Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6844/18.0T8GMR.G1
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: DIREITOS REAIS
NOÇÃO DE LOGRADOURO
OBRA INOVADORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

-A lei não define o que é um logradouro, nem refere expressamente se estamos perante uma parte comum do prédio ou não; a doutrina e jurisprudência encontram-se divididas: a generalidade da doutrina e jurisprudência entende que os logradouros são presuntivamente comuns, (cabendo desta forma no nº 2 al. a) do artigo 1421 do Código Civil), havendo ainda quem defenda que os logradouros são imperativamente comuns (cabendo desta forma no nº 1 al. a) do artigo 1421 do Código Civil).

- a generalidade da doutrina e jurisprudência entende que os pátios e jardins anexos ao edifício, em geral o seu logradouro, são comuns, se outra coisa não resultar do título constitutivo.

- Em princípio, mesmo a afetação suscetível de vencer a presunção de comunhão prevista no nº2, terá de ser uma afetação formal, a realizar no título constitutivo de propriedade horizontal.

- Contudo, para alguma doutrina e jurisprudência, basta que se verifique uma destinação objetiva, ainda que essa afetação não conste no título constitutivo de propriedade horizontal.

- no caso vertente, a afetação material ab initio de uma parte do prédio e que quando muito se presumiria comum por força do nº2 do art. 1421 do CC, a uma das frações autónomas, é bastante para afastar a presunção estabelecida no mesmo preceito, muito especialmente se já estava prevista no projeto e construção da obra ( foi feita com dois jardins, um no logradouro da fração B e outro junto à janela da fração A) e se na determinação do montante do preço por que os condóminos do R/chão, ora AA, compraram a fração se teve em vista tal afetação.

- salvo declaração em contrário, deve entender-se que um prédio é sempre transmitido com todas as suas pertenças, acessórios e partes integrantes, por ser a situação que melhor corresponde à intenção normal das partes contratantes, pelo que o poço que servia com a sua água a habitação da fração A do lote 2 é, em relação àquela fração, um acessório, que, em princípio, deve acompanhar o principal, encontrando-se situado no logradouro que faz parte integrante da fração, nada sendo dito em contrário na escritura de compra e venda.

-estão preenchidos os três pressupostos para a constituição de servidão por destinação de anterior proprietário: as duas frações pertenciam ao mesmo dono, não tendo sido feita qualquer ressalva na altura da separação, e existiam sinais visíveis e permanentes, nomeadamente a existência de uma cabine com motor e depósito e ligações do motor para a fração dos Autores, cabine essa que estava implantada simultaneamente nos dois prédios.

- o exercício do direito dos RR e ainda que constitua reação contra uma situação ilícita, é manifestamente abusivo, atenta a sua postura de não oposição desde a realização das obras inovadoras, podendo falar-se da figura conhecida na doutrina por supressio, ou « neutralização » , configurada quando o titular do direito deixa passar um longo período de tempo sem o exercer, o que, aliado a uma particular conduta desse titular ou a outras circunstâncias, cria na contraparte a expectativa ou convicção fundada e justificada de que o direito já não será exercido, em termos tais que a leva a adotar medidas ou «programas de ação que, doutro modo, não adotaria; o exercício do direito em tais condições ( decorrido tão longo lapso de tempo) contraria a boa fé.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- RELATÓRIO:

1. C. F., NIF … e J. C., NIF …, emigrantes em França e com domicílio em Portugal em …, Guimarães, vieram intentar a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra D. C., NIF … e M. L., NIF …, pedindo, a final a condenação dos Réus:
2.
“1- A reconhecer que o logradouro da Fração “A” do lote 2 identificada na alínea a) do artigo 3.º desta petição ora pertencente aos AA. é integrado pelos espaços referidos nas alíneas a), b), c) e d) do artigo 9.º desta petição;
2 - A reconhecer que o “poço” existente no logradouro a nascente da fracção dos AA. e o anexo que lhe serve de apoio, implantado em terreno de logradouro nascente dos lotes 1 e 2 integram a fracção “A” pertencente aos AA.;
3 - A reconhecer que se encontra constituída implícita e tacitamente e por destinação do anterior proprietário a respectiva servidão do direito de superfície não só em relação à obra implantada mas também o solo necessário ao seu acesso, a onerar o terreno de logradouro da fracção “A” do prédio dos RR. identificado no artº 2º desta petição a favor da fracção “A” pertencente aos AA. identificada na alínea a) do artº 3º desta inicial, podendo pois tal anexo permanecer perpetuamente implantado naquele terreno, ao abrigo do disposto nos artºs 1.524º e segts. do Código Civil;
4 - A promoverem a expensas próprias e exclusivas às diligências necessárias à alteração dos respectivos títulos constitutivos da propriedade horizontal de cada prédio construído nos lotes 1 e 2, identificados nos artºs 2º e 3º desta inicial, de modo a ali ficarem a constar as referidas servidões e existência do poço e anexo pertencentes à fracção “A” dos AA.;
5 - A efectuar no prazo máximo de 30 dias a contar do transito em julgado da sentença as obras necessárias à reposição de toda a situação anteriormente existente, ou seja:
a) - repor o gradeamento que encimava o muro de betão delimitativo do prédio, bem como a caixa do correio pertencente aos AA. que ali existia;
b) - retirar todos os gradeamentos que colocaram a separar os terrenos de logradouro das fracções “A” e “B”;
c) - retirar os postes e tubos de ferro enroscado que colocaram a impedir o acesso à parte do logradouro sul pertencente à fracção “A” dos AA;
d) - retirar o cimento colocado na faixa de terreno referida na alínea c) do artº 9º desta petição e proceder à impermeabilização e ajardinamento desse local no estado e mesmo tipo de plantas que antes ali se encontravam;
e) - demolir o resto do anexo existente no logradouro nascente da fracção “A” pertencente aos AA. e a proceder à sua reconstrução total e a colocarem em perfeitas condições de funcionamento dentro do anexo o motor e auto-clave/reservatório para extracção da água do poço que abastece a casa dos AA..
6 - A indemnizar os AA. pelos danos patrimoniais e não patrimoniais referidos nos artºs 72º a 80º desta inicial, no total de € 8.266,67, bem como nos danos patrimoniais e não patrimoniais que ainda se vierem a verificar até total reposição das ilícitas situações por si ocasionadas, que neste momento não se podem quantificar e cuja liquidação se relega para execução de sentença, valores aqueles acrescidos de juros, à taxa legal, desde a data da citação dos RR. e até efectivo reembolso dos AA..
7 - No pagamento de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento, no valor diário de € 150,00, ao abrigo do disposto no artº 829º-A, nº 1 do Código Civil.

Para tanto alegam, em síntese, que são proprietários de uma fração vendida pelo Réu, da qual faz parte um poço e cabine e que o Réu como proprietário da outra fração e do prédio geminado, sem qualquer autorização dos Autores, destruiu e retirou as ligações do motor e autoclave; alegam ainda alterações nas partes comuns e na fração dos Autores efetuadas pelos Réus, com a destruição do jardim existente no logradouro sul integrante da fração dos Autores, que cimentaram e fecharam o acesso a essa parte do logradouro dos AA., quer a nascente, quer a poente, não só com a colocação do gradeamento a separar ambos os logradouros das frações “A” e “B”, mas também com a implantação dos postes a meio e dos 3 tubos de ferro enroscado que deles saem para cada lado, estando agora os AA. impossibilitados de ali passar; por fim, alegam que os Réus retiraram o gradeamento do muro e ainda a caixa do correio dos Autores.
Acrescentam que estas situações importaram a realização de despesas com a deslocação a Portugal, além de perturbação da vida dos Autores.

2. Foram citados os Réus, para CONTESTAR a presente ação, nos termos legais, o que fizeram, concluindo pela improcedência da ação, alegando que se procedeu à delimitação dos logradouros de acordo com o título de propriedade horizontal, com uma estrutura amovível e apenas por os Autores e seus familiares atravessarem abusivamente o logradouro dos Réus,
Quanto ao poço e à cabine existentes no logradouro nascente da fração A, alegam que estes foram por si construídos e que serviam os dois lotes, não foram incluídos no contrato de compra e venda, pelo que continuam a ser propriedade dos Réus, constituindo-se sobre a fração dos Autores um ónus consistente na faculdade dos Réus manterem um poço e uma cabine e de a eles acederem. Admitem que as restantes três frações deixaram de utilizar a água do poço e deixaram os Autores utilizarem, quando em Portugal, mas que não fazia sentido continuarem a ocupar os restantes lotes, pelo que destruiu a metade da cabine que estava no lote 2, tendo disso informado os Autores, que se comprometeram a emendar para poderem continuar a utilizá-la.
Relativamente ao gradeamento em ferro, a retirada resultou de tal ter sido acordado com os Autores logo após a venda, por estarem degradadas, devendo ser substituídas por chapa mas não foi possível dado o desacordo; a caixa do correio estava do lado do logradouro da fração B, pelo que foi colocada do lado dos Autores.
Deduzem, assim, RECONVENÇÃO, concluindo pedindo a condenação dos Autores em abster-se de utilizar, por si ou por interpostas pessoas, o logradouro pertencente à fração “B”, a reconhecerem que o poço implantado no logradouro nascente da fração “A” é propriedade dos réus/reconvintes; a reconhecerem que a cabine parcialmente implantada no logradouro nascente da fração “A” é propriedade dos réus/reconvintes; reconhecerem que sobre a dita fração “A” se encontra constituído, a favor dos réus/reconvintes, um ónus ou encargo consistente na faculdade de estes ali manterem aquelas construções e bem assim de delas se servirem e a elas acederem, sempre que necessário; a restituírem aos réus/reconvintes o depósito/autoclave que estes lhes emprestaram, ou a pagar-lhes o seu valor, que é de 295,00€; a retirarem os apainelados, portas, janelas e persinas em alumínio prateado brilhante que ali colocaram, e reporem, a suas exclusivas expensas, os apainelados e as portas em madeira de cor castanha e as persianas em material plástico de cor branca tal como ali existiam, de modo a que seja reposta a linha arquitetónica e o arranjo estético do edifício.

3.Foi deduzida RÉPLICA, onde impugnaram os factos alegados em contradição ao constante na petição inicial; relativamente às janelas, admitem que não pediram autorização, mas a mudança era necessária e o Réu, tendo conhecimento da alteração, nada disse durante anos, pelo que devem ser mantidas, não afetando a estética do edifício, ao contrário das grades colocadas pelos Réus, que litigam com má fé e que devem ser como tal condenados.

Realizou-se AUDIÊNCIA PRÉVIA, onde foi proferido DESPACHO SANEADOR, admitindo-se a reconvenção e ali foi fixado o objeto do litígio e temas da prova nos seguintes termos: apurar se as alterações efetuadas por Autores e Réus foram autorizadas, se são legítimas e se se contêm dentro dos limites do exercício de propriedade dos Autores e dos Réus; apurar a quem pertence o poço e a cabine.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, conforme se alcança das respetivas atas.
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Após a competente audiência de julgamento, foi proferida sentença nos seguintes termos: “julgo a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, condeno os Réus D. C. e M. L., a reconhecer o direito de propriedade dos Autores C. F. e J. C. sobre o logradouro da fração A que inclui, além dos demais, o espaço a sul, que se inicia junto ao portão da entrada e se estende até à porta da cozinha, que é rebaixado, e uma parte que acompanha toda a casa dos AA., com a área de 2,57 m2 (0,69 m x 3,72 m), cujo solo antes da atuação dos Réus tinha uma parte de jardim.
Condeno os Réus a reconhecerem o direito de propriedade sobre o poço existente no logradouro a nascente dos Autores e sobre o anexo que lhe serve de apoio, com o motor, depósito e ligações aí existentes, beneficiando a fração A do lote 2, por destinação do anterior proprietário, da respetiva servidão do direito de superfície não só em relação à obra implantada mas também o solo necessário ao seu acesso, a onerar o terreno de logradouro da fração A do lote 1, registado a favor dos Réus descrito sob o n.º .../19991014, da freguesia de ....
Condeno os Réus a efetuar, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, as obras necessárias à reposição do gradeamento e existente no muro, bem como a caixa do correio pertencente aos Autores que ali existia, à retirada de todos os gradeamentos que colocaram a separar os logradouros, à retirada dos postes e tubos de ferro enroscado que colocaram a impedir o acesso à parte do logradouro sul dos Autores, à retirada do cimento colocado no jardim existente, com a sua impermeabilização e ajardinamento no estado que antes se encontravam.
Condeno os Réus ainda, no mesmo prazo, a reconstruir o anexo existente, colocando em funcionamento dentro do anexo o motor e reservatório para extração da água existente ligando-o à fração dos Autores, permitindo o acesso a este aos Autores de forma livre, fixando-se a título de sanção pecuniária compulsória o montante de 25 € (vinte e cinco euros) por cada dia em que se impeça tal acesso ao anexo.
Condeno os Réus a título de indemnização pelos danos verificados, no pagamento da quantia total de 2.206,67 € (dois mil duzentos e seis euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação dos RR. e até efetivo pagamento.
Julgo a reconvenção parcialmente procedente, condenando os Autores/reconvindos a abster-se de utilizar, por si ou por interpostas pessoas, o logradouro pertencente à fração “B”, absolvendo-os do restante peticionado.
Custas a cargo das partes, fixando o decaimento em 10% para os Autores e 90% para os Réus (artigo 527.º, n.º1 do C.P.C.).
Registe e notifique. ”.
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É desta decisão que vem interposto recurso pelos RR., os quais terminaram o seu recurso formulando as seguintes conclusões:

