor, e por isso, a atuação do arguido causou um desequilíbrio financeiro na sociedade e afetou o crédito e a confiança que as entidades e instituições tinham nela, e por isso, encontram-se preenchidos os requisitos da responsabilidade civil por facto ilícito, e, assim sendo deve o demandado ser condenado a indemnizar a aqui recorrente.
23. Pelo exposto, deverá a douta sentença recorrida ser substituída por outra, que faça bom uso daquelas normas e das demais, cujo douto e indispensável suprimento desde já se requer a V. Exas., condenando o Arguido pelo aludido crime e pelo pedido cível, visto os factos dados por provados e não aprovados serem para tanto suficientes, sem prejuízo de se proceder à transcrição da prova gravada em audiência de julgamento, caso V. Exas. nisso vejam necessidade, assim fazendo JUSTIÇA!»
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O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo e o arguido responderam, ambos pugnando pelo não provimento do recurso.
O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho datado de 19 de dezembro de 2016.
Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral adjunto emitiu douto parecer, no qual conclui que: o recurso deverá ser rejeitado no que se refere à impugnação da matéria de facto; ser-lhe negado provimento no que concerne à condenação do arguido pelo crime de burla de que absolvido; e concedido provimento na condenação do arguido pelo crime de falsificação de que absolvido.
Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, na sequência do que a recorrente veio responder, mantendo integralmente os argumentos invocados no recurso e argumentando que o parecer do Ministério Público não deve ser atendido no que se refere à rejeição do recurso da matéria de facto e à negação do provimento ao recurso quanto ao crime de burla qualificada.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer Cfr. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, v.
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1. Questões a decidir
Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, as questões a decidir são as seguintes:
A. impugnação da matéria de facto;
B. enquadramento jurídico-legal dos factos apurados;
C. absolvição cível.
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2. FACTOS PROVADOS
Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respetiva motivação, constantes da sentença recorrida:
«Discutida a causa e com interesse para a decisão da mesma, resultaram provados os seguintes factos:
1.º- Entre o arguido e a assistente “…, S.A. “ foi celebrado um contrato de trabalho verbal em 02.07.2010, com a remuneração ilíquida de € 1.740,00, no âmbito do qual o primeiro passou a efectuar serviços de contabilidade para a assistente e para a empresa “ … CONFECÇÕES, LDA. “, ambas com sede na área desde município de Vila Nova de Famalicão.
2.º- A empresa “ ... SA “ tinha então como administrador único F. F., pessoa que era também sócia da empresa “… R… “ e que foi gerente da mesma até ao ano de 2010, conjuntamente com R. D., seu irmão.
3.º- Já o arguido é pai de A. L., pessoa que foi casada até ao ano de 2010 com o citado F. F..
4.º- Porque não possuía certificação como técnico oficial de contas, o arguido foi realizando os trabalhos de contabilidade das ditas empresas, mediante o uso da senha e da vinheta titulada pela sua filha A. L., uso esse que lhe tinha sido autorizado pela mesma.
5.º- Porque tivesse obtido a sua certificação como técnico oficial de contas no final do mês de Outubro de 2013, porque vínculo laboral existente com a “, S.A.” não se encontrava reduzido a documento escrito e porque existiam já divergências entre si e os legais representantes da assistente e da “R…”, o arguido, após uma tal certificação, resolveu engendrar um plano com o objectivo de formalizar os serviços de contabilidade que vinha prestando, no contexto do contrato de trabalho celebrado com a “…SA”.
6.º- No início do mês de Novembro de 2013, o arguido comunicou à Autoridade Tributária e Aduaneira que, na qualidade de técnico oficial de contas, passaria a ser o responsável pela contabilidade das ditas sociedades.
7.º- Na sequência de tais comunicações foram remetidas à ... SA e à R..., respectivamente, em 08.11.2013 e 15.11.2013, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, notificações dando-lhes conhecimento das mesmas e para que, no prazo de um mês, fosse efectuada a confirmação da nomeação do arguido como novo técnico oficial de contas das empresas, sob pena de, assim não sucedendo, as comunicações efectuadas serem consideradas sem qualquer efeito, ficando o arguido impedido de proceder ao envio de qualquer declaração por via electrónica.
8.º- Porque o mesmo soubesse que os legais representantes da referidas empresas não iriam confirmar a sua nomeação como técnico oficial de contas, o arguido ou alguém a seu mando e no seu interesse e sem o consentimento ou conhecimento daqueles, preencheu duas declarações de alteração de actividade, uma referente à sociedade “ ... SA “ e outra à sociedade “ R... “, fazendo das mesmas constar, no quadro referente às “ alterações relativas à contabilidade “, que os respectivos administrador – da sociedade “ ... SA “ -e gerente – da sociedade “ R... “ – lhe conferiam “ plenos poderes declarativos “ enquanto técnico oficial de contas das mesmas.
9.º- Na declaração referente à sociedade “ ... SA “, o arguido, ou alguém a seu mando e no seu interesse, fez constar a designação social que cabia a tal empresa, a respectiva área da sede, a repartição de finanças a que pertencia, o número de identificação fiscal e ainda:
-no quadro referente à “ alteração relativa à contabilidade “: a data de “ 15.11.2013 “ como de início dessa alteração, o seu número de identificação fiscal e o seu número de inscrição na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas e, no campo referente à “ assinatura do sujeito passivo ou do seu representante legal, a assinatura imitada do administrador de tal sociedade – F. F.;
-no quadro relativo à veracidade da declaração: o local de preenchimento como sendo “ Famalicão “, a data “ 03.11.2013 “, o seu nome e a sua assinatura no campo reservado ao nome e assinatura do técnico oficial de contas, a sua vinheta enquanto tal e, no campo aí referente à “ assinatura do sujeito passivo ou do seu representante legal “, novamente a assinatura imitada do administrador de tal sociedade – Fernando Filipe Cruz Carvalho Vilaça -e o carimbo da administração da mesma.
