Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
122/17.9PFGMR.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: ALCOOLÍMETRO
PRAZO DE VALIDADE
REQUISITOS DE APROVAÇÃO
ARTºS 2º
Nº 7
4º E 5º DO DL291/90 DE 20.09
5º E 6º
Nº 3
DA PORTARIA Nº 1556/2007
DE 10.09
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
Por força do disposto no art. 2º, n.º 7, do DL n.º 291/90, de 20 de setembro, que aprovou o Regime Geral de Controlo Metrológico de Métodos e Instrumentos de Medição, nos quais se incluem os alcoolímetros, o esgotamento do prazo de validade de 10 anos da aprovação técnica de modelo, previsto no art. 6º, n.º 3, da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de dezembro, sem que tenha havido lugar à sua renovação, não acarreta, por si só, que os alcoolímetros do modelo em causa deixem de poder ser utilizados nas operações de fiscalização, podendo continuar a sê-lo desde que satisfaçam as operações de verificação a que tenham de ser sujeitos, através das verificações periódicas e extraordinárias previstas nos arts. 4º e 5º do DL n.º 291/90 e no art. 5º da Portaria n.º 1556/2007, continuando dessa forma a garantir a fiabilidade metrológica.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No presente processo especial, sob a forma sumária, com o NUIPC 122/17.9PFGMR, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, pelo Juízo Local Criminal de Guimarães - J2, foi a arguida, C. F., submetido a julgamento e, a final, condenada por sentença proferida e depositada a 17-10-2017, pela prática, como autora material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos arts. 292º, n.º 1, e 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), perfazendo a quantia de € 300 (trezentos euros), bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 3 (três) meses.
2. Não se conformando com o decidido, a arguida interpôs o presente recurso, terminando a sua motivação nos seguintes termos (transcrição [1]):

«CONCLUSÕES:

1.ª – Antes do mais, importa salientar que – ao longo de todo o processo – a Arguida reconheceu a ilicitude da sua conduta. Sabe que ingeriu bebida alcoólica e não devia ter conduzido. E o presente processo serviu-lhe de lição.
2.ª – Acrescendo salientar que a Arguida concorda com a generalidade da matéria de facto dada como provada na douta sentença de que ora se recorre, que a respetiva fundamentação da decisão da matéria de facto e de Direito está explanada de forma clara e esclarecedora e a pena aplicada seria justa e proporcional.
3.ª – Na realidade, a Arguida apenas discorda do Tribunal a quo na resposta dada a uma questão que acaba por ter relevância na decisão da matéria de facto e de Direito. E essa questão é relativa à validade da medição efetuada pelo alcoolímetro que realizou o teste de alcoolémia à ora Recorrente.
4.ª – Sendo que é praticamente pacífico na jurisprudência que um(a) Arguido(a) não pode confessar a taxa de álcool exata que, em determinado momento, tinha no sangue, por não ter razão de ciência que lhe permita saber tal facto.
5.ª – As declarações da Arguida e o depoimento da testemunha E. C., o senhor Agente da GNR que realizou o teste de alcoolémia – que acima transcrevemos e referenciamos – levaram a uma melhor análise do teste de alcoolémia. E a realidade é que, conforme infra se expõe, o teste de alcoolémia em questão não será válido.
6.ª – O Tribunal a quo entendeu que o prazo (de 10 anos) de validade da aprovação do modelo de alcoolímetro pelo IPQ se conta a partir da publicação da autorização de uso dada pela ANSR.
7.ª – Contudo, neste ponto, discorda-se, respeitosamente, do vertido na sentença de que ora se recorre, pois defende-se que o referido prazo de 10 anos se conta a partir da (publicação no Diário da República da) da aprovação técnica pelo IPQ.
8.ª – Com todo o respeito, não existe sustentação legal para que se conte o prazo de 10 anos de validade da aprovação pelo IPQ a partir de um evento diferente daquele que consta da norma que o prevê.
9.ª – A aprovação realizada pelo IPQ é de natureza técnica, enquanto que a decisão da ANSR é meramente uma decisão que autoriza o uso de tal modelo de alcoolímetro.
10.ª – E, enquanto a aprovação técnica de modelo pelo IPQ é válida por 10 anos, para a decisão de uso pela ANSR não existe qualquer prazo de validade. Isto porque caducando a validade da aprovação técnica (ou seja, passados os referidos 10 anos), o modelo de alcoolímetro em questão deixa simplesmente de poder ser utilizado, conforme resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 14.º da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio.
11.ª – O modelo Drager MK IIIP foi homologado pelo IPQ pelo despacho nº 11.307 (modelo nº 211.06.07.3.06), publicado no DR nº 109, 2ª série, de 6 de Junho de 2007, constando de tal despacho:
“Validade. — A validade desta aprovação de modelo é de 10 anos a contar da data de publicação no Diário da República” [destaque e sublinhado nosso].
12.ª – Pelo que, tendo tal despacho sido publicado no Diário da República a 6 de Junho de 2007, o prazo de dez anos de validade caducou a 5 de Junho de 2017.
13.ª – Ora, o teste de alcoolémia in casu foi realizado a 1 de Outubro de 2017, ou seja, já depois de decorrido o referido prazo de 10 anos, pelo que a aprovação de tal modelo já havia caducado.
14.ª – Assim, o teste de alcoolémia in casu foi realizado por um aparelho que, à data da realização de tal teste não tinha aprovação técnica do IPQ válida, sendo portanto ilegal, conforme resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 14.º da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio (Regulamento de Fiscalização da Condução Sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas) e do n.º 3, do artigo 6.º, da Portaria n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro (Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros).
15.ª – Pelo que, a Arguida impugna a decisão da matéria de facto vertida nas alíneas b) e c), na parte referente à TAS que a Arguida teria naquele momento. Pois, atenta a invalidade do teste de alcoolémia, não se poderia ter dado como provada a taxa de alcoolémia que a Arguida teria no sangue.
16.ª – E, como não é possível determinar a verdadeira taxa de álcool que a Arguida teria no sangue naquele momento (que poderia não ultrapassar as 1,2 g/l), deveria a Arguida ser absolvida do crime de que vinha acusada.
17.ª – Pelo que, a sentença proferida pelo Tribunal a quo deverá ser revogada, sendo substituída por Acórdão que altere a decisão da matéria de facto e de Direito, nos termos supra expostos, absolvendo a Arguida do crime de que vinha acusada.