1. O presente recurso, na parte respeitante ao pedido dos autores de 16.000,00€ é admissível, uma vez que, somando a quantia de 2.206,67€ ao valor pecuniário dos trabalhos que os réus foram condenados a realizar (constantes do elenco de factos provados, designadamente nos pontos 34, 35, 36, 37 e 38), no montante global de 2.834,52€ cumpre o critério de sucumbência previsto no artigo 629º nº 1 do C.P.C.
2. Deve ser alterada a matéria de facto, na sequência da reapreciação da prova gravada e conforme o argumentário expendido no corpo alegatório supra, que aqui por brevidade se dá por reproduzido, quanto aos pontos 8, 10, 16, 17 e 21 do elenco dos factos provados.
3. Expurgando-se do item 8. dos factos provados a expressão “…e uma parte que acompanha toda a casa dos AA., com a área de 2,57 m2 (0,69 m x 3,72 m), cujo solo antes da atuação dos Réus tinha uma parte de jardim”;
5. Expurgando-se do item 10. dos factos provados a expressão “…livremente…”
6. Expurgando-se do item 16. dos factos provados a expressão “…bem como o logradouro a sul”.
7. Expurgando-se do item 17. dos factos provados a expressão “…e a sul, sempre passando por este último (parte do qual estava ajardinado) para aceder a pé ao logradouro existente a nascente”.
8. Expurgando-se do item 21. dos factos provados a expressão “…ao longo do piso dos logradouros sul”.
9. Entendeu o julgador que não ficou provado que as alterações levadas a cabo pelos autores “desfeiem o edifício”… que o mesmo é dizer, negou-se a considerar haver prejuízo estético, o que obviamente releva para efeitos da solução de direito aplicável.
10. É manifesto que, atenta a matéria de facto dada como provada nos citados pontos 43, 44, 46 e 47, se verifica uma agressão gritante à unidade sistemática do imóvel e uma desvirtuação notória da sua individualidade própria e específica.
11. Pelo que é igualmente gritante que teria de se considerar provado que “as alterações efetuadas pelos autores desfeiam o edifício”, o que se requer e se impõe atenta a prova produzida.
12. Os réus entendem que não ficou provado que o poço e a cabine tenham sido vendidos aos autores juntamente com a fracção, mas tão-só permitido o respectivo uso por parte daqueles, tal como decorre do depoimento da testemunha A. F., quando valorado na sua parte espontânea.
13. Nessa medida e não havendo dúvidas de que o poço e a cabine foram construídos pelos réus, e não tendo a venda sido feita livre de ónus ou encargos, defenderam os réus na sua contestação e continuam a defender, que os autores compraram a fracção sujeitando-se ao ónus de os réus ali manterem o poço e a cabine, ainda que em benefício deles autores, por tolerância dos réus.
14. Da sentença compreende-se que esta considera que o direito dos proprietários sobre a fracção adquirida (que pertence a um prédio constituído sob o regime da propriedade horizontal) é um direito de propriedade “absoluto”, remetendo para o artigo 1344º do Código Civil.
15. Nestes termos, será de concluir que também o direito dos réus sobre a fracção B do mesmo prédio é um direito de igual natureza e conteúdo.
16. Nessa linha de raciocínio, será forçoso reconhecer que os réus beneficiariam do direito de tapagem, podendo a todo o tempo murar, valar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de qualquer modo, nos termos do disposto no artigo 1356º do Código Civil.
17. Nesse caso e seguindo esse entendimento, não poderia a douta sentença condenar os réus à retirada de todos os gradeamentos que colocaram a separar os logradouros, uma vez que a sua colocação é permitida pelo direito de tapagem – cfr. artigo 1356º do Código Civil.
18. Porém, como é também reconhecido pela douta sentença, o prédio em causa encontra-se submetido ao regime da propriedade horizontal, estando dividido em duas fracções.
19. Oliveira Ascensão (Direito Civil – Reais, Coimbra Editora, 4ª ed., pág. 408, refere: “Escopo da propriedade horizontal não é criar uma comunhão: é permitir propriedades separadas, embora em prédios colectivos. Sendo assim, há nuclearmente uma propriedade, mas que é especializada pelo facto de recair sobre parte da coisa e de envolver necessariamente uma comunhão sobre outras partes do prédio. Essas especialidades levam a que a lei tenha tido a necessidade de recortar um regime diferenciado. Isto é típico das propriedades especiais, pelo que a propriedade horizontal nos oferece o melhor exemplo”.
20. Nos termos do artigo 1421º, n.º 1 do Código Civil, “São comuns as seguintes partes do edifício: a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestres e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio; b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção; c) As entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos; d) As instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes.
21. O logradouro consiste, nas palavras do Acórdão da Relação de Lisboa de 23-04-1996, no “terreno que rodeia ou circunda o edifício ou a construção feita sob o solo, ou seja, a parte do solo não ocupada com edifício nele construído.”
22. Assim, coloca-se a questão de saber se o logradouro pertence ou não ao solo, sendo assim parte comum do edifício.
23. No que concerne a esta questão existem na doutrina duas correntes distintas, a que considera que o logradouro é uma parte presumivelmente comum, e a que considera que os logradouros são uma parte imperativamente comum.
24. Como fundamento para a primeira corrente, é alegado que o logradouro é o mesmo que pátios e jardins e como tal deve incluir-se no artigo 1421º, n.º 2, alínea a) do Código Civil.
25. Contudo, tal asserção é contrariada pela disposição do artigo 204º, n.º 2 do Código Civil, entendendo-se por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.
26. Desta norma resulta que o logradouro faz parte integrante do prédio, não podendo ser separado deste.
27. Acresce que o logradouro pode não ser um pátio ou jardim, podendo ter uma função totalmente diferente destes, pelo que, se o legislador quisesse incluir o logradouro nesta alínea teria feito uma referência expressa a este.
28. Assim sendo, o logradouro faz parte do solo e, nessa medida, é uma parte imperativamente comum do prédio. No mesmo sentido veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 23-04-1996, “(…) o prédio urbano é uma realidade composta por um elemento natural, um pedaço de terreno denominado solo, e por um edifício nele construído total ou parcialmente. Se a construção ocupar parcialmente o terreno ou solo, restará uma outra não coberta que se denomina logradouro: daí que se afirme que o logradouro faz parte do solo, segundo a nomenclatura do artigo 204.º, n.º 2”.
29. No caso concreto dos presentes autos, o prédio está dividido em duas fracções autónomas, constando assim no título de constituição da propriedade horizontal:
30. A fração “A” - Habitação tipo T2, no rés-do-chão, com um logradouro localizado a sul, junto às escadas a nascente/poente do prédio, com a área de 56,50 m2, correspondente a 50% do valor total do prédio;
31. A fração “B” - Habitação tipo T2, no primeiro andar, com uma varanda a poente com a área de cinco metros quadrados, um logradouro localizado a sul, com a área de 30,50 m2, correspondente a 50% do valor total do prédio.
32. Desta descrição resulta que cada uma das fracções – “A” e “B” – dispõe de um logradouro para sua utilização exclusiva.
33. E, no caso da fracção A, diz-se claramente no título constitutivo que tem um um logradouro localizado a sul, junto às escadas a nascente/poente do prédio.
34. Esta precisão do título é clara: pretende-se com ela afastar o restante logradouro que, encontrando-se também a sul mas não junto às escadas situadas a nascente/poente, não lhe pertence, mas sim à fracção B.
35. A este propósito, refere o artigo 1418º do Código Civil que “no título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas”.
36. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 409, referem (anotação nº 3 ao artigo citado), que “o nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 40333 mandava já especificar as partes do prédio componentes de cada uma das fracções autónomas. O artigo 1418º substituiu essa referência pela alusão às partes do edifício correspondentes às várias fracções, no intuito de abranger as quotas das partes comuns que interessem à individualização do objecto dos direitos de cada condómino”.
37. Mas será que o solo e o subsolo desse logradouro são partes próprias dessa fracção, em termos tais que o seu proprietário deles possa dispôr com a mesma amplitude de um proprietário de um prédio não submetido ao regime da propriedade horizontal, nos termos absolutos considerados na douta sentença recorrida – por exemplo, que ele possa nele construir outro edifício?
38. Considerou a douta sentença recorrida que, nos termos do artigo 1344º, nº 1 do Código Civil, “a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico”.
39. Ora, o artigo 1421º, nº 1 do Código Civil estipula que o solo é imperativamente parte comum do prédio, constituindo um dos exemplos de desintegração do domínio por imposição legal, típico do regime de propriedade especial que, como refere Oliveira Ascensão (ob. cit.), constitui a propriedade horizontal.
40. Daqui decorre que os autores não podem reivindicar a propriedade do poço e da cabine, uma vez que, estando integrados no solo e sendo este uma parte comum do prédio, nunca seria susceptível de apropriação individual, não podendo ser-lhes vendido – artigo 1420º do Código Civil.
41. Deste modo, nunca poderia concluir-se, como se fez na douta sentença recorrida, que o poço e a cabine foram objecto do contrato de compra e venda celebrado entre os autores e os réus.
42. A sentença concluiu que “do título constitutivo consta que pertence à fração A um logradouro a sul, junto às escadas, além de um logradouro a nascente e outro a poente, com a área de 56,50 m2 e que a fração B tem um logradouro a sul com a área de 30,50 m2. A descrição efetuada, apesar de não ser clara, encontra-se suficientemente individualizada, com a indicação das áreas. De acordo com a prova produzida, a área indicada na escritura terá de incluir a referida passagem, sendo que tal foi vendida nestes termos, pelo que resulta dos factos que o referido logradouro, com a parte ajardinada pertence à fração A, não podendo ser impedido no seu uso e fruição”.
43. A douta sentença não especifica como é que chegou à conclusão de que “a área indicada na escritura terá de incluir a referida passagem”, sendo estranho como poderá chegar a essa conclusão quando nem sequer se procedeu à medição dos logradouros.
44. De acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal, “o acesso à fracção A é feito directamente para a via pública através de logradouro próprio a poente/sul” (daí que a testemunha A. F. fale na “parte da frente de ir para casa, para a estrada”).
45. Além de que ali se consigna expressamente que “o acesso ao logradouro da fracção A a nascente é feito através do logradouro comum a sul/nascente”.