10.º- Já na declaração referente à sociedade “ R... “,o arguido, ou alguém a seu mando e no seu interesse, fez constar a designação social que cabia a tal empresa, a respectiva área da sede, a repartição de finanças a que pertencia, o número de identificação fiscal e ainda:
-no quadro referente à “ alteração relativa à contabilidade “: a data de “ 18.11.2013 “ como de início dessa alteração, o seu número de identificação fiscal e o seu número de inscrição na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas e, no campo referente à “ assinatura do sujeito passivo ou do seu representante legal”, a assinatura imitada do gerente de tal sociedade – R. V.;
-no quadro relativo à veracidade da declaração: o local de preenchimento como sendo “ Famalicão “, a data “ 03.11.2013 “, o seu nome e a sua assinatura no campo reservado ao nome e assinatura do técnico oficial de contas, a sua vinheta enquanto tal e, no campo aí referente à assinatura do sujeito passivo ou do seu representante legal, novamente a assinatura imitada do administrador de tal sociedade – R. V. – e o carimbo referente à gerência da mesma.
11.º- As declarações supra mencionadas foram entregues pelo próprio arguido nos serviços da Administração Tributária e Aduaneira em 03.12.2013.
12.º- Ainda com o mesmo objectivo de formalizar os trabalhos de contabilidade que vinha fazendo na sociedade “ ... SA – TÊXTIL, S.A. “ e de assim facilitar, no futuro e em caso de cessação das suas funções, a prova da existência do contrato de trabalho celebrado com a ... SA, para assim ter acesso a todas as garantias e direitos decorrentes da existência desse vínculo:
-o arguido elaborou e remeteu, via electrónica e no dia 10.12.2013, aos Serviços da Segurança Social a declaração de remunerações entregues por essa empresa no mês de Novembro de 2013, fazendo aí constar o seu nome e número de beneficiário da Segurança Social e, no campo destinado ao valor das remunerações que lhe teriam sido entregues, a quantia de € 1.740,00;
-o arguido elaborou e remeteu, pela plataforma “ segurança social directa “ e no dia 13.12.2013, aos Serviços da Segurança Social uma comunicação de admissão por parte de tal empresa, com efeitos a 14.12.2012 e relativa a si próprio, na qualidade de beneficiário;
-o arguido elaborou e remeteu, no dia 13.12.2013, aos Serviços da Segurança Social declarações de remunerações da mencionada sociedade do período compreendido entre Julho de 2010 e Outubro de 2013, nas quais se indicou a si próprio como beneficiário, com o vencimento de € 1.740,00.
13.º- Por iniciativa dos respectivos legais representantes, no dia 13 de Dezembro de 2013, o arguido abandonou as instalações da empresa “ ... SA “ e cessou os trabalhos de contabilidade que prestava à mesma e à empresa “ R...”, no contexto do contrato de trabalho celebrado com a primeira.
14.º- Na sequência do exposto, no dia 10 de Fevereiro de 2014, o arguido intentou contra a sociedade “ ... SA – TÊXTIL, S.A. “ uma acção declarativa comum emergente de contrato de trabalho, no âmbito da qual alegou, entre o mais, ter sido admitido ao serviço da mesma, por contrato verbal, no dia 01.04.2004, auferindo uma retribuição mensal de € 1.740,00 e que teria sido despedido sem justa causa no dia 13.12.2013, peticionando o pagamento do valor das retribuições que deixara de auferir desde tal data e a data do transito em julgado da decisão que viesse a ser proferida nesse processo, bem como, o valor de € 26.100,00 a título de indemnização pelo seu despedimento ilícito em substituição da sua reintegração e ainda o pagamento de demais retribuições, subsídios, férias e indemnizações, tudo no valor global de € 47.268,98.
15.º- O arguido agiu do modo acima descrito com a intenção de convencer os Serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira de que as mencionadas declarações tinham sido elaboradas e assinadas pelos legais representantes das referidas sociedades e de convencer os Serviços da Segurança Social de que era com o conhecimento e o consentimento dos mesmos que remetia as declarações referidas em 12 e a, desse modo, conseguir formalizar os trabalhos de contabilidade que vinha fazendo nessas empresas, de assim facilitar, no futuro e em caso de cessação das suas funções, a prova da existência do contrato de trabalho celebrado com a ... SA, para desse modo ter acesso a todas as garantias e exercer todos os direitos decorrentes da existência desse vínculo, designadamente aqueles que serviram de fundamento para a instauração da acção referida em 14.
16.º- Actuou ainda o arguido com a perfeita consciência de que, com a sua conduta, estava a utilizar documentos cujo teor bem sabia não corresponder à realidade, designadamente no que respeita à assinatura imitada dos legais representantes das empresas acima indicadas e a por em crise a credibilidade pública e a confiança que é reconhecida às declarações que preencheu e entregou a entidades oficiais.
17.º- O arguido representou como possível que as suas condutas fossem proibidas e punidas por Lei.
18.º- Em consequência da acção instaurada pelo arguido/demandado melhor descrita em 14 e de forma a acautelar os seus direitos, a demandante recorreu aos serviços jurídicos de um advogado.
19.º Entre a demandante e o seu mandatário o pagamento de honorários no final do processo, face à complexidade do mesmo, ao tempo despendido e às responsabilidades assumidas, estão fixados em €150,00 à hora.
20.º- Até à presente data, estão contabilizadas 98 horas 57 minutos despendidas com o processo, o que perfaz o valor global de € 14.842,50.
21.º- Além dos honorários, a demandante teve de suportar o pagamento de despesas com aquele processo, nomeadamente, taxas de justiça, no valor de € 714,00.
22.º- A acção intentada pelo arguido no tribunal de trabalho contra a aqui assistente ... SA, melhor descrita no artigo 14.º terminou com uma transacção celebrada em acta de audiência de julgamento no dia 06 de Abril de 2016, homologada por sentença judicial já transitada em julgado, nos termos da qual a aqui demandante ... SA reconheceu a existência de um contrato de trabalho celebrado com o aqui arguido/demandado em 02.07.2010, com a remuneração ilíquida auferida por este no valor de € 1.740,00.
