Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1724/15.3T8VRL.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: DIREITOS REAIS
CONSTRUÇÕES E EDIFICAÇÕES
JANELAS E ABERTURAS
SERVIDÃO DE VISTAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) Como é sabido, nos recursos não podem ser invocadas ex novo questões (salvo as de conhecimento oficioso) que o não tenham sido oportunamente perante o tribunal recorrido e por este decididas. Alegada, apenas, uma servidão de vistas para fundamentar o pedido de remoção de um painel colocado junto e diante das respectivas janelas, não pode, perante a instância superior, basear-se a pretensão de alteração da sentença que o julgou improcedente na existência de uma servidão de estilicídio.

2) Relativamente a pontos da matéria de facto que tenham sido considerados assentes por terem sido admitidos por acordo, não faz sentido invocar-se a falta de análise crítica exigida no nº 4, do artº 607º, CPC, uma vez que essa matéria não é sujeita a instrução, nem a julgamento e sobre ela não incide a decisão a declarar provados ou não provados tais factos.

3) A eventual falta de análise crítica não gera a nulidade da sentença por falta de fundamentação nos termos da alínea b), do nº 1, do artº 615º. Ela implica, isso sim, que a Relação determine ao tribunal de 1ª instância que a fundamente, conforme prevê a alínea d), do nº 2, do artº 662º.

4) Não se verifica a nulidade da sentença, nos termos da alínea d), do nº 1, do artº 615º, se o tribunal globalmente declara improcedente a acção e absolve os réus “do peticionado” – ou seja, de todos os pedidos, logo também do de demolição de uma parede formulado cumulativamente e cuja omissão de pronúncia se alega; nem nos termos da alínea b), uma vez que a sentença contém menções, de facto e de direito, embora magras, como fundamentadoras da decisão de tal pedido.

5) Impugnada a decisão da matéria de facto quanto a certos pontos, caso, após reanálise crítica da prova, maxime da invocada como fundamento do recurso, a Relação, a aprecie e valore em termos e com resultado diferentes dos ajuizados pelo tribunal recorrido, no sentido da preconizada pelo recorrente, e formule, sustentadamente, uma convicção diversa, mas própria, daquela (considerando-a, por isso, errada), deve alterá-la e corrigi-la em conformidade.

6) A Doutrina e a Jurisprudência, a despeito do amplo conteúdo do direito de propriedade previsto no artº 1305º, CC, têm procurado traçar uma definição daquele segundo uma perspectiva mais actual orientada pela chamada função social da propriedade privada, menos “edilicamente ruralista” e individualista mas mais urbana, social, utilitária, económica e progressista, salientando os limites à plena in re postestas decorrentes, entre outras, e v.g., o nº 2, do artº 1344º, do abuso de direito previsto no artº 334º, CC.

7) Sendo proibida em qualquer construção a abertura de janelas que deitem directamente sobre o prédio vizinho se localizadas a menos de metro e meio deste, a sua existência em contravenção de tal norma pode importar a constituição de servidão de vistas por usucapião, caso em que a restrição de construir a menos de metro e meio delas passa a onerar o outro prédio – artºs 1360º, nº 1, e 1362º, CC.

8) Quanto às frestas, seteiras ou óculos para ar e luz e às janelas gradadas, nos termos e condições definidos nos artºs 1363º e 1364º, não se aplicam aquelas restrições.

9) Porém, as aberturas que não sejam janelas propriamente ditas e as frestas, seteiras ou óculos e as janelas gradadas que não satisfaçam as condições previstas nestas normas, podem, ainda assim, dar origem à constituição e manutenção de servidão predial atípica.

10) Todavia, mesmo que se entenda que, diferente do que acontece com a servidão prevista no artº 1362º, o proprietário vizinho não perde, em tal caso, o direito de construir até à linha divisória, quiçá tapando-as, esse direito pode ser paralisado nos termos dos artºs 1344º, nº 2, e 334º, do CC.

11) Tal sucede no caso em que, existindo, há mais de 20 anos, na parede de uma casa que deita para o prédio rústico vizinho, sem deixar qualquer intervalo em relação a este, duas aberturas, ambas com a largura de 60 centímetros por 80 centímetros de altura, cujo parapeito dista menos de um metro e oitenta do sobrado, uma das quais gradada e cuja malha é superior a cinco centímetros (portanto irregular), relativamente às quais está provado que, pelo menos desde 1979/1980 (a do 1º andar) e 1984/1985 (a do sótão), são utilizadas pelos autores para olhar em frente, receber por elas ar e luz do exterior nos respectivos compartimentos, à vista de todas as pessoas, sem a oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, com a convicção de exercerem um direito próprio e, ainda, que a execução de tais aberturas foi, naquelas datas, autorizada e, até agora, consentida sem qualquer objecção de quem quer que fosse.

12) Nenhum prejuízo concreto advindo para os réus da manutenção das janelas, prejudicando a tapagem destas os autores, nenhuma razão e interesse, utilidade ou finalidade atendíveis se mostrando terem aqueles na colocação de um painel vertical apenas em frente das mesmas e quase encostado, mesmo no caso em que se considere constituir-se, apenas, servidão predial atípica, sempre os réus não tem o direito de manter aquele painel, senão nos termos do artº 1362º, pelo menos nos termos dos artºs 1344º, nº 2, e 334º, CC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Os autores M. D. e esposa M. M., intentaram, em 19-10-2015, no Tribunal de Vila Real, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra os réus L. B. e A. C..

Pediram que, em consequência da prova e sua procedência:

a) Sejam os Réus condenados a demolir a parede que construíram indevidamente no seu prédio – como descrito nos artigos 7º e 9º, bem como desmontar e retirar o painel descrito nos artigos 15º, 16º e 17º, às suas custas e no prazo máximo de 30 dias após trânsito em julgado;
b) Sejam os Réus condenados a efectuar as obras necessárias, no lado poente, para evitar a infiltração de águas para o interior da adega/arrecadação do prédio dos Autores;
c) Absterem-se os Réus da prática de qualquer ato que impeça ou diminua a utilização da servidão de vistas, luminosidade e ventilação por parte Autores;
d) Serem os Réus condenados a pagar aos Autores todos os prejuízos patrimoniais que se liquidarem em execução de sentença;
e) Serem os Réus condenados a pagar uma indemnização por danos morais aos Autores, não inferior a 3.000,00 (três mil euros), com juros moratórios à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Invocaram, como causa de pedir, violação dos seus direitos reais de propriedade e de servidão.

Sumariamente, alegaram, como fundamentos, que:

(i) são “donos e legítimos possuidores” de uma casa de habitação, composta de rés do chão (que funciona como adega e arrumos e está soterrado), primeiro andar e um sótão (estes com duas varandas e uma janela em cada um);
(ii) na mesma rua ((...), em (...)), existe um prédio urbano, de que “são donos e legítimos possuidores” os réus, o qual confronta a norte e a poente com os autores;
(iii) imediatamente ao lado e a confinar com a sua habitação, há uma habitação propriedade dos réus;
(iv) estes, há cerca de cinco anos, no topo sul do seu prédio, construíram uma parede de blocos e betão, desde o 1º andar até à cornija do sótão, sem licenciamento administrativo “prejudicando assim todas as habitações que se seguem” e, com tais “obras de alteração”, pondo “em perigo grave a segurança pública” e os “habitantes das mesmas” e dos “transeuntes” [itens 7º a 9º, da petição];
(v) durante o dia 17-07-2015, os réus cravaram, no solo, do lado poente, junto à parede dos autores, dois pilares, em ferro, verticais, distando cerca de 1,20 entre si e com 5 metros de altura a partir do solo (nível do 1º andar), lado poente, até à cornija do prédio dos autores;
(vi) nesses pilares fixaram horizontalmente chapas metálicas, de forma rectangular, assim levantando “uma construção na frente das janelas do 1º andar e sótão do prédio dos autores, um painel tipo sinalização vertical de informação que se encontra nas vias de circulação, com cerca de cinco metros de altura por 1,20 m de largura”;
(vii) tal painel e a dita parede “prejudicam a servidão de vistas dos autores”, “o painel vedou completamente as janelas”, deixando os autores de “ter iluminação natural e ventilação para o 1º andar e sótão” [itens 15 a 18, da petição];
(viii) os ditos pilares provocam infiltrações de água para a adega;
(ix) foi ordenada a demolição da parede pela Câmara e os réus foram advertidos pela respectiva fiscalização de que “a construção da parede colidia com o direito de servidão de vistas, iluminação e ventilação do 1º andar e sótão dos autores”;
(x) sempre os autores, desde 1979, e a anterior proprietária até 1978, vêm usando a “servidão de vistas, bem como luminosidade e ventilação do seu prédio”, em termos integrantes de usucapião (“há mais de 35, 40 ou até 60 anos”) [itens 28 e 29 da petição];
(xi) com a sua conduta, os réus prejudicaram os autores, causando-lhes danos indemnizáveis .

Juntaram a caderneta predial e fotos ilustrativas (inclusive, das duas janelas, a fls. 18).

Em contestação, os réus questionaram o valor da causa; impugnaram a factualidade alegada, dizendo que agiram licitamente e nenhum dano sofreram os autores, acrescentando que nenhuma varanda tem o prédio destes dando para a via pública ou para o seu prédio; só aquele efectivamente tem escadas e varanda, pelo que a parede erigida no topo sul desta, além de lícita, destinou-se apenas a “impedir os olhares indiscretos dos autores a partir de sua casa”; não há qualquer conexão entre as eventuais infiltrações e os pilares ou chapas; nenhuma servidão de vistas beneficia o prédio dos autores sobre o quintal dos réus; “as duas aberturas existentes no 1º andar e sótão… constituem meras frestas ou óculos para luz e ar” e nunca os autores as utilizaram para ver através delas; “a sua abertura apenas foi autorizada” pelo pai do réu para “iluminação e arejamento”; os então donos do prédio hoje dos autores aceitaram tal condição e, quanto à do 1º andar, aberta em 1979/1980, logo a “frestaram”; esta é “em forma de janela”, “com largura de 60 cm, encontra-se a mais de 1,80m de altura, a contar do solo e é provida de 4 barras fixas de ferro, distando 12 cm entre si” [itens 22º a 25º]; a do sótão, aberta em 1984/1985, apesar de não “frestada ou gradeada” (contra o compromisso assumido), nunca teve qualquer outra finalidade senão “a de permitir a iluminação e arejamento do sótão em causa”, até porque no quintal da casa dos réus havia uma figueira cuja ramagem impedia as vistas e devassa [itens 28º e 29º].

Juntaram fotos anteriores às obras.

Foi ordenado o prosseguimento dos autos, com dispensa de audiência prévia (fls. 40).

Desencadeou-se oficiosamente incidente de verificação do valor da causa e, para sua decisão, ordenou-se e realizou-se peritagem, vindo aquele a ser fixado conforme fls. 73 (alterado de 45.000€ para 74.500€), em consequência disso transitando os autos para a Instância Central da Comarca.

Nesta, dispensou-se, de novo, a audiência prévia, proferiu-se saneador tabelar, enunciaram-se genericamente o objecto do litígio e a temática a provar, apreciaram-se os requerimentos de prova, ordenaram-se diligências e marcou-se o julgamento (fls. 79).

Realizou-se, então, a audiência final (16-03-2017), nos termos e com as formalidades descritas na acta respectiva (fls. 102 a 109), nela tendo sido inquiridas oito testemunhas arrolados pelos autores e cinco pelos réus e, no fim, indeferida a requerida inspecção ao local.

Por sentença de 02-05-2017 (fls. 110 a 117), a acção foi julgada improcedente e os réus absolvidos dos pedidos.

Na sequência do apelo em recurso dirigido pelos autores a esta Relação, por acórdão de 02-11-2017 (inserto a fls. 153 a 183 e cujo teor aqui se dá por reproduzido), foi, além do mais, decidido anular a decisão em 1ª Instância proferida sobre a matéria de facto quanto aos pontos naquele indicados.

Devolvidos os autos à 1ª Instância, foi aí ordenada a realização de perícia, cujo relatório está junto a fls. 198-204.

Na audiência reaberta, conforme acta (fls. 207) apenas foram produzidas alegações.

Com data de 11-05-2018 (208 a 224) foi proferida a nova sentença, na qual se voltou a julgar a acção totalmente improcedente e a absolver os réus dos pedidos.

Os autores não se conformaram e, de novo, apelaram em recurso dirigido a esta Relação (fls. 226 a 235), alegando e apresentando as seguintes conclusões:


O presente recurso tem por objetivo não apenas a interpretação e aplicação da lei aos factos dados como provados, como também a reapreciação da prova produzida, documental e testemunhal (gravada), tendo em vista a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, em consonância com o disposto no art.º 662.º do CPC.

A matéria de facto impugnada encontra-se plasmada nos números 4 alíneas a) e b) dos factos provados e nos números 11, 14 e 15 dos factos não provados, na medida em que se considera que a mesma, ao ser dada resposta parcialmente positiva aos factos do número 4 alíneas a) e b) e, bem assim, resposta negativa aos factos 11, 14 e 15, foi incorretamente decidida.

Devendo, outrossim, merecer resposta positiva os factos dos números 11, 14 e 15 e, resposta totalmente positiva os factos do 4 alínea a) e b), no sentido de se concluir que, as janelas existentes na fachada virada a poente do prédio em questão, têm caraterísticas de janelas, com uma altura do sobrado ao parapeito das janelas de 1,47 metros e 0,81 metros, o que releva para efeitos do disposto no artigo 1363º, para servidão de vistas, uma vez que estão a altura inferior a 1,80 metros, e numa das suas dimensões é superior a 0,15 metros, ou seja, superior a 15 centímetros.

Tal resultando, por forma inarredável, da análise critica e alicerçada nas mais elementares regras da experiência comum, quer da prova documental junta aos autos, nomeadamente, a fls. 16 – 18, quer da prova testemunhal produzida em Audiência de julgamento, quer da prova por confissão dos RR., nos artigos 22º, 23º, 24º da contestação, bem com do relatório pericial a fls. 198 – 204 dos autos, que caracteriza e define as aberturas como janelas e com a indicação da altura do sobrado ao parapeito, 1,47 metros e 0,81 metros, medidas que o tribunal omitiu e não considerou como factos provados (nº 4, alínea a) e b) dos factos provados).

Sendo que, se corretamente analisada e valorada, determinam decisão diversa daquela que merecera os mencionados pontos da sentença em crise, como se alcança da transcrição de algumas passagens e sínteses de depoimentos, aqui dados por reproduzidos para legais efeitos.

Razão pela qual e, v.g. do art.º 662.º do PCP., deverá a decisão recorrida, no que tange à matéria de facto impugnada, ser alterada por esse Venerando Tribunal, com o inerente consuetudinário jurídico, uma vez que os elementos de prova carreada para o processo impõem decisão diversa.

Para além de que, a omissão por falta de análise critica às provas relativamente à construção pelos RR, da parede da fachada nascente do prédio do AA, ao não se pronunciar pelo pedido de demolição da mesma, é determinante da nulidade da sentença, conforme decorre do disposto no art.º 615º alíneas b) e d) do CPC.

Como também, não foram tomados em consideração os factos que estão admitidos por acordo das partes, uma vez que os artigos 22º, 23º, 24º e 28º da contestação referem expressamente que as janelas foram autorizadas pelos progenitores do R/m, nos anos de 1978/1984 (art.º 607º nº 4 do VPC.).