46. Ou seja: no título constitutivo não se diz que o logradouro poente/sul da fracção A “acompanha toda a casa”, como se diz na douta sentença recorrida; nem se diz que o acesso ao logradouro da fracção A a nascente seja feito (ou possa sê-lo) por “uma parte que acompanha toda a casa dos autores, com a área de 2,57 m2 (0,69m x 3,72m)” como se diz na sentença: pelo contrário, diz-se expressamente que esse acesso se faz “através do logradouro comum a sul/nascente”.
47. Da análise que acabamos de fazer resulta que a sentença, modificando-o, violou o título constitutivo da propriedade horizontal.
48. O título constitutivo só pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, importando o concurso de vontades dos condóminos, sendo certo que a presente acção não se destina ao suprimento da vontade dos réus nesse sentido – artigo 1419º do Código Civil.
49. Além disso a sentença violou a lei ao considerar incluída na venda uma parte do logradouro correspondente à fracção que pertencia aos réus (a dita floreira ou parcela de 2,57 m2) como se fosse possível fazer o seu destaque – cfr. artigo 1422º-A, nº 3 do Código Civil.
50. De resto, a sentença debateu-se, em termos da divisão dos logradouros que veio ilicitamente a consagrar, com um problema: se os autores ajardinaram a parcela de 2,57 m2 como é que passavam do logradouro a nascente para o logradouro próprio a poente/sul? Por cima das plantas?
51. A sentença tentou resolver este problema:
- Primeiro, ao consagrar que os moradores circulavam livremente por todos os logradouros, uma vez que não havia divisórias entre eles (cfr. ponto 10. da matéria provada) – o que efectivamente acontecia mas apenas por parte dos autores, contra a vontade dos réus, sendo isso que levou o réu marido a proceder à vedação do seu logradouro e que conduziu à presente acção (aliás isso equivaleria a considerar que ambos os logradouros eram afinal comuns a ambas as fracções…);
- Segundo, ao referir no ponto c. do item 8. “uma parte que acompanha toda a casa dos autores, com a área de 2,57m2 (0,69m x 3,72m), cujo solo antes da actuação dos réus tinha uma parte de jardim”: ao dizer isto, a sentença dá a entender que apenas parte da floreira estava cultivada, e que os autores passavam pela outra parte, o que é clamorosamente falso, como aliás se percebe imediatamente pelas fotografias juntas aos autos e o Tribunal pôde verificar in loco – sendo falacioso, porque inculca a falsa ideia de que os autores teriam mais logradouro para cá da floreira, o que é mentira em qualquer caso, e tem como consequência a invasão forçada do restante logradouro da fracção B dos réus se estes não quiserem pisar as plantas;
- Terceiro, por último e contraditoriamente, a sentença condena “os réus/reconvindos a absterem-se de utilizar, por si ou por interpostas pessoas, o logradouro pertencente à fracção B”; ora, como a sentença condena igualmente o réu a repor a floreira, ocupando todo o espaço da dita “parte que acompanha toda a casa dos autores, com a área de 2,57m2 (0,69m x 3,72m)”, isso significa que os autores terão de, ou passar por cima das plantas, ou cumprir o que dispõe o título constitutivo… o que significará que a sentença nada resolveu.
52. Também nesta parte a douta sentença deve ser revogada, mantendo-se o que consta do título constitutivo da propriedade horizontal.
53. A douta sentença condenou ainda “os Réus a reconhecerem o direito de propriedade sobre o poço existente no logradouro a nascente dos Autores e sobre o anexo que lhe serve de apoio, com o motor, depósito e ligações aí existentes, beneficiando a fração A do lote 2, por destinação do anterior proprietário, da respetiva servidão do direito de superfície não só em relação à obra implantada mas também o solo necessário ao seu acesso, a onerar o terreno de logradouro da fração A do lote 1, registado a favor dos Réus descrito sob o n.º .../19991014, da freguesia de ....”
54. Refere o artigo 1549º do Código Civil, com a epígrafe “constituição por destinação do pai de família” (sublinhados nossos) que, “se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com o outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento”.
55. Da simples leitura do artigo 1549º resulta que não será possível considerar constituída uma servidão por destinação do pai de família onerando a fracção A do lote 1 (prédio .../...) em favor da fracção A do lote 2 (prédio 191/...), já que as duas fracções pertencem a prédios diferentes.
56. Tal só seria possível se as fracções dominante e serviente pertencessem ao mesmo prédio, o que não é manifestamente o caso.
57. Acresce que os réus são proprietários da totalidade do prédio ... (lote 1) e comproprietários do prédio 191 (lote 2), uma vez que são donos da fracção B deste último.
58. Ora, nos termos do artigo 1543º do Código Civil, “servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia”.
59. A esse propósito, referem Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 633, em anotação ao artigo 1549º (sublinhados nossos), que “onde o problema é mais controvertido entre os autores é no tocante à compropriedade. Claro que nenhumas dúvidas se levantam quanto à possibilidade de constituição da servidão, quando os dois prédios ou as duas fracções do prédio tenham pertencido aos mesmos comproprietários. Mas já é discutível a constituição do encargo quando o autor da destinação ou afectação é proprietário de um dos prédios e comproprietário do outro (…) ao contrário do que sucede com os prédios ou as fracções pertencentes ao mesmo dono, essa hipótese escapa ao domínio de aplicação do artigo 1549º”.
60. E continuam estes autores: “a servidão, nesse caso, só poderá ser constituída por um dos títulos normais, que são os três primeiros referidos no artigo 1547º nº 1”, ou seja, contrato, testamento ou usucapião.
61. A razão de ser desta objecção reside na impossibilidade de coexistirem na mesma pessoa, em relação à mesma coisa, o direito de propriedade e qualquer outro direito (“nemini res sua servit”) – cfr. os autores e ob. cit., pág. 617, anotação nº 6 ao artigo 1543º.
62. Por outro lado, a sentença não regula em concreto o direito de servidão, em relação à sua extensão e exercício: não é definida a área ocupada pela cabine no prédio serviente nem é definido o modo de acesso à mesma.
63. Deste modo, a sentença terá também de ser revogada nesta parte, por ser manifestamente ilegal.
64. Ficou provado (pontos 43 e 44) que o imóvel construído pelos réus no lote 2 estava dotado de apainelados, caixilharias e portas exteriores de madeira castanha, e que as janelas eram protegidas por persianas de correr em material plástico, de cor branca.
65. Como ficou igualmente provado (ponto 46), os autores procederam à substituição das portas e janelas, por apainelados, caixilharias, portas e persianas em alumínio prateado brilhante.
66. A sentença considerou provado que “o rés-do-chão da fracção A apresenta um aspecto diferente do 1º andar” (cfr. ponto 47. do elenco dos factos provados).
67. Em sede de impugnação da matéria de facto, os recorrentes defendem que se impõe considerar provado que “as alterações efetuadas pelos autores desfeiam o edifício” (ponto sétimo da matéria de facto não provada).
68. Ficou igualmente provado que nunca foi convocada qualquer assembleia de condóminos (ponto 49 do elenco dos factos provados).
69. Em relação a estas inovações realizadas pelos autores, não deliberadas nem consentidas pelos réus, a sentença considera que a reacção destes “ao fim de tantos anos” (que são apenas 5, uma vez que as obras dos autores terão sido feitas em 2012) constitui até um abuso do direito!
70. Repare-se que os autores, segundo a matéria dada como provada, são emigrantes em França, vindo a Portugal em períodos curtos e apenas nas férias, pelo que aquele prazo de tempo assume ainda menor significado.
71. O artigo 1422º nº 2 alínea a) estipula que é especialmente vedado aos condóminos prejudicar com obras novas a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício.
72. Um condómino não pode substituir as janelas, portas e persianas por outras que não se harmonizem com as das demais fracções – vide, nesse sentido, os autores citados, ob. cit., pág. 425, anotação nº 5 ao artigo 1422º.
73. Nos termos do nº 3 do citado artigo 1422º, “as obras que modifiquem a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio”.
74. A norma do artigo 1422º é de natureza imperativa – cfr. autores e ob. cit., idem.
75. A própria sentença reconhece que assim é; no entanto, entende que aquelas inovações foram tacitamente autorizadas pelos réus, e presume que, se fosse convocada assembleia de condóminos para o efeito, os réus não votariam a favor – pelo que entende serem de aplicar as regras relativas à compropriedade!!!
76. No entanto, tal presunção é perfeitamente gratuita: tudo dependeria da composição que os condóminos, então ainda não desavindos, viessem a adoptar, nada garantindo esse desfecho.
77. A acrescer a este entendimento, deu a sentença como não provado que as ditas obras desfeiem o edifício, melhor, recusou dar como provado que houvesse prejuízo estético para o edifício, prejuízo esse que, como acima se referiu, é manifesto face à prova produzida e deve ser dado como provado.
78. O exercício do direito de oposição por parte dos réus às inovações ilegais feitas pelos autores é tempestivo.
79. Ao lado da propriedade exclusiva sobre a sua fração, cada condómino é ainda comproprietário das partes comuns do edifício, sendo contitular, juntamente com os restantes condóminos, do direito de propriedade sobre as partes comuns, existindo uma total incindibilidade destes direitos – parte privada e autónoma e parte comum.
80. O direito de propriedade não se extingue pelo não uso (a não ser no caso previsto no artigo 1397º do Código Civil), pelo que o exercício do direito é tempestivo.
81. A sentença considera ainda que a reacção dos réus “ao fim de tantos anos” (que são apenas 5, uma vez que as obras dos autores terão sido feitas em 2012) constitui até um abuso do direito.
82. Relembre-se que os autores, segundo a matéria dada como provada, são emigrantes em França, vindo a Portugal em períodos curtos e apenas nas férias, pelo que aquele prazo de tempo assume ainda menor significado.
83. Não constitui abuso de direito a exigência de demolição daquelas obras e a reposição do prédio nas condições anteriores, atentas as circunstâncias do caso concreto.
84. Os réus, no exercício do direito que é pressuposto do seu pedido reconvencional, não ultrapassaram a fronteira do que é admissível atendendo à situação concreta, pelo que não se verifica abuso do direito – nesse sentido, cfr. Acórdão do STJ de 17.5.2017, proferido no processo 309/07.2TBLMG.C1.S1.
85. Deste modo, deve o pedido reconvencional ser considerado procedente, condenando-se os autores/reconvindos a retirar as caixilharias, portas e janelas e persianas em alumínio prateado brilhante e a recolocar as caixilharias, portas e janelas em madeira de cor castanha e as persianas em cor branca, restituindo assim à fachada do edifício à sua estética original.
86. Em face de tudo quanto vem exposto, deve ser revogada a douta sentença recorrida na sua totalidade.
87. Foram violadas as normas dos artigos 1418º, 1419º, 1420º, 1421º nº 1 alínea a), 1422º nº 2 alínea a), 1425º, 1543º, 1549º e 1564º do Código Civil.
*
Os AA apresentaram contra-alegações com as seguintes conclusões:

I - O presente recurso, em nosso entender e com todo o respeito, não tem qualquer fundamento legal e, pelo contrário, a douta “Decisão” ora em recurso deve manter-se, pois que faz uma criteriosa ponderação dos meios de prova produzidos e a mais adequada aplicação dos normativos legais ao caso em sujeito.
II - Não há qualquer razão para expurgar da matéria de facto provada constante dos pontos 8, 10, 16 e 17 as expressões mencionadas nas páginas 16 e 17 das alegações dos recorrentes, devendo manter-se integralmente o teor dos referidos factos provados, que resulta obviamente de toda a prova produzida, inclusive dos depoimentos das testemunhas indicadas pelos recorrentes e transcritas para as alegações.
III - E o mesmo acontece em relação ao facto provado 21, em que se pretende ver expurgada a expressão “…ao longo do piso dos logradouros sul”, porque nada é alegado em concreto que justifique ou fundamente essa pretensão e não pode sequer haver qualquer duvida de que o rasgo feito no piso para a alteração da torneira ali mencionada, que estava colocada sensivelmente junto à esquina sul/nascente do prédio, por cima do dito canteiro de flores e que foi deslocada pelo Réu para o muro que delimita o prédio a sul, foi efectivamente feito ao longo do piso dos logradouros sul, bastando olhar para as fotografias juntas à p.i. sob os docs.nºs 13 e 15, onde é claramente visível a direcção do referido rasgo no piso e a sua direcção e se constatou também na ida ao local.
IV – Também não há razão para a pretendida alteração ao ponto sétimo da matéria de facto “não provada”, onde consta como “não provado que as alterações efectuadas pelos autores desfeiam o edifício”, pois o que estava em causa era apurar se os Autores alteraram os materiais das portas e janelas inicialmente existentes e quanto a isso não restaram quaisquer dúvidas, até porque foram factos admitidos pelos próprios Autores na réplica e por isso se consideraram provados os factos referidos nos pontos 43, 44, 46 e 47 mencionados nas alegações dos recorrentes.
V - Se tal “diferença” desfeiou ou não o edifício até pouco importa, pois esse é um conceito relativo e subjectivo e que não releva para a questão principal, que é apurar se com isso foi alterada a linha arquitectónica do edifício e isso parece ser evidente, na medida em que se deu como provado que o aspecto de ambas as fracções que compõem o edifício é agora diferente e não se vê em que é que tal matéria considerada não provada signifique que o julgador se negou a considerar haver prejuízo estético e muito menos que isso tenha qualquer relevância para efeitos da solução de direito aplicável.
VI - As referências indicadas pelos recorrentes nas suas alegações não são suficientes para se considerar cumprido o ónus previsto no artº 640º do C.P.C. para quem impugne a decisão relativa à matéria de facto, pois que se limitam a indicar os depoimentos das testemunhas que em seu entender implicavam decisão diferente sem especificar o propósito de cada um e em que medida impunham uma resposta diferente da que foi dada pelo tribunal “a quo” a cada um dos concretos pontos que pretende ver alterados, limitando-se a interpretá-los à sua maneira e da forma que mais lhes convém, extraindo ilações e conclusões sem qualquer base que as sustente, donde tem de se concluir que a sua discordância se prende tão só com uma interpretação diferente da do Tribunal quanto à apreciação da prova e não com qualquer elemento concreto que tenha sido erradamente apreciado e colida manifestamente com a prova produzida, o que necessariamente tem de conduzir à rejeição do recurso nesta parte.
VII - A não existência da referência no título de que a venda foi livre de ónus ou encargos não implica que existam ónus e encargos sobre os prédios, como bem se diz na sentença, tanto mais que os que existem ou estão registados ou, não o estando, foram criados nos termos da lei, em princípio por contrato ou usucapião, o que nem sequer foi alegado e se tal ónus teria de ficar estabelecido na referida escritura, já nenhuma necessidade havia de ali fazer constar a inclusão do poço e cabine, precisamente porque nos termos do artigo 1344º do Código Civil a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contem e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico, pelo que só havendo excepção à regra prevista naquele normativo legal é que tal devia ficar a constar do título transmissivo da propriedade e nada tendo sido estabelecido nesse sentido, há pois que concluir que o direito de propriedade dos AA. abrange o referido poço e cabine.
VIII - Não se aceita para qualquer efeito a nova abordagem dos recorrentes quanto à propriedade do logradouro e poço e cabine nele implantadas, e isto porque contrariamente ao que alegam, o logradouro não é parte imperativamente comum do prédio submetido ao regime da propriedade horizontal, tese esta que desde logo esbarra com o próprio título constitutivo, que define qual o logradouro que é parte comum e quais os logradouros que integram cada fracção, tal como previsto no nº 1 do artº 1.418º do Cód.Civil.
IX - Nada na lei impede que a composição de uma ou de várias fracções autónomas seja integrada por porção de terreno assim definida e daí a redacção do já citado artº 1.418º e é precisamente isso mesmo que acontece no caso presente.
X – Também não se aceita a interpretação dada pelos recorrentes ao artº 1421º do Código Civil e a corrente jurisprudencial por si alegada, pois que o nº 1 de tal artigo identifica as partes consideradas imperativamente comuns do edifício, nas quais se inclui o solo, mas o nº 2 identifica as partes presumivelmente comuns, onde estão enumerados os pátios e jardins anexos ao edifício e é aqui que consideramos que se encaixam os logradouros.
XI - A interpretação dos citados normativos tem pois necessariamente de ser feita no sentido de que a parte do solo do prédio que é imperativamente comum é a que corresponde somente ao polígono da implantação do edifício, ou seja, a zona delimitada pelos alicerces ou fundações, sobre os quais se erguem as paredes que dão volume à edificação e daí que por força da presunção da al. a) do nº 2, o terreno anexo (o logradouro), só será comum, total ou parcialmente, se o título constitutivo não o integrar na composição de qualquer fracção autónoma, como acontece no caso presente (Veja-se neste sentido o que diz Carvalho Fernandes, em Lições, pág.352, para quem “o solo só é necessariamente parte comum no que respeita à zona de implantação do edifício”, visto resultar “do nº 2 do artº 1421º que os pátios e jardins a ele anexos, em geral o seu logradouro, só são comuns se outra qualificação não resultar do título constitutivo”).
XII – Se se no título constitutivo da propriedade horizontal junto aos autos – que foi submetido a tal regime pelos próprios recorrentes que eram os donos da totalidade do prédio – estão então precisamente definidos os logradouros afectos a cada fracção e que são sua parte integrante, com todos os seus pertences é pois inconcebível que venham agora defender que esses logradouros não possam ser susceptíveis de apropriação individual e não possam ser vendidos, alegação essa que até consubstancia abuso de direito e evidentemente tem de improceder.
XIII - Não há na douta sentença em recurso qualquer violação da lei ou modificação do título constitutivo da propriedade horizontal ao considerar incluída na venda uma parte do logradouro correspondente à fracção que pertencia aos Réus (a dita floreira ou parcela de 2,57 m2) e a MMª. Juiz a quo se limitou a interpretar o título constitutivo da propriedade horizontal do prédio em questão de acordo com o que nele vem definido, com a realidade que se verifica no local e com a prova produzida, donde resultou que também por exclusão de partes o logradouro da fracção “A” localizado a sul, junto às escadas a nascente/poente do prédio, com a área de 56,50 m2, integra também a floreira ou parcela com a área de 2,57 m2 localizada a sul, por baixo da janela da cozinha da fração dos Autores.
XIV - Não há qualquer violação ao nº 3 do artº 1422º-A, nem se percebe a alusão a tal preceito, que é inaplicável ao caso, na medida em que não há qualquer divisão em novas fracções autónomas, nem sequer os logradouros em questão são fracções autónomas que pudessem ser divididas, mas sim parte integrante de cada uma das fracções que compõem o prédio, estando aqui em causa apenas a composição e limites desses logradouros e nada mais e foi apenas isso o que a sentença clarificou, com base na prova que foi produzida em audiência.
XV - O artº 1549º do Código Civil adapta-se na perfeição ao caso em apreço e não faz sentido alegar que não será possível considerar constituída essa mesma servidão pelo facto de as duas fracções (dominante e serviente) pertencerem a prédios diferentes, pois que tal normativo contempla duas hipóteses, ou seja: 1) a de se tratar de dois prédios do mesmo dono; ou 2) a de duas fracções de um só prédio, sendo mais que evidente que neste caso estamos perante a primeira delas, ou seja, a de dois prédios que antes pertenciam ao mesmo dono, os aqui recorrentes.
XVI - Tais prédios, melhor identificados nos factos provados 1, 2 e 3, foram ambos submetidos ao regime da propriedade horizontal, sendo que de um deles os recorrentes venderam uma das fracções aos Autores, continuando a pertencer-lhes a totalidade do prédio construído no Lote 1 e a fracção B do prédio construído no Lote 2 (factos provados 6 e 7) e por isso não podem assim estar duvidas de que ambos os prédios pertenciam ao mesmo dono, sendo também evidente que esse domínio cessou no que respeita a uma das fracções de um dos prédios quando os recorrentes a venderam aos Autores, sem que no respectivo documento (a escritura de compra e venda) algo se tenha declarado acerca da serventia que ali existia de um para o outro, cujos sinais são visíveis e permanentes, como resulta dos factos provados 11 e 12.
XVII - E também não colhe a alegação da impossibilidade da constituição da servidão baseada no disposto no artº 1543º do Código Civil, que determina que a servidão predial só pode ser imposta em proveito de prédio pertencente a dono diferente, o que os recorrentes consideram não ser o caso, por se intitularem proprietários da totalidade do prédio ... (lote 1) e comproprietários do prédio 191 (lote 2).
XVIII – É que os recorrentes incorrem em manifesto e notório erro ao qualificar-se comproprietários do prédio construído no lote 2 (descrito na C.R.P. sob o nº 191) pois que como resulta do já citado artº 1.421º, nº 1 do Cód.Civil, apenas são proprietários exclusivos da fracção “B”, tal como acontece por parte dos Autores, aqui recorridos, em relação à fracção “A”, sendo ambos, isso sim comproprietários apenas das partes comuns do mesmo prédio, o que evidentemente não obsta à constituição da servidão a favor da fracção “A”, que já se viu não lhes pertencer a partir da altura em que a venderam aos recorridos.
XIX – A sentença regula perfeita e suficientemente o direito de servidão que foi constituído, em relação à sua extensão e exercício, na medida em que os Réus foram condenados a reconhecerem o direito de propriedade dos Autores sobre o poço existente no logradouro da sua fracção e sobre o anexo que lhe serve de apoio, com o motor, depósito e ligações aí existentes, beneficiando a fracção A do lote 2, por destinação do anterior proprietário, da respectiva servidão do direito de superfície não só em relação à obra implantada mas também o solo necessário ao seu acesso, a onerar o terreno de logradouro da fracção A do lote 1, sendo certo que todos conhecem a situação que antes se verificava e é essa que tem de ser reposta, na medida em que foi esse direito de servidão que foi decretado.
XX - Nenhuma censura merece a improcedência do pedido reconvencional formulado pelos recorrentes na parte em que pretendiam que os Autores fossem condenados a retirar os apainelados, portas, janelas e persianas em alumínio que ali colocaram e a reporem as que existiam anteriormente, pois que há uma enorme diferença de circunstâncias e de comportamentos entre as atuações dos recorrentes e a dos recorridos que era preciso ter em conta e que, muito sabiamente, foram consideradas na douta sentença.
XXI - É que enquanto os recorridos – que são emigrantes e com poucos conhecimentos – desconheciam em absoluto que tinham de pedir essa autorização aos recorrentes e logo que foram por eles abordados apelaram à sua compreensão e autorização e nenhum problema foi levantado desde então (como resulta do facto provado 48 que não foi impugnado), estes sabiam perfeitamente que o prédio estava submetido ao regime da propriedade horizontal e que havia regras a cumprir, até porque já tinham chamado a atenção disso mesmo aos recorrentes em 2012, precisamente quando os abordaram por causa da mudança das portas e janelas.
XXII – E não se pode olvidar a matéria constante do facto 45, que também não foi impugnado e do qual resulta ter ficado provado, quanto às janelas e portas, que:
45. Os referidos materiais eram antigos e empenados, deixando entrar frio e vento por deficiências de isolamento, o que tornava a casa desconfortável e sem qualquer aproveitamento energético.
XXIII – Por isso é que foi considerado que enquanto a substituição das portas e janelas por parte dos recorridos era absolutamente necessária para o conforto da sua fracção e não foi alvo de oposição durante anos, tendo sido pois objecto de um consenso informal a posteriori, já as levadas a cabo pelos Réus recorrentes não se revestiam de qualquer urgência ou necessidade, tendo a oposição dos Autores sido demonstrada de imediato e foi precisamente isso que espoletou a “vingança” dos Réus, considerando-se portanto e muito bem que a pretendida reposição configura exercício abusivo do direito, o que não merece qualquer censura.
XXIV - E não digam os recorrentes que o factor tempo não é aqui importante e não é significativo o facto de não terem agido durante 5 anos - que não são 5 mas 7 diga-se de passagem, visto que essa alteração foi feita em 2012 e só quando apresentaram a sua contestação em Janeiro de 2019 é que levantaram a questão - mais a mais sendo os Autores emigrantes em França e que só vêm a Portugal nas férias, pois é mais que evidente que o facto de durante todo esse tempo não se terem oposto às referidas alterações criou legitimamente nos Autores a convicção de que tacitamente as aceitavam, em seguimento aliás da abordagem feita pelos Réus em 2012, em que o Réu marido disse que ia falar com os filhos e que se no dia seguinte nada dissesse podia ficar como estava.
XXV - É pois evidente que a pretensão dos recorrentes é uma mera questão de vingança e retaliação pela instauração deste processo e evidencia clara má fé e abuso de direito, pois contradiz gritantemente com o comportamento de aceitação que evidenciaram ao longo dos anos que já decorreram desde que foram feitas as referidas alterações sem que o tenham manifestado ou sequer tocado no assunto e daí que muito bem assim tenha sido considerado na douta sentença recorrida, que também nessa parte não merece qualquer reparo.
XXVI - Não se verifica na douta sentença qualquer violação dos preceitos legais enunciados, designadamente dos artigos 1418º, 1419º, 1420º, 1421º, nº 1, al. a), 1422º, nº 2, al. a), 1425º, 1543º, 1549º e 1564º todos do Código Civil.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido.

