Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
134/14.4TBCBC.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
REGULAMENTO (CE) 44/2001
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Julgando-se procedente a excepção de incompetência territorial de uma Secção de Competência Genérica, a única consequência é a da, oportuna, remessa dos autos à Secção competente.
II – Visando o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro, a livre circulação das decisões, para o que se baseia na confiança recíproca na administração da justiça no seio da União, uma decisão proferida num Estado-Membro deve ser reconhecida de modo automático, remetendo-se o tribunal do Estado-Membro requerido para um simples controlo formal dos documentos apresentados pelo Requerente.
III – Está vedado ao Tribunal requerido apreciar o mérito da sentença proferida num Tribunal de outro Estado-Membro ou, sequer, conhecer oficiosamente de qualquer dos fundamentos previstos para a recusa da declaração de exequibilidade.
IV - Integrando o conceito de ordem pública o direito do demandado a um processo equitativo e o direito a ser ouvido, a manifesta violação destes direitos justifica a negação da declaração de executoriedade, por se verificar a situação prevista no n.º 1 do art.º 34.º do Regulamento acima referido.
V – Não sendo exigível, face ao n.º 2 do art.º 34.º daquele Regulamento, que a comunicação ou notificação do acto que determinou o início da instância seja feita despida de irregularidades, é, no entanto, necessário que sejam observados os direitos de defesa do demandado revel, o que pressupõe que ele tenha tido um efectivo conhecimento do conteúdo da decisão, não bastando a informação que lhe advém já na fase do processo de execução.
VI – Procede o pedido de recusa da declaração de exequibilidade de uma sentença proferida por um Tribunal Francês se o demandado, emigrante português em França, regressou a Portugal sem ter sido citado ou notificado ou, sequer, ter tido conhecimento do acto que iniciou a acção que lhe moveu a demandante, com fundamento em incumprimento de um contrato de mútuo, e, decorrendo o processo sem nele ter tido intervenção, também lhe não foi dado conhecimento da sentença que o condenou a cumprir as prestações em falta.
Decisão Texto Integral: - ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES –

A) RELATÓRIO
I.- A “C…, S.A.”, intentou acção de reconhecimento e execução de sentença estrangeira contra S…, fundando-se no Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho, de 22/12/2000, pretendendo obter a declaração de executoriedade da sentença proferida pelo Tribunal da comarca de Pontoise, em França, na acção declarativa de condenação que moveu ao Requerido, que foi condenado a pagar-lhe as quantias de: € 10.586,18, acrescida dos juros convencionais à taxa anual de 6%, a contar de 17/10/2005, e € 10, a título de indemnização legal, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da data da sentença.
Juntou, para o efeito, cópia traduzida, com tradução certificada, da referida sentença; uma certidão comprovativa de não ter sido interposto recurso desta sentença; o certificado de que a decisão tem força executiva no Estado-Membro de origem – França; e uma certidão relativa à notificação da sentença.
O Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto, dizendo-se competente para decidir, reconheceu:
- que a sentença referida foi proferida por um Tribunal de um Estado-Membro;
- que os Requerentes são partes interessadas;
- que o Requerido tem legitimidade, no confronto com a pretensão deduzida;
- que se encontra junto o certificado que a decisão proferida pelo respectivo Estado-Membro tem força executiva nesse Estado; e
- que se mostram observados os trâmites legalmente exigíveis; e
decidiu: “ao abrigo do artigo 41.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 declara-se a executoriedade da decisão estrangeira supra aludida”.
Não se conformando com esta decisão, o Requerido impugna-a através do presente recurso, começando por suscitar a incompetência territorial do Tribunal a quo visto residir na área de competência do Tribunal Judicial de Celorico de Basto, alegou ainda que o reconhecimento da referida sentença ofende a ordem pública por lhe não ter sido comunicado em tempo útil o acto que iniciou a instância, o que lhe não permitiu defender-se.