A douta Decisão recorrida enferma de NULIDADES, desconhecendo-se a razão pela qual o Tribunal deu a matéria de facto dos números 11, 14 e 15 por não provada, porque na realidade a mesma foi admitida pelos RR, nos artigos 22º, 23º, 24º e 28º da contestação, onde referem expressamente que as janelas foram abertas com autorização dos progenitores do R/marido, nos anos de 1979/1980/ e 1984/1985, portanto há mais de 35 anos o que constitui usucapião nos termos do disposto no artigo 1362º do Código Civil.
10º
Violou, assim, a douta sentença recorrida, para além dos aludidos preceitos legais (art.º 615º alínea b) e d), 607º nº 4, 662º e 608º nº2 do CPC.) e o estatuído nos artigos 3º e 4º do RMUE, os artigos 1287º, 1316º, 1251º, 1296º, 1360º 1365º nº2 e 1362º e 1363º nº 2, do Cód. Civil.
11º
Devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra em que se decida pela procedência da ação, ou em todo o caso, determinando-se a anulação da Audiência de Julgamento, com legal cominação.

Assim se decidindo, far-se-á, uma vez mais a acostumada e devida JUSTIÇA”.

Os réus responderam, alegando e concluindo assim:

1- Os AA/Apelantes interpuseram recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
2- Na sua alegação invocaram a nulidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo por esta não se ter pronunciado de forma critica e completa sobre determinadas questões, designadamente sobre a demolição do muro construído pelos AA/Apelados na fachada nascente.
3- Essa era uma questão administrativa que não é do âmbito da competência material dos tribunais cíveis, antes dos tribunais administrativos e assim estavam aqueles mesmo impedidos de conhecer essa questão, novamente levantada neste recurso.
4- Esta questão não era objeto deste segundo julgamento, pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao não se pronunciar sobre a mesma que já formou caso julgado, exceção que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.
5- Esta questão ficou resolvida no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no dia 03/11/2017 que apenas ordenou que se repetisse o julgamento a fim de se apurar se as aberturas na fachada poente são ou não janelas e retirar daí as necessárias consequências legais quanto ao direito da servidão de vistas, sendo este o único objeto do segundo julgamento.
6- Invocam também os AA/Apelantes a nulidade da sentença com fundamento no artigo 615º als b) e d) do CPC, pretensão que não pode proceder pois a decisão a quo encontra-se devidamente fundamentada, em cumprimento dos normativos legais.
7- O Mmº Juiz a quo pronunciou-se sobre todas as questões de forma critica e fundamentada sobre todas elas, baseando-se na prova constante dos autos e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
8- Quanto ao objeto deste segundo julgamento (qualificação das aberturas feitas pelos AA/Apelantes na fachada poente e consequente existência ou não de servidão de vistas), ficou provado quer pelos depoimentos das testemunhas transcritos quer pela prova documental junta, bem como pelo relatório pericial, que se tratam de frestas e não de janelas
9- Senão vejamos, tais aberturas encontram-se a uma altura superior a 1,80m de distância do solo; não são aberturas amplas; encontram-se gradeadas e, desta forma, não permitem que as pessoas se debrucem no parapeito para desfrutarem das vistas.
10- As ditas aberturas apenas permitem a entrada de luz e ar na casa dos AA/Apelantes.
11- Sendo meras frestas nada impede os RR/Apelados de construírem um muro que as vede.
12- Não se tratando de janelas, mas antes de meras frestas, não se aplica o artigo 1362º do CC que permite a aquisição de uma servidão de vistas por usucapião.
13- Aquisição que os AA/Apelantes abusivamente invocam com fundamento de uma autorização por parte do pai do R/Apelado.
14- Este apenas deu autorização para que os AA/Apelantes abrissem as frestas, com a condição de que lhe fossem colocadas grades, não tendo nunca permitido que os AA/Apelantes abrissem janelas na fachada poente.
15- Em face do exposto, deve ser mantida na integra a decisão proferida pelo Tribunal a quo pois a mesma fez uma correta apreciação da matéria de facto e uma correta subsunção dos factos ao direito, em cumprimento dos normativos legais em causa.
16- Da prova constante dos autos e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento resulta que outra não podia ser a decisão do Tribunal a quo senão a de dar como provados os factos vertidos no número 4 als a) e b) e como não provados os factos vertidos nos números 11, 14 e 15.
TERMOS EM QUE, se requer a V. Exa se digne a admitir as presentes contra alegações, julgando-as totalmente procedentes por provadas e em consequência:

a) Julgar totalmente procedente por provada a exceção de caso julgado invocada pelos RR/Apelados;
b) Julgar totalmente improcedente por não provada a exceção de nulidade da sentença invocada pelos AA/Apelantes;
c) Manter, no mais, a Douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
Vas. Exas. farão a serena e costumeira JUSTIÇA!”.

O tribunal a quo pronunciou-se no sentido de que nenhuma nulidade se verifica. Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

As questões recursivas propostas pelos apelantes são:

1) Nulidade da sentença, nos termos das alíneas b) e d), do artº 615º, por:

a) Omissão “por falta de análise crítica das provas relativamente à construção pelos réus da parede da fachada nascente do prédio dos autores” e, bem assim, “desconhecendo-se a razão pela qual o Tribunal deu a matéria de facto dos números 11, 14 e 15 por não provada, porque na realidade a mesma foi admitida pelos RR, nos artigos 22º, 23º, 24º e 28º da contestação, onde referem expressamente que as janelas foram abertas com autorização dos progenitores do R/marido, nos anos de 1979/1980/ e 1984/1985, portanto há mais de 35 anos”;
b) Não se ter pronunciado sobre o pedido de demolição dessa parede;

2) Se a decisão da matéria de facto deve ser alterada:

a) Considerando-se provados e aditando-se os factos ínsitos aos itens 22, 23, 24 e 28 da contestação;
b) Quanto aos pontos não provados nºs 11, 14 e 15, dando-lhes “resposta positiva”;
c) Quanto ao ponto (parcialmente) provado nº 4, alíneas a) e b), dando-lhes “resposta totalmente positiva” e “no sentido de se concluir que, as janelas existentes na fachada virada a poente do prédio em questão, têm […] uma altura do sobrado ao parapeito das janelas de 1,47 metros e 0,81 metros […] estão a altura inferior a 1,80 metros, e numa das suas dimensões é superior a 0,15 metros, ou seja, superior a 15 centímetros.”

3) Se a sentença violou as normas jurídicas indicadas e deve ser revogada, julgando-se procedente a acção, “ou em todo o caso, determinando-se a anulação da audiência de julgamento”.

III. FUNDAMENTAÇÃO

O tribunal recorrido, em sede de matéria de facto, decidiu:

A) Factos provados

Com relevância para a apreciação do mérito da causa, o Tribunal considera provados os seguintes factos:

1. O prédio urbano composto de casa de habitação sito na Rua (...) com a superfície coberta de 72 m2, a confrontar do norte e poente com João, sul Caminho de consortes, nascente Rua (...), afigura-se inscrito na matriz urbana da freguesia de (...) sob o artigo 429 em nome de M. D..
2. Os Autores habitam o prédio indicado em 1) com a convicção de que são os seus donos.
3. O prédio referido em 1) é composto por casa de habitação, com 2 divisões no rés-do-chão, 6 divisões e varanda no 1º andar e sótão, sendo que no rés-do-chão do mesmo existe uma adega e um espaço para e arrumações.
4. No 1º andar e no sótão do prédio citado em 1), existem duas varandas viradas para a Rua (...), lado nascente e norte, e duas janelas viradas para o lado poente:
a) uma janela no 1º andar com largura de 0,60 metros e altura de 0,80 metros, constituída por perfil básico de alumínio equipado com vidro duplo, composta por dois panos de correr, com uma distância ao solo do logradouro do prédio indicado em 6) de 1,90 m; exteriormente à caixilharia da janela, encontra-se instalada uma grade metálica composta por um aro mais quatro barras de ferro verticais centrais com a secção 1 cm x 1 cm, proporcionando um espaçamento entre barras de aproximadamente 10,4 cm; pelo exterior da grade existe, ainda, uma persiana plástica com a respectiva caixa de estore exterior;
b) uma janela no sótão com largura de 0,60 metros e altura de 0,80 metros, constituída por perfil em ferro equipado com vidro simples fosco, sendo composta por dois panos de batente, com uma distância ao solo do logradouro do prédio indicado em 6) de 4,20 m.
5. As duas janelas referenciadas em 4), abertas em data não concretamente apurada e viradas para o prédio mencionado em 6), permitem a entrada de luz e a ventilação dos respectivos compartimentos.
6. Os Réus habitam o prédio urbano sito na Rua (...), nº10, (...), com a convicção de que são os seus donos.
7. O prédio enunciado em 6) confronta a norte e poente com o prédio indicado em 1).
8. Sucede que, há cerca de cinco anos, os Réus construíram uma parede de blocos e betão no topo sul do prédio referido em 6), desde o 1º andar até à cornija do sótão.
9. No dia 17 de Julho de 2015, no prédio enunciado em 6), os Réus cravaram, no solo, lado poente, dois pilares em ferro na vertical, com cerca de 1,20 m de largura entre si e 5 m de altura, que vão desde o solo, nível do 1º andar, lado poente, até à cornija do prédio referido em 1), distando cerca de 0,18m da fachada do mesmo.
10. Os Réus fixaram nos ditos pilares e na horizontal chapas metálicas com a configuração rectangular, levantando aí, na frente das aberturas mencionada em 4), um painel com cerca de cinco metros de altura por 1,20 m de largura.

B) Factos não provados

11. Há mais de 35, 40 ou até 60 anos, os Autores utilizam as janelas descritas em 4) para olhar em frente, à vista de todas as pessoas, sem a oposição de quem quer que fosse, de forma ininterrupta, com a convicção de exercerem um direito próprio.
12. Os pilares descritos em 9) e 10) provocam infiltrações de água para o interior da adega/arrecadação citada em 3).
13. As obras referenciadas em 8) a 10) provocaram tristeza e angústia aos Autores.
14. Aquando da execução das janelas indicadas em 4), a do 1.º andar em 1979/1980 e a do sótão em 1984/1985, o pai dos Réus declarou autorizar a abertura das mesmas com a condição de apenas servirem para iluminação e arejamento dos compartimentos onde se localizam.
15. No circunstancialismo referenciado em 14), o “dono” da casa indicada em 1) declarou aceitar a condição enunciada em 14).
16. Aquando da abertura das janelas citadas em 4), existia no quintal do prédio descrito em 6) uma figueira cujas ramagens impediam as “vistas” do prédio mencionado em 1) para o prédio indicado em 6).

C) Motivação

A formação da convicção do tribunal estribou-se na análise crítica e conjugada do depoimento da Ré e das declarações das testemunhas M. A., F. M., L. S., J. D., José, A. R., A. P., M. P., L. D., A. D., Amândio, D. D. e M. F., em concatenação com valoração da certidão matricial de fls. 14-15, das fotografias de fls. 16-18 e 35-37, da informação de fls. 94-95 e do relatório pericial de fls. 198-204, sopesados à luz das regras probatórias legalmente tipificadas e do princípio da livre apreciação, em sede de um iter objectivamente cognoscitivo e dialecticamente valorativo.

As testemunhas M. A., num primeiro plano, enquadrou minimamente as casas dos autores e dos Réus, v.g., a tipologia, confrontações, e concretizou medianamente as obras perpetradas pelos Réus, nomeadamente a parede e pilares, matéria desde logo admitida pelos mesmos em sede de contestação.

Ademais, relativamente às alegadas janelas, a testemunha afigurou-se excessivamente proclamatória e predeterminada, não positivando a exigível concretização descritiva das mesmas, limitando-se a indexá-las ao 1.º piso e ao sótão e aflorando perfunctoriamente que as mesmas existem há mais de 30 anos.
Sublinhe-se, ainda, que os depoentes se configuraram outrossim claudicantes quer em sede da enunciação das alardeadas infiltrações na adega, quer no âmbito das consequências psíquicas brandidas pelos Autores.
No que se refere às testemunhas F. M. e L. S., positivou de forma mediana uma contextualização topográfica das casas das partes, suas confrontações e tipologias, sendo que, relativamente às referenciadas janelas, sublinhou de forma clara e descomprometida que “não dão para espreitar, só para iluminar, dar claridade”, imputando com verosimilhança a sua existência desde a construção da casa.
Enfatize-se que a testemunha F. M. assinalou a existência das preditas janelas com a tolerância da mãe do réu.
Acresce que a testemunha L. S. mencionou a ocorrência de infiltrações na adega sem o mínimo de entorno explicativo, atendo-se a uma proclamação opaca.
Relativamente à testemunha J. D., filho dos Autores, em primeira instância, emanou uma descrição minimamente objectivada da casa dos seus pais e das vicissitudes inerentes Às obras perpetradas pelos Réus.
Concomitantemente, num segundo plano de aferição, o depoente revelou-se tíbio e com uma narrativa descontinuada e desprovida de lastro fáctico explicitante com referência às alegadas janelas, afigurando-se incapaz de uma caracterização linear das mesmas, e quanto às infiltrações de água na adega/garagem, não deduzindo uma explicação suficientemente plausível para tal ocorrência.
No que se atem às testemunhas José, A. R. e A. P., respectivamente, militares da GNR e fiscais municipais, cingiram-se ao afloramento sumário e pontual de diligências efectivadas, não titulando cognição sustentada da factualidade nuclear sob julgamento.
A testemunha M. P. efectivou um depoimento eminentemente enredado em enunciados genéricos, conclusivos e desprovidos de suficiente concreção fáctico-fundamentante, abordando predeterminadamente e lassamente a matéria concernente às janelas, infiltrações e alegado desespero dos Autores, v.g., não sabendo tampouco indicar se as sobreditas janelas têm grades.
As testemunhas L. D., A. D., Amândio, D. D. e M. F. configuraram-se marcadamente enquistadas na tutela da posição dos réus, limitando-se a referenciar genericamente a tipologia das obras realizadas pelos mesmos configurando-se sofregamente preordenados em sede da asserção de que as janelas indicadas pelos Autores têm grades.
A certidão matricial de fls. 14-15 afigura-se dotada de força probatória plena atinente aos factos fiscalmente inscritos, i.e., a matriz predial indica que um prédio está inscrito na autoridade tributária e aduaneira em nome de uma determinada pessoa com finalidade estritamente fiscal, nos termos dos arts. 369.º/1, 370.º/1 e 371.º/1, do Código Civil (quorum notitiam et scientiam habet propiis sensibus, visus et auditus), aferindo-se, assim, que a referenciada força probatória do registo predial não congloba os elementos descritivos dos prédios, v.g., as áreas, limites, confrontações (vd. Acórdão do STJ de 27.3.2014, proc. n.º 555/2002.E2.S1, in www.dgsi.pt ).

As fotografias de fls. 16-18 e 35-37 explicitam minimamente os prédios das partes, afigurando-se dubitativas quanto às janelas referenciadas nos autos, sendo que não foram produzidas provas documentais ou periciais susceptíveis de dilucidação.
A informação de fls. 94-95 assume relevância exclusivamente administrativa.