II- FUNDAMENTAÇÃO

As questões a decidir no presente recurso, em função das conclusões recursivas e segundo a sua sequência lógica, são as seguintes:


A) - saber se a matéria de facto deve ser alterada e caso o seja, se contende com o mérito da causa e em que medida.
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Para a apreciação das questões elencadas, é importante atentar na matéria que resultou provada e não provada, que o tribunal recorrido descreveu nos termos seguintes:

a) Factos provados:

1. Por escritura de compra e venda celebrada em 17 de Janeiro de 1978, os RR. adquiriram a J. P. e mulher dois terrenos para construção, com a área de 189 m2 cada, situados no lugar de …, da freguesia de ..., deste concelho de Guimarães, licenciados ao abrigo do alvará de loteamento n.º …, emitido em 2/1/1978 pela Câmara Municipal de …, a que correspondem os lotes n.os 1 e 2 daquele loteamento, contíguos entre si, sendo que o lote 2 confronta a norte com o lote 1.
2. Os RR. construíram um prédio em cada um dos lotes, sendo que, no lote 1 construíram um prédio urbano de rés do chão e primeiro andar, que posteriormente submeteram ao regime de propriedade horizontal e passou a ser constituído por duas frações autónomas, que ainda hoje estão registadas a seu favor na Conservatória do Registo Predial de … pela Ap.5 de 14/10/1999 do nº .../19991014, da freguesia de ....
3. No lote 2, construíram os RR. um prédio urbano composto por um edifício de rés do chão e … andar, destinado a duas habitações, com a superfície coberta de 85 m2 e logradouro com a área de 104 m2, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial ... sob o número … e então inscrito na matriz sob o artigo …, o qual por escritura celebrada em 5 de dezembro de 2005, submeteram ao regime de propriedade horizontal, passando pois o mesmo a ser constituído por duas frações autónomas, assim constituídas:
- Fração “A” - Habitação tipo T2, no rés-do-chão, com um logradouro localizado a sul, junto às escadas a nascente/poente do prédio, com a área de 56,50 m2, correspondente a 50% do valor total do prédio;
- Fração “B” - Habitação tipo T2, no primeiro andar, com uma varanda a poente com a área de cinco metros quadrados, um logradouro localizado a sul, com a área de 30,50 m2, correspondente a 50% do valor total do prédio;
4. Na referida escritura ficou ainda a constar que:
a) é comum a ambas as frações, um logradouro situado a sul/nascente, com a área de dezassete metros quadrados (17 m2);
b) o acesso à fração “A” é feito diretamente para a via pública através de logradouro próprio a Poente/sul;
c) o acesso à fração “B” é feito diretamente para a via pública por escada exterior sul/poente;
d) O acesso ao logradouro da fração “A” a nascente é feito através do logradouro comum a sul/nascente.
e) O acesso ao logradouro da fração “B” a sul é feito através do logradouro comum a sul/nascente.
5. O prédio do lote 2 é delimitado por muro em betão nas suas confrontações nascente, sul e poente, muro esse que a sul e poente, era encimado em toda a sua extensão por um gradeamento em ferro de formato igual ao dos portões de acesso e corrimão das escadas que dão para o primeiro andar, bem como da varanda ali existente.
6. Por escritura outorgada a 11 de janeiro de 2010, os Réus venderam aos Autores a fração autónoma correspondente designada de “A” do Lote 2, atualmente inscrita na respetiva matriz sob o artigo … da União de Freguesias de … e ... (anterior artigo …-A da freguesia de ...) e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº …/A, inscrita a favor dos AA. sob a Ap. 4027 de 2010/01/13.
7. Os RR., por seu turno, continuam a ser os proprietários da fração “B” do mesmo prédio, inscrita na respetiva matriz em nome do R. marido sob o artigo …-B da União de Freguesias de … e ..., que presentemente e já há alguns anos se encontra arrendada.
8. Na altura da aquisição da fração, foi-lhes indicado como seu e por si desde essa altura assim utilizado, o logradouro com:
a. Parte a nascente, nas traseiras da casa, com cerca de 33,00 m2 (3,37 m x 9,87 m);
b. a poente, junto às escadas e à entrada principal da casa e em toda a extensão da fração que confronta com a Rua ...;
c. a sul, que se inicia junto ao portão da entrada e se estende até à porta da cozinha, com a área de 11,48 m2 (5,79 m x 2,10 m), que é rebaixado em relação ao restante logradouro a sul e uma parte que acompanha toda a casa dos AA., com a área de 2,57 m2 (0,69 m x 3,72 m), cujo solo antes da atuação dos Réus tinha uma parte de jardim.
9. O logradouro comum a ambas as frações, a sul/nascente do prédio, que segundo o título constitutivo tem a área de 17 m2, situa-se imediatamente a seguir ao portão lateral de acesso ao prédio existente nessa confrontação e vai até à esquina nascente/sul do prédio, por onde acedem para acesso aos respetivos logradouros, designadamente, para estacionamento de veículos automóveis.
10. Todos os logradouros sempre estiveram livres e desimpedidos, sem qualquer vedação a separá-los, circulando os moradores livremente e para acederem das casas para os logradouros e vice-versa.
11. No logradouro a nascente dos Autores existe um poço ao qual se acede através de uma tampa em ferro com pega, que no passado abastecia de água os 4 fogos dos lotes 1 e 2, então todos pertencentes aos RR., mas que já aquando da venda dessa fração aos AA. só abastecia essa fração, dado que todas as outras já estavam ligadas à rede pública.
12. O referido poço é complementado por uma bomba extratora da água e de um reservatório para depósito de água e respetivos tubos de ligação, o que tudo está abrigado numa pequena construção em betão com uma porta em ferro, parte da qual está implantada no logradouro nascente da fração dos AA. e a outra parte no logradouro do lote 1 pertencente aos RR, construída por estes, na altura proprietários dos dois prédios.
13. Após a compra da fração pelos AA., ficaram com a chave do anexo e acesso exclusivo ao poço, que já só abastecia esta fração, tendo os AA. adquirido passado algum tempo um novo motor e uma autoclave (reservatório de água), uma vez que os anteriormente existentes estavam obsoletos, o que tudo continuou instalado no referido anexo.
14. Os terrenos de logradouro nascente de ambos os lotes 1 e 2, onde está implantado o referido anexo eram também amplos e contíguos e não existia vedação a separá-los, podendo os AA. aceder livremente àquela construção onde estava o motor e o reservatório da água sempre que era necessário, como sempre aconteceu.
15. Os Autores, e apenas estes desde a aquisição, sempre extraíram dali a água para seu consumo, tudo utilizando sempre que vêm a Portugal de férias ou noutras ocasiões, uma vez que se encontram emigrados há alguns anos atrás em França, entrando e estacionando o seu veículo automóvel no logradouro nascente integrante da sua fração, ao qual acedem pelo portão de acesso ao logradouro comum existente a sul/nascente.
16. Do mesmo modo, passaram a utilizar o restante logradouro integrante da sua fração, ou seja, o logradouro a poente, junto às escadas, que é o acesso principal à casa propriamente dita, bem como o logradouro a sul, tendo até ajardinado a parte rebaixada em terra que ali existia e que fica por baixo de uma das janelas da sua cozinha, com plantas diversas que embelezavam o local.
17. E sempre assim aconteceu, pelo que os AA. utilizavam e fruíam livremente de todo o terreno integrante do seu logradouro, ou seja, o logradouro a nascente (com o poço e anexo já referidos), a poente e a sul, sempre passando por este último (parte do qual estava ajardinado) para aceder a pé ao logradouro existente a nascente, onde estacionam o carro e está localizado o poço e o anexo já atrás mencionados, e isto de forma pacífica, contínua.
18. Aconteceu que no passado mês de junho de 2018, o R. marido telefonou aos AA. para França, pedindo-lhes autorização para ir ao logradouro nascente da sua fração e rebentar o cadeado do poço ali existente para verificar se havia algum problema com as canalizações, uma vez que estava a ocorrer uma fuga de água numa das suas frações do Lote 1.
19. O R. marido, com autorização, entrou no referido logradouro e rebentou o cadeado para abrir o poço e fazer os trabalhos necessários, tendo entregado um novo cadeado.
20. Ainda em finais do mês de junho, o Réu destruiu o pequeno jardim do logradouro sul, retirando todas as plantas ali existentes, e deixando-as abandonadas num canto do logradouro nascente dos AA., onde ainda permanecem secas e inutilizadas.
21. Seguidamente retirou uma torneira e respetiva ligação que se encontrava colocada na parede, sensivelmente junto à esquina sul/nascente do prédio, por cima do referido jardim, que era usada pelos arrendatários do primeiro andar (fração B), tendo feito um rasgo ao longo do piso dos logradouros sul em direção ao muro que delimita o prédio a sul, por onde fez nova ligação da água e ali colocou a mesma torneira,
22. Após o que cimentou todo aquele espaço até então era ajardinado e colocou uma divisória em rede painel em ferro suportada em postes de base aparafusados ao solo, tudo lacado a branco, que vai desde a esquina nascente/sul do prédio até ao limite do mesmo a poente, onde encosta no muro em betão que delimita o prédio com a Rua ...,
23. Ainda, a meio de cada um dos topos nascente e poente do logradouro, onde anteriormente existia o já referido jardim, o R. marido implantou um outro poste de base, de onde saem três tubos de ferro enroscado para cada lado e aparafusados aos postes, assim vedando e isolando aquela área e impedindo o acesso dos AA, ou de quem quer que seja àquele espaço.
24. Os AA., quando alertados para aquela situação e porque lhes era impossível na altura deslocar-se a Portugal, foram acompanhando a situação à distância, tendo a A. J. C. vindo para Portugal mais cedo, na última semana de julho e apresentado queixa na Câmara Municipal de … em 31 daquele mês, sendo certo que esta edilidade por carta datada de 5 de setembro seguinte informou que se tratava de um assunto de natureza jurídico privada e que competia aos Tribunais Judiciais dirimi-lo e não à Camara.
25. Em finais de setembro, estando já os AA. de novo em França após o regresso das férias de Verão, o R. marido retirou todo o gradeamento em ferro que encimava o muro de betão que delimita o prédio, dando-lhe sumiço, estando desde então o muro sem qualquer proteção ou grade.
26. Nesse gradeamento tinham os Autores colocado a sua caixa do correio, junto ao portão de acesso à sua fração situado a poente e à placa ali existente com o nome da rua, identificada com o número de polícia 2, tendo o retirado também o R. marido a referida caixa, ficando os Autores sem caixa onde possam receber o correio, pois que agora só lá está implantada a caixa do correio pertencente ao primeiro andar do prédio.
27. Logo de seguida, o R. marido procedeu à demolição da construção anexa ao poço, na parte implantada em terreno de logradouro do lote 1 da sua propriedade, mas inutilizou todo o anexo.
28. O R. marido retirou os tubos e ligações ao motor e a autoclave (depósito de água) que lá se encontravam, tendo depois recolocado o depósito em cima de um estrado de madeira em posição horizontal mas sem fazer as respetivas ligações, sendo certo que ainda tentou cortar a porta ao meio, mas como não conseguiu ficou a mesma aberta na direção do terreno integrante da fração dos AA., após o que vedou os respetivos logradouros dos Lotes 1 e 2 com rede painel em ferro assente em postes de base semelhantes às restantes vedações colocadas.
29. Os AA. foram alertados em França, através do telefonema de um familiar, de todas estas situações e para evitar a deslocação a Portugal, pois que era período escolar e não tinham com quem deixar as suas duas filhas, procuraram através de telefonemas feitos para a GNR que essa autoridade impedisse o R. marido de prosseguir com a sua atuação, mas perante a informação de que nada podiam fazer, logo que iniciaram as férias escolares vieram a Portugal, o que aconteceu no dia 19 de Outubro e tendo chegado de viagem cerca das 2 horas da madrugada, logo se depararam com o anexo destruído e os logradouros nascentes de ambos os lotes 1 e 2 separados pela já descrita vedação, estando a porta do anexo escancarada e o reservatório da água efetivamente pendurado no teto na horizontal, com os tubos todos cortados.
30. A fração dos Autores ficou sem água, pois não está ligada à rede pública e é abastecida pelo poço, pelo que chegados de viagem não tinham água para as suas necessidades básicas e das suas duas filhas.
31. Logo no dia seguinte viram-se obrigados a retirar a autoclave do local, refazer as respetivas ligações e a colocá-lo provisoriamente no exterior em posição vertical para assim poderem ter água, uma vez que face à demolição parcial do anexo e à colocação do gradeamento a separar os logradouros deixou de caber dentro do anexo.
32. A Autora apresentou queixa-crime, que correu termos com o NUIPC 701/18.7GBGMR, arquivado por indícios insuficientes da prática de crime por despacho datado de 4 de junho de 2019.
33. Com a colocação das grades, tanto os AA., como os próprios utilizadores do logradouro da fração “B” têm agora mais dificuldades nas manobras de entrada e saída dos veículos automóveis para os respetivos logradouros.
34. O R. marido destruiu o jardim, onde os Autores tinham plantadas várias plantas, depois do solo impermeabilizado e coberto por brita decorativa de vários tamanhos; para repor esse jardim será necessária a quantia de € 135,52 mais IVA.
35. Para substituição da caixa de correio dos Autores que estava fixada no gradeamento será necessária a quantia de € 45,00 mais IVA.
36. Para a demolição dos escombros do anexo ainda de pé e para sua reconstrução, incluindo os trabalhos necessários de eletricista e picheleiro, bem como para escavacar o betão da floreira e rematar em massa o necessário, será necessária a quantia de € 1.800,00 mais IVA.
37. Para colocação de uma porta em inox no dito anexo, uma vez que a anterior está danificada, será necessária a quantia de € 369,00 com Iva incluído.
38. Os AA ligaram provisoriamente os tubos da água do depósito, para poderem ter água durante o curto período de tempo em que estiveram em Portugal, mas depois das obras feitas terão de substituir a membrana do depósito de inox que ficou danificada, bem como fazer a instalação de água em tubo 1 desde o poço até ao depósito, para cujos trabalhos será necessário gastar o valor de € 485,00 mais IVA.
39. Os Autores tiveram que se deslocar de propósito a Portugal em outubro, deixando de trabalhar durante uma semana, que implicou uma perda salarial de cerca de € 600,00 para o Autor e no valor de € 347,55 para a Autora.
40. Com a viagem de ida e volta de França a Portugal, que fizeram no seu veículo automóvel com a matrícula …, incluindo gasóleo e portagens, gastaram os Autores a quantia total de € 259,12.
41. Todas as relatadas situações têm perturbado e afetado os Autores, que se sentem impotentes e revoltados, com as atitudes e comportamentos levados a cabo pelos RR, sempre aguardando notícias e temendo o pior.
42. Tudo isso lhes tem tirado horas de sono e de descanso, vivendo em permanente sobressalto, o que lhes provoca grandes incómodos e desgaste psicológico, continuando o R. marido a propalar que faz o que quer na casa e que aqueles não mandam nada.
*
43. O imóvel construído pelos réus no lote 2 estava dotado de apainelados, caixilharias e portas exteriores em madeira de cor castanha.
44. As janelas eram protegidas por persianas de correr em material plástico, de cor branca.
45. Os referidos materiais eram antigos e empenados, deixando entrar frio e vento por deficiências de isolamento, o que tornava a casa desconfortável e sem qualquer aproveitamento energético.
46. Os Autores em 2012, quando tiveram possibilidades económicas, procederam à substituição das portas e janelas, por apainelados, caixilharias, portas e persianas em alumínio prateado brilhante.
47. O rés-do-chão da fração “A”, apresenta um aspeto diferente do … andar.
48. Os Autores não obtiveram o consentimento dos Réus, desconhecendo que o tinham que o fazer, e quando foram abordados pelo Réu aquando da sua colocação, apelaram à sua compreensão e autorização, e nenhum problema foi levantado desde então.
49. Nunca foi convocada qualquer assembleia de condóminos.
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Factos não provados