Contra-alegou a Requerente propugnando para que se mantenha a declaração de executoriedade proferida visto terem sido feitas as diligências pertinentes para contactar pessoalmente o Requerido na morada que este lhe indicou.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II.- O Requerido/Apelante funda o recurso nas seguintes conclusões:
1. O Tribunal Judicial da Comarca de Cabeceiras de Basto não é o Tribunal territorialmente competente a declarar executória a sentença proferida a 03/04/2007, pela Grande Instância de Pontoise, França, pelo que deve ser reconhecida a incompetência relativa daquele tribunal, revogada a decisão proferida e ordenada a remessa ao tribunal competente.
2. O recorrente nunca foi citado para os autos que correram contra si na Grande Instância de Pontoise, França, em 2007, nem nunca lhe foi notificada a sentença proferida.
3. A sentença proferida contra o recorrente na Grande Instância de Pontoise, França, não pode ser declarada executória, por manifesta violação do direito de defesa, do contraditório e do acesso ao direito e à justiça (ínsitos no art. 20º da C.R.P) e, bem assim, por manifesta contrariedade com a ordem pública, o que configura fundamento de revogação da sentença de declaração de executoriedade ora proferida, em virtude do que dispõe o art. 45º nº 1 e o art. 34º nº 1 do Regulamento (CE) 44/2001 de 22/12/2000.
4. A sentença proferida contra o recorrente na Grande Instância de Pontoise, França, não pode ser declarada executória, porquanto o acto que iniciou a instância não foi comunicado ao recorrente, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, o que configura fundamento de revogação da sentença de declaração de executoriedade ora proferida, em virtude do que dispõe o art. 45º nº 1 e o art. 34º nº 1 do Regulamento (CE) 44/2001 de 22/12/2000.
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III.- A Requerente sustenta a decisão impugnada alegando, em síntese:
a) a excepção de incompetência relativa não constitui matéria susceptível de ser apreciada em sede de recurso;
b) resulta dos autos e da sentença que o Tribunal de Pontoise efectuou todas as diligências necessárias para a citação do Requerido;
c) Se o Requerido partiu sem indicar outro endereço a Requerente não conhecia nem o poderia conhecer pelo que perante o disposto no artigo 659.º do NCPC francês deve presumir-se que houve uma efectiva observância do princípio do contraditório.
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IV.- Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2; 635º., nº. 4; 639º., nos. 1 a 3; 641º., nº. 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.) vigente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
E de acordo com as conclusões as questões suscitadas são:
- a incompetência relativa do Tribunal a quo para conhecer da pretensão formulada nos autos;
- a inobservância do princípio do contraditório como fundamento para a recusa do exequatur.
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B) FUNDAMENTAÇÃO
V.- Relativamente à incompetência territorial do Tribunal de Cabeceiras de Basto para o reconhecimento e execução da sentença, é inquestionável que, residindo o Apelante na área do município de Celorico de Basto era o, à altura, Tribunal Judicial, respectivo o competente, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 39.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro.
A actual legislação de organização do sistema judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26/08 e Dec.-Lei n.º 49/2014, de 27/03) criou uma secção de competência genérica em Celorico de Basto, e outra em Cabeceiras de Basto.
As secções de competência genérica têm uma competência residual – compete-lhes, em matéria cível, preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outra secção da instância central ou tribunal de competência territorial alargada, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 130.º da Lei 62/2013 – que, sendo coincidente com o “Tribunal de Comarca”, indicado por Portugal para receber os requerimentos referidos nos art.os 38.º, n.º 1 e 39.º, do referido Regulamento, é a agora designada Secção de Competência Genérica de Celorico de Basto que tem competência para a apreciar o pedido de declaração de exequibilidade formulado.
Trata-se, porém, de uma questão a decidir de acordo com a nossa lei adjectiva interna, sendo certo que o então Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto tinha competência material para apreciar e decidir a pretensão.