No que tange relatório pericial de fls. 198-204, afigura-se objectivamente fundado, sendo que, em matéria de juízos de facto, consagram uma posição cristalinamente sustentada em parâmetros claros, suficientemente fundamentados e congruentes com as máximas da experiência, configurando-se, assim, consistente e subjectivamente fiável, atestando, designadamente, a localização das janelas sitas no 1.º andar e no sótão do prédio dos Autores, as suas dimensões, estrutura, tipologia, utilidades, bem como a existência de uma grade metálica na janela do 1.º andar.
Ademais, relativamente à data da execução das janelas, não foram determinadas quaisquer circunstâncias passíveis de indiciar ou certificar a mesma.
Em decorrência do supra acervo probatório, no que se atem ao facto 1), o tribunal valorou a certidão matricial de fls. 14-15.
No que concerne aos factos 2) a 3), o Tribunal estribou-se nas declarações prestadas por todas as testemunhas, as quais se configuraram convergentes nestes específicos segmentos.
No que tange aos factos 4) a 5), aferiu-se o relatório pericial de fls. 198-204.
No que se refere aos factos 6) a 10, os mesmos foram reconhecidos/admitidos por acordo pelos Réus.
No que se atem aos factos 11) a 12), ante a claudicância e inconsistência das testemunhas dos Autores nos termos sobreditos, atentando-se na tipologia das sobreditas janelas, v.g., a do 1.º andar, a qual possui uma grade que preclude as alardeadas vistas, e inexistindo provas minimamente sustentáveis quanto à data e contexto da execução das janelas, postulou-se a sucumbência da alegada utilização das “vistas” das mesmas pelos Autores.
Concomitantemente, naufragou a demonstração da ocorrência e da causa das invocadas infiltrações de água.
Relativamente ao facto 13), ante a tibieza e insubsistência dos depoimentos das testemunhas dos Autores, impôs-se a sua não comprovação.

No que concerne aos factos 14) a 16), os quais apenas foram consignados na antedita factualidade em decorrência do determinado pelo Acórdão proferido pelo TRG (vd. fls. 181), os mesmos não foram minimamente sustentados pelos meios probatórios, pelo que se demandou o seu decaimento.

No que se refere aos demais enunciados consubstanciados na petição inicial e na contestação, os mesmos prefiguraram-se como meras declarações genéricas, juízos de inferência ou apreciações jurídicas, ou factos instrumentais à luz do objecto do processo, inidóneos para integrarem a supra matéria fáctica pertinente/nuclear. ”.

No capítulo do Direito, e relativamente ao objecto concreto do litígio que ao tribunal cabia resolver neste processo, na sequência de extensas e gerais considerações teóricas, com alusões normativas e citações de doutrina e jurisprudência, compendiadas na sentença sobre a natureza, objecto, conteúdo, limites, princípios e inserção legal e constitucional do direito real de propriedade, aos modos de aquisição do mesmo, respectiva noção, requisitos de cada e, particularmente, sobre toda a teoria da posse e usucapião, bem assim à origem histórica, conceito, caracterização e conteúdo do direito real menor de servidão e, ainda, à definição e aos pressupostos da responsabilidade civil, fez-se constar, apenas, no que respeita à situação fáctica nos autos julgada provada e quanto às pretensões que, a partir da matéria alegada, os autores queriam através da acção ver reconhecidas e protegidas nos termos peticionados, que:

In casu, no que se atem ao direito de propriedade dos Autores, constata-se que os mesmos não beneficiam de presunção registal, sendo que tampouco alegaram a aquisição do prédio indciado em 1) por usucapião.

Ademais, o elenco fáctico descrito em 1) consubstancia a efectivação pelos Autores de concludentes e sustentados actos materiais de domínio do referenciado prédio, usufruindo as utilidades do mesmo, praticando típicos actos de conservação ordinária, actos que se subsumem no corpus possessório, publicizando a sua actuação.

Noutro plano, o todo complexivo inerente à actuação dos autores consubstanciou o exercício de uma situação jurídica em nome próprio, agindo, assim, com animus sibi habendi ou intenção de ter a coisa para si e animus possidendi ou intenção de ser possuidor.

Destarte, os Autores adquiriram a posse do sobredito prédio, pelo que se presume que titulam o respectivo direito de propriedade.

Concomitantemente, faleceu a demonstração de quaisquer factos passíveis de consubstanciar a violação pelos Réus do direito de propriedade dos Autores, pelo que se impõe o decaimento das pretensões formuladas na primeira parte da al. a) e na al. b) do petitório.
*
No que tange à brandida servidão, o indicado em 4) e 5) é manifestamente insuficiente quer para configurar uma janela em sentido jurídico, quer para positivar o corpus e o animus do direito de servidão de vistas (vd. Acórdão do STJ de 15.5.2008, proc. 08B1368, in www.dgsi.pt ), pelo que não se afiguram perfectibilizados os pressupostos consignados no art.º 1362.º/1, do Código Civil, pelo que se demanda a improcedência do pedido vertido na segunda parte da al. a) e na al. c) do petitório.
[…]

In casu, sucumbe a factualidade passível de configurar a perpetração de quaisquer danos patrimoniais ou não patrimoniais na esfera dos autores, pelo que se postula a improcedência das pretensões formuladas nas als. d) e e) do petitório.

IV. APRECIAÇÃO

No anterior acórdão, começámos por advertir que a alusão, no corpo das alegações então produzidas, a uma servidão de estilicido e ao disposto no artº 1365º, do CC, como outro e novo fundamento da ilicitude da colocação do questionado painel frente às aberturas existentes na fachada da casa dos autores, não tinha cabimento no objecto do recurso, uma vez que alheia ao objecto do processo inicialmente proposto e nunca modificado.

Na verdade, jamais aquele fora invocado e, por isso, não foi alvo da sentença proferida e, como é sabido e se relembra no recente Acórdão do STJ, de 18-09-2018 (1) “Os recursos destinam-se a reapreciar e, eventualmente, a alterar/modificar decisões proferidas sobre questões anteriormente decididas e não a decidir questões novas ou a criar decisões sobre matéria nova, não sendo, por isso, lícito às partes invocarem, nos mesmos, questões que não tenham suscitado perante o tribunal recorrido, a menos que se esteja perante questões de conhecimento oficioso.”

Teimam, no entanto, os recorrentes, nos itens 35 e 37 das alegações e no epílogo das suas conclusões, talvez por descuido na cópia adaptada das anteriores, em referir-se a tal servidão e à violação do artº 1365º, nº 2, do CC.

Não resta senão aqui reiterar a advertência antes feita.

Do mesmo passo, já se tinha chamado à atenção para “a referência, enfatizada pelos apelantes, no corpo daquelas, de que o Tribunal baseou a sua convicção no depoimento da ré mas que, porém, este não se encontra gravado, uma vez que bem sabe (ou devia saber e ter em conta para evitar inutilidades, visto que representado por Advogado na audiência), que, nesta, aliás como se colhe da respectiva acta (cuja fidedignidade não vem posta em causa), não foi tomado qualquer depoimento de parte (aliás, nunca requerido nem ordenado) e que, portanto, tal menção constituirá, na linha do sugerido pelos apelados, mero lapso do Mº Juiz recorrido, justificativo de reparação e não de qualquer exploração.”

Embora seja certo que tal lapso persiste na nova sentença, nada justifica que as recorrentes nele voltem a insistir, uma vez feito aquele esclarecimento.

Quanto a isso, pois, igualmente se reitera aqui a aludida nota.

Adiante.

Primeira questão.

Respeita esta à arguida nulidade da sentença.

Em seu fundamento, invocam os apelantes que àquela falta a “análise crítica” das provas concernentes à alegada construção, pelos réus, de uma parede na fachada nascente do seu prédio (cfr. itens 7º a 9º, da petição, resumidos no ponto (iv) do relato inicial de tal peça) – matéria, aliás, vertida como provada no ponto 8 do capítulo respectivo da sentença ora em apreço.

Porém, nem tal falta, quanto a essa matéria, se verifica nem, mesmo que se verificasse, ela tem como consequência a nulidade da sentença.

Muitas vezes se alude a tal insuficiência. Poucas vezes, com propriedade e em termos consequentes.

Na análise crítica das provas (artº 607º, nº 4, CPC) ou exame crítico das provas (artº 374º, nº 2, CPP) avulta a tarefa, cometida ao Juiz, de decomposição, apreciação e valoração (sobretudo, quando livres) dos meios de prova, culminando na formação (também quando livre) da sua prudente convicção acerca da realidade de cada facto essencial controvertido, habilitando-o a julgá-lo e a declará-lo como provado ou não provado.

A motivação ou fundamentação da decisão da matéria de facto deve reflectir os passos e o resultado desse percurso judicativo. Ela consiste na exposição, concreta, detalhada e, tanto quanto possível, precisa e concisa, desse iter. Não se cumpre com a afirmação de meras fórmulas tabelares. Não se basta com expressões genéricas ou conclusivas relativas à avaliação feita de cada meio. Não exige uma descrição exaustiva do respectivo teor. Antes impõe, ao considerar o sentido deste, a enunciação clara da razão de ciência e os motivos por que e em que medida, recorrendo a critérios de razoabilidade aplicáveis e às regras da experiência atendíveis, lhe foi atribuída, ou negada, credibilidade. Compreende a indicação perceptível das ilações tiradas dos factos instrumentais e a especificação dos demais fundamentos, permitidos pela liberdade de apreciação e conformes à prudência na valoração, em cada caso tidos por decisivos.

A motivação ou fundamentação destina-se, por um lado, a esclarecer e a convencer as partes da bondade e mérito da decisão, exercitando em simultâneo o autocontrolo do julgador; por outro, a facultar-lhes a impugnação desta quando com ela não conformadas; e, por fim, a permitir a sua reapreciação, face ao reexame daquela e desta, pelo tribunal superior.

Ela desenvolve o princípio plasmado no artº 205º, da Constituição, e concretiza a regra geral prevista no artº 154º, do CPC.

Tal tarefa já assim foi definida pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da jurisdição penal mas em termos transponíveis para a civil: “5. O «exame crítico» das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projecção no campo que pretende regular a fundamentação em matéria de facto - mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência. 6. A noção de «exame crítico» apresenta-se como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação próprio das questões de direito. 7. O «exame crítico» consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. 8. A integração das noções de «exame crítico» e de «fundamentação» envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razoes de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos. 9. Os critérios e elementos de ponderação necessários para avaliar se foi adequadamente efectuado o «exame crítico» das provas no âmbito das exigências da lei, retira o plano da decisão do espaço de intervenção dos juízos de eleição, interpretação e aplicação de um princípio ou norma legal, subtraindo-o, consequentemente do âmbito da matéria de direito.” (2)

Como também a este propósito refere Abrantes Geraldes: “Não é necessária, nem aconselhável que essa motivação se traduza na reprodução ou no resumo dos depoimentos prestados pelas testemunhas. A apreciação crítica destes ou de quaisquer outros meios de prova basta-se com a exposição dos aspectos que para o juiz se revelaram decisivos para a enunciação dos factos que considerou provados e não provados, devendo reforçar a motivação quando tenha sido confrontado com meios de prova não coincidentes. Esse dever não se basta obviamente com a alusão genérica e indiscriminada a determinados meios de prova (v.g. “a prova testemunhal” ou “a prova pericial”). Correspectivamente, é curial que a motivação seja individualizada relativamente a cada facto ou factos que entre si formem um bloco. Importa que também a motivação seja transparente, por forma a habilitar as partes a compreender as razões essenciais em que o juiz sustentou a sua decisão e, em casos de discordância, a proceder à sua impugnação. A apreciação crítica dos meios de prova deve permitir às partes e, depois, ao Tribunal da Relação, perceber as razões essenciais que levaram o juiz a pronunciar-se de determinado modo relativamente aos factos essenciais, com indicação, por exemplo, das razões de ciência que relevou, por forma a ficar garantida tanto a impugnação da decisão, como a sua reapreciação pela Relação.”. (3)

Na expressão do Acórdão desta Relação de 04-10-2018 (4):

“Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655).

«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).

«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 591, com bold apócrifo).”.

Ora, consta na motivação que o ponto provado nº 8 relativo a tal factualidade, tal como outros, “foram reconhecidos/admitidos por acordo pelos réus”. Foi essa efectivamente a posição por estes assumida como resulta do cotejo dos itens 8, 12 e 13 da contestação com o 7º e seguintes da contestação.

Não se tratando sequer de matéria sujeita a demonstração através dos meios de prova nos termos do artº 411º, estando ela subtraída a julgamento, não carecendo de “análise crítica” nem de consequente decisão propriamente dita segundo os parâmetros acima referidos embora devendo ser tomada em consideração, por força do que na segunda parte do nº 4 e no nº 5 in fine, do artº 607º, se dispõe, em conjugação com o artº 574º, verifica-se que ela foi correctamente levada em conta, não fazendo qualquer sentido referir-se-lhe a falta do referido exame.

De qualquer modo, tal omissão não gera a nulidade da sentença referida na alínea b), do nº 1, do artº 615º.

É que não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, a consequência será, apenas, que a Relação determine ao tribunal de 1ª instância que a fundamente – alínea d), do nº 2, do artº 662º.

Essencialidade que, como se verá, nem sequer ocorre.

As recorrentes apontam também tal falta de análise crítica à alegada circunstância de se desconhecer a razão pela qual o tribunal a quo deu a matéria de facto dos números 11, 14 e 15 por não provada, tanto mais que, a seu ver, esta teria sido admitida pelos réus nos itens 22, 23, 24 e 28 da contestação.

Referem-se aqueles três pontos aos factos integrantes da alegada posse da servidão de vistas em termos de usucapião, designadamente à data e às demais circunstâncias (alegadas pelos réus na contestação) em que tais janelas teriam sido abertas (os autores jamais alegaram expressa e directamente a data de tal abertura e limitaram-se a alegar que sempre, desde 1979, e a anterior proprietária até 1978, vêm usando a “servidão de vistas, bem como luminosidade e ventilação do seu prédio”, em termos integrantes de usucapião (“há mais de 35, 40 ou até 60 anos”) [itens 28 e 29 da petição].

Ora, no anterior acórdão, a propósito dos falados itens 22, 23, 24 e 28 da contestação e da questão de saber se – como os recorrentes preconizavam então e agora continuam a defender – os respectivos factos devem ser aditados e considerados como provados, já se tinha decidido que não.

Referiu-se, então:

“Quanto às aberturas, cuja existência no 1º andar e no sótão da casa dos apelantes é pacífica, alegaram os réus:

-no item 22, que tais aberturas foram autorizadas pelo pai do réu marido, sob condição de servirem para iluminação e arejamento para os compartimentos onde se localizam;
-no item 23, que esta condição foi aceite pelos então donos do prédio;
-no item 24, que a abertura do 1º andar, feita em 1979/1980, em “forma de janela”, logo os donos daquele a frestaram, para evitar que devassassem, debruçando-se, o quintal da casa dos apelados;
-no item 28, que a abertura existente no sótão nunca foi frestada ou gradeada, apesar de compromisso nesse sentido aquando da sua abertura.

Ora, nenhum destes aspectos fácticos consta alegado pelos autores na petição, de modo a poder dizer-se que estão admitidos pelos réus. Alguns deles são mesmo opostos (maxime, a função e a data da sua alegada abertura em relação à da respectiva posse).