Mais se provou que:
23.º- O arguido não dispõe de antecedentes criminais.
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Matéria de facto não provada:
Com interesse para a decisão da causa, não ficou provado que:
1.º- A acção intentada pelo arguido no tribunal de trabalho contra a aqui assistente ... SA, melhor descrita no artigo 14.º dos factos provados tivesse elevado o risco comercial da empresa, condicionando o acesso desta a créditos junto de instituições bancárias.
2.º- A acção intentada pelo arguido no tribunal de trabalho contra a aqui assistente ... SA, melhor descrita no artigo 14.º dos factos provados tivesse levado a que os fornecedores daquela passassem a exigir maiores garantias de pagamento dos bens fornecidos ou que reduzissem as facilidades de pagamento concedidas.
3.º- A acção intentada pelo arguido no tribunal de trabalho contra a aqui assistente ... SA, melhor descrita no artigo 14.º dos factos provados tivesse causou um desequilíbrio financeiro na sociedade ou afectasse o crédito e confiança que as entidades e instituições nela depositavam.
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Motivação da decisão:
Cumpre, em obediência ao disposto no artigo 374.º, n.º2, do Código de Processo Penal, indicar as provas que sustentaram a convicção do tribunal.
Para dar como provada a matéria constante do ponto 1, respeitante ao vínculo laboral existente entre o arguido e a ... SA o tribunal teve como principal referência o teor da transacção constante da certidão de fls. 663 e seguintes, homologada por sentença judicial transitada em julgado, na qual aquela sociedade reconhece, logo na cláusula primeira desse acordo, a existência desse vínculo.
Para além desse elemento, com relevância fundamental para a afirmação da matéria em causa, a apreciação global da prova produzida em audiência de julgamento, à luz das mais elementares regras da experiência, também era indiciadora da existência desse vínculo, afastando a tese que a ... SA tentou agora sustentar, depois de ter reconhecido a existência do contrato de trabalho no referido acordo, no sentido de que o arguido apenas utilizava as suas instalações para realizar o seu trabalho de prestador de serviços à sua própria filha.
Tentou ainda a ... SA justificar a referida transacção judicial, através dos depoimentos de R. V. e F. F., no contexto de uma suposta exigência para ter acesso a um subsídio do CREN.
No entanto, esta alegada exigência, para além de não ser racionalmente entendível (desde logo porque não faz qualquer sentido, em abstracto, obrigar em empresas a celebrar acordos judiciais que lhes sejam desfavoráveis como condição para acesso a subsídios) não teve suporte na prova produzida em julgamento, sendo certo que terem acontecido as coisas dessa forma, então a ... SA deveria ter arrolado como testemunha a pessoa que #tratava do incentivo”, mencionada por F. F. no seu depoimento, que colocou essa suposta exigência como condição de atribuição do subsídio.
Portanto, não se atribuindo qualquer relevância à justificação apresentada pelas supra referenciadas testemunhas.
A matéria constante dos pontos 2 a 4 é o resultado da consensualidade da prova produzida em audiência de julgamento quanto à sua verificação, sendo também reconhecida como verdadeira pelo próprio arguido.
Dúvidas não restaram também ao Tribunal, depois de valorada toda a prova testemunhal, que a boa relação inicialmente existente entre os legais representantes da ... SA e da R... e o arguido foi-se degradando ao longo do tempo, sendo assim neste contexto que se explica a motivação que esteve subjacente à actuação do arguido descrita nos factos provados.
Ou seja, dito de outra forma, o arguido percebia que a sua presença na ... SA já não era desejada e, não tendo o seu contrato de trabalho sido reduzido a escrito, logo que obteve a sua certificação como técnico oficial de contas, de imediato gizou um plano para deixar “marcas”, junto da administração fiscal e nos serviços da segurança social, respeitantes às funções que vinha exercendo na empresa, no contexto do contrato de trabalho verbal anteriormente firmado.
Aliás, o próprio arguido reconheceu como verdadeiros a grande maioria da factualidade relativa a essa actuação, apenas ressalvando, por um lado, que actuou sempre com o conhecimento e autorização dos legais representantes da ... SA e rejeitando também que tivesse sido ele a apor nos documentos que entregou aos serviços de finanças as assinaturas de F. F. e R. D..
Ora, relativamente ao suposto conhecimento e consentimento dos legais representantes da ... SA (ou da R...), a demais prova desmentia em absoluto essa realidade, percebendo-se desde logo, como anteriormente se referiu, que a relação entre as partes estava em ruptura (nesse sentido foram ainda os depoimentos de L. L., que assumiu as funções de contabilista da ... SA, depois da saída do arguido, e M. C., revisor oficial de contas da empresa), sendo certo que, nesse contexto, nenhum sentido faria a referida anuência para a formalização de uma situação que, claramente, já não era desejada por uma das partes.
E é também partindo deste contexto, tendo ainda como referência o objectivo que o arguido visava alcançar com toda esta actuação que se explica a convicção que levou a dar como assente que foi o arguido (ou alguém a seu mando) a produzir as assinaturas constantes das declarações de alterações de actividade de fls. 428 e seguintes e 432 e seguintes dos autos apostas no local reservado à administração, respectivamente, da ... SA e da R... (declarações, cujo teor, como é óbvio, também se teve em consideração).
Inversamente, não existia qualquer razão lógica, no contexto do já quadro de divergências existente entre a ... SA e o arguido, que sustenta-se a versão dos factos avançada pelo arguido, de que aquelas declarações lhe tinham sido deixadas já assinadas na sua secretária (ou na secretária do R. V.), ou seja, o arguido era a única pessoa que tinha um efectivo interesse em ver realizada aquela alteração.
Relativamente à matéria constante do ponto 7 teve-se ainda como referência o teor das notificações, respectivamente, de fls. 15 do apenso A e fls. 14 do apenso B.