Estando ora em causa a incompetência relativa – art.º 102.º, do C.P.C. – ela constitui uma excepção dilatória – art.º 577.º, alínea a) – e deverá considerar-se tempestivamente arguida, atento o disposto na parte final do n.º 1 do art.º 103.º, do C.P.C.
Julgando-se procedente, a única consequência é a da, oportuna, remessa dos autos à Secção de Competência Genérica de Celorico de Basto, de acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 105.º, do C.P.C., por ser a territorialmente competente, atento o local de residência do Apelante.
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VI.- Dos documentos que acompanharam a petição extrai-se que:
a) Como consta da sentença proferida pelo Tribunal de Instância de Pontoise, em 03/Abril/2007, o Apelante não “compareceu” e não se apresentou ninguém para o representar.
b) Como ficou a constar do documento de fls. 17, no dia 14/Junho/2007 o Apelante S… foi procurado por “Oficiais de Justiça” na morada que constava dos autos, para lhe ser notificada a sentença acima referida, e não foi encontrado, nem foi encontrada pessoa alguma que pudesse prestar qualquer informação.
Foram feitas “buscas” junto da Câmara Municipal de Boissy L’Aillerie” não tendo sido obtida “informação útil”.
Ficou a constar do mesmo documento resultar “das buscas supra relatadas que o destinatário do acto não tem actualmente nem domicílio, nem residência conhecidos” e que não foi possível “encontrar o seu lugar de trabalho”, e “as pessoas interrogadas não tendo conseguido nos informar a este respeito”.
Em 15 daquele mês de Junho foi enviada para a referida morada carta registada com aviso de recepção a notificar o Apelante, e carta simples a informá-lo “do cumprimento desta formalidade”.
Doc. de fls. 16 e 17, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
c) Da decisão acima referida não foi interposto recurso sendo considerada executória perante a legislação francesa, considerando-se como “data da notificação” o acima referido dia “14 de Junho de 2007” – cfr. Docs. de fls. 18 e 15, cujo teor se considera reproduzido.
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VII.- Na tradição da Convenção de Bruxelas celebrada em 27/09/1968, foi aprovado o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro, que visa unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, com o objectivo da livre circulação das decisões, bem como simplificar as formalidades do seu reconhecimento e execução, que se pretende sejam rápidos.
Como consta dos considerandos (16) e (17), as soluções consagradas no referido Regulamento baseiam-se na “confiança recíproca na administração da justiça no seio da Comunidade”.
Prevê-se, por isso, um reconhecimento automático das decisões proferidas num Estado-Membro, devendo a sua declaração de executoriedade ser dada “após um simples controlo formal dos documentos fornecidos”.
Assim, o único requisito de executoriedade exigível é que a decisão tenha força executiva no Estado de origem, como se retira do n.º 1 do art.º 38.º do mencionado Regulamento 44/2001(como o serão todas as disposições legais a seguir citadas sem menção do Diploma a que pertencem).
Com efeito, ao Tribunal do Estado-Membro requerido está vedado conhecer oficiosamente de qualquer dos fundamentos previstos para uma decisão não ser executada - cfr. art.º 41.º–, estando-lhe igualmente vedado proceder a uma revisão de mérito da decisão, como decorre do disposto no n.º 2 do art.º 45.º.
Aqueles fundamentos, têm de ser invocados pelo Requerido e, como resulta do disposto no art.º 45.º, n.º 1, vêm taxativamente enumerados nos art.os 34.º e 35.º..
Invocou o Apelante os enunciados nos n.os. 1 e 2 do art.º 34, alegando que: i) o reconhecimento de executoriedade é manifestamente contrário à ordem pública portuguesa, por violação do princípio da proibição da indefesa; e ii) não foi notificado nem lhe foi comunicado o acto que iniciou a instância, ajuntando que não teve conhecimento da sentença contra si proferida se não com a notificação da decisão que ora impugna.