Não foi sequer facultado o exercício do contraditório sobre tal peça, de modo a que, antes da audiência, sobre alguns dos pontos nela alegados se estabelecesse no processo consenso.

Mesmo a descrição das características das janelas que ora ex novo os apelantes fazem nas alegações está em desarmonia com a que referem os apelados.

Daí que – sem prejuízo do que porventura se venha a entender ainda quanto à necessidade de apurar tais factos controvertidos – não deva haver lugar a aditamento deles nos termos do nº 4, do artº 607º, por não acordados.“

Tal argumento, portanto, não colhe, por manifestamente inconsequente.

De resto, não se percebe como, no domínio ainda da questão da imputada falta de análise crítica, os recorrentes dizem desconhecer “a razão pela qual o Tribunal deu a matéria de facto dos números 11, 14 e 15 por não provada”.

Ela consta da motivação. Além das referências ao que algumas das testemunhas disseram e do que do relatório pericial resulta sobre as janelas e data da sua abertura, ali pode ainda ler-se:

“No que se atem aos factos 11) a 12), ante a claudicância e inconsistência das testemunhas dos Autores nos termos sobreditos, atentando-se na tipologia das sobreditas janelas, v.g., a do 1.º andar, a qual possui uma grade que preclude as alardeadas vistas, e inexistindo provas minimamente sustentáveis quanto à data e contexto da execução das janelas, postulou-se a sucumbência da alegada utilização das “vistas” das mesmas pelos Autores.
[…]
No que concerne aos factos 14) a 16), os quais apenas foram consignados na antedita factualidade em decorrência do determinado pelo Acórdão proferido pelo TRG (vd. fls. 181), os mesmos não foram minimamente sustentados pelos meios probatórios, pelo que se demandou o seu decaimento. ”.

Não ocorre, pois, verdadeira falta de análise crítica dos meios de prova em relação a qualquer facto.

Ainda assim as recorrentes invocam que a sentença é nula, nos termos da alínea d), do nº 1, do artº 615º, do CPC, por se não ter pronunciado sobre o pedido de demolição da parede.

Efectivamente tal pedido foi formulado, de modo expresso, na alínea a), primeira parte e é verdade que devendo o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, caso deixe de sobre elas se pronunciar a sentença será nula.

Atenta a função e competência dos Tribunais e dos Juízes decorrentes da Constituição, das demais Leis, designadamente orgânicas, estatutárias e processuais, deve a sentença resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Tais questões são as que ressaltam do objecto do processo definido pela causa de pedir e pelo pedido.

Na síntese do Acórdão do STJ, de 20-11-2014 (5), “I - É jurisprudência consensual dos tribunais portugueses que importa não confundir questões (cuja omissão de pronúncia desencadeia nulidade da decisão nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 615º do actual CPC) com argumentos, razões ou motivos que são aduzidos pelas partes em defesa ou reforço das suas posições. II - Esta é também a lição da generalidade da doutrina, como ensinou, além do eminente processualista que foi Alberto dos Reis, também Antunes Varela, de cuja lição permitimo-nos transcrever a seguinte passagem:

«Não pode confundir-se de modo nenhum, na boa interpretação da alínea d) do artº 668º do CPC, as questões que são colocadas que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto e de direito), os argumentos e pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão» (A. Varela, Rev. Leg. Jur., ano 122º, pg. 112). III - De igual sorte, esta também é a orientação consensual da nossa jurisprudência, como se pode ver, inter alia, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 27- 03-2014 (Pº 555/2002.E2.S1, disponível em www.dgsi.pt) assim sumariado na parte que ora interessa: «Para efeitos de nulidade de sentença/acórdão há que não confundir «questões» com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes nos seus articulados, e aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada». IV - Com efeito, as nulidades não são, em regra, vícios que inquinem a generalidade das decisões judiciais nem correspondem, em regra, ao que as partes, com muito maior frequência do que seria de desejar, consideram como tal, pois o legislador português foi deveras cauteloso em não fulminar com nulidade toda e qualquer omissão ou insuficiência da decisão que a parte entenda haver ou possa mesmo ter ocorrido, aliás em consonância com a orientação perfilhada por vários ordenamentos jurídicos tendo, como trave mestra, o vetusto princípio francês «pas de nulité sans texte». Elas estão devidamente fixadas em «numerus clausus» na lei, presentemente no artº 615º no NCPC/2013. V - Por outro lado, de há muito que a nossa jurisprudência, designadamente a deste Supremo Tribunal, tem densificado o conceito de todas as nulidades legalmente previstas, sendo incontestável que em matéria de sentenças/acórdãos a lei teve o cuidado de criar um regime tipológico ou taxativo (numerus clausus) que é o consagrado no actual 615º no NCPC/2013 (artº 668º do CPC revogado).”

Ora, a sentença, no dispositivo, declarou absolver os réus “do peticionado” – ou seja, de todos os pedidos, logo também deste.

Na fundamentação de facto, consta como provada (ponto 8) a edificação da parede. Nada mais.

Na fundamentação de direito, entre a vasta e longa exposição teórica já referida (em torno do direito de propriedade e da servidão de vistas), apenas na sua oitava página consta uma parca alusão, subsequente à verificação do domínio do prédio pelos autores, que quase passa despercebida:

“Concomitantemente, faleceu a demonstração de quaisquer factos passíveis de consubstanciar a violação pelos Réus do direito de propriedade dos Autores, pelo que se impõe o decaimento das pretensões formuladas na primeira parte da al. a) e na al. b) do petitório.”

A primeira parte dessa alínea a) refere-se precisamente ao pedido de demolição da parede construída pelos réus no seu prédio, alegadamente prejudicial dos direitos dos autores.

Ora, sem deixar de se reconhecer a magreza desta pronúncia sobre a questão da demolição do muro, não parece que possa concluir-se pela ausência da mesma, nos termos da alínea d), nem da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito referida na alínea b), do mesmo nº 1, do artº 615º, que os recorrentes também apontaram, embora sem a clareza, precisão e assertividade desejáveis.

E isto porque, em boa verdade, apesar de provada a alegada construção de tal muro, pouco mais haveria a dizer sobre a inconcludência de tal alegação, logo sobre a fatal improcedência do correspondente pedido.

Se bem virmos, na petição, cujo mote consiste na lesão de direitos reais dos recorrentes, eles referiram a servidão de vistas, de ar e luz em benefício do seu prédio e onerando o dos réus como fundamento para pedirem a desmontagem e retirada do painel fronteiro às janelas, ao abrigo do artº 1362º, nº 2, do CC.

Todavia, quanto à dita parede, limitaram-se a invocar, não a lesão directa causada a qualquer identificado direito por si titulado, mas de preceitos de natureza edificativa e urbanística e respectivo licenciamento, bem como de segurança, ou seja, normas de direito público administrativo (cfr. itens 7 a 15, da petição).

Em termos de direito privado, referiram, apenas muito genericamente, que a parede prejudica “todas as habitações” e constitui perigo para a sua segurança e dos habitantes e transeuntes (itens 11 e 13). Nada especificaram.

Além disso, esboçaram uma vaga alusão a que ela obstruiu a “visibilidade” (item 12). Nada sobre esta concretizaram.

Excedendo as questões de natureza administrativa o objecto deste processo e a competência dos tribunais comuns, não alegaram, portanto, concretos fundamentos capazes de sustentar o pedido de demolição da parede e, designadamente, não caracterizaram a referida “visibilidade” e “perigos” nem os conexionaram com o seu prédio e direitos próprios inerentes e que, por violados, imponham a pretendida demolição.

Afigurando-se-nos que isto, mas não mais, podia e devia ter sido explicitado em observância mais cuidada e completa do dever de fundamentação previsto na Constituição e na Lei, conclui-se que não é por o não ter sido que se verifica a arguida nulidade.

Note-se que, no primeiro acórdão, esta questão da nulidade e, consequentemente, da parede, apesar de suscitada em termos similares, não foi alvo, pela Relação, de qualquer pronúncia, por ter sido considerada prejudicada face à decisão tomada, pelo que os argumentos contrapostos pelos recorridos, na sua resposta, quanto ao sentido e efeitos de tal abstenção (designadamente de que ocorre caso julgado), não colhem.

De todo improcede, portanto, a questão da nulidade.

Modificação da matéria de facto

a) Quanto à pretensão de que sejam considerados provados, com fundamento legal em acordo das partes resultante das posições assumidas nos articulados, e aditados os factos dos itens 22, 23, 24 e 28 da contestação, já acima se lembrou e reiterou o que havia sido decidido no anterior acórdão.

Tratemos, agora, conjuntamente, das questões das alíneas b) e c).

Relativamente à factualidade integradora da pelos apelantes alegada servidão de vistas (e de ar e luz) adquirida por usucapião e fundada na existência de, no seu dizer, duas janelas abertas deitando directamente sobre o prédio dos apelados e à factualidade por estes alegada em contrário daquela ou em fundamento do seu oposto direito a levantar os painéis contra aquelas, vedando-as (concluindo, a partir das características por eles descritas, que se trata de “frestas, seteiras ou óculos para luz e ar” ou de “janelas gradadas”), o Tribunal recorrido julgou e decidiu como provado, na nova sentença, apenas que:

4. No 1º andar e no sótão do prédio citado em 1) [ou seja, o prédio que é propriedade dos autores e onde estes habitam], existem duas varandas viradas para a Rua (...), lado nascente e norte, e duas janelas viradas para o lado poente:

a) uma janela no 1º andar com largura de 0,60 metros e altura de 0,80 metros, constituída por perfil básico de alumínio equipado com vidro duplo, composta por dois panos de correr, com uma distância ao solo do logradouro do prédio indicado em 6) de 1,90 m; exteriormente à caixilharia da janela, encontra-se instalada uma grade metálica composta por um aro mais quatro barras de ferro verticais centrais com a secção 1 cm x 1 cm, proporcionando um espaçamento entre barras de aproximadamente 10,4 cm; pelo exterior da grade existe, ainda, uma persiana plástica com a respectiva caixa de estore exterior;
b) uma janela no sótão com largura de 0,60 metros e altura de 0,80 metros, constituída por perfil em ferro equipado com vidro simples fosco, sendo composta por dois panos de batente, com uma distância ao solo do logradouro do prédio indicado em 6) de 4,20 m.
5. As duas janelas referenciadas em 4), abertas em data não concretamente apurada e viradas para o prédio mencionado em 6), permitem a entrada de luz e a ventilação dos respectivos compartimentos.
9. No dia 17 de Julho de 2015, no prédio enunciado em 6) [ou seja, no prédio dos réus e que estes habitam], os Réus cravaram, no solo, lado poente, dois pilares em ferro na vertical, com cerca de 1,20 m de largura entre si e 5 m de altura, que vão desde o solo, nível do 1º andar, lado poente, até à cornija do prédio referido em 1), distando cerca de 0,18m da fachada do mesmo.
10. Os Réus fixaram nos ditos pilares e na horizontal chapas metálicas com a configuração rectangular, levantando aí, na frente das aberturas mencionada em 4), um painel com cerca de cinco metros de altura por 1,20 m de largura.

E considerou como não provado que:

11. Há mais de 35, 40 ou até 60 anos, os Autores utilizam as janelas descritas em 4) para olhar em frente, à vista de todas as pessoas, sem a oposição de quem quer que fosse, de forma ininterrupta, com a convicção de exercerem um direito próprio.
14. Aquando da execução das janelas indicadas em 4), a do 1.º andar em 1979/1980 e a do sótão em 1984/1985, o pai dos Réus declarou autorizar a abertura das mesmas com a condição de apenas servirem para iluminação e arejamento dos compartimentos onde se localizam.
15. No circunstancialismo referenciado em 14), o “dono” da casa indicada em 1) declarou aceitar a condição enunciada em 14).
16. Aquando da abertura das janelas citadas em 4), existia no quintal do prédio descrito em 6) uma figueira cujas ramagens impediam as “vistas” do prédio mencionado em 1) para o prédio indicado em 6).

Justificou tal julgamento, para além da tabelar e genérica menção do rol dos diversos meios de prova produzidos e invocação abstracta das regras e princípios, na referência, a respeito deste caso, a que, segundo a sua perspectiva, a testemunha M. A., quanto às alegadas janelas foi “excessivamente proclamatória e predeterminada, não positivando a exigível concretização descritiva das mesmas, limitando-se a indexá-las ao 1º piso e ao sótão e aflorando perfunctoriamente que as mesmas existem há mais de 30 anos”; que as testemunhas F. M. e L. S. terão “sublinhado de forma clara e descomprometida que «não dão para espreitar, só para iluminar, dar claridade», imputando com verosimilhança a sua existência desde a construção da casa”, destacando que o primeiro “assinalou a existência das preditas janelas com a tolerância da mãe do réu”; que a testemunha J. D. (filho dos apelantes) “revelou-se tíbio e com uma narrativa descontinuada e desprovida de lastro fáctico explicitante com referência às alegadas janelas, afigurando-se incapaz de uma caracterização das mesmas”; que o depoimento da testemunha M. P. foi “enredado em enunciados genéricos, conclusivos e desprovidos de suficiente concreção fáctico-fundamentante, abordando predeterminamente e lassamente a matéria concernente às janelas…, não sabendo tampouco indicar se as sobreditas janelas têm grades”; que as cinco testemunhas dos apelados “configuraram-se enquistadas na tutela da posição dos réus…configurando-se sofregamente preordenadas em sede da asserção de que as janelas indicadas pelos autores têm grades”.

Nesta linha, continuou a considerar, como na primeira sentença, que as fotos juntas se lhe afiguraram “dubitativas” quanto às janelas e salientou não terem sido produzidas provas documentais ou periciais (6) mais esclarecedoras, mas acrescentou que:

“No que tange relatório pericial de fls. 198-204, afigura-se objectivamente fundado, sendo que, em matéria de juízos de facto, consagram uma posição cristalinamente sustentada em parâmetros claros, suficientemente fundamentados e congruentes com as máximas da experiência, configurando-se, assim, consistente e subjectivamente fiável, atestando, designadamente, a localização das janelas sitas no 1.º andar e no sótão do prédio dos Autores, as suas dimensões, estrutura, tipologia, utilidades, bem como a existência de uma grade metálica na janela do 1.º andar.
Ademais, relativamente à data da execução das janelas, não foram determinadas quaisquer circunstâncias passíveis de indiciar ou certificar a mesma.
[…]
No que tange aos factos 4) a 5), aferiu-se o relatório pericial de fls. 198-204.
No que se refere aos factos 6) a 10, os mesmos foram reconhecidos/admitidos por acordo pelos Réus.
No que se atem aos factos 11) a 12), ante a claudicância e inconsistência das testemunhas dos Autores nos termos sobreditos, atentando-se na tipologia das sobreditas janelas, v.g., a do 1.º andar, a qual possui uma grade que preclude as alardeadas vistas, e inexistindo provas minimamente sustentáveis quanto à data e contexto da execução das janelas, postulou-se a sucumbência da alegada utilização das “vistas” das mesmas pelos Autores.
[…]
No que concerne aos factos 14) a 16), os quais apenas foram consignados na antedita factualidade em decorrência do determinado pelo Acórdão proferido pelo TRG (vd. fls. 181), os mesmos não foram minimamente sustentados pelos meios probatórios, pelo que se demandou o seu decaimento. ”.