A circunstância das declarações de alterações de actividade terem sido entregues pelo próprio arguido nos serviços da administração fiscal, para além de ter sido por si confirmada, estava também atestada, quanto à data em que teve lugar, nos documentos de fls. 676 e seguintes e 680 e seguintes.
A conduta empreendida pelo arguido junto dos serviços da segurança social, para além de ter sido por si confirmada, está também atestada pelos documentos de fls. 21 a 23.
Pacífica foi também a constatação que, efectivamente, no dia 13 de Dezembro de 2013 o arguido foi convidado a abandonar as instalações da ... SA, bem como a acção por este posteriormente instaurada no tribunal do trabalho contra aquela empresa, que veio a terminar com a já referida transacção judicial (cfr. certidão de fls. 109 e seguintes dos autos e de fls. 663 e seguintes).
O intuito que esteve subjacente às condutas empreendidas pelo arguido já se encontra supra explicitado sendo essa a explicação para a matéria dada como provada nos pontos 15 a 17 (sendo certo que, no que respeita a este último ponto, decorre das regras da experiência comum que quem actua dessa forma terá que representar como possível a circunstância de estar a incorrer na prática de um ilícito).
A matéria constante dos pontos 18 a 21 foi confirmada pelo depoimento de R. D. e encontra sustentação nos documentos de fls. 623 a 625.
A matéria dada como inverificada resulta da ausência de prova idónea a afirmar o seu conteúdo, sendo certo que, na perspectiva do tribunal, o documento junto aos autos pela demandante a fls. 619/620 e 622 é absolutamente inapto para essa finalidade.
Com efeito, da análise do documento verifica-se desde logo que o risco comercial da ... SA é fixado no nível mais elevado, fixando-se depois os elementos potenciadores do risco, deles não constando referência a quaisquer acções judiciais pendentes.
Por outro lado, como é óbvio e resulta das mais elementares regras da experiência comum, as acções que, eventualmente, maior interferência negativa poderiam ter nessa avaliação do risco empresarial seriam as executivas (e não as declarativas), sendo certo que, como decorre de fls. 620 do aludido documento, nessa altura a ... SA tinha pendentes duas acções executivas contra si instauradas.
Por fim, importa dizer que relativamente ao ponto 23, teve-se como referência o teor do certificado do registo criminal junto aos autos.»

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3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

A. A impugnação da matéria de facto.
No âmbito da impugnação da matéria de facto, a recorrente começa por alegar ter sido indevidamente considerada como provada a celebração de um contrato de trabalho entre ela e o arguido. Sustentando também que, por outro lado, fez-se prova em audiência e, apesar disso, foi considerado como não apurado que: a ação intentada pelo arguido contra a ora assistente elevou o risco comercial da empresa, condicionando o acesso desta a créditos junto de instituições bancárias e levando a que os fornecedores começassem a exigir garantias de pagamento dos bens fornecidos e reduzissem as facilidades de pagamento em vigor, o que causou um desequilíbrio financeiro na sociedade e afetou o crédito e a confiança que as entidades e instituições tinham nela. Tudo conforme consta da motivação do recurso e também, expressamente, das suas 5ª, 21ª e 22ª conclusões.

Para tanto, indica as provas que em seu entender impõem decisão diversa, constituídas pelas declarações do seu administrador único R. D. e pelo depoimento da testemunha R. V., com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação.
Pelo que, com o devido respeito pelo entendimento contrário proclamado nesta instância pelo Ministério Público, consideramos que a recorrente cumpriu suficientemente os requisitos de forma estabelecidos para a impugnação da matéria de facto pelo artigo 412.º n.º 3, als. a), b) e c) e n.º 4 do Código de Processo Penal.
Tais requisitos fundam-se na necessidade da delimitação objetiva do recurso da matéria de facto, na medida em que o recurso deste tipo não se destina a um novo julgamento com reapreciação de toda a prova, como se o julgamento efetuado na primeira instância não tivesse existido, sendo antes o recurso da matéria de facto concebido pela lei como remédio jurídico Cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7.ª edição, 2008, pág. 105.
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Nestes casos, o tribunal da relação não faz um segundo julgamento, não vai à procura de uma nova convicção, antes se limitando a fazer o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos no recurso e das provas que imponham, e não só que permitam, decisão diferente. Pois a decisão do recurso sobre a matéria de facto não pode ignorar, antes tendo de respeitar, o princípio da livre apreciação da prova do julgador, expresso no artigo 127.º do Código de Processo Penal e a sua relação com a imediação e oralidade, sobretudo quando tem que se debruçar sobre a valoração efetuada na primeira instância da prova testemunhal, face à ausência de contacto direto com esse prova, o que integra uma das grandes limitações deste tipo de recursos.
Posto isto, e dentro dos limites que a lei estabelece para a apreciação do recurso da matéria de facto, vejamos pois se o Tribunal a quo errou na apreciação e valoração da prova produzida na audiência e se o resultado do processo probatório devia ser outro.
Do teor da motivação, já supra transcrita, logo se alcança que a sentença recorrida expôs de forma suficiente os elementos de facto que fundamentam a decisão e explicou de modo percetível o processo lógico que a tal raciocínio conduziu, o que fez sem erro patente de julgamento e sem utilizar meios de prova proibidos.

Dela resultando que a prova da factualidade posta em causa pela sociedade recorrente ... SA, no que concerne à celebração de um contrato de trabalho entre ela e o arguido, foi feita, essencialmente, com base no teor da transação celebrada na ação intentada pelo arguido contra aquela ... SA, no Tribunal de Trabalho, homologada por sentença judicial transitada em julgado (constante da certidão junta a fls. 663 e segs.), na qual a própria assistente reconhece a existência desse vínculo laboral, como resulta expressamente da sua cláusula primeira, com a seguinte redação: «A ré reconhece a existência de um contrato de trabalho celebrado com o autor em 12/07/2010, sendo que a remuneração auferida tinha valor ilíquido de € 1.740.»