Posto que estamos perante um instrumento jurídico comunitário, na interpretação dos conceitos utilizados teremos de nos ater à que é dada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia que tem a competência exclusiva sobre esta matéria, nos termos do disposto no art.º 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante Tratado de Lisboa).
De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 34.º, a decisão não será reconhecida se “o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro requerido”.
Disposição de conteúdo idêntico já constava do n.º 1 do art.º 27.º da Convenção de Bruxelas, apenas se havendo acrescentado a forma adverbial para fazer realçar, na sequência da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que a ofensa à ordem pública, como fundamento de recusa do reconhecimento da decisão, tem de ser manifesta.
De facto, como foi referido no Ac. Krombach (proferido no Procº. C-7/98) e mantido no Ac. Gambazzi (de 2/04/2009, proferido no Proc.º C-394/07, de Marco Gambazzi contra “DaimlerCrysler Canada Inc” e Outra), “o recurso à cláusula relativa à ordem pública só é concebível quando o reconhecimento ou a execução da decisão proferida noutro Estado contratante viole de uma forma inaceitável a ordem jurídica do Estado requerido, por desrespeitar um princípio fundamental. Esse desrespeito deve constituir uma violação manifesta de uma norma jurídica considerada essencial no ordenamento jurídico do Estado requerido ou de um direito nesse ordenamento reconhecido como fundamental” (parágrafo 27).
Posto que se reportando ainda ao art.º 27.º, n.º 1 da Convenção de Bruxelas, acrescenta-se ainda no Ac. Gambazi que o exercício dos direitos de defesa “ocupa um lugar eminente na organização e na tramitação de um processo justo e que figura entre os direitos fundamentais que resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros e dos instrumentos internacionais relativos à protecção dos direitos do homem” (parágrafo 28).
Deste modo, integrando no conceito de ordem pública o direito a um processo equitativo e o direito a ser ouvido, a manifesta violação destes direitos justifica a negação da declaração de executoriedade.
Com efeito, o direito a um processo equitativo e o direito à defesa, que tinham consagração no art.º 6.º da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, estão agora consagrados no art.º 47.º, respectivamente, na primeira parte e na parte final do segundo parágrafo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (que o Tratado de Lisboa integrou no acervo do Direito Comunitário).
No que a Portugal respeita, também aqueles direitos tiveram consagração constitucional – cfr. art.º 20.º da Constituição -, se bem que, por força do art.º 8.º, n.º 4, os tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições têm recepção plena na ordem jurídica interna.
O outro fundamento invocado pelo Apelante é o que consta do n.º 2 do referido art.º 34.º, nos termos do qual a decisão também não será reconhecida se “o acto que iniciou a instância ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer”.
Relativamente a este n.º 2, pronunciou-se o Tribunal de Justiça (1.ª Secção) no Ac. de 14/12/2006 (Proc.º C-283/05, “ASML Netherlands BV” contra “Semiconductor Industry Services GmbH (SEMIS), referindo (parágrafo 20) que ele “não pressupõe necessariamente a regularidade da comunicação ou notificação do acto que determinou o início da instância, mas sim a efectiva observância dos direitos de defesa” que só ficam garantidos se o requerido revel tiver um efectivo conhecimento do conteúdo da decisão, o que pressupõe que dela tenha sido notificada, ou lhe haja sido comunicada, “não bastando” o simples conhecimento dela “na fase do processo de execução”.
Considerando não ser exigível ao requerido revel que, “para além de uma diligência normal” na defesa dos seus direitos, “se informe do conteúdo de uma decisão proferida noutro Estado-Membro” (parágrafo 39), acrescenta ainda o Tribunal de Justiça, na sequência das observações feitas por alguns dos Estados-Membros, que o cumprimento de todas as regras aplicáveis à notificação ou comunicação “não é um requisito necessário para que se considere que o requerido teve a possibilidade de interpor recurso” (parágrafo 41).