Perante isto, os recorrentes defendem que o ponto provado 4, alíneas a) e b), deve “merecer resposta totalmente positiva”, e que os pontos não provados 11, 14 e 15 devem “merecer resposta positiva” (cfr. conclusão 3ª), ou seja, acrescentar-se – como resulta da interpretação necessária das alegações –, em relação às janelas do andar e do sótão, que:

-a altura do sobrado ao parapeito é de 1,47 metros e 0,81 metros, respectivamente;
-que foram abertas em 1979/1980 e 1984/1985, respectivamente;
-com autorização dos progenitores do réu marido;
-sendo, desde então, utilizadas pelos autores para “vistas, luminosidade e ventilação”;

Sustentam que tal releva para a caracterização e consequente qualificação jurídica das aberturas e baseiam-se nos meios de prova que resumem na conclusão 4ª: documentos, relatório pericial, testemunhas e do que, sobre aqueles aspectos (datas e autorização), os próprios réus reconhecem na contestação.

Mostram-se satisfeitos os requisitos do artº 640º, CPC.

Ora, quanto àquelas medidas, o relatório pericial, não foi questionado e é inquestionavelmente inequívoco. Basta analisar o desenho bem explicativo, esclarecedor e nele constante (fls. 200). Tais medidas são 1,47 m e 0,81 m.

Conquanto os autores tivessem alegado que a servidão de vistas, luminosidade e ventilação vem sendo usada pela anterior proprietária Maria até 1978 e a partir do ano de 1979 por eles próprios (item 28 da pi) e, portanto, “há mais de 35, 40 ou até 60 anos” (item 29) e este tenha sido o período sobre que o tribunal a quo se pronunciou dando-o como não provado, o certo é que os réus admitiram nos itens 24 e 28 da contestação que tais aberturas foram feitas em 1979/1980 e 1984/1985, respectivamente (embora em termos e com finalidade que não coincidem com os alegados pelos autores) e os autores conformam-se com tais datas.

De resto, se se considerar que a testemunha M. A. (cujo depoimento, pelo tom e postura perceptíveis, nos pareceu sereno e sério, assertivo e escorreito, sem evidenciar influência ou tendência, apesar de ter o cuidado de espontaneamente esclarecer que é compadre do filho dos autores, nomeadamente quanto à data das janelas), reconhecendo não saber ao certo, calculou, em termos claros, directos e com o grau de concretização possível (de estranhar seria se indicasse uma data certa!), que tal sucedeu “há 30 e tal 40 anos” e explicou que, tendo 60 de idade, sempre se lembra de lá ver as janelas; que a testemunha F. M. (depondo com idêntica atitude e justificando saber por ter andado a trabalhar na construção da casa), referiu que as “janelas já estão feitas abertas desde o início da construção da casa” e que foi “a mãe do senhor que é o actual dono é que deixou abrir aquelas janelas há mais de 40 anos”, “posso-lhe afirmar isso, há mais de 40 anos” e assim tendo sucedido porque se davam todos bem, nunca tendo havido qualquer zanga, embora ache que “os janelos” eram mais para ventilação e claridade e nem seriam abertos nem dão para espreitar (o que, não sendo isto manifestamente verdade quanto a ambas as janelas e sobretudo quanto à do sótão, não passa de mera opinião pessoal sem fundamento aceitável e inspirada no desconhecimento em concreto do uso e da situação actual, uma vez que ignora se existe algum gradeamento, apesar de este estar certificado no relatório pericial quanto à janela do 1º andar); que a testemunha L. S. disse, quanto às janelas, “que me lembre sempre estiveram lá”; que a testemunha J. D. contou que, tendo para ali ido viver com 15 anos e tendo agora 55 de idade, sempre ali viu as janelas; e se se tiver em conta o que das fotografias constantes dos autos resulta quanto à aparente vetustez do prédio e a consonância com esta do tipo e características das janelas; e que a testemunha M. P. esclareceu que a casa dos autores tem uns 40 anos e disse (não se vendo motivo para o considerar “predeterminado” nem “lasso”) que as janelas estão lá “há muitos anos…assim ao certo…há mais de 30” (sem que seja, na verdade, expectável que espontaneamente saibam e afirmem uma data precisa) – tudo assim conjugado, resulta certo, seguro e portanto credível, por, razoavelmente plausível e conforme ao que ensinam as regras da experiência quando existem relações de boa vizinhança ou quando estas acabam por se deteriorar e gerar reacções extremas de negação do estado de coisas antes existente e consentido, que as janelas do andar e do sótão foram, pelo menos, abertas em 1979/1980 e 1984/1985, respectivamente.

Considerando, ainda, o que disse a testemunha F. M., o tão longo período de tempo decorrido sem qualquer reacção adversa à existência das aberturas (7) e o que os próprios réus também sintomaticamente admitiram (item 22 da contestação), cremos também não haver dúvidas que, independentemente dos termos e condições em que tenha sido concedida, tal ocorreu com autorização de quem à data era proprietário do prédio hoje dos réus (segundo estes, o pai do réu marido e segundo a testemunha F. M., a mãe, ou seja, os seus progenitores).

Estando já assente que elas se destinaram a permitir a entrada de luz e a ventilação dos respectivos compartimentos (facto provado nº 5), afigura-se-nos que, atentas as suas dimensões, localização, orientação, dependências servidas, natureza do prédio vizinho e, enfim, o que é normal acontecer em circunstâncias congéneres – quando, por exemplo, no espaço respectivo do 1º andar, a testemunha J. D. (filho dos autores) disse ter tido o seu quarto – que elas, na medida em que tal o permite a respectiva estrutura (no caso da do 1º andar, o espaçamento entre as barras verticais; e, no da do sótão, os dois panos de batente que abrem de par em par, como melhor se colhe das fotos juntas a fls. 203 e 204 que, para melhor juízo, deverão ser dadas por reproduzidas nos factos), sempre foram utilizadas para olhar em frente.

A nossa análise crítica diverge, assim, nesta parte, quanto aos seus termos e resultado, da apreciação e valoração feitas pelo tribunal recorrido e das conclusões retiradas dos meios de prova em apreço, maxime quanto à data da execução das janelas, discordando-se, pelo que se viu, que quanto a ela “não foram determinadas quaisquer circunstâncias passíveis de indiciar ou certificar a mesma”; quanto às suas medidas, uma vez que irrefutáveis no relatório pericial de onde foram aferidos os demais elementos dados como certos; e quanto às “alardeadas vistas”, tendo em conta que as grades (apenas de uma das janelas) e a altura (da do 1ºandar), referidas como pretexto impeditivo, por si não as obstaculizam de todo, antes permitem que, através delas, se olhe e veja para o exterior, nomeadamente para o prédio dos réus, embora segundo as condições que cada uma propicia às pessoas que o façam.

Outro motivo e finalidade, se não que os de por termo a tais vistas subsistentes para o seu prédio, se não descortinam na atitude, algo inusitada, dos réus de, conforme provado no ponto 9 e retratado na foto de fls. 202 (de baixo), terem implantado, erguido e postado precisamente, mas só, na frente das duas janelas, o painel metálico em chapa com a largura de um metro (apenas em 40 cm excedente à das janelas) suportado por dois perfis, erguidos na vertical, desde o solo onde estão fixados até à cornija da respectiva empena da casa dos autores, conforme descrito e esquematizado no relatório pericial (fls. 200 e 201). É que, estando aquele à distância de 0,18 m da parede, subsistindo exteriormente a caixa de estore da persina da janela do 1º andar e, portanto, continuando a deixar passar ar e luz pelo espaço ainda assim existente, é óbvio que o sentido de tal reacção e a função do painel foi cortar a visibilidade além das janelas que antes existir e os autores usufruíam.

De resto, se, como argumentaram os réus (item 29 da contestação) era a figueira que existia no seu prédio que “impedia as vistas e a devassa do quintal” através das janelas dos autores, é porque, estas realmente a permitiam e permitiram posto que a figueira lá deixou de existir, segundo alegam.

Quanto à convicção com que os autores foram utilizando as janelas, afigura-se-nos de presumir, por conforme à situação descrita e às regras da experiência decorrentes em circunstâncias similares, que, tendo em conta o consentimento que esteve na base da abertura das janelas, o longo período de tempo decorrido desde então e em que assim se mantiveram pacificamente, que a utilização que lhes foram dando correspondia e corresponde ao exercício de um direito próprio.

De salientar que, tendo os réus alegado que a autorização dada para tal abertura das janelas teria ocorrido sob condição, aceite pelos autores, de elas apenas servirem para iluminação e arejamento e constando tal facto (como outros) incluído nos pontos não provados 14 e 15 cuja alteração os autores pretendem (sem fazerem qualquer distinção ou restrição expressa), deduz-se do teor das suas alegações, devidamente interpretadas, não ter sido sua intenção incluir na impugnação este facto (contrário à sua tese, cuja prova competia aos réus mas eles não conseguiram, nem se vê que exista, sendo aliás hipótese desligada do que teria sido normal em função das regras da experiência, dadas as relações amistosas que presidiram à abertura e a óbvia consciência comum de que sempre por qualquer delas e em função das suas medidas e forma seria permitido ver, declaração negativa com a qual, de resto, os réus se conformaram).

Daí que esse facto (condição aceite) deva permanecer não provado.
Tendo, por último, em consideração que os recorridos, na sua resposta, quanto a este tema, se limitaram a salientar extractos do depoimento de duas das suas testemunhas alusivos às grades e à distância das janelas ao pavimento (matéria sobre que incidiu a perícia e consta, elucidativa e credivelmente, do relatório pericial) e não puseram em causa os invocados pelos recorrentes, conclui-se que a impugnação merece provimento nos apontados termos quanto aos pontos 4, 11 e 14, o que implica consequentemente a alteração (oficiosa, ao abrigo do artº 662º e 607º, nº 4, CPC, e para tudo harmonizar) aos pontos 5 (deste eliminando a expressão contraditória “abertas em data não concretamente apurada” e incluindo-se que também permitem “olhar em frente”), 9 e 10 (rectificando-se a largura do painel e dos pilares para 1 metro, que é a constante exacta e convincentemente do relatório da peritagem – naquele tomado em conta quanto ao mais – e não a alegada e mencionada).

Consequentemente, a decisão da matéria de facto fica assim fixada (8):

A) Factos provados

Com relevância para a apreciação do mérito da causa, o Tribunal considera provados os seguintes factos:

1. O prédio urbano composto de casa de habitação sito na Rua (...) com a superfície coberta de 72 m2, a confrontar do norte e poente com João, sul Caminho de consortes, nascente Rua (...), afigura-se inscrito na matriz urbana da freguesia de (...) sob o artigo 429 em nome de M. D..
2. Os Autores habitam o prédio indicado em 1) com a convicção de que são os seus donos.
3. O prédio referido em 1) é composto por casa de habitação, com 2 divisões no rés-do-chão, 6 divisões e varanda no 1º andar e sótão, sendo que no rés-do-chão do mesmo existe uma adega e um espaço para e arrumações.
4. No 1º andar e no sótão do prédio citado em 1), existem duas varandas viradas para a Rua (...), lado nascente e norte, e duas janelas viradas para o lado poente:

a) uma janela no 1º andar, cujo parapeito se situa a 1,47 metros a contar do sobrado, com largura de 0,60 metros e altura de 0,80 metros, constituída por perfil básico de alumínio equipado com vidro duplo, composta por dois panos de correr, com uma distância ao solo do logradouro do prédio indicado em 6) de 1,90 m; exteriormente à caixilharia da janela, encontra-se instalada uma grade metálica composta por um aro mais quatro barras de ferro verticais centrais com a secção 1 cm x 1 cm, proporcionando um espaçamento entre barras de aproximadamente 10,4 cm; pelo exterior da grade existe, ainda, uma persiana plástica com a respectiva caixa de estore exterior – cfr. fotos de fls. 201 (em baixo) e de fls. 203, aqui dadas por reproduzidas, que a retratam;
b) uma janela no sótão, cujo parapeito se situa a 0,81 metros do sobrado, com largura de 0,60 metros e altura de 0,80 metros, constituída por perfil em ferro equipado com vidro simples fosco, sendo composta por dois panos de batente, com uma distância ao solo do logradouro do prédio indicado em 6) de 4,20 m – cfr. fotos de fls. 202 (em cima) e de fls. 204, aqui dadas por reproduzidas, que a retratam.
5. As duas janelas referenciadas em 4), viradas para o prédio mencionado em 6), permitem olhar em frente, a entrada de luz e a ventilação dos respectivos compartimentos.
6. Os Réus habitam o prédio urbano sito na Rua (...), nº10, (...), com a convicção de que são os seus donos.
7. O prédio enunciado em 6) confronta a norte e poente com o prédio indicado em 1).
8. Sucede que, há cerca de cinco anos, os Réus construíram uma parede de blocos e betão no topo sul do prédio referido em 6), desde o 1º andar até à cornija do sótão.
9. No dia 17 de Julho de 2015, no prédio enunciado em 6), os Réus cravaram, no solo, lado poente, dois pilares em ferro na vertical, com 1 metro de largura entre si e 5 m de altura, que vão desde o solo, nível do 1º andar, lado poente, até à cornija do prédio referido em 1), distando cerca de 0,18m da fachada do mesmo.
10. Os Réus fixaram nos ditos pilares e na horizontal chapas metálicas com a configuração rectangular, levantando aí, na frente das aberturas mencionada em 4), um painel com cerca de cinco metros de altura por 1 metro de largura – conforme mostra a foto de fls. 202 (de baixo), aqui dada por reproduzida.
10-A. Pelo menos desde 1979/1980 (a do 1º andar) e 1984/1985 (a do sótão), os Autores utilizam as janelas descritas em 4) para olhar em frente, e receber por elas ar e luz do exterior nos respectivos compartimentos, à vista de todas as pessoas, sem a oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, com a convicção de exercerem um direito próprio.
10-B. Aquando da execução das janelas indicadas em 4), a do 1.º andar em 1979/1980 e a do sótão em 1984/1985, os progenitores dos Réus declararam autorizar a sua abertura.

B) Factos não provados

11. [retirado]
12. Os pilares descritos em 9) e 10) provocam infiltrações de água para o interior da adega/arrecadação citada em 3).
13. As obras referenciadas em 8) a 10) provocaram tristeza e angústia aos Autores.
14. Os factos 10-B ocorreram com a condição de as janelas apenas servirem para iluminação e arejamento dos compartimentos onde se localizam.
15. O “dono” da casa indicada em 1) declarou aceitar a condição enunciada em 14).
16. Aquando da abertura das janelas citadas em 4), existia no quintal do prédio descrito em 6) uma figueira cujas ramagens impediam as “vistas” do prédio mencionado em 1) para o prédio indicado em 6).”

Terceira questão

Embora os recorrentes defendam a revogação da sentença e sua substituição por outra que julgue procedente a acção, é patente que, face às normas que indicam como violadas, ao teor das conclusões (maxime a 9ª in fine) e ao das alegações (9), apenas trazem à nossa apreciação o pedido da alínea a) relativo (10) à desmontagem e retirada (no prazo de 30 dias) do painel descrito nos pontos 9 e 10 dos factos provados e da alínea c) respeitante à condenação dos réus a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização da servidão de vistas, luminosidade e ventilação, direito aliás invocado como ofendido e fundamentador da pretendida remoção.