Com interesse para a boa decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos acima não descritos ou com estes em contradição, com exclusão sobre considerações jurídicas, conclusões ou juízos de valor e factos não essenciais à decisão da causa, designadamente, não resultou provado que:

- a deslocação a Portugal implicou que tivessem que despender € 60,00 em refeições fora de casa;
- que o Réu procedeu à delimitação do logradouro por os autores e os seus familiares – designadamente, a mãe da autora – começarem a utilizar indiscriminadamente o logradouro que lhes pertencia, mas também o que não lhes pertencia;
- que utilizou uma estrutura amovível, que não constitui qualquer alteração ao arranjo estético do edifício;
-que as grades foram retiradas pelo Réu por se encontrarem bastante deterioradas, sendo a sua reparação desaconselhável, tendo as partes acordado que seriam substituídas por uma vedação em chapa;
- que o poço e motor não foram incluídos no contrato de compra e que foi cedida, por favor aos Autores, a sua utilização durante as deslocações a Portugal, tendo o Réu emprestado o motor e depósito, que nunca mais devolveram e que valia pelo menos 295,00€;
- que o réu marido decidiu informar os autores de que ia demolir a cabine, pelo que lhes telefonou a informar desse facto e que os autores pediram então ao réu-marido que não demolisse completamente a cabine, mas apenas a metade que se encontrava implantada no lote nº 1;
- que as alterações efetuadas pelos autores desfeiam o edifício;
- que os RR. deturpam a verdade dos factos e omitem outros de que têm absoluto conhecimento.”
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– Da alteração da matéria de facto

Como resulta da identificação das questões que se efetuou, no essencial, no recurso vem impugnada a decisão sobre a matéria de facto.

Como se vê das alegações de recurso, desde logo, e além do mais, os recorrentes questionam basicamente a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido no que respeita aos pontos 8, 10, 16, 17 e 21 do elenco dos factos provados:

- Expurgando-se do item 8. dos factos provados a expressão “…e uma parte que acompanha toda a casa dos AA., com a área de 2,57 m2 (0,69 m x 3,72 m), cujo solo antes da atuação dos Réus tinha uma parte de jardim”;
- Expurgando-se do item 10. dos factos provados a expressão “…livremente…”
- Expurgando-se do item 16. dos factos provados a expressão “…bem como o logradouro a sul”.
- Expurgando-se do item 17. dos factos provados a expressão “…e a sul, sempre passando por este último (parte do qual estava ajardinado) para aceder a pé ao logradouro existente a nascente”.
- Expurgando-se do item 21. dos factos provados a expressão “…ao longo do piso dos logradouros sul”.
- que se dê como provado o julgador entendeu que não ficou provado que as alterações levadas a cabo pelos autores “desfeiem o edifício”.
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Considera-se que os recorrentes especificaram os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados, especificaram os motivos pelos quais não deve ser atribuído valor probatório decisivo aos meios de prova considerados pelo julgador e os meios de prova que no seu entendimento justificam decisão diversa, indicaram, com transcrição dos mesmos, os depoimentos que constituem tais meios de prova e concretizaram ainda o sentido da decisão que deve ser proferida quanto a tais pontos da matéria de facto, sendo certo que quando se referem a “serem expurgadas as expressões dos factos provados”, entende-se que deveriam querer dizer que seriam factos essenciais alegados que deveriam ser dados como não provados, sendo certo que os recorridos assim o entenderam.
Assim, mostram-se preenchidos todos os requisitos de que depende a impugnação da matéria de facto, sendo certo que constam dos autos todos os elementos de prova que serviram de base à decisão e, como tal, a decisão sobre a matéria de facto pode ser modificada por este tribunal da Relação (artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil).
Preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que tem por epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Os recursos da matéria de facto podem envolver objetivos diversificados:

- Alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, a partir da reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (art. 662º, n.º 1 do CPC);
- Ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC);
- Apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC).
Quanto a este último objetivo dos recursos da matéria de facto, diz-nos Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed., pp. 291/29 que a decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, podendo – e devendo – algumas delas ser solucionadas de imediato pela Relação, ao passo que outras poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento.
Como concretização de tais patologias enuncia o citado autor que as decisões sob recurso “podem revelar-se total ou parcialmente deficientes”, “resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, “de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”.
Verificado esse vício, para além de o mesmo ser sujeito a apreciação oficiosa da Relação, poderá esta supri-lo a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação.
Pode, assim, “revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo”, faculdade esta que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objetiva de factos relevantes”; nesse caso, ao invés de anular a decisão da 1ª instância, se estiverem acessíveis todos os elementos probatórios relevantes, “a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas”.
“Incumbe à Relação, enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”- cfr. Ac. Relação de Guimarães de 07.04.2016, disponível em www.dgsi.pt.
Contudo, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova, essa operação não pode nunca esquecer os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
Como nos diz Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 245. “…ao nível da reapreciação dos meios de prova produzidos em 1ª instância e formação da sua própria e autónoma convicção, a alteração da decisão de facto deve ser efectuada com segurança e rodeada da imprescindível prudência e cautela, centrando-se nas desconformidades encontradas entre a prova produzida em audiência, após a efectiva audição dos respectivos depoimentos, e os fundamentos indicados pelo julgador da 1ª instância e nos quais baseou as suas respostas, e que habilitem a Relação, em conjunto com outros elementos probatórios disponíveis, a concluir em sentido diverso, quanto aos concretos pontos de facto impugnados especificadamente pelo recorrente; Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida - que há de ser reanalisada pela Relação mediante a audição dos respectivos registos fonográficos -, deverá prevalecer a decisão proferida em 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso, nessa parte.”
Ou seja, na reapreciação da prova pela 2ª instância, não se procura obter uma nova e diferente convicção, mas antes verificar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, e aferir, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de todo o modo, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido – art. 640º, n.º 1 al. b), parte final, do CPC.
Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações da recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
*
Em termos gerais, os recorrentes alegam que a decisão não valorizou devidamente os depoimentos de parte ( mas não diz porque razão) e o depoimento testemunhal de A. F., conjugado com o teor do título constitutivo da propriedade horizontal junto aos autos.

Ouvida aquela prova pessoal produzida em audiência e analisada a documentação dos autos, os RR, ora recorrentes, não têm, no essencial, razão.
Vejamos.
Antes de mais, importa ter presente que, essencialmente, e para além da questão da alteração das janelas e portas ( se se deverá dar como provado que desfeiam o prédio), o cerne da questão da impugnação da decisão da matéria de facto tem por base apenas saber se faz parte integrante da fração A, do lote 2, o logradouro a sul, constituído, além do mais, por um canteiro/floreira/jardim com a área de 2,57m2 e se os AA passavam por ele ( parte do qual estava ajardinado) para aceder a pé ao logradouro a nascente, onde estacionam e está localizado o poço e parte do anexo( cabine). Já o mesmo não ocorre com a questão suscitada em relação ao poço e cabine (pontos 11 e 13 dos factos provados), porquanto não é impugnada tal matéria em termos de facto, mas apenas está em causa a apreciação de direito, e que em sede própria será analisada.
Os recorrentes pretendem que se alterem aqueles segmentos dos factos dados como provados nos pontos 8, 10, 16,17 e 21º porquanto esta pretensão tem na sua base a alegação e conclusão dos recorrentes de que aquele canteiro/logradouro, localizado a sul, pertence à fração B, da sua propriedade. Sustentam que este facto se retira do teor do título constitutivo da propriedade horizontal, escrito esse que afasta o o depoimento da testemunha ouvida A. F..

Neste particular, a sentença motiva as respostas dadas àquela matéria de facto nos seguintes termos:

Os acontecimentos foram descritos com clareza e de forma coerente pela Autora, e confirmados pelas testemunhas que assistiram ou vivenciaram a situação e bem assim, pelo teor das fotografias e documentos juntos, que os enquadram.
Mesmo o próprio Réu, confirma os factos descritos, relativamente aos quais apenas tenta dar um novo enquadramento ou justificação.
Assim, relativamente à delimitação dos logradouros com arames e postes, admitida em sede de contestação, vem aqui justificada como sendo forma de limitar o acesso dos Autores ao logradouro da fração “B”, para passar para o seu logradouro, a nascente e semeando plantas no jardim, tendo confirmado também que cimentou o referido jardim e colocou as plantas no logradouro a nascente como se constata das fotografias juntas (fls. 32 v.).
Ora, estes factos verificam-se desde a compra da casa pelos Autores, sendo certo que, mesmo antes, esta situação se verificava, atendendo que os logradouros foram sempre um espaço aberto e que os Réus eram proprietários dos dois lotes, sem qualquer vedação, mesmo entre eles.
Nas declarações de parte do Réu, este admite que terá sido espoletado por uma mudança de uma torneira, encostada debaixo da janela dos Autores e que foi puxada para o outro lado (teria água da companhia do 1.º andar, como confirmado pela arrendatária, C. R.).
Nesta ocasião, e havendo divergência com a mãe da Autora, resolveu cimentar o jardim que ficava debaixo dessa janela, que considerava ser seu e vedar o que considerava ser o seu logradouro, sem pedir qualquer autorização.
No entanto, vedou o espaço do referido jardim mas de uma maneira que nenhuma das frações o podia utilizar, como se constata de fls. 32 verso. O que pretendia seria impedir qualquer acesso dos Autores.
O acesso que sempre tiveram e a utilização que faziam do referido jardim, como foi confirmado pela arrendatária do 1.º andar e pela vizinha da frente, R. L., que foi para lá morar há mais de 32 anos e que confirma a utilização do logradouro e do jardim mesmo por anteriores moradores da fração A.
O referido jardim teria sido efetuado aquando da colocação de cimento nos logradouros, como referiu a testemunha J. F., responsável por esta construção, a pedido do Réu, sendo que nessa altura, um filho deste mudaria para uma das habitações e utilizava livremente todos os logradouros: apesar de ter mudado para cima, ocupavam com veículos ambos os logradouros e até construíram um coberto na parte nascente (sem litígio quanto à pertença da mesma à agora fração A).
Atendendo à falta de planta concretizadora da escritura de propriedade horizontal, onde apenas consta uma descrição e medidas, não podemos deixar de atender a estes indícios que sustentam a divisão efetiva, a utilização concreta que os proprietários fizeram na sequência do seu estabelecimento.
Por outro lado, não podemos deixar de considerar que tal utilização foi corroborada aquando da venda aos Autores, como foi referido pela testemunha A. F., que foi procurador dos Autores no negócio e que esteve presente numa visita e, como este refere, tem correspondência com os metros (ainda que exista uma divergência pouco significativa para menos que poderá justificar-se com as medidas não terem incluído as paredes).
A referência a “um logradouro localizado a sul, junto às escadas a nascente/poente do prédio”, sendo certo que a fração A tem referência a logradouros a sul, a nascente e a poente, terá de ser feita por exclusão de partes, retirando uma parte comum e a parte da fração B.
Já as referências aos acessos diretos, tais são feitas por imposição legal, não limitando o acesso pelos logradouros próprios que existam, neste caso, o acesso direto entre os logradouros poente/nascente, pelo logradouro a sul”.

Concorda-se integralmente com o aí afirmado.