Por outro lado, chamando a atenção para a eliminação do requisito da regularidade formal que constava do n.º 2 do art.º 27.º da Convenção de Bruxelas, refere ainda o Tribunal de Justiça que os requisitos exigidos para a comunicação do acto que iniciou a instância são os mesmos dos exigidos para a notificação de uma decisão proferida à revelia (parágrafos 43-45).
Face, por um lado, à obrigação do Tribunal requerido apreciar e decidir das invocadas condições que se opõem ao reconhecimento da decisão, e por outro à proibição de proceder a uma revisão de mérito, o Tribunal de Justiça, no Ac. de 6/09/2012 (Proc. C-619/10, que a “Trade Agency Ltd” moveu a “Seramico Investiments, Ltd”), interpretou o n.º 2 do art.º 34.º no sentido de que “quando o demandado interpõe recurso da declaração de executoriedade de uma decisão proferida à revelia do Estado-Membro de origem e acompanhada da certidão redigida em conformidade com o artigo 54.º do mesmo regulamento, alegando que não recebeu a notificação do acto que deu início à instância, o tribunal do Estado-Membro requerido, chamado a pronunciar-se sobre o dito recurso, é competente para verificar da concordância entre as informações que figuram na referida certidão e as provas”, já que “o facto de saber se o referido requerido recebeu notificação do acto que dá início à instância constitui um elemento pertinente da apreciação global, de natureza factual, que deve ser conduzida pelo juiz do Estado-Membro requerido, a fim de verificar se esse demandado dispôs do tempo necessário para preparar a sua defesa ou levar a cabo as diligências necessárias para evitar uma decisão proferida à revelia”.
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VIII.- Alega o Apelante que não lhe foi comunicado nem notificado o acto que iniciou a instância e que ao tempo em que foi interposta a acção já vivia em Portugal.
A Requerente “C…” contrapõe que, como ficou a constar da sentença, no dia 14 de Junho de 2003 o Apelante obteve em França, de si, “uma abertura de crédito no montante de € 15.000,00” pelo que, “pelo menos até àquela data” ele residia em França, “na morada por si indicada contratualmente”.
Sem embargo, não constando dos autos o teor das cláusulas contratuais do mútuo, que o Apelante e a Requerente celebraram, também se não pode extrair daquela asserção que nelas se haja incluído a escolha do domicílio, por forma a vincular contratualmente o Apelante à morada constante do contrato, com a inerente obrigação de comunicar à Requerente qualquer alteração na sua residência.
O certo é que, constando da sentença do Tribunal de Pontoise que o Apelante “não compareceu e ninguém para o representar” e que “A presente decisão sendo susceptível de recurso, será estatuído por sentença reputada contraditória em aplicação das disposições do artigo 473 do Código de Processo Civil” pode concluir-se com segurança que o Apelante não foi citado para a acção.
Com efeito, o referido art.º 473.º Code de Procédure Civile, dispõe que:
“Lorsque le défendeur ne comparaît pas, le jugement est rendu par défaut si la décision est en dernier ressort et si la citation n'a pas été délivrée à personne.
Le jugement est réputé contradictoire lorsque la décision est susceptible d'appel ou lorsque la citation a été délivrée à la personne du défendeur”.
A “citação” ou notificação da sentença seguem as formalidades prescritas nos art.os 654.º e sgs., do mesmo Código, designadamente o art.º 659.º mencionado pelo “Oficial de Justiça” na “Acta de Buscas” de fls. 17.
Acerca das notificações cumpre, por isso, ter presentes, essencialmente, os:
- art.º 654: - La signification doit être faite à personne.
La signification à une personne morale est faite à personne lorsque l'acte est délivré à son représentant légal, à un fondé de pouvoir de ce dernier, ou à toute autre personne habilitée à cet effet.
- art.º 655: - Si la signification à personne s'avère impossible, l'acte peut être délivré soit à domicile, soit, à défaut de domicile connu, à résidence.