Os réus, desvirtuando alguns dos factos, nomeadamente quanto à medida desde o sobrado ao parapeito das janelas, defendem apenas que elas não podem como tal ser juridicamente qualificadas, que são frestas, não se constituiu a servidão de vistas e, portanto, de tais pedidos devem continuar absolvidos por terem agido no exercício do seu direito de propriedade.

Como se viu, o tribunal a quo limitou-se, quanto a isso e perante os factos que deu como provados, a referir, de concreto:

“No que tange à brandida servidão, o indicado em 4) e 5) é manifestamente insuficiente quer para configurar uma janela em sentido jurídico, quer para positivar o corpus e o animus do direito de servidão de vistas (vd. Acórdão do STJ de 15.5.2008, proc. 08B1368, in www.dgsi.pt), pelo que não se afiguram perfectibilizados os pressupostos consignados no art.º 1362.º/1, do Código Civil, pelo que se demanda a improcedência do pedido vertido na segunda parte da al. a) e na al. c) do petitório.”.

Vamos então ao caso.

Como é sabido, dispõe-se no artº 1305º, do CC, que o proprietário goza, de modo pleno e exclusivo, dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem.

Tal norma, porém, salvaguarda os limites e as restrições decorrentes da lei.

Algumas destas decorrem das relações de vizinhança – artºs 1346º e sgs. CC.

O artº 1344º refere-se aos limites materiais. Nos termos do seu nº 1, a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à sua superfície. Tal, v.g., possibilita a edificação em altura.

Sem embargo, o nº 2 impede o proprietário de proibir actos de terceiro que, em função daquela, não haja interesse em impedir.

A Doutrina e a Jurisprudência têm procurado traçar uma definição do direito de propriedade.

Sobre isso, pode ver-se o Acórdão do STJ, de 14-02-2013. (11) Enquadrando-o numa perspectiva mais actual orientada pela chamada função social da propriedade privada, menos “edilicamente ruralista” e individualista mas mais urbana, social, utilitária, económica e progressista, aí se salientam os limites à plena in re postestas decorrentes do abuso de direito previsto no artº 334º analisado como via de modelar o seu conteúdo e poderes, em linha com ele preconizando, quanto àquela norma do nº 2, do artº 1344º, que ela “exige ao proprietário um interesse actual, concretizável e materializável, e não meramente abstracto ou conjectural”. (12)

Também no Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-01-2005 (13), se enfatiza tal perspectiva:

“3. As limitações impostas por lei correspondem à função social do direito de propriedade, não deixando, de qualquer modo, o conteúdo do direito de propriedade, como qualquer outro direito subjectivo, de ver limitado o seu uso nos termos do abuso de direito.
4. Constando do n.º 2 do art. 1344º do CC, também como afloramento da função social do direito de propriedade, que o proprietário não pode proibir os actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em impedir, caberá ao terceiro alegar e provar o seu interesse bem como a falta de interesse por parte do proprietário em impedir a violação dos limites materiais do imóvel.”.

Bem assim o da mesma Relação, de 18-03-2014 (14):

“I. Face a uma moderna concepção do direito de propriedade, que rejeita a ideia de um interesse individual fundado em razões meramente egoísticas, não é de reconhecer terem os AA, na sua qualidade de proprietários, um interesse relevante, actual e atendível em impedir a ocupação de 13 cm de espaço aéreo do seu prédio, se tal invasão se ficou a dever à necessidade de reforço da impermeabilização e do reboco da parede exterior do prédio confinante e não se demonstrou que a existência de tal filete perturbe de algum modo a exploração agrícola do prédio, sua actual afectação.
II. A pretensão restitutória formulada é de recusar atento o disposto no n.º 2 do art.º 1344.º do CC ou, no limite, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 1305.º, sua parte final, e 344.º do mesmo diploma legal.”.

No domínio da faculdade de construir e edificar, o artº 1360º, nº 1, proíbe, em qualquer construção a abertura de janelas que deitem directamente sobre o prédio vizinho, se localizadas a menos de metro e meio deste.

Porém, a existência (15) de janelas em contravenção à lei pode importar, nos termos gerais definidos nos artºs 1543º e sgs., a constituição da servidão de vistas, por usucapião – nº 1, do artº 1362º.

Se, por via da persistência daquelas aberturas em uso e sem reacção, tal entretanto tiver sucedido, isto é, se tiver sido através delas constituída uma servidão de vistas por usucapião a favor de certo prédio (beneficiado ou dominante), o proprietário do prédio vizinho (onerado ou serviente) só pode edificar neste desde que, entre a edificação e as janelas, deixe o espaço mínimo de metro e meio – nº 2.

Em ambos os casos se restringe a construção ou edificação.

No primeiro, à abertura de janelas, no seu prédio, por um dos proprietários, no plano vertical da estrema daquele com o do vizinho.

No segundo, caso tal infracção se realize, isto é, dê lugar à constituição do direito real (servidão), à edificação, pelo outro proprietário vizinho, no respectivo imóvel.

Isto a menos de metro e meio da janela daquele.

É a distância por lei considerada adequada para evitar a indiscrição e a devassa que a contiguidade física dos prédios potencia de um para outro e a restrição tida por proporcionada ao seu gozo pleno.

Se as aberturas existentes não forem janelas mas apenas simples frestas, seteiras ou óculos para luz e ar – que se situem a pelo menos um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou sobrado (de ambos os lados da parede onde se encontrem), e não tenham mais de quinze centímetros numa das suas dimensões – não se aplicam as restrições do artº 1360º.

Tal significa que o proprietário vizinho que no seu prédio levantar edifício ou qualquer construção pode, naquelas condições, fazer aquelas simples aberturas mesmo que elas deitem directamente para o prédio vizinho e sem ter de guardar qualquer distância em relação ao mesmo.

Mas significa também que o proprietário deste, o outro vizinho, pode levantar, a todo o tempo, casa ou contramuro sem ter que guardar qualquer espaço e ainda que vede as ditas aberturas.

É o que resulta do artº 1363º.

Às janelas gradadas (com grades fixas de ferro ou outro metal, de secção não inferior a um centímetro quadrado e cuja malha não seja superior a cinco centímetros), quaisquer que sejam as suas dimensões e situadas a mais de um metro e oitenta centímetros do solo ou do sobrado, também não se aplicam as aludidas restrições (artº 1360º)

Elas podem ser construídas. Porém, o vizinho pode, semelhantemente, levantar edificação contra elas e vedá-las.

Tal emerge do artº 1364º.

Nestas duas normas se prevê, assim, o chamado regime de tolerância.

De modo a apurar-se qual o regime aplicável, tem importância decisiva definir e distinguir o que são janelas, janelas gradadas e frestas, seteiras ou óculos para ar e luz e aberturas irregulares.

Bem assim quais dessas aberturas permitem, e em que termos, a constituição do direito de servidão.

Defendem, v.g., P. Lima e A. Varela que, no caso de a fresta, seteira ou óculo ter sido aberta fora das condições descritas (dimensão e altura) e se manter nos termos e pelo prazo necessário para se constituir servidão, o proprietário do prédio respectivo adquire-a em favor deste prédio. O proprietário do prédio vizinho fica sujeito à restrição do nº 2, do artº 1362º e não pode estorvar o seu uso conforme artº 1568º. (16)

Na jurisprudência, colhe-se do sumário do Acórdão do STJ, de 26-02-2004 (17):

“I - As janelas distinguem-se das frestas não só pelas suas dimensões, mas também pelo fim a que umas e outras se destinam.
II - As frestas são aberturas estreitas, cuja única função é permitir a entrada de ar e luz, sendo as janelas aberturas mais amplas, através das quais pode projectar-se a parte superior do corpo humano, e que dispõem de um parapeito onde as pessoas podem apoiar-se ou debruçar-se e desfrutar comodamente as vistas que proporcionam, olhando quer em frente, quer para os lados, quer para cima ou para baixo.
III - Só este conceito de janela se adequa à dupla finalidade da restrição estabelecida no nº. 1 do artº. 1360º do CC: evitar que o prédio vizinho seja facilmente objecto da indiscrição de estranhos, e impedir a sua fácil devassa com o arremesso de objectos.
IV - O Código actual indica expressamente os requisitos próprios das frestas: localização a, pelo menos, um metro e oitenta de altura, a contar do solo ou do sobrado, e não terem, numa das suas dimensões, mais de 15 centímetros.
V - Só a estas frestas alude o artº. 1363º/1 do CC - só elas são aberturas de tolerância - não ficando sujeitas à restrição estabelecida para a abertura das janelas, guardando, porém, o vizinho, a possibilidade de levantar a todo o tempo a sua casa ou contramuro, ainda que as vede.
VI - A abertura de frestas sem as características indicadas na conclusão IV pode originar a aquisição, por usucapião, de uma servidão predial; e, constituída esta, o respectivo titular adquire o direito, que não tinha até então, de manter essas aberturas em condições irregulares.
VII - Todavia, o proprietário vizinho não perde o direito de construir mesmo junto à linha divisória, mesmo que tape as frestas, porque a restrição que cria uma zona non aedificandi, não permitindo edificar no espaço de metro e meio, medido a partir dos limites do prédio, só é estabelecida pela lei em relação à servidão de vistas regulada no artº. 1362º, em cujo campo de aplicação se não incluem as frestas.”.

No Acórdão desta Relação de Guimarães, de 07-12-2006 (18), sintetizou-se:

“[…]
2º- Do cotejo dos artigos 1360º, 1363 e 1364º, todos do Código Civil, resulta existirem três tipos de aberturas:

2.1- Janelas: aberturas mais ou menos amplas, com pelo menos mais de 15 cm numa das suas dimensões, onde, no dizer tradicional, cabe uma cabeça humana, munidas de sistemas que podem abrir-se e fechar-se, permitindo a entrada de ar e luz, e ainda o debruçamento das pessoas nos seus parapeitos e gozo de vistas, sendo ainda possível, através delas, sacudir-se o pó de tapetes, verter líquidos e arremessar objectos, devassando, portanto o prédio vizinho, se circunstâncias ou regulamentos especiais a tal não obstarem.
2.1.1- E dentro destas, as janelas gradadas: aberturas, com pelo menos mais de 15 cm numa das suas dimensões, situadas a mais de um metro e oitenta centímetros do solo ou do sobrado, com grades fixas de ferro ou outro metal, de secção não inferior a um centímetro quadrado e cuja malha não seja superior a cinco centímetros.
2.2- Frestas, seteiras ou óculos (aberturas de tolerância): aberturas que têm até 15 cm numa das suas dimensões e que se situam a um metro e oitenta centímetros ou a cima de um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, destinadas à entrada de ar e luz.
2.3 - Aberturas irregulares: aberturas abaixo da altura de 1,80 metros e/ou fora das medidas previstas no artigo 1363º, n.º2, ou seja, não toleradas por lei.
[…]
4º A construção e uso das “aberturas irregulares” não conduz à constituição, por usucapião, da servidão de vistas a que alude p art. 1362º, nº. 1 do C. Civili, posto que tal servidão está reservada, pelo citado artigo, às janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes.
5º- A construção e uso das “aberturas irregulares” pode conduzir à constituição, por usucapião, de uma servidão atípica (de vista, luz e ar), que confere ao respectivo titular não só o direito de manter tais aberturas, mas também o direito à manutenção das vistas e de luz e do ar, pelo que não pode deixar de se lhe reconhecer o direito de impedir que o proprietário do prédio vizinho as vede ou tape bem como o direito de impor a este a observância do disposto no nº2 do artigo 1362º do C. Civil.
6º- Daí o proprietário de prédio vizinho não poder, à frente de cada “abertura irregular”, construir edifício a menos de metro e meio.”.

No Acórdão do STJ, de 15-05-2008 (19), entendeu-se:

“A lei reporta-se a janelas, frestas, seteiras e a óculos de luz, mas não os define, pelo que é livre ao intérprete considerar que as mencionadas expressões assumem o sentido que lhes é dado na linguagem corrente, ou seja, com o significado que lhes é atribuído pelo comum das pessoas.
[…]
E mesmo na análise do comum das pessoas não é fácil a distinção entre janelas por um lado, e frestas, seteiras e óculos de luz por outro, esta última espécie designada por aberturas de tolerância
Mas a dimensão das mencionadas aberturas não superior a quinze centímetros e a sua localização a não menos de um metro e oitenta centímetros a contar do sobrado ou do terraço, conforme os casos, visa obstar a que por elas ocorra o devassamento dos prédios vizinhos situados nos limites do seu enfiamento imediato.
Tendo em conta a dimensão máxima prevista na lei para tais aberturas, poder-se-á afirmar que as frestas e as seteiras e os óculos significam as janelas muito estreitas ou as fendas abertas nas paredes de modo a permitirem a entrada de luz ou a claridade, as duas primeiras em regra de forma alongada, e os últimos de forma oval ou em círculo.
[…]
A expressão janela, derivada do latim janua, com o sentido de porta ou entrada, que é o comum, traduz-se numa abertura feita na parede externa das casas, em regra para entrada de ar e luz no seu interior ou para desfrute de vistas.
No caso de se colocar no vão das janelas uma grade, estar-se-á perante o que é designado por janelas gradeadas.
Na variedade das janelas, é prática distinguir as externas ou de peito - inseridas acima do solo ou do sobrado com peitoril ou parapeito, em que se apoiam os braços quando as pessoas nelas se debruçam – e as de sacada - semelhantes a portas de acesso a alpendres ou sacadas.
Em sentido jurídico, o conceito de janela abrange, além da abertura mencionada, os elementos materiais que a compõem, por exemplo as vidraças, que são peças de madeira, de plástico ou de vidro que se colocam nos respectivo vão para que penetre a luz e não o ar.
Dir-se-á, tendo em conta, além do mais, o que se expressa nos artigos 1362º e 1363º do Código Civil, que a diferença específica entre as janelas, por um lado, e as frestas, seteiras, gateiras e óculos de luz, por outro, é o tamanho em largura e altura e a função de permitir a visão pelas pessoas de dentro para fora quanto às primeiras e não em relação às últimas.”

Resumiu-se no Acórdão da Relação de Lisboa, de 20-11-2008 (20):

“1. A lei civil estabelece regimes diferentes relativamente às janelas, por um lado, e às frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, e ainda às janelas gradadas, por outro, mas não define o que se deva entender por janela, sendo à doutrina e à jurisprudência que cabe o papel de definir os contornos do conceito de janela, por contraposição ao de fresta.
2. O conceito “janela”, para efeitos do artigo 1360º, nº 1 do Código Civil, reconduz-se a aberturas que permitam não só a entrada de luz e ar, mas também a devassa sobre o prédio vizinho. Só este conceito de janela se adequa à dupla finalidade da restrição estabelecida no aludido preceito legal - evitar que o prédio vizinho seja facilmente objecto da indiscrição de estranhos, e impedir que ele seja facilmente devassado.
3. São qualificadas como frestas as aberturas muito estreitas, de modo a permitirem a entrada de luz ou da claridade e, não tendo estas todas as características definidas no artigo 1363º, nº 2 do C.C., também não satisfazem a finalidade justificativa da proibição ínsita no artigo 1360º, nº 1 do mesmo diploma legal, i.e., a devassa sobre o prédio vizinho.
4. Não é pacífica na doutrina e na jurisprudência a questão de saber se as aberturas que não obedeçam aos requisitos legais conduzem ou não à constituição de uma servidão de vistas por usucapião.
5. O conteúdo do direito de servidão de vistas consiste, em princípio, na manutenção das janelas e na fixação de uma zona “non aedificandi” - não permissão de edificar no espaço de metro e meio, medido a partir dos limites do prédio -.
6. Deve entender-se que a existência de frestas ou janelas gradadas em condições não permitidas, por não poderem ser consideradas janelas para os efeitos do nº 1 do artigo 1360º do CC - não deitam directamente sobre o prédio alheio e não permitem a sua devassa - não criam uma zona non aedificandi, decorrido que seja o prazo da usucapião.
7. As frestas ou janelas gradadas irregulares apenas dão origem, decorrido o prazo da usucapião, a uma servidão predial atípica, que confere ao respectivo titular o direito de manter aquelas aberturas nas condições irregulares, impedindo o dono do prédio serviente de pedir a sua modificação e harmonização com a lei, mas não lhe retira o direito de construir mesmo junto à divisória, ainda que as tape.”.