A tal contrapõe a recorrente com as declarações e depoimento em contrário prestados em audiência pelo seu administrador único R. D. e pela testemunha R. V., que afirmaram que o reconhecimento desse vínculo laboral só foi feito pela necessidade de celebrar uma transação judicial, para dessa forma por um fim à respetiva ação laboral, com o propósito de evitar e reduzir os constrangimentos que a ... SA vinha sofrendo junto de clientes, fornecedores e instituições bancárias e também conseguir o deferimento de um subsídio do QREN, a que a pendência daquela ação era obstáculo.
Acontece que o Tribunal a quo, na motivação, não escamoteia a produção desta prova de sinal contrário, constituída pelas referidas declarações de R. D. e depoimento de R. V., apenas nesses pontos não lhes conferindo credibilidade. Fundamentando essa sua convicção precisamente no teor da já mencionada transação judicial e na conjugação de toda a prova com as regras da experiência e normalidade, explicando «não ser racionalmente entendível (desde logo porque não faz qualquer sentido, em abstrato, obrigar empresas a celebrar acordos judiciais que lhes sejam desfavoráveis como condição para acesso a subsídios) ... sendo certo que a terem acontecido as coisas dessa forma, então a ... SA deveria ter arrolado como testemunha a pessoa que “tratava do incentivo”, mencionada por F. F. no seu depoimento, que colocou essa suposta exigência como condição de atribuição do subsídio.»
Idêntica situação ocorrendo, também, relativamente à factualidade considerada como não apurada e referente às alegadas consequências da ação laboral intentada pelo arguido contra a assistente, como fator de elevação do risco comercial da empresa, condicionando o acesso desta a créditos junto de instituições bancárias e levando a que os fornecedores começassem a exigir garantias de pagamento dos bens fornecidos e reduzissem as facilidades de pagamento em vigor, causando desequilíbrio financeiro na sociedade e afetando o crédito e a confiança que as entidades e instituições tinham nela.
Também neste âmbito, apesar de tal circunstancialismo ter sido relatado em audiência pelo representante legal da assistente e pela testemunha R. V., o Tribunal a quo, no processo de imediação em que essa prova foi produzida, igualmente nestes pontos não lhes conferiu credibilidade. Justificando essa sua convicção por referência a regras da experiência e à demais prova produzida, explicando que o documento junto a fls. 619/620 e 622 – que é uma avaliação do risco comercial – embora fixe esse risco no nível mais elevado para a sociedade assistente ... SA, na enumeração dos elementos para tal potenciadores não refere ações judiciais pendentes. Acrescentando, ainda, que como «resulta das mais elementares regras da experiência comum, as ações que, eventualmente, maior interferência negativa poderiam ter nessa avaliação de risco empresarial seriam as executivas (e não as declarativas), sendo certo que, como decorre de fls. 620 do aludido documento, nessa altura a ... SA tinha pendentes duas ações executivas contra si instauradas.» In motivação da sentença recorrida, a fls. 765.
Assim, se o Tribunal a quo, que teve a imediação da prova, não conferiu nestes pontos credibilidade às declarações de F. F. e depoimento de R. V., e se as conclusões a que chegou (quer sobre a prova da celebração do contrato de trabalho entre a ... SA e o arguido, quer sobre a ausência de prova das alegadas consequências da ação laboral intentada pelo arguido contra a assistente) são suportadas por outras provas, devidamente enunciadas, e são plausíveis segundo as regras da experiência comum, não se vê como poderia sequer este tribunal de recurso, que não contactou diretamente com o representante legal da assistente e a indicada testemunha R. V., proceder a um novo julgamento sobre a credibilidade dos mesmos.
Aliás, proceder a novo julgamento nesses termos implicaria um modelo de recurso da matéria de facto que não é o do Código de Processo Penal Português.
Como ensina Figueiredo Dias Direito Processual Penal, vol. I, ed.1974, pág. 204. a decisão sobre a matéria de facto, para além da atividade racional que envolve, tem também sempre de conter uma convicção pessoal, na qual estão presentes elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais, designadamente no que respeita à credibilidade dos depoimentos. E o legislador, consciente das limitações que o recurso da matéria de facto necessariamente tem envolver, teve o cuidado de dizer que as provas a atender pelo Tribunal ad quem são aquelas que «impõem» e não as que «permitiriam» decisão diversa Cfr. artigo 412º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal..
In casu, é indubitável que a argumentação e prova indicadas pela recorrente não impõem decisão diversa da proferida, nos termos da al. b) do n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, apenas sendo exemplificativas de outra interpretação da prova, até menos credível, porque feita não pelo órgão jurisdicional com competência para tal, mas por uma das partes, com interesse direto no desfecho do processo.
A decisão do Tribunal a quo é assim inatacável neste ponto, porque proferida de acordo com a sua livre convicção, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal e em absoluto respeito dos dispositivos legais aplicáveis.

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B. Enquadramento jurídico-legal dos factos apurados.
Sustenta contudo a recorrente que – contrariamente ao decidido na sentença – a própria factualidade considerada como provada é já suficiente para fazer incorrer o arguido na prática dos crimes de burla qualificada e falsificação ou contrafação de documento que lhe são imputados na acusação, devendo consequentemente por eles ser condenado.
Comecemos a análise da questão pelo crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a) do Código Penal, de que o arguido foi absolvido.
Dispõe aquele artigo 217.º, n.º 1, que:
«Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa».
Por sua vez, segundo o artigo 218.º n.º 2, al. a) (burla qualificada) do mesmo código:
«2. A pena é a de prisão de dois a oito anos se:
a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;»
Quanto ao conceito de «valor consideravelmente elevado», encontra-se objetivamente delimitado na alínea b) do artigo 202.º, igualmente do Código Penal, como «(…) aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto».