Com efeito, a respeito do ponto 8-c) e quanto ao segmento do logradouro a sul com a área de 2,57m2 ( e que tinha uma parte de jardim) baseou-se, no teor do título constitutivo, e no depoimento da testemunha A. F., o qual foi procurador dos AA na compra e venda da fração e afirmou que na altura da aquisição da fração foi-lhes indicado como pertencente à mesma aquela parte do logradouro sul, sendo certo que a respeito da sua utilização baseou-se o tribunal no depoimento das testemunhas R. L. e J. F. que assim o afirmaram. Estas testemunhas ainda afirmaram que já antes dos AA, os ocupantes do r/chão faziam a mesma utilização que os AA passaram a fazer após a aquisição do R/chão, o que torna verosímil o depoimento da testemunha A. F.. Aquelas testemunhas também afirmaram a utilização dos logradouros (desimpedidos) livremente por todos os moradores do prédio já anteriormente à aquisição dos AA e posteriormente por estes. Assim sendo, não se vislumbra como alcançar a conclusão dos recorrentes no sentido de que o depoimento da testemunha A. F. foi induzido, quando é um depoimento coerente e em consonância com a demais prova testemunhal produzida, a qual não foi posta em causa.
Por outro lado, igualmente não se vislumbra que aquele depoimento testemunhal seja contraditório com o teor da escritura de constituição da propriedade horizontal.
Aliás a testemunha reportando-se a tal documento, afirmou que tem correspondência com os metros (ainda que exista uma divergência pouco significativa para menos que poderá justificar-se com as medidas não terem incluído as paredes).
E assim é.
Veja-se que os recorrentes não põem em causa as medições dos logradouros a nascente e poente utilizados pelos AA ( facto nº 8, a),b) e c) 1ª parte), nem as medições constantes do título constitutivo, quando ali se lê, quanto à fracção A- “ … logradouro a sul junto às escadas a nascente/poente do prédio com área de 56,50m2…”. Assim sendo, também não se discute a medição em si dos 2,57 m2 daquela parte de logradouro em discussão. Por outro lado, no título constitutivo consta que ambas as frações (A e B) têm cada uma delas “ logradouro a sul”.
Discute-se, outrossim, é se essa parte de logradouro faz ou não parte integrante da fração A ou se é parte comum ou faz parte integrante da fracção B, mas isso é questão a apreciar em termos de direito e não de facto.
Sem embargo, a resposta dada ao ponto 16 dos factos provados já contém uma posição assumida em termos de apreciação de direito, quando afirma “ o restante logradouro integrante da sua fração”. Contudo, e como veremos na apreciação de direito, tal facto será de manter por assim se concluir, como veremos infra.
Aliás, a sentença di-lo, logo ali na fundamentação de facto: “A referência a “um logradouro localizado a sul, junto às escadas a nascente/poente do prédio”, sendo certo que a fração A tem referência a logradouros a sul, a nascente e a poente, terá de ser feita por exclusão de partes, retirando uma parte comum e a parte da fração B.
Já as referências aos acessos diretos, tais são feitas por imposição legal, não limitando o acesso pelos logradouros próprios que existam, neste caso, o acesso direto entre os logradouros poente/nascente, pelo logradouro a sul”.
Mais uma vez, se concorda integralmente com a fundamentação da decisão recorrida.
Assim sendo, razão nenhuma vemos para alterar a factualidade em discussão por nenhum dos meios de prova indicados pelos recorrentes colocarem em causa a convicção do tribunal da primeira instância.
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Finalmente o ponto 7 dos factos dados como não provados.
Entendem os recorrentes que tal facto deve ser dado como provado.
Ora, o que sucede é que aquele ponto 7 contém um juízo conclusivo, insuscetível de ser respondido, nomeadamente pela positiva.
Por outro lado, deixa de ter qualquer relevância a apreciação de tal impugnação, atenta a factualidade dada como provada nos pontos 43 a 47, a qual é suficiente para, por si se retirar a conclusão pretendida.
Contudo, deverá ser eliminada tal resposta.
A respeito do demais, já acima analisado, porque em sede de julgamento da impugnação da decisão de facto, há de o Tribunal da Relação evitar introduzir alterações quando não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de um erro de apreciação da prova relativamente aos concretos pontos de facto impugnados, e porque os considerandos invocados pelos recorrentes não têm o valor suficiente para conduzir e forçar este Tribunal a introduzir alterações na decisão dos factos provados, inevitável é manter a decisão proferida pelo tribunal a quo e relativa à matéria de facto dada como provada.
Improcede, pois, a impugnação dos referidos pontos fácticos, com exceção do ponto 7 dos factos não provados, o qual deverá ser eliminado, por conter juízo conclusivo, contudo sem qualquer relevância para a subsunção jurídica do caso.
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II- Reapreciação de direito.

Cabe agora verificar se deve a sentença apelada ser revogada/alterada, no seguimento da impugnação dos RR/apelantes.

A sentença faz a análise:

a) a respeito da questão relativamente às partes integrantes de cada fração, nomeadamente quanto ao logradouro a sul, com uma parte ajardinada ( saber se tal integra a fração A ou B do lote 2);
b) a respeito da questão do poço existente numa parte do logradouro nascente, pertença dos Autores, e de um anexo que lhe serve de apoio que também estava parcialmente implantado no lote 1. (reclamando os Autores que o poço, por estar numa parte privativa, é sua propriedade e que se encontra constituída por destinação do anterior proprietário uma servidão do direito de superfície não só em relação à obra implantada mas também o solo necessário ao seu acesso, a onerar o terreno de logradouro da fração “A” do lote 1; os Réus, reclamando, na contestação, que o poço implantado no logradouro nascente da fração “A” do lote 2 é sua propriedade, bem como a cabine parcialmente implantada, pedindo que se reconheça que sobre a dita fração “A” se encontra constituído, a favor dos réus/reconvintes, um ónus ou encargo consistente na faculdade de estes ali manterem aquelas construções e bem assim de delas se servirem e a elas acederem, sempre que necessário; nas conclusões de recurso já enquadram o poço e anexo como sendo partes comuns por estarem implementados no solo, parte imperativamente comum e insuscetível de não poder ser vendido separadamente);
c) a questão da colocação das grades pelos RR a delimitar os logradouros e a retirada do gradeamento ( e caixa de correio), bem como a alteração das portas e janelas por parte dos AA-sendo a fachada uma parte comum- teriam de ser autorizadas por ambos os condóminos, sendo obras novas, que alteraram a fachada e logradouros, afetam o arranjo estético do edifício, passando a apresentar uma configuração diferente ( se deverão os RR repor toda a situação anteriormente existente e se os AA igualmente o deverão fazer ou não, em virtude de um consenso à posteriori, sendo a invocação da reposição uma situação que configura ou não um exercício abusivo do direito, nos termos do art. 334º do CC).

Diremos, desde já, que a decisão da primeira instância é assertiva no âmbito da subsunção jurídica dos factos, a respeito de cada uma das questões, e com a mesma se concorda, no essencial.
Contudo, analisemos cada uma das discordâncias em concreto dos recorrentes:

A- No que toca à questão relativamente às partes integrantes de cada fração, nomeadamente quanto ao logradouro a sul, com uma parte ajardinada ( saber se tal integra a fração A ou B ):

Os recorrentes sustentam qua a sentença violou a lei, pois modificou o título constitutivo da propriedade horizontal ao considerar que a dita parcela do logradouro sul com cerca de 2,57m2 ( com uma parte ajardinada) é parte integrante da fração A, do lote 2, propriedade dos AA. Aduzem ainda que a sentença não indica como chegou à conclusão de que área tem que incidir a passagem ( do logradouro sul para o logradouro nascente).
Neste particular, a sentença interpretou o título constitutivo da propriedade horizontal e em face da prova produzida concluiu “Do título constitutivo consta que pertence à fração A um logradouro a sul, junto às escadas, além de um logradouro a nascente e outro a poente, com a área de 56,50 m2 e que a fração B tem um logradouro a sul com a área de 30,50 m2.
A descrição efetuada, apesar de não ser clara, encontra-se suficientemente individualizada, com a indicação das áreas. De acordo com a prova produzida, a área indicada na escritura terá de incluir a referida passagem, sendo que tal foi vendida nestes termos, pelo que resulta dos factos que o referido logradouro, com a parte ajardinada pertence à fração A, não podendo ser impedido no seu uso e fruição.”
A questão que se põe é a de saber se o logradouro sul de 2,57m2 ( com parte ajardinada antes da intervenção dos RR) faz parte integrante da fração A do lote 2 ( propriedade dos AA) seja por ter sido a ela afetada, seja por ter sido adquirida por usucapião ( cfr. art. 19º da p.i). Sendo a afetação a causa de pedir invocada em primeira linha, por ela começaremos, passando depois, se necessário, à da usucapião.
Como é sabido, o instrumento jurídico ao qual compete, em primeira linha, definir as relações entre os condóminos e fixar, nomeadamente, não só o fruir a que se destina cada uma das frações do prédio em propriedade horizontal, mas também a sua composição ou individualização, enquanto unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública ( cfr. art.s 1414, 1415, 1418, todos do CC) é precisamente o título constitutivo daquela propriedade horizontal.
A propriedade horizontal constitui, sem dúvida, um direito real típico e embora sistematicamente enquadrado no título geral consagrado ao direito de propriedade, tem uma fisionomia própria que resulta não apenas da simbiose entre a propriedade (exclusiva) e a compropriedade efetuada na titularidade de cada condómino ( art. 1420º, nº1 do CC), mas também vínculo de incindibilidade que guarda os dois direitos na relação funcional existente entre as frações autónomas e as partes comuns do edifício ( art. 1420,nº2) (1).
Apesar disso, o carater real do estatuto que rege a propriedade horizontal não impede que haja entre os condóminos, como consequência do funcionamento do condomínio, relações de carater obrigacional.
O referido título, todavia, tem um valor decisivo nas relações entre os condóminos e a sua eficácia, uma vez levada ao registo, é “erga omnes”. (2)
Na determinação das partes comuns do prédio sujeito àquele regime, há que ter em linha de conta o que se dispõe no art. 1421º do CC, onde, e fora das partes do prédio que são imperativamente comuns ( as indicadas no nº1), outras há apenas se presumem comuns ( as mencionadas no nº2). Segundo Menezes Cordeiro partes comuns são todas aquelas que assim sejam consideradas no título constitutivo de propriedade horizontal e ainda aquelas que, estando enumeradas no nº2 do art. 1421º do CC, não vejam a sua natureza afastada por ato em contrário ou por outras palavras, “ que apenas são comuns quando os condóminos não declarem o contrário” (3)
Por outras palavras, podemos dizer que o que não estiver descrito no título constitutivo de propriedade horizontal como parte própria é propriedade comum dos condóminos.
Observa ainda Sandra Passinhas que uma simples afetação de facto ( “afetação ao uso exclusivo de um dos condóminos”) nunca atribuiria um direito de propriedade. A exclusão de alguma das partes do edifício que se presumem comuns, do rol de coisas comuns, incide sobre a constituição ou modificação de um direito real sobre um imóvel, devendo resultar ad substantium da escritura. (4)
Mesmo a afetação suscetível de vencer a presunção de comunhão prevista no nº2, terá de ser uma afetação formal, a realizar no título constitutivo de propriedade horizontal (5).
Contudo, para A. Varela, basta que se verifique uma destinação objetiva, ainda que essa afetação não conste no título constitutivo de propriedade horizontal (6)
Também Henrique Mesquita ao considerar que são compropriedade de todos os condóminos as coisas que não estejam afetadas ao uso exclusivo de um deles (7)
No mesmo sentido Carvalho Fernandes ao afirmar que o afastamento da presunção de certas coisas como comuns pode resultar da sua própria natureza ou função ( reportando-se às delimitações das normas relativas às edificações urbanas, nomeadamente do REGEU) (8).
Aqui chegados ainda tem pertinência consignar-se que a lei não define logradouros, pátios ou jardins.
Lê-se a propósito no AC da R.L de 18-01-2001 ( CJ t.1, p. 89) “ Para Moutinho de Almeida, pátio é a área sobrante do edifício, citando Giuseppe Branca; e jardim é o pátio ajardinado (in Propriedade Horizontal, 2ªed. p. 49), aquele com a função principal de fornecer ar e luz ao edifício e, secundariamente, pode servir de acesso ao prédio ou para estacionamento de viaturas e este tem uma função decorativa e de lazer ( Sandra Passinhas, ob cit, p. 38).
Para esta autora, o logradouro de um prédio mais não é senão o "terreno não edificado que circunda o prédio, podendo servir fins diversos: estacionamento, delimitação do prédio, entrada, base de edificações secundárias, entre outros".
Doutra banda, o art. 1421, nº2 , al. a) do CC trata os pátios e jardins anexos aos edifício como partes presuntivamente comuns.
Na certeza, porém, que quer neste quer no nº1, onde se enumeram as partes comuns-os elementos estruturais do edifício- não se indica o logradouro.
Discute-se na doutrina e jurisprudência se o solo abrange o logradouro.
Para Carvalho Fernandes, o solo é necessariamente parte comum no que respeita à zona de implantação do edifício.
Os pátios e jardins anexos ao edifício, em geral o seu logradouro, são comuns, se outra coisa não resultar do título constitutivo ( ob cit. p342).
Antunes Varela considera que o logradouro é ainda parte imperativamente comum ( ob cit.p. 420).
Perfilha deste entendimento Sandra Passinhas.
Em resumo: “ A lei não define o que é um logradouro, nem refere expressamente se estamos perante uma parte comum do prédio ou não.
A doutrina bem assim como a jurisprudência encontram-se divididas.