Nestes termos e nos que V. Exas. doutamente suprirão deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se/revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-a por Acórdão que altere a decisão da matéria de facto e de Direito, nos termos supra expostos, e absolva a Arguida do crime de que vinha acusada.
Isto, para que se faça a acostumada Justiça.»

3. O Exmo. Procurador-Adjunto na primeira instância respondeu ao recurso, manifestando a sua concordância com grande parte das conclusões da arguida, porquanto, em seu entender, compete efetivamente ao IPQ aprovar o modelo de alcoolímetro e essa aprovação tem o prazo de validade de dez anos, pelo que, como a aprovação do modelo de alcoolímetro usado nos autos ocorreu em 06 de junho de 2007, a validade dessa aprovação cessou em 06 de junho de 2017, ou seja, em data anterior à sua utilização na realização do teste de alcoolemia efetuado à arguida.

Porém, ao contrário do referido por esta, a cessão da validade da aprovação do modelo não produz qualquer efeito na validade da utilização do alcoolímetro, face ao disposto no DL n.º 291/90, que regula a questão da aprovação dos modelos dos instrumentos de medição, diploma esse que o recurso da arguida omite por completo e cujo art. 2º, n.º 7, dispõe que os instrumentos de medição em utilização cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis, como é o caso do alcoolímetro usado nos autos.
Em conformidade, o Exmo. Magistrado respondente pugna pela manutenção da decisão recorrida, ainda que com diferentes fundamentos.
4. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de a sentença recorrida ter explicitado cabalmente as razões pelas quais não ocorria a alegada invalidade e a resposta ao recurso acrescentou-lhe argumentos que desbotam os da motivação recursória, convocando, argutamente, a disciplina geral do DL n.º 291/90, de 20 de setembro, autorizando a conclusão de que o prazo de 10 anos não tem propriamente um efeito de presuntiva obsolescência programada, de pender mercadológico, pois que o legislador apenas sujeita a permanência operacional dos equipamentos mais vetustos à verificação da sua capacidade técnica metrológica, o que bem se compreende e aceita, desaconselhando o mero esgrimir de argumentos puramente administrativos. De todo o modo, à luz dos argumentos deixados no acórdão da Relação de Évora de 08-09-2015, tirado no processo n.º 457/14.2GTABF.E1, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto é de parecer que o aparelho em questão não tinha a operacionalidade cessada, não sendo, por isso, inapto para a determinação da medida da TAS que apresentava a arguida, termos em que não se mostram incorretamente julgados os factos questionados no recurso, devendo este ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.
5. No âmbito do disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve resposta a esse parecer.
6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do mesmo código.