São pois os seguintes, os elementos típicos do crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a) do Código Penal:
(elementos objetivos)
a) A «astúcia» empregue pelo agente;
b) O «erro ou engano» da vítima devido ao emprego da astúcia;
c) A «a prática de atos» pela vítima em consequência do erro ou engano em que foi induzida;
d) O «prejuízo patrimonial» «consideravelmente elevado» Artigo 218.º, n.º 2, al. a) do Código Penal., da vítima ou de terceiro, resultante da prática dos referidos atos;
e) Nexo de causalidade adequada entre os quatro elementos referidos nas quatro alíneas antecedentes, através de sucessivas relações de causa e efeito, ou seja, que da astúcia resulte o erro ou engano, do erro ou engano resulte a prática de atos pela vítima e da prática desses atos resulte o prejuízo patrimonial;
(elemento subjetivo)
f) A existência de dolo genérico, traduzido no conhecimento e vontade de realização da factualidade antijurídica, com conhecimento da ilicitude.
Assim, no tocante aos elementos objetivos, o primeiro será logo constituído pelo erro ou engano sobre factos, astuciosamente provocado pelo agente, que dessa forma manipula o sujeito passivo, determinando-o à prática dos atos de que decorre o prejuízo patrimonial. É contudo necessário que se verifique sempre um nexo causal entre aquelas circunstâncias, ou seja, que o engano seja a efetiva causa da situação de erro em que se encontra a vítima e, por sua vez, esse estado de erro seja a causa da prática, pelo burlado, dos atos de que decorrem os prejuízos patrimoniais. Aferindo-se esses nexos de causalidade nos termos da teoria da causalidade adequada Cfr. artigo 10º, nº 1 do Código Penal., isto é, tendo em conta as circunstâncias concretas do caso, nas quais se incluem as próprias caraterísticas do burlado Cfr. Cavaleiro de Ferreira, in parecer publicado na S.J., XIX, 1970, 301 ss. e Lopes de Almeida, A. C. Lopes do Rego, Guilherme da Fonseca, J. Marques Borges e M. Varges Gomes, Crimes contra o património em geral (notas ao CP, artigos 313 a 333), Rei dos Livros, Lisboa, 1983, p. 12 ss..
Sendo precisamente todo este processo, globalmente considerado e unificado pelas sucessivas relações de causa efeito, o verdadeiro pressuposto da responsabilização do agente, na medida em que lhe dá aquilo que se designa por «domínio do erro», face à necessária participação da vítima na saída de valores ou de coisas da esfera fáctica do sujeito passivo. «Melhor dizendo, no quadro da compreensão da burla como um delito contra o património, num tal “domínio-do-erro” terá de ancorar o fundamento da imputação do resultado à conduta.» In A. M. Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra editora, 1999, p. 299.
Aqui chegados, vejamos o que sucede no caso em apreço.
Os factos apurados, nos termos constantes da sentença recorrida, revelam que o arguido fez chegar à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social, declarações por si elaboradas, mas que aparentavam serem da autoria da assistente ... SA e da sociedade R... (algumas delas inclusive com a imitação da assinatura dos respetivos representantes legais), para dessa forma criar a aparência de formalização dos trabalhos de contabilidade que vinha fazendo nessas empresas, relativamente aos quais apenas existia um contrato verbal.
Por via do que o arguido criou efetivamente e com «astúcia», quer na Autoridade Tributária e Aduaneira quer na Segurança Social, uma situação de erro ou engano quanto à formalização do contrato de trabalho que havia celebrado.
Contudo, como vimos, para o preenchimento do tipo objetivo do crime de burla é igualmente necessária «a prática de atos» pela vítima em consequência do erro ou engano em que foi induzida, «que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial».
Ora, considerando a factualidade apurada não se vislumbra que a descrita situação de erro astuciosamente provocada pelo arguido tenha determinado a assistente à prática de qualquer ato causador de prejuízo patrimonial.
E, nem mesmo considerando, na tese do recorrente, ter sido a Segurança Social que, determinada por aquela situação de erro, praticou atos causadores de prejuízo à assistente, o certo é que do elenco dos factos provados também não consta referência a um qualquer ato daquela entidade que como tal se possa considerar.
Argumenta a recorrente que, da forma descrita, o arguido criou junto dos serviços da Segurança Social a convicção de que era trabalhador da sociedade assistente em momento que já nem lhe prestava qualquer serviço, não tendo comunicado o seu despedimento, o que levou a que a Segurança Social a notificá-la para proceder ao pagamento de quantias que não eram devidas, as quais claramente lhe causaram prejuízos Cfr. resposta ao parecer do Ministério Público, a fls. 905.. Contudo, para além de não constar do elenco dos Factos Provados que tais notificações tivessem efetivamente sido feitas, também nunca seriam elas que causariam prejuízo, mas sim o pagamento que na sua sequência a assistente fizesse, o qual também não se provou ter ocorrido. Acresce que, mesmo a ter acontecido o pagamento das referidas quantias, não se pode afirmar um nexo causalidade adequada entre esse ato causador de prejuízo e o erro ou engano astuciosamente provocado pelo arguido, posto que a assistente tinha que saber que não tinha formalizado o contrato de trabalho, bem como a data em que o mesmo havia cessado por despedimento.
De tudo decorrendo que a conduta do arguido, nos termos considerados provados, não permite que se conclua sequer pelo preenchimento do conjunto de elementos objetivos (cumulativos) do crime de burla.
Nenhuma censura merecendo a sentença recorrida no que respeita à absolvição do arguido do crime de burla qualificada.
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Vejamos agora a questão do crime de falsificação ou contrafação de documento, previsto e punível pelo artigo 256.º, n.º1, alíneas c), d) e e) do Código Penal, do qual o arguido também foi absolvido.
Este crime comporta diversas modalidades de conduta, no plano objetivo, contempladas nas várias alíneas do seu n.º 1, a saber:
a) fabricar documento falso;
b) falsificar ou alterar documento;
c) abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) fazer constar falsamente facto juridicamente relevante;
e) usar documento falso (nos termos referidos nas alíneas anteriores);
f) facultar ou deter documento falsificado ou contrafeito.
No plano subjetivo exige o dolo genérico, consubstanciado no conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade; bem como, ainda, o dolo específico, plasmado na intenção de causar prejuízo a terceiro, de obter para si ou outra para pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.