Há quem entenda que o logradouro só é comum se outra qualificação não resultar do título constitutivo da propriedade horizontal.
A generalidade da jurisprudência entende que os logradouros são presuntivamente comuns, (cabendo desta forma no nº 2 al. a) do artigo 1421 do Código Civil ), havendo ainda quem defenda que os logradouros são imperativamente comuns (cabendo desta forma no nº 1 al. a) do artigo 1421 do Código Civil), - para análise das diversas posições cfr. por exemplo o Ac. da Relação de Lisboa de 18.1.2001, Col. Jur. pag. 87 e seguintes; Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, pag 28 e 29; Aragão Seia, Propriedade Horizontal, pag 67 nota 2, todos citados no AC RP de 20.10.2003, in dgsi.pt.
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Volvendo ao caso sub judicio, percorrendo o título constitutivo de propriedade horizontal do prédio ajuizado, dele consta pertencer ao prédio um logradouro com área de 140 m2 e ainda à fração A um logradouro a sul, junto às escadas, além de um logradouro a nascente e outro a poente, com a área de 56,50 m2 e a fração B tem um logradouro a sul com a área de 30,50 m2, prevendo ainda um logradouro comum de 17 m2.
Vale tudo por dizer que do teor do título constitutivo da propriedade horizontal aqui ajuizado infere-se a inclusão em cada uma das frações de logradouros afetos às mesmas e com as áreas de 56,50 m2 para a fração A e com área de 30,50 m2 para a fração B.
Agora, na verdade, o título não é absolutamente claro em relação ao logradouro sul da fração A, porquanto o mesmo apenas se refere expressamente a um “ logradouro a sul, junto às escadas a nascente/poente do prédio”. Por outro lado, o logradouro sul da fração B dos RR tem a área de 30,50m2.
Ora, em relação àquela parte do logradouro sul pertencer à propriedade dos RR é que nenhuma prova se fez, restando saber se é parte comum ou parte integrante da fração A.
Sem embargo, e fazendo apelo às regras da interpretação da declaração negocial, e se atendermos à soma das áreas ali previstas para o logradouro afeto à fração A, concluímos, que aqueles 2,57 m2 poderão fazer parte daquela alusão no título ao logradouro sul.
Com efeito, quanto à fração A, tendo em conta as áreas dadas como provadas a respeito de cada um dos logradouros afetos à mesma (consta da matéria de facto dada como provada- e esta não foi posta em causa no recurso- no ponto nº 8, al. a), b) e c) logradouro a poente, a área do logradouro nascente de 33 m2, e na al. c) logradouro a sul com área de 11,48m2 e que se inicia junto ao portão de entrada e se estende até à porta da cozinha), concluímos que os 2,57m2 do logradouro sul e no seguimento daquele logradouro que finalizava junto à porta da cozinha cabem perfeitamente na área total prevista no título constitutivo da propriedade horizontal a respeito dos logradouros sul, poente, nascente ( com uma soma que até ficaria aquém da constante do título).
Daí poder-se-ia concluir, no caso vertente, termos uma afetação formal de tal parte do logradouro sul à fração A., tal como entendido na sentença.
Se assim fosse, então tal logradouro ligar-se-ia ao logradouro a nascente.
Contudo, dizem os recorrentes, tal conclusão esbarraria na previsão do título constitutivo quando ali se fala dos acessos à fração A e B e aos logradouros respetivos, nomeadamente quanto ao acesso ao logradouro da fração A a nascente prevê-se ali “ é feito através do logradouro comum a sul/nascente”.
Todavia, e como bem refere a sentença “Já as referências aos acessos diretos, tais são feitas por imposição legal, não limitando o acesso pelos logradouros próprios que existam, neste caso, o acesso direto entre os logradouros poente/nascente, pelo logradouro a sul.”
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Sem embargo, e ainda que se entenda que aquela parte do logradouro sul ( parte ajardinada) não foi levada ao título constitutivo, temos como provada matéria de facto donde resulta uma afetação material do mesmo à fração A.
Com efeito provou-se que ( facto 16º): “passaram a utilizar o restante logradouro integrante da sua fração, ou seja, o logradouro a poente, junto às escadas, que é o acesso principal à casa propriamente dita, bem como o logradouro a sul, tendo até ajardinado a parte rebaixada em terra que ali existia e que fica por baixo de uma das janelas da sua cozinha, com plantas diversas que embelezavam o local;
- e facto 17.: E sempre assim aconteceu, pelo que os AA. utilizavam e fruíam livremente de todo o terreno integrante do seu logradouro, ou seja, o logradouro a nascente (com o poço e anexo já referidos), a poente e a sul, sempre passando por este último (parte do qual estava ajardinado) para aceder a pé ao logradouro existente a nascente, onde estacionam o carro e está localizado o poço e o anexo já atrás mencionados, e isto de forma pacífica, contínua.”.

E esta afetação material chega para excluir aqueles 2,57m2 do logradouro sul da presunção do nº2 do art. 1421º do CC?

Desde logo, saliente-se que no caso vertente, ainda se provou que na altura da aquisição, foi indicado aos AA como seu e por si desde então utilizado aquela parte do logradouro sul ( bem como os outros logradouros a poente e nascente). Este facto de os AA terem pago o valor da aquisição e que englobou a fração A e logradouros retira valor a qualquer argumentação que se possa fazer no sentido de que tal parte do logradouro é da propriedade dos RR ou que é parte comum pelo uso que fizessem enquanto comproprietários, porquanto não ocorre aqui tal situação, mas sim a de uma atuação “ animo domini”.
Daí apenas se compreender a esta luz a atuação dos próprios RR, quando procederam à delimitação dos logradouros com colocação de grades, deixaram aquela parte de logradouro completamente vedada, nem para si, nem para os AA, nem para ninguém(!). Com efeito, foram os RR os anteriores donos de tudo, e quem na altura teve intervenção na constituição do título da propriedade horizontal, prevendo na construção da obra, além do mais, uma parte ajardinada junto à janela da cozinha da fração A( logradouro sul) e outra parte destinada a jardim no logradouro sul da fração B, conforme se vê de fls. 22, o que inculca a destinação objetiva de um e de outro, desde a constituição da propriedade horizontal, afetando uma parte do logradouro sul para lá da porta da cozinha e destinada a jardim e no seguimento daquele logradouro sul (e que se inicia do portão e se estende até à porta da cozinha) afeto formalmente à fração A, sendo certo que aquela mesma afetação material dada pelos AA desde a aquisição já ocorria com os anteriores possuidores, conforme depoimento das testemunhas R. L. e J. F..
Destarte, e ainda que se entendesse que o título não mencionava tal parte do logradouro sul ( os ditos 2,57m2), não pode retirar-se outro género de argumentação. É a sua interpretação ( ou, se preferirmos, integração) que está em causa.
Esta interpretação da lei encontra paralelo no comentário já citado dos Profs. Pires de Lima e A. Varela ao nº2 do art. 1421º “ a afetação a que aqui se alude-uma destinação objetiva- existente à data da constituição do condomínio”. E se bem que nessa parte poderiam ter acesso além dos proprietários da fração A, ainda os RR através das partes comuns ou do seu logradouro a sul, na verdade, esta parte do logradouro sul está localizada no seguimento da porta da cozinha do R/Chão, seguimento esse que dá acesso ao logradouro nascente da fração A. De outro modo, conduziria a uma interpretação do título em que os AA para se deslocarem para o logradouro nascente teriam de ir pela Rua até alcançar a entrada Sul/nascente, tudo ainda que livremente pudessem circular pelos logradouros para acederem das casas para os logradouros e vice-versa.
Sem embargo, conjugando tal realidade com o jardim previsto no logradouro sul da fração B, e o jardim junto à janela da cozinha da fração A e no seguimento do previsto logradouro a sul desde a entrada até à porta da cozinha e atenta a utilização que todos os ali moradores sempre fizeram do mesmo, e atenta a postura dos RR na vedação que fizeram ( não acolheram como sendo seu, mas vedaram tudo, tornado-o um espaço de ninguém), outra conclusão não se poderá retirar senão aquela: a de que a afetação material ab initio de uma parte do prédio e que quando muito se presumiria comum por força do nº2 do art. 1421 do CC, a uma das frações autónomas, é bastante para afastar a presunção estabelecida no mesmo preceito, muito especialmente se já estava prevista no projeto ou construção da obra ( foi feita com dois jardins, um no logradouro sul da fração B e outro também no logradouro sul, junto à janela da fração A) e se na determinação do montante do preço por que os condóminos do R/chão, ora AA, compraram a fração se teve em vista tal afetação.
Chegando-se a esta solução do problema sub judice através da primeira causa de pedir invocada, torna-se inútil encarar a da usucapião; por força daquela aquela parte do logradouro sul ( com 2,57 m2) tem de ser declarada propriedade exclusiva da fração A dos AA.
Consigna-se que, ao contrário do sustentado pelos recorrentes, com a decisão da primeira instância e a desta instância confirmatória da mesma, para além de outros argumentos analisados, não se verifica qualquer violação da lei por modificação do título da propriedade horizontal, por ser uma solução legalmente prevista, tal como defende a nossa doutrina e jurisprudência. (9)
*
B- da questão do poço existente numa parte do logradouro nascente, pertença dos Autores, e de um anexo que lhe serve de apoio que também estava parcialmente implantado no lote 1.

Os Autores reclamavam que o poço, por estar numa parte privativa (logradouro nascente da fração A), é sua propriedade e que se encontra constituída por destinação do anterior proprietário uma servidão do direito de superfície não só em relação à obra implantada mas também o solo necessário ao seu acesso, a onerar o terreno de logradouro da fração “A” do lote 1, tese acolhida na sentença.
Os Réus, na contestação, reclamavam que o poço implantado no logradouro nascente da fração “A” era sua propriedade porventura por o terem construído, bem como a cabine parcialmente implantada no lote 1, pedindo que se reconheça que sobre a dita fração “A” se encontra constituído, a favor dos réus/reconvintes, um ónus ou encargo consistente na faculdade de estes ali manterem aquelas construções e bem assim de delas se servirem e a elas acederem, sempre que necessário.
No recurso a tese já é diferente: sustentam que são partes comuns por estarem implementados no solo, parte imperativamente comum e insuscetível de não poderem ser vendidos separadamente.

Vejamos.

Antes, porém, recorde-se que, neste particular, a ação interposta pelos AA é igualmente verdadeira ação de reivindicação que tem por objeto o reconhecimento do direito de propriedade por parte dos AA do poço e em relação a metade do anexo que serve de apoio ( onde se encontra o motor) e cuja outra metade se encontra na logradouro do lote 1, propriedade dos RR, pretendem que se declare uma servidão ( por destinação do anterior proprietário) a onerar tal prédio dos RR.

Assim sendo, e abreviando, no que toca à causa de pedir deste tipo de ações de reivindicação, diremos apenas que se o demandante invoca como título do seu direito uma forma de aquisição originária, como a usucapião, ocupação ou acessão, precisará de provar os factos de que emerge esse seu direito. Mas, se a aquisição é derivada não basta provar, por exemplo, que comprou a coisa, já que a compra e venda não é constitutiva do direito de propriedade, mas apenas translativa desse direito, o mesmo acontecendo com o fenómeno sucessório. É preciso provar que o direito já existia no transmitente, o que se torna, em muitos casos, difícil de conseguir. O autor tem de demonstrar que adquiriu o direito por um facto jurídico válido e eficaz. A necessidade de prova sucessiva, a diabolica probatio das ações de reivindicação -, que pode remontar a séculos, sofre, porém, duas relevantes atenuações, decorrentes do regime da usucapião e das presunções possessória e registal. No primeiro caso, feita a prova da posse boa para a aquisição e da correspondente aquisição, provada fica a titularidade do direito. As presunções possessória e registal atuam por via diversa, mediante a inversão do ónus da prova.
Se o autor beneficiar delas, cabe ao réu fazer a prova que elida essa presunção.
Para este efeito tem importância a presunção legal, resultante do registo e consagrada no artigo 7º do CRPredial.
No caso vertente, é inquestionável que os AA, compraram aquela fração A e suas partes integrantes aos RR e beneficiam da presunção do registo, nos termos do art. 7º do CRP, nomeadamente no que toca ao logradouro nascente, onde se encontra implantado o dito poço e metade do dito anexo ou cabine, pelo que são proprietários do poço e de metade daquela cabine ( na parte implantada do seu terreno), porquanto tal presunção não foi elidida pelos RR.
Os RR argumentam que na escritura de compra e venda não constavam nem o poço, nem o anexo.
Contudo, e salvo o devido respeito, o raciocínio a fazer é o contrário.
Ou seja, salvo declaração em contrário, deve entender-se que um prédio é sempre transmitido com todas as suas pertenças, acessórios e partes integrantes, por ser a situação que melhor corresponde à intenção normal das partes contratantes.
Ora, o poço que servia com a sua água a habitação da fração A do lote 2 ( já que antes da transmissão o poço serviu todas as frações, as quais entretanto fizeram as ligações à rede pública, pelo que desde a aquisição pelos AA, emigrantes em França, nunca tendo feito aquela ligação, utilizavam sozinhos a água do poço para o seu consumo doméstico) é, em relação àquela fração, um acessório, que, em princípio, deve acompanhar o principal.
Por outro lado, “as águas, enquanto não forem desintegradas da propriedade superficiária, por lei ou por negócio jurídico, são partes componentes do respectivo prédio onde nascem” (10).
E tal decorre da lei: A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico (1344/1 do CC).
No entanto, embora a propriedade do imóvel abranja