II. FUNDAMENTAÇÃO

1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente (cf. art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal), não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso [2].
No presente recurso, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, a única questão a decidir consiste na impugnação da matéria de facto dada como provada nas alíneas b) e c) dos factos provados, na parte referente à taxa de álcool no sangue apresentada, porque fundada em prova ilegal, dado que o aparelho utlizado na sua medição não tinha aprovação técnica pelo IPQ válida.

2. DA SENTENÇA RECORRIDA

2.1 - Em termos de factos provado, o tribunal a quo considerou que (transcrição):

«Com relevância para a boa decisão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:

a) No dia 1 de Outubro de 2017, pelas 3h27, a arguida conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (…), no Largo Navarro de Andrade, em Guimarães, tendo sido sujeita à fiscalização para deteção de presença de álcool no sangue.
b) Conduzia este veículo, nesse local, após ter ingerido bebidas alcoólicas, pelo que, uma vez submetida ao exame de pesquisa de álcool, através do ar expirado, realizado pelo alcoolímetro Drager Alcotest 7110 MKIII P n.º 0159, a mesma acusou uma TAS de, pelo menos, 1,582 g/l, deduzido o erro admissível correspondente à TAS de 1,72 g/l registada.
c) A arguida agiu deliberada, voluntária e conscientemente, ao conduzir o veiculo automóvel identificado nos autos depois de ingerir bebidas alcoólicas, bem sabendo que estas lhe poderiam determinar, como determinaram, uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos 1,582g/l, sabendo ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei.
(Factos relativos à personalidade e condições pessoais do arguido)
d) A arguida admitiu a prática dos factos pelos quais vem acusada.
e) A arguida é estudante e vive com a mãe.
f) À arguida não são conhecidos antecedentes criminais.»
2.2 - Quanto a factos não provados, consta da sentença recorrida que (transcrição):
«Não resultaram, com relevância para a decisão, não provados quaisquer factos.»
2.3 - É do seguinte teor da motivação da decisão de facto (transcrição):

«O Tribunal fundou a sua convicção, quanto aos factos provados constantes das alíneas a) a c), nas declarações prestadas pela arguida, a qual admitiu a prática dos factos constantes do auto de notícia e da acusação, tendo ainda explicado as circunstâncias em que tais factos sucederam e, bem assim, evidenciou a surpresa da TAS apresentada, porquanto ter referido que no momento em que se propôs à condução encontrava-se, pelo menos ao que julgava, consciente e em condições para o fazer.
Mais nos mereceu atenção o depoimento prestado pela testemunha E. C., agente da PSP, o qual entre o mais, confirmou o auto de noticia por si elaborado e, bem assim, todo o procedimento adotado aquando da fiscalização em apreço e ainda todos os documentos juntos aos autos, acompanhando do auto de notícia, designadamente o certificado de verificação do aparelho alcoolímetro.
Quanto ao facto constante da alínea f), baseou-se o Tribunal no comportamento do arguido em audiência.
No que concerne à situação socioeconómica e profissional do arguido (alíneas d) e e) da matéria de facto provada), o Tribunal teve em consideração o depoimento do mesmo que se mostrou claro e coerente, sendo certo que não foi produzida prova que o infirmasse.»

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

A discordância da arguida relativamente à sentença recorrida cinge-se exclusivamente à impugnação da taxa de alcoolemia dada como provada nas als. b) e c) da matéria de facto assente (pelo menos 1,582 g/l, deduzido o erro máximo admissível correspondente à taxa de 1,72 g/l registada), com base na qual foi condenada pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, n.º 1, do Código Penal.

De acordo com as conclusões formuladas, essa sindicância centra-se na validade do meio de prova do referido grau de alcoolemia, por ter sido obtido através de um exame ao ar expirado realizado com um aparelho cujo modelo, à data, não tinha aprovação técnica válida.

Assim, atenta a invalidade desse teste, defende a recorrente que não se poderia ter dado como provada a taxa de alcoolemia que apresentaria no momento em que foi fiscalizada. E como não é possível determiná-la por outro meio, podendo, pois, não ultrapassar 1,20 g/l, pugna pela sua absolvição do crime de que vinha acusada.