Revertendo novamente ao caso em apreço, do elenco dos factos considerados provados decorre que o arguido fez constar de declarações que preencheu (por si ou por alguém a seu mando e no seu interesse), mas que aparentavam serem da autoria da assistente ... SA e da sociedade R..., o reconhecimento formal por parte destas do contrato de trabalho celebrado entre ele e essas empresas (que é manifestamente um facto juridicamente relevante), em algumas dessas declarações tendo inclusive escrito (por si ou por alguém a seu mando e no seu interesse) a imitação da assinatura dos representantes legais das ditas empresas. Declarações que depois fez chegar à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social.
Estando desta forma preenchido o tipo objetivo do crime de falsificação ou contrafação de documento, com referência às alíneas c), d) e e) do nº 1 do artigo 256.º do Código Penal.
Relativamente ao tipo subjetivo, consta dos pontos 15, 18 e 17 dos Factos considerados Provados que:
«15.º - O arguido agiu do modo acima descrito com a intenção de convencer os Serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira de que as mencionadas declarações tinham sido elaboradas e assinadas pelos legais representantes das referidas sociedades e de convencer os Serviços da Segurança Social de que era com o conhecimento e o consentimento dos mesmos que remetia as declarações referidas em 12 e a, desse modo, conseguir formalizar os trabalhos de contabilidade que vinha fazendo nessas empresas, de assim facilitar, no futuro e em caso de cessação das suas funções, a prova da existência do contrato de trabalho celebrado com a ... SA, para desse modo ter acesso a todas as garantias e exercer todos os direitos decorrentes da existência desse vínculo, designadamente aqueles que serviram de fundamento para a instauração da acção referida em 14.
16.º- Actuou ainda o arguido com a perfeita consciência de que, com a sua conduta, estava a utilizar documentos cujo teor bem sabia não corresponder à realidade, designadamente no que respeita à assinatura imitada dos legais representantes das empresas acima indicadas e a por em crise a credibilidade pública e a confiança que é reconhecida às declarações que preencheu e entregou a entidades oficiais.
17.º- O arguido representou como possível que as suas condutas fossem proibidas e punidas por Lei.»
A transcrita factualidade preenche, sem qualquer esforço, não só o dolo genérico, como o dolo específico do crime de falsificação de documento. Posto que, no que a este último diz respeito, a intenção do arguido foi, como se apurou, a de forjar a existência de uma prova formal do contrato de trabalho celebrado verbalmente com a assistente, para que lhe fosse mais fácil provar a sua existência, em ação laboral a intentar contra a respetiva entidade patronal.
Com essa prova documental forjada, o arguido evitava ter de fazer a prova do vínculo laboral verbal unicamente através dos meios legais e legítimos ao seu alcance, o que manifestamente facilitava a sua situação processual, consubstanciando assim um benefício ilegítimo Efetivamente – e como oportunamente salienta o Ex.mo Senhor Procurador Geral adjunto, no seu parecer – ainda que no âmbito laboral, para facilitar a prova, por vezes difícil, da existência de contrato de trabalho, o trabalhador tenha a seu favor a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho, para dela beneficiar sempre terá de fazer a prova dos factos em que ela assenta, mencionados na mesma disposição legal..
De tudo decorrendo que a conduta do arguido preenche os elementos objetivos e subjetivos típicos do crime de falsificação ou contrafação de documento, previsto e punível pelo artigo 256.º, n.º1, alíneas c), d) e e) do Código Penal, pelo qual tem consequentemente de ser condenado. Impondo-se assim a revogação da sentença recorrida, na parte em que o absolveu de tal ilícito.
Sendo a determinação da respetiva espécie e medida da pena feita nesta instância, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal, conforme jurisprudência já fixada nesse sentido no acórdão uniformizador do STJ n.º 4/2016, publicado no Diário da República n.º 36/2016, Série I, de 22.02.2016.
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Escolha e determinação da pena do crime de falsificação de documento
Ao crime de falsificação ou contrafação de documento, previsto e punível pelo artigo 256.º, n.º1, alíneas c), d) e e) do Código Penal, corresponde pena de prisão até três anos ou pena de multa.
Determina o artigo 70.º do Código Penal que caso ao crime sejam aplicáveis uma pena de multa em alternativa a uma pena de prisão, o tribunal deve dar preferência à primeira, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Resulta deste comando que a pena de multa é a preferida pelo legislador, mas apenas no caso de o aplicador do direito se convencer seriamente que, com ela, ficam asseguradas as finalidades da punição, constantes do artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, de proteção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade, ou seja, que com a aplicação da pena pecuniária se atingem os fins de prevenção geral Proteção dos bens jurídicos. e os fins de prevenção especial Reintegração do agente..
O primeiro desses escopos é uma forma de prevenção positiva, através da qual se procura que a pena proteja as expetativas da comunidade na validade da norma jurídica violada, defendendo o ordenamento jurídico. Já no respeitante à reintegração do agente, a aplicação da pena visa evitar a quebra da sua inserção social, contribuindo para a sua reintegração na comunidade.
Na questão da escolha da pena só devem intervir razões preventivas, especialmente razões de prevenção especial, estando definitivamente afastada a possibilidade de considerações atinentes com a culpa desempenharem, nesta sede, qualquer papel.
Revertendo agora ao caso em apreço, verificamos que o arguido, com 62 anos de idade Nascido em 02.11.1952. , não tem antecedentes criminais; apresentando uma positiva inserção familiar e profissional, posto que é casado, tem pelo menos uma filha e exerce a profissão de técnico oficial de contas.
Neste contexto de vida, tudo indica que o ilícito dos autos não terá passado de mero desvio ocasional da sua personalidade, surgindo a pena pecuniária como manifestamente suficiente para satisfazer as necessidades de prevenção especial.