Entendeu-se no Acórdão da Relação de Coimbra, de 09-02-2010 (21):

“VI – O artº 1544º do C. Civ. estipula que a servidão predial pode ter por objecto quaisquer utilidades susceptíveis de serem gozadas por intermédio do prédio dominante – pelo que são admissíveis casos de servidões atípicas (de ar e de luz).
VII – O elemento fulcral de diferenciação das frestas relativamente às janelas prende-se com determinadas características destas aberturas, consideradas elas em diversas dimensões e localização, aferidas relativamente ao prédio no qual existam – artº 1363º, nº 2, do C. Civ..
VIII – Porém, se uma determinada abertura consubstanciar não uma janela mas uma fresta irregular, pode ter-se constituído a favor do prédio dos autores e a onerar o contíguo prédio dos réus, por usucapião, não uma servidão de vistas, nos termos em que esta é prevista no artº 1362º do C. Civ., mas antes uma servidão atípica, de vistas, entrada de ar e de luz.
IX – Aos RR., neste caso, está vedado impedir ou estorvar o exercício dessa servidão – artº 1568º C. Civ.”

Defendeu-se no Acórdão desta Relação de Guimarães, de 06-12-2011 (22), que:

“A existência de uma abertura com grades fora do âmbito da previsão dos artºs 1363º e 1364º, do CC, é susceptível de constituir uma servidão de vistas por usucapião.”

Ainda no já citado Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-03-2013, concluiu-se (ponto III do sumário):

“Encontram-se subtraídas ao regime de tolerância consagrado nos artigos 1363.º e 1364.º do Código Civil as aberturas do tipo das previstas naquele primeiro preceito ou, como é o caso, de janelas gradadas, num e noutro casos sem observância das dimensões e altura em relação ao solo (ou sobrado) ali prescritas - aberturas irregulares portanto.”

E salientou-se a tal propósito no texto da fundamentação:

“Questão diversa desta é saber se a manutenção de aberturas do tipo das previstas no artigo 1363.º ou, como é o caso, de janelas gradadas, num e noutro casos sem observância das dimensões e altura em relação ao solo (ou sobrado) ali prescritas - aberturas irregulares portanto - podem conduzir à aquisição pela via da usucapião de uma servidão atípica.
O problema assim enunciado tem merecido respostas desencontradas por banda da doutrina e jurisprudência.
Assim, a par de quem entende que a manutenção de tais aberturas pode conduzir à aquisição, por usucapião, de uma servidão de vistas, outros há que, arrimando-se no carácter taxativo dos direitos reais, recusam tal possibilidade, reconhecendo por isso ao proprietário do prédio vizinho o direito de, a todo o tempo, pedir em juízo a tapagem ou harmonização com a lei de tais irregulares aberturas.

Finalmente, posição que tem vindo a colher adeptos, vem sendo entendido que, prevendo o art.º 1544.º que a servidão predial tenha por objecto quaisquer utilidades susceptíveis de serem gozadas por intermédio do prédio dominante, está aberto o caminho para o reconhecimento da admissibilidade de servidões atípicas - de ar e de luz - como aquela a que conduziria a abertura e permanência, pelo tempo necessário, de uma fresta ou janela gradada irregular, se reunidos os demais caracteres da posse boa para usucapir.

O conteúdo de tal servidão consistiria na faculdade de manter tais aberturas em condições irregulares, impedindo o proprietário do prédio vizinho de exigir a sua modificação em conformidade com a lei, mantendo embora a possibilidade de construir junto à linha divisória, tendo eventualmente como resultado a tapagem daquelas”.

Por fim, defendeu-se no Acórdão da Relação de Coimbra, de 03-03-2015 (23), conforme sumário:

I. “Não devem as restrições ao gozo, tendencialmente pleno, dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa sobre que incide o direito de propriedade ser ampliadas a obras cuja semelhança com as expressamente individualizadas na lei seja de afastar ou se apresente bastante duvidosa.
II. Tendo em mente a natureza excepcional da restrição imposta pelo art. 1362º do CC, só será suficiente para o preenchimento do corpus e do animus necessário à posse conducente à constituição da servidão de vistas por usucapião a manutenção de “janela”, com condições de através dela se poder ver, devassar e ocupar o espaço aéreo do prédio vizinho, sobre ele se debruçando ou projectando a parte superior do corpo humano.
III. Devem ser concebidas como irregulares as aberturas semelhantes a “frestas” e “janelas gradadas” mas com dimensões superiores e/ou situadas a uma altura inferior às indicadas, respectivamente, nos arts. 1363º e 1364º do CC– e que, nos termos anteriormente expostos, também não possam ser qualificadas como “janelas”.
IV. A edificação e manutenção dessas aberturas irregulares, sem as características indicadas nos arts. 1363º e 1364º do CC, excedem o conteúdo do direito de propriedade e sujeitam o proprietário vizinho a um encargo a que este se pode opor, exigindo que as aberturas sejam afeiçoadas às condições (dimensão e afastamento do solo ou sobrado) impostas na lei. Se o proprietário vizinho não se insurgir contra o abuso cometido, a posse das utilidades daí resultantes pode originar a aquisição, por usucapião, de uma servidão predial, embora não de uma servidão de vistas atípica.
V. E uma vez constituída essa servidão predial, o dono do prédio dominante adquire o direito de manter essas aberturas em condições irregulares, cessando o direito de o proprietário vizinho exigir a sua harmonização com a lei, mas este não perde o direito de construir até à linha divisória, mesmo que tape as aberturas, porque a restrição que cria uma zona non aedificandi, no espaço de metro e meio, só é estabelecida em relação à servidão de vistas regulada no art. 1362º.”

E mais detalhadamente no texto, após transcrição dos artigos 1360º, 1362º e 1364º, considerou-se:

“Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei (art. 1306º) e daí que as restrições aos direitos de construir ou edificar sejam excepções ao livre e tendencialmente pleno gozo dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa sobre que incide tal direito (art. 1305º).

Por assim ser, não devem as excepções advindas dessas restrições ser ampliadas a obras cuja semelhança com as expressamente individualizadas na lei seja de afastar ou se apresente bastante duvidosa. Logo, mantendo sempre em mente a natureza excepcional da restrição imposta pelo art. 1362º, só a verificação da eventual existência duma abertura em contravenção com o disposto na citada norma (art. 1360º), portanto edificada em termos compatíveis com o enquadramento jurídico oferecido pela respectiva definição legal (“janela”) – no confronto com as realidades previstas nos arts. 1363º e 1364º (“frestas, seteiras, óculos para luz e ar” ou “janelas gradadas”) – poderá vir a importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião. E a simples manutenção de uma “janela”, naquela acepção, ou seja, em condições de através dela se poder ver e devassar o prédio vizinho, será suficiente para o preenchimento do corpus e do animus necessário à posse conducente à usucapião.

Ao estabelecer um regime diferente para a “janela”, relativamente às demais aludidas realidades, a lei usa a expressão com o sentido que tem na linguagem corrente, sem lhe oferecer qualquer outro conteúdo. Todavia, nos termos assim expressos, a restrição imposta pelo art. 1362º só pode ser aplicável, no que aqui interessa, a aberturas/“janelas” que, pelas suas características, a justifiquem, em face da sua razão de ser e da sua excepcionalidade.

Na verdade, a servidão de vistas não se exerce com o facto de se desfrutar as vistas sobre o prédio vizinho, mas antes com a manutenção de uma janela – a obra que aqui relevaria –, em condições de, através dela, se poder ver e devassar esse prédio. Podemos, pois, precisar que o objecto da restrição em causa não é propriamente a visibilidade – muita ou pouca – sobre o prédio vizinho, mas a existência de uma janela que deite sobre o prédio vizinho, nas condições previstas naquele art. 1360°. «Pode a janela ou a porta estar fechada, desde que o não seja, definitivamente, com pedra e cal, que a servidão não deixa de ser exercida», como é explicado por P. Lima e A. Varela.

E adiantam os mesmos Autores: a lei pretende «facilitar as relações de vizinhança, não impedindo aqueles actos que não afectam gravemente os interesses do vizinho e que, pelo seu exercício continuado, poderiam conduzir à constituição de servidões». «Começam somente os prejuízos a ser atendíveis, se existir um parapeito, porque, neste caso, tal como numa janela, a pessoa pode debruçar-se, ocupando parcialmente o prédio alheio, e arremessar com facilidade objectos para dentro deste». «É dupla a finalidade da limitação [estabelecida no art. 1360º. Por um lado, pretende-se evitar que o prédio vizinho seja facilmente objecto da indiscrição de estranhos. Por outro lado, quer-se impedir que o prédio seja facilmente devassado com o arremesso de objectos».

O que também significa que não são propriamente (apenas) as vistas que interessam, mas o devassamento, ou melhor, a possível ocupação do terreno vizinho, a intromissão no espaço aéreo deste e possível arremesso de objectos, como ensinou o Prof. Pires de Lima: «Basta que, no parapeito de uma janela ou dum terraço, a pessoa se debruce numa atitude natural, ou estenda um braço, para que haja violação do direito de propriedade alheia, e é isso o que importa evitar».

Ainda na doutrina, salienta o Prof. Henrique Mesquita que:

«(…) as janelas e as frestas são aberturas feitas nas paredes de edifícios, mas que se distinguem não só pelas respectivas dimensões, como pelo fim a que se destinam. As frestas são aberturas estreitas, que têm apenas por função a entrada de luz e ar. As janelas, além de serem mais amplas do que as frestas, dispõem, de um parapeito onde as pessoas podem apoiar-se ou debruçar-se e desfrutar comodamente as vistas que tais aberturas proporcionam, olhando quer em frente, quer para os lados, quer para cima ou para baixo.

No nosso direito antigo (...) considerava-se janela toda a abertura, deixada na parede de um edifício, por onde coubesse uma cabeça humana.

Mas este critério, que foi formulado para edificações que apresentavam com frequência, em virtude das técnicas de construção ou dos materiais utilizados, aberturas (janelas) de dimensões muito exíguas, não parece hoje o mais adequado.».

[No] «conceito de janela devem incluir-se apenas as aberturas através das quais possa projectar-se a parte superior do corpo humano e em cujo parapeito as pessoas possam apoiar-se ou debruçar-se, para descansar, para conversar com alguém que esteja do lado de fora ou para disfrutar as vistas».

Idênticas considerações se colhem da jurisprudência:

«As aberturas situadas na parede exterior de um edifício que deitem directamente para o imóvel contíguo e alheio, podem permitir a constituição de uma servidão de vistas, se tiverem as características previstas no art. 1362º, em confronto com o disposto no art. 1363º, ambos do Cód. Civil, para serem classificadas como janelas. A diferença entre janelas e frestas está, além das suas dimensões, na finalidade de umas e outras. Assim, as janelas além de terem maiores dimensões, devem, em princípio, permitir através delas, a projecção da parte superior do corpo humano e ser dotadas de parapeito onde as pessoas possam apoiar-se ou debruçar-se para descansar, conversar com alguém que esteja do lado de fora ou para desfrutar as vistas, olhando quer em frente, quer para os lados, ou para cima e para baixo. Por seu lado, as frestas sendo de menores dimensões, e situando-se a altura superior a 1,80 metros do sobrado e do solo do prédio vizinho, não são servidas de parapeito e não permitem a projecção através dela do corpo humano sobre o prédio vizinho.».

«(…) as janelas, em sentido jurídico, além de darem ar e luz, permitem o devassamento do prédio vizinho, isto é, nos termos do artº. 1360º nº. 1 do Código Civil, têm de ser tais que “deitem directamente sobre o prédio vizinho”, por forma a permitirem o seu devassamento ou o debruçar pelo dono da janela».
«(…) Embora as aberturas em causa permitam aos recorrentes avistar o prédio dos recorridos, a sua estrutura não é vocacionada para o desfrute da utilidade das vistas em termos de direito real de servidão a que se reporta o artigo 1362º, (…) Assim, embora se trate de aberturas de maiores dimensões do que aquelas que a lei reserva às frestas, e permitam avistar o prédio dos recorridos, e, porventura, de algum modo, devassá-lo, não foram construídas para o desfrute das vistas».

Por conseguinte, a manutenção de uma abertura que não disponha de tal enquadramento fáctico e, consequentemente, jurídico não implica a futura constituição de servidão de vistas, porquanto não é possível a constituição, por usucapião, de uma servidão de vistas atípica, pelo que o proprietário vizinho, ao levantar edifício ou outra construção no seu prédio, não está obrigado a deixar entre o novo edifício ou construção e uma tal abertura o espaço mínimo de metro e meio.

Ora, as particularidades do postigo aqui invocado pela apelante, se não consentem a sua qualificação como “janela gradada” – porque, não obstante a sua aparência, se situa a menos de um metro e oitenta centímetros do sobrado – também não o deixam caber no conceito de janela, para efeitos do artigo 1360º, respeitante a aberturas mais amplas, que permitem não apenas a entrada de luz e ar mas, ainda, a devassa do prédio vizinho. Só esta concepção se adequa à finalidade prosseguida com a restrição pelo legislador que é a de evitar que o prédio vizinho possa ser devassado ou ser facilmente objecto da indiscrição de estranhos – o que sucederá sempre que sobre ele as pessoas se possam debruçar –, e impedir que seja devassado com o arremesso de objectos.”

Ora, a casa (habitação) dos autores confina com o prédio dos réus.

Na parede (empena) poente daquela erguida no limite, existem duas aberturas, desde pelo menos 1979/1980 e 1984/1985, que deitam para o lado deste. Não respeitaram o intervalo de metro e meio previsto no artº 1360º, nº 1.

No solo do quintal ou logradouro respectivo (24), implantaram os réus, desde o chão até à cornija da casa, um painel vertical, com 1 m de largura, acoplado à parede, a 18 cm desta, fronteiro às duas aberturas, praticamente tapando-as, como ilustram as fotos juntas. Não guardaram também qualquer afastamento.

Os autores invocam estar constituída uma servidão de vistas, luminosidade e ventilação, constituída através de tais janelas, violada pela colocação de tal painel, pelo que pretendem que o mesmo seja dali removido.

Os réus refutam aquela oneração limitativa, entendendo não se tratar sequer de janelas nem ter sido constituída a servidão, e defendem que agiram no exercício do seu pleno direito (de propriedade) – artº 1305º, CC.

Terão de respeitar o espaço mínimo de metro e meio ou, pelo menos, de permitir a continuação da utilização das janelas como dantes?