Nos termos do disposto no art. 153º do Código da Estrada, o exame de pesquisa de álcool no ar expirado, destinado à averiguação do grau de alcoolemia de que sejam portadores os condutores de veículos ou outros intervenientes na circulação rodoviária, para efeito de apuramento de responsabilidade criminal ou contraordenacional, é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito, sendo que, em caso de resultado positivo, a contraprova que venha a ser requerida pelo examinando, deve ser realizada, de acordo com a vontade do mesmo, por novo exame, a efetuar através de aparelho aprovado, ou por análise de sangue, a qual também será utlizada quando a efetivação do exame ao ar expirado não se mostre viável (n.ºs 1, 2, al. c), 3 e 8 desse preceito).

Ainda que não se confunda com a prova pericial, esse exame traduz-se numa prova de natureza técnico-científica, legalmente estabelecida, à qual deve ser reconhecida força vinculativa equiparável àquela (art. 163º do Código de Processo Penal).
O requisito da aprovação do aparelho utilizado na realização do teste de alcoolemia está regulado na Lei n.º 18/2007, de 17 de maio, que, revogando o Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de outubro, aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas.

Dispõe o art. 14º dessa Lei que:

1 - Nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
2 - A aprovação a que se refere o número anterior é precedida de homologação de modelo, a efetuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.

Existe, assim, uma vinculação quanto à prova da alcoolemia, que só pode ser feita da forma prevista na lei, ou seja, por aparelhos aprovados e por exames de sangue, sendo que a aprovação do alcoolímetro exige a homologação de características técnicas pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ) e a aprovação de uso pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR).

A regulamentação específica em matéria de alcoolímetros consta atualmente da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de dezembro, que aprovou o referido Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, que são "instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado" (art. 2º, n.º 1).

Nos termos do art. 5º, al. a), dessa Portaria, a aprovação de modelo dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I. P. - IPQ, sendo que, de acordo com o disposto no art. 6º, n.º 3, desse diploma, “a aprovação de modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação de modelo.”

A questão suscitada no recurso, sobre a qual têm posições divergentes a recorrente e a Exma. Juíza a quo, é a de saber a partir de que data se conta o prazo de dez anos de validade da aprovação de modelo do alcoolímetro.

Defende a recorrente, apoiando-se no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17 de junho de 2010 [3], que tal prazo se conta a partir da data de publicação no diário da República da aprovação técnica do alcoolímetro pelo IPQ, argumentando que a norma que prevê esse prazo de caducidade de dez anos não se refere à aprovação do aparelho pela DGV) atualmente pela ANSR, para quem foram transferidas as competências da antiga DGV (DL n.º 77/2007, de 29 de março), mas sim à aprovação técnica pelo IPQ.
Consequentemente, tendo o alcoolímetro da marca Drager e modelo 7110 MKIII P, utilizado na fiscalização efetuada à recorrente, sido homologado pelo IPQ através do despacho n.º 11.307 (modelo n.º 211.06.07.3.06), publicado no Diário da República n.º 109, II Série, de 06 de junho de 2007, viu o termo do seu prazo de validade da aprovação atingido em 08 de junho de 2017, sem que tivesse sido renovada. Assim, quando em 01 de outubro de 2017 foi efetuado o teste de alcoolemia que deu origem ao presente processo, o aparelho utilizado já não satisfazia o requisito de estar validamente aprovado e, como tal, o resultado da medição não pode valer como meio de prova.

Diferentemente, na sentença recorrida [4], a Mmª. Juíza entendeu que o referido prazo de dez anos se conta a partir da autorização de uso dada pela ANSR, por só após essa data ser lícito às entidades fiscalizadoras fazerem uso de tal aparelho de forma probatoriamente útil.

Nessa conformidade, tendo o modelo do aparelho em questão sido aprovado pela ANSR através do Despacho n.º 19.684/2009, de 25 de junho de 2009, apenas publicado em 27 de agosto de 2009 (Diário da República n.º 166, 2ª Série), a fiscalização efetuada à recorrente ocorreu dentro do prazo de validade dessa aprovação.
Porém, como bem evidencia o Exmo. Procurador Adjunto na sua contramotivação, no caso concreto, a decisão sobre o mérito do recurso não reclama de modo algum que se tome posição quanto à questão em que o mesmo se centra, ou seja, saber a partir de quando se conta o prazo de validade da aprovação de modelo do alcoolímetro.

Com efeito, a recorrente olvida por completo o Regime Geral de Controlo Metrológico de Métodos e Instrumentos de Medição, aprovado pelo DL n.º 291/90, de 20 de setembro, a que também não se alude na decisão recorrida.