Por outro lado, as circunstâncias que rodearam a prática do crime e, principalmente, o escopo que motivou o agente, de formalização de um contrato de trabalho verbal, situa as exigências de prevenção geral num grau abaixo da média, ficando as expetativas da comunidade na reposição do comando jurídico violado já satisfeitas com a reprovação do agente com pena de natureza pecuniária.
As finalidades preventivas, ao nível da prevenção geral e especial, não impõem pois o afastamento da preferência normativa pela pena pecuniária, que será por isso a escolhida para a punição do crime.
Passemos agora à concretização da pena de multa, dentro da respetiva moldura legal aplicável, que vai de 10 a 360 dias Cfr. artigos 256.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1, última parte, ambos do Código Penal. , em conformidade com os critérios para tal definidos nos artigos 40.º, n.º 1 e n.º 2 e 71.º do Código Penal.
Para tal e como fatores de valoração que militam a favor do arguido, teremos desde logo que considerar a ausência de antecedentes criminais e a integração familiar e profissional.
A culpa é intensa, face à modalidade de dolo direto que revestiu a sua conduta.
No que se refere ao grau da ilicitude, se por um lado a natureza dos documentos falsificados e fim com tal visado pelo agente (de formalização de um contrato de trabalho verbal) situam a ilicitude num patamar baixo; por outro lado, o número de documentos falsificados, com quatro imitações de assinatura de terceiros, elevam-na. Pelo que, da ponderação de todos esses fatores concluímos por um mediano grau da ilicitude.
As necessidades de prevenção especial e geral não se fazem sentir com muita intensidade, conforme já se explanou supra, aquando da escolha da pena.
Por último, haverá também de refletir nas medidas das penas que habitualmente são aplicadas nos tribunais em situações deste tipo; bem como ao princípio da necessidade e proporcionalidade das penas Cfr. artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa..
Sopesando todos estes elementos, a pena concreta de 120 dias de multa, que corresponde aproximadamente a 1/3 da respetiva moldura legal abstrata, afigura-se-nos adequada e justa.
Na fixação do quantitativo diário correspondente a cada dia de multa ponderar-se-á, nos termos do disposto no artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal, na situação económica e financeira do arguido, que tem a profissão de técnico oficial de contas. E embora não se saiba o seu atual rendimento mensal, apurou-se que em 2013 ele era de € 1.740,00 ilíquidos mensais. Circunstancialismo que embora não o delimite rigorosamente, permite contextualizar o quadro sócio económico do condenado em termos que justificam a fixação do montante de 7.500 € para cada dia de multa.
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C. O pedido cível.
Por fim, a recorrente insurge-se com a absolvição do arguido/demandado do pedido cível que deduziu.
Vejamos.
O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos expressamente referidos na lei processual penal (cfr. artigos 71º e 72º do Código de Processo Penal).
A obrigação indemnizatória mantém, contudo, o seu cariz substantivo cível, como resulta evidenciado no disposto no artigo 129.º do Código Penal, ao estabelecer que quando deduzida em processo penal «a indemnização de perdas e danos emergente de crime é regulada pela lei civil».
Porém, tendo o pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal necessariamente por causa de pedir o facto ilícito criminal, ou seja, os mesmos factos que constituem também o pressuposto da responsabilidade criminal, a responsabilidade civil que poderá ser apreciada em processo penal é só aquela que emerge da violação do direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, com dolo ou mera culpa e da qual resultem danos.
Sendo assim necessário, para a procedência do pedido cível – e independentemente de haver ou não condenação criminal – que se esteja perante um ilícito civil que produza o dever de indemnizar, nos termos do artigo 483.º, do Código Civil, cujos pressupostos são: i. o facto voluntário do lesante, ou seja, um facto dominável ou controlável pela vontade; ii. a ilicitude, que se analisa na violação de um direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios; iii. a existência de um nexo de imputação subjectiva entre o facto e o lesante, ou seja, a culpa; iv. ocorrência de danos na esfera de outrem; v. e a existência de um nexo de causalidade entre o facto e os danos, no sentido de que apenas relevarão aqueles danos que não se teriam verificado sem a intervenção do lesante Cfr. o art. 563.º, do Código Civil..
Pressupostos que não coincidem com os da responsabilidade penal, que assenta na ação (enquanto acontecimento naturalístico controlado pela vontade do sujeito) que configura uma ação típica, antijurídica; e na culpa, nas suas vertentes de dolosa ou negligente.
Ora, no caso em apreço nos autos, percorrendo a factualidade considerada como provada não se vislumbra, desde logo, a ocorrência de danos para a assistente que estejam ligados aos factos ilícitos praticados pelo arguido/demandado por um nexo de causalidade adequada.
Sendo que, como já decorre da exposição antecedente, para que alguém seja obrigado a reparar o dano sofrido por outrem, não basta que o facto praticado pelo lesante seja, em concreto, condição da verificação daquele dano, tornando-se ainda necessário que, em abstrato, tal facto ilícito constitua causa adequada à ocorrência do dano verificado Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 8ª edição, págs. 905, 916 e 917..
O que não é seguramente o caso dos honorários ao seu advogado e outras despesas suportadas pela assistente com a ação que lhe foi intentada pelo arguido, mencionada no ponto 14 dos Factos Provados, que não constituem um prejuízo patrimonial, direta e necessariamente decorrente de facto ilícito extracontratual, pelo que não podem integrar o conteúdo da obrigação de indemnizar a cargo do lesante.
Não tendo sequer sido considerada apurada a ocorrência de quaisquer outros danos para a assistente, pelo que nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, na parte em que absolveu o arguido do pedido cível.

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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em conceder provimento parcial ao recurso e, em consequência:
. revogar a sentença recorrida, na parte em que absolve o arguido do crime de falsificação ou contrafação de documento;
. condenar o arguido A. L., como autor de um crime de falsificação ou contrafação de documento, previsto e punível pelo artigo 256.º, n.º1, alíneas c), d) e e) do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos).
Em tudo o demais se mantendo a sentença recorrida.
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Guimarães, 3 de abril de 2017
(Elaborado e revisto pela relatora)