L'huissier de justice doit relater dans l'acte les diligences qu'il a accomplies pour effectuer la signification à la personne de son destinataire et les circonstances caractérisant l'impossibilité d'une telle signification.
La copie peut être remise à toute personne présente au domicile ou à la résidence du destinataire.
La copie ne peut être laissée qu'à condition que la personne présente l'accepte et déclare ses nom, prénoms et qualité.
L'huissier de justice doit laisser, dans tous ces cas, au domicile ou à la résidence du destinataire, un avis de passage daté l'avertissant de la remise de la copie et mentionnant la nature de l'acte, le nom du requérant ainsi que les indications relatives à la personne à laquelle la copie a été remise.
- art.º 656:- Si personne ne peut ou ne veut recevoir la copie de l'acte et s'il résulte des vérifications faites par l'huissier de justice, dont il sera fait mention dans l'acte de signification, que le destinataire demeure bien à l'adresse indiquée, la signification est faite à domicile. Dans ce cas, l'huissier de justice laisse au domicile ou à la résidence de celui-ci un avis de passage conforme aux prescriptions du dernier alinéa de l'article 655. Cet avis mentionne, en outre, que la copie de l'acte doit être retirée dans le plus bref délai à l'étude de l'huissier de justice, contre récépissé ou émargement, par l'intéressé ou par toute personne spécialement mandatée.
La copie de l'acte est conservée à l'étude pendant trois mois. Passé ce délai, l'huissier de justice en est déchargé.
L'huissier de justice peut, à la demande du destinataire, transmettre la copie de l'acte à une autre étude où celui-ci pourra le retirer dans les mêmes conditions.
- art.º 657:- Lorsque l'acte n'est pas délivré à personne, l'huissier de justice mentionne sur la copie les conditions dans lesquelles la remise a été effectuée.
La copie de l'acte signifié doit être placée sous enveloppe fermée ne portant que l'indication des nom et adresse du destinataire de l'acte, et le cachet de l'huissier apposé sur la fermeture du pli.
- art.º 658: - Dans tous les cas prévus aux articles 655 et 656, l'huissier de justice doit aviser l'intéressé de la signification, le jour même ou au plus tard le premier jour ouvrable, par lettre simple comportant les mêmes mentions que l'avis de passage et rappelant, si la copie de l'acte a été déposée en son étude, les dispositions du dernier alinéa de l'article 656. La lettre contient en outre une copie de l'acte de signification.
Il en est de même en cas de signification à domicile élu ou lorsque la signification est faite à une personne morale.
Le cachet de l'huissier est apposé sur l'enveloppe.
- art.º 659: - Lorsque la personne à qui l'acte doit être signifié n'a ni domicile, ni résidence, ni lieu de travail connus, l'huissier de justice dresse un procès-verbal où il relate avec précision les diligences qu'il a accomplies pour rechercher le destinataire de l'acte.
Le même jour ou, au plus tard le premier jour ouvrable suivant, à peine de nullité, l'huissier de justice envoie au destinataire, à la dernière adresse connue, par lettre recommandée avec demande d'avis de réception, une copie du procès-verbal à laquelle est jointe une copie de l'acte objet de la signification.
Le jour même, l'huissier de justice avise le destinataire, par lettre simple, de l'accomplissement de cette formalité.
Les dispositions du présent article sont applicables à la signification d'un acte concernant une personne morale qui n'a plus d'établissement connu au lieu indiqué comme siège social par le registre du commerce et des sociétés.
Do teor destas disposições legais conjugado com o teor do documento de fls. 17, com o título de “Condição da Notificação do Acto” e subtítulo “Acta de Buscas Art. 659 NCPC”, resulta igualmente inequívoco que o Apelante também não teve efectivo conhecimento do conteúdo da sentença visto que não foi encontrado no endereço que ali consta, e não foi encontrada pessoa alguma que pudesse informar do paradeiro do Apelante (pelo que ali se deixou escrito, tratar-se-á de uma Zona Industrial).