O parapeito da abertura existente no 1º andar dista apenas 1,47 m do sobrado. Não respeita, portanto, a medida (1,80 m) exigida no artº 1363º, nº 2, e no artº 1364º, para poder ser considerada fresta ou janela gradada.

Tendo embora 0,60 m de largura por 0,80 de altura, não é possível meter a cabeça através dela ou debruçar a parte superior do corpo humano para o seu exterior, uma vez que nela existe uma grade metálica, composta por um aro e quatro barras verticais de ferro (com secção de 1 cm x 1 cm), havendo apenas entre estas um espaço livre de 10,4 cm.

Também por isto não poderia ser considerada gradada nos termos do artº 1364º, uma vez que a “malha” é superior aos 5 cm aí previstos.

Tal como também não é fresta, uma vez que em ambas as dimensões tem mais de 15 cm, ao contrário do que para tal preconiza o nº 2, do artº 1363º.

Nem pode ser considerada janela no sentido próprio e jurídico, uma vez que não tem a aptidão ou função vulgarmente reconhecidas a essa espécie de aberturas (apesar da sua largura e altura, ser composta de dois painéis de correr e de estar dotada de caixa de estore e persiana) nem corresponde ao conceito pressuposto no artº 1362º, para efeitos de devassa, intromissão e indiscrição por parte dos seus utentes em relação ao prédio contíguo.

Trata-se, portanto, de uma janela ou abertura irregular.

O parapeito da abertura existente no sótão dista apenas 0,81 m do sobrado respectivo. Também não obedece às medidas previstas nos artºs 1363º, nº 2, e 1364º, para poder ser considerada fresta ou janela gradada.

Tendo a largura de 0,60 m e a altura de 0,80 e abrindo de par em par as duas portadas (de batente) de que é composta e, assim, deixando livre todo o seu vão, é obviamente possível, além de olhar em frente, meter a cabeça através dela ou debruçar a parte superior do corpo humano para o seu exterior e, desse modo, devassar ou mirar o prédio contíguo.

É, pois, uma janela, no sentido próprio e jurídico.

Não havendo dúvidas que ambas permitem a entrada de ar e luz do exterior, esta, estando em contravenção ao disposto no artº 1360º, nº 1, possibilitava a constituição de servidão de vistas, ao abrigo do nº 1, do artº 1362º.

Quanto àquela, rejeitando-se a posição de recusa a essa hipótese, acolhe-se a que admite também aquela possibilidade, nos termos referidos nos arestos atrás transcritos.

Ainda que, a respeito desta, se adopte a tese mais restritiva, ou seja, a de que apenas se pode constituir uma servidão atípica com o conteúdo a definir nos termos dos artºs 1544ºe sgs. e não uma típica servidão de vistas, e de que, portanto, o entendimento consequente de que, uma vez constituída, esta servidão predial atípica, o dono do prédio dominante adquire o direito de manter essas aberturas em condições irregulares, cessando o direito de o proprietário vizinho exigir a sua harmonização com a lei, mas este não perde o direito de construir até à linha divisória, mesmo que tape as aberturas, porque a restrição que cria uma zona non aedificandi, no espaço de metro e meio, só é estabelecida em relação à servidão de vistas regulada no art. 1362º, cremos que situações há – e, como se dirá, esta é claramente uma delas – em que o direito do proprietário vizinho tem de se conformar e, portanto, de se limitar de modo a não se viabilizar o seu abuso manifesto e intolerável pela ordem jurídica.

Estando provado que, pelo menos desde 1979/1980 (a do 1º andar) e 1984/1985 (a do sótão), os Autores utilizam as janelas descritas em 4) para olhar em frente, e receber por elas ar e luz do exterior nos respectivos compartimentos, à vista de todas as pessoas, sem a oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, com a convicção de exercerem um direito próprio; que a execução de tais aberturas foi, naquelas datas, autorizada e até agora consentida sem qualquer objecção de quem quer que fosse – cremos estarem reunidos todos os pressupostos legalmente exigidos, para, nos termos dos artºs 1287º e sg.s e 1543º, e sgs, CC, se ter constituído quanto à janela do sótão uma típica servidão de vistas (necessariamente de ar e luz) e quanto à janela do 1º andar uma atípica servidão cujo conteúdo é integrado pela permissão de, através dela, olhar em frente e receber ar e luz do exterior.

Com efeito, a posse das utilidades propiciadas por tais aberturas reveste-se das características e obedece a todos os requisitos que, sem dúvida, facultam a aquisição daqueles direitos por via de usucapião.

Ora, se constituída a servidão de vistas quanto à janela do sótão, os réus, como proprietários vizinhos, não podem colocar o painel a tapá-la sem deixar o espaço de metro e meio, igualmente o não podem fazer quanto à janela do 1º andar, apesar de irregular, uma vez que nenhum interesse manifestamente têm em impedir o exercício de tal direito pelos autores e, portanto, a tal obsta o nº 2, do artº 1344º, e agem em manifesto abuso de direito.

Salta aos olhos, reflectindo sobre as circunstâncias do caso concreto e as pessoas envolvidas, balanceando-o à luz da justiça, e observando as fotos que retratam o dito painel improvisado tapando as janelas, que nenhum fim privado socialmente reconhecível e razoavelmente aceitável, tiveram nem pretendem os réus prosseguir com a colocação e manutenção, em termos estéticos aliás deploráveis e em termos de utilidade ou funcionalidade notoriamente nula, do painel naquelas condições.

A desavença, real mas obviamente pessoal, entre as partes estalou, como resulta claro dos autos, não só por causa das janelas e painel mas por outras questões, designadamente devido à construção da parede clandestina e de cujo estorvo os autores se queixaram com o resultado que a informação do Município prestou a fls. 94 e 95 (25) e que, como se depreende, acirrou a guerra entre vizinhos.

Tendo as janelas sido abertas e mantidas pacificamente com a aquiescência dos pais dos réus e, depois, por estes, e nada se descortinando que explique e justifique a razão da sua mudança de postura, designadamente se e que prejuízos lhes causa a continuação delas ou que projectos têm para o seu prédio cuja realização elas ameacem, aquela apresenta-se-nos manifestamente sem qualquer fundamento, excessiva e desequilibrada por sem proveito, inconsequente por desligada de qualquer interesse e, portanto, como apenas destinada a prejudicar e arreliar os autores.

Mesmo que, portanto, a servidão atípica constituída quanto à janela do 1º andar não impedisse, em princípio, os réus de construir até à linha divisória, a verdade é que não se está sequer perante uma construção ou obra digna de tal consideração, não se descortina qual o interesse sério, seja na perspectiva social seja na real ou económico-patrimonial, que os motivou, perfilando-se a ideia que não agem de boa-fé, quiçá movidos por sentimento de desforra, o que tudo, além do mais, integra abuso de tal direito a que sempre importará obstar na medida em que é repugnante para a ideia de justiça e para o sentimento jurídico geral impor aos autores a privação de benefícios adquiridos mediante a colocação e manutenção de tão despropositada estrutura.

Nos termos do artº 334º, CC, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifesta os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Como consta do já citado Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-03-2014, citando o Prof. Menezes Cordeiro:

“O abuso de direito representa a fórmula mais geral de concretização do princípio da boa fé, constituindo um excelente remédio para garantir a supremacia do sistema jurídico e da Ciência do Direito sobre os infortúnios do legislador e as habilidades das partes, mas com aplicação subsidiária, desde que não haja solução adequada de Direito estrito que se imponha ao intérprete aplicar. Um dos casos tipo de aplicação do princípio da boa fé, em que se desdobra o abuso de direito, é constituído pelo desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, nomeadamente, em caso de desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto a outrem, de modo a que, ultrapassados certos limites, esse exercício se revele abusivo, por afrontar a boa fé. Esta variante do abuso de direito desenvolve-se através de um exercício jurídico, aparentemente, regular, embora desencadeie resultados, totalmente, alheios ao que o sistema poderia admitir, traduzindo um puro desequilíbrio objectivo, que pode fazer apelo ao princípio da materialidade subjacente”.

Como se refere no também já invocado Acórdão do STJ, de 14-12-2013, citando aí Manuel Andrade, Almeida Costa, Pires de Lima e Antunes Varela, o abuso de direito:

“é uma cláusula geral, uma válvula de segurança, uma janela por onde podem circular lufadas de ar fresco, para obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico inoperante em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido; existirá abuso de direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito; dito de outro modo, o abuso de direito pressupõe a existência e a titularidade do poder formal que constitui a verdadeira substância do direito subjectivo, mas este poder formal é exercido em aberta contradição, seja com o fim (económico e social) a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético jurídico (boa fé e bons costumes) que, em cada época histórica, envolve o seu reconhecimento”.

Eis porque, em conclusão, nesta parte, a decisão proferida não se pode manter e deve ser alterada no sentido de julgar provada e procedente a acção quanto aos pedidos de desmontagem e retirada do painel, no prazo sugerido pelos autores de 30 dias que se afigura razoável, e de condenação destes a praticarem qualquer acto que impeça ou diminua a utilização, pelos proprietários da casa referida no facto 1, da servidão típica constituída quanto à janela do sótão e, com congénere painel, da servidão atípica constituída quanto à janela do 1º andar.

Nesta medida deve proceder a apelação.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos, de facto e de direito, acima expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar em parte procedente o recurso e, em consequência, dando parcial provimento à apelação, alteram a decisão recorrida e, em consequência, julgam a acção parcialmente provada e procedente, condenando os réus L. B. e A. C. a procederem, no prazo de 30 dias (trinta), contado a partir do trânsito em julgado desta, à desmontagem e retirada do painel descrito nos factos provados números nove e dez, e, bem assim, a absterem-se de praticar qualquer acto que impeça ou diminua a utilização, pelos proprietários da casa referida no facto um, da servidão de vistas, de ar e de luz constituída quanto à janela do sótão dessa casa e, com congénere painel, a servidão atípica, constituída com o conteúdo supra referido quanto à janela do primeiro andar da mesma. No mais, mantém-se a decisão constante da sentença.

Custas da acção e do recurso na proporção de metade por cada parte – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
Guimarães, 15 de Novembro de 2018

José Amaral
Helena Melo
Pedro Damião e Cunha


1. Proferido no processo nº 3316/11.7TBSTB-A.E1.S1, relatado pela Consª Rosa Tching.
2. Acórdão de 16-03-2005, proferido no processo nº 05P662 e relatado pelo Cons. Henrique Gaspar, seguido no Acórdão da Relação de Coimbra, de 11-03-2009, proferido no processo nº 4/05.7TAACN.C1, relatado pelo Desemb. Jorge Gonçalves.
3. A Geraldes, in A Sentença Cível (Texto base da intervenção nas Jornadas de Processo Civil organizada pelo CEJ em 23 e 24 de Janeiro de 2014, acessível na Internet).
4. Processo nº 4981/15.1T8VNF-A.G1, relatado pela Desemb. Maria João Matos.
5. Proferido no processo nº 810/04.0TBTVD.L1.S1, relatado pelo Consº Álvaro Rodrigues.
6. Já fora realizada uma, no dealbar do processo, oficiosamente, para determinação do valor da causa. E, na sequência da anulação da decisão da matéria de facto, foi realizada outra, por lapso nesta asserção esquecida, tanto mais que o respectivo relatório se mostra ilustrado com vários esquemas explicativos e diversas fotos retratando (melhor que as já primitivamente juntas) a realidade constatada pelo Perito, não lhe tendo sido dirigida qualquer objecção.
7. Das aberturas e, também, da cornija e persiana com caixa de estor existentes na casa dos autores que se projectam para o lado e no espaço aéreo do prédio dos réus, como esclarece o relatório pericial e retratam as fotos nele insertas, a cuja construção e colocação nada fora, até agora, oposto.
8. Os recorrentes referiram também pretender incluir a menção fáctica de que as janelas numa das suas dimensões têm mais de 15 cm. Tal não tem, porém, sentido menos ainda utilidade, uma vez que as dimensões exactas estão dadas como provadas e aquela afirmação mais não é que uma conclusão afeita à norma legal do nº 2, do artº 1363º, CC.
9. Cfr. os 2, 6, 11, 23 e, sobretudo: “33- Diante destas considerações cremos que está justificável a pretensão dos recorrentes em verem as aberturas reconhecidas como janelas de servidão de vistas,para entrada de luz natural e arejamento do seu prédio, o que fazem há mais de 38 anos a esta parte, sem oposição dos RR, até à propositura da ação. 34- É precisamente nesse âmbito – reconhecimento desses pedidos - que se situa a segunda problemática suscitada pelos Apelantes/autores, e que discordam com o levantamento do painel metálico construído junto à parede do prédio dos autores, a cerca de 18 cm desta.”.
10. Efectivamente os demais pedidos não vêm aqui e agora, neste recurso, postos em questão, nomeadamente, como se viu, o de demolição da parede.
11. Processo nº 806/07.0TBTND.C1.S1, relatado pelo Consº Serra Baptista.
12. Na linha de De Martino, citado por P. Lima e A. Varela, no seu CC Anotado, volume III, 2ª edição, página 174: “O interesse do proprietário deve ser considerado como categoria objectiva ou económico-social, e não meramente subjectiva; o interesse abstracto, potencial e eventual, não pode excluir a actividade de outrem que seja economicamente relevante. Mas se, posteriormente, o interesse potencial se tornar efectivo, não poderá impedir-se o proprietário de fazer valer o seu direito de propriedade”.
13. Processo 4027/04, relatado pelo Desemb. Ferreira de Barros.
14. Processo nº 239/11.3TBVZL.C1, relatado pela Desemb. Maria Domingas Simões.
15. Embora tal servidão de vistas se constitua, nos termos gerais previstos nos artºs 1543º e sgs., por usucapião e desde que verificados os pressupostos para tal, decorrentes dos artºs 1287º e sgs., advertem P. Lima e A. Varela, no CC Anotado, vol. III, 2ª edição, página 219, que não é necessário, para exercer a servidão, disfrutar efectivamente as vistas mas apenas que exista e se mantenha a janela em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho, mesmo que esteja fechada mas possa ser aberta.
16. Ob. citada, páginas 225 e 226.
17. Processo nº 03B3498, relatado pelo Consº Santos Bernardino.
18. Proferido no processo nº 2282/06-2, relatado pela então Srª Desembargadora Rosa Tching,
19. Proferido no processo nº 08B1368, relatado pelo Consº Salvador da Costa,
20. Proferido no processo nº 8157/08-1, relatado pela Desemb. Ondina Carmo Alves.
21. Proferido no processo nº 1506/03.5TBPBL.C1, relatado pelo Desemb. Falcão de Magalhães.
22. Proferido no processo nº 512/09.0TBPVL.G1, relatado pelo Desemb. António Sobrinho.
23. Proferido no processo nº 335/13.2TBAGN.C1, relatado pelo então Desemb. Alexandre Reis.
24. Como resulta claro do que reconhecem os réus nos itens 16 e 17 da sua contestação (fls. 32) e do descrito e retratado no relatório pericial a fls. 200 e 201, apesar de confusa a configuração, disposição e confrontação relativas dos prédios, pouco cuidada pelas partes e mal suprida pelo tribunal a quo ao elencar a factualidade relevante.
25. Nesse ofício se dá conta que a Câmara ordenou a demolição de construção ilegal, então a tramitar.