Este diploma legal regula o controlo metrológico dos instrumentos de medição utilizados em múltiplos domínios da vida em sociedade, incluindo, nos termos do art. 1º, n.º 3, a aprovação de modelo e as diferentes operações de verificação a que são sujeitos os aparelhos (primeira verificação, verificação periódica e verificação extraordinária), dispondo que esse controlo é exercido nos termos desse diploma e dos respetivos diplomas complementares (art. 1º, n.º 1).

Ora, sendo os alcoolímetros aparelhos de mediação de álcool no sangue, utilizados em operações de fiscalização rodoviária (art. 2º, n.º 1, do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros), este último constitui diploma regulamentar do DL n.º 291/90.

Assim, o controlo metrológico dos alcoolímetros quantitativos obedece, também, ao regime geral estabelecido para os vários métodos e instrumentos de medição, nos quais eles se inclui o previsto no Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de setembro, como é, inclusive, expressamente referido no preâmbulo da Portaria n.º 1556/2007.

Em matéria de aprovação de modelo, o art. 2º do DL n.º 291/90 dispõe o seguinte:

“1 – Aprovação de modelo é o ato que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria, devendo ser requerida pelo respetivo fabricante ou importador.
2 - A aprovação de modelo será válida por um período de 10 anos findo o qual carece de renovação.”
Por seu turno, com particular relevo para questão em apreço, o n.º 7 do mesmo artigo preceitua que “os instrumentos de medição em utilização cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis”.
Acresce que, nos termos do art. 8º, n.º 1, al. b), do mesmo diploma, compete ao IPQ proceder à aprovação de modelos de instrumentos de medição a que se refere o art. 2º.

Significa isto que, ao regular a questão da aprovação de modelo dos instrumentos de mediação, o art. 2º do DL n.º 291/90, não só prevê que essa aprovação tem a validade de dez anos (n.º 2), como regula expressamente as consequências do esgotamento do seu prazo (n.º 7).

Deste último normativo resulta que o esgotamento do prazo de validade da aprovação técnica, sem que tenha havido lugar à sua renovação, não acarreta, por si só, que os alcoolímetros do modelo em causa deixem de poder ser utilizados, podendo sê-lo desde que satisfaçam as operações de verificação a que tenham de ser sujeitos, de acordo com as regras aplicáveis, ou seja, através das verificações periódicas e extraordinárias previstas nos arts. 4º e 5º do DL n.º 291/90 e no art. 5º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, que continuarão a garantir a fiabilidade metrológica [5].
É o que sucede no caso dos autos, porquanto, conforme resulta do talão junto a fls. 7 e do teor do certificado de verificação de fls. 12, emitido pelo IPQ, o alcoolímetro em apreço encontrava-se devidamente certificado, na sequência de aprovação obtida na última verificação metrológica periódica, realizada em 05-09-2016, válida até 31-12-2017, de acordo com o art. 4º, n.º 5, do DL n.º 291/90.

Significa isto que, à data da realização do teste de pesquisa de álcool no sangue efetuado à arguida (em 01-10-2017), o modelo de alcoolímetro utilizado cumpria o requisito relativo à sua aprovação, pelo que o resultado obtido é perfeitamente válido, nada obstando a que o tribunal a quo, com base nele, considerasse como demonstrada a taxa de álcool no sangue de 1,582 g/l constante das als. b) e c) dos factos provados.
Por conseguinte, a decisão sobre a matéria de facto não merece a censura que lhe é dirigida pela recorrente, improcedendo, consequentemente, o recurso.


III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pela arguida, C. F., confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a quatro unidades de conta (arts. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).
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(Elaborado pelo relator e revisto por todos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
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Guimarães, 05 de março de 2018

(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)




[1] - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo gralhas evidentes e a ortografia utilizada, sendo a formatação da responsabilidade do relator.
[2] - Como resulta do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série-A, de 28-12-1995.
[3] - Tirado no processo n.º 89/07.1GTABF.E1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[4] - Tal como também no acórdão do TRE de 08-09-2015 (processo n.º 457/14.2GTABF.E1) e no acórdão do TRL de 17-03-2009 (processo n.º 178/2009-5), ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[5] - No mesmo sentido, cf. o acórdão do TRE de 20-01-2015 (processo n.º 314/13.0GFLLE.E1), disponível em http://www.dgsi.pt.