Por outro lado, uma vez que a “data da notificação” que consta do Certificado de fls. 15 é a de “14 de Junho de 2007”, ou seja, aquela em que decorreram as diligências com vista a notificar o Apelante da sentença, por exclusão, face ao teor do n.º 2 do art.º 34.º, do Regulamento n.º 44/2001, confirma-se que o acto que iniciou a instância não foi comunicado ao Apelante.
Refira-se que de acordo com Regulamento (CE) n.º 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, que criou o título executivo europeu para créditos não contestados, não é admitida a citação ou notificação do documento que dá início à instância ou acto equivalente feita por algum dos meios estabelecidos no n.º 1 do art.º 14.º, “se o endereço do devedor não for conhecido com segurança” – cfr. o n.º 2.
Cumpre ainda, a propósito, ter presente o que dispõe o art.º 19.º do mesmo Regulamento quanto às normas mínimas de revisão em casos excepcionais: uma decisão só pode ser certificada como Título Executivo Europeu se o devedor tiver direito, segundo a legislação do Estado-Membro de origem, a requerer uma revisão da decisão quando “o documento que dá início à instância ou acto equivalente ... tiver sido notificado por um dos meios previstos no art.º 14.º” e “a citação ou notificação não tiver sido efectuada em tempo útil para lhe permitir preparar a defesa, sem que haja qualquer culpa da sua parte” (pontos i) e ii) da alínea a)).
Do que acima se refere é forçoso concluir que o Apelante, como alega, não foi citado para a acção que lhe moveu a “C…, S.A.” e nem teve efectivo conhecimento do teor da sentença condenatória contra si proferida.
E se é certo que foram realizadas todas as diligências para o notificar pessoalmente desta sentença, também não deixa de ser certo que, tendo deixado de pagar as prestações relativas ao mútuo em Abril de 2005, e sido interpelado pela mutuante “C…” para cumprir com o pagamento em 17 de Outubro do mesmo ano, (de acordo com a sentença), passou cerca de um ano e três meses até que esta tivesse intentado a acção. Tempo suficiente para dar credibilidade ao Apelante quanto ao seu regresso a Portugal, com a inexigibilidade que daí decorre de se informar se, em França, foi proposta alguma acção contra si e qual o resultado dessa acção.
Ora, não tendo tomado conhecimento e nem tendo sido citado para a acção também se não pôde defender nem arranjar quem o defendesse, pelo que foi violado o princípio da proibição da indefesa, e o direito a um processo equitativo, que pressupõe que o demandado possa defender a sua posição jurídica, o que torna o reconhecimento da sentença manifestamente contrário à ordem pública da própria União Europeia, visto que aquele princípio e este direito têm, como referimos, consagração num instrumento jurídico europeu.
No que respeita à ordem jurídica interna portuguesa, são os princípios do contraditório e da igualdade das partes, consagrados, respectivamente, nos artos. 3.º e 4.º do C.P.C. que saíram inobservados.
E também o Apelante não teve conhecimento pessoal do conteúdo da sentença condenatória contra si proferida a tempo de dela recorrer no Tribunal do Estado-Membro de origem.
Procedem, pois, os fundamentos invocados para a recusa da declaração de exequibilidade da sentença, já que se verificam as situações referidas nos nos. 1 e 2 do art.º 34.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001.
Impõe-se, deste modo, revogar a decisão que declarou o exequatur da sentença proferida pelo Tribunal de Pontoise.
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C) DECISÃO
Considerando agora tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação, pelo que, revogando a decisão impugnada, decidem recusar a declaração de executoriedade da sentença apresentada pela Requerente “C…, S.A.”.
Custas pela Apelada.
Guimarães, 27/10/2014
Fernando Fernandes Freitas
Maria Purificação Carvalho
Espinheira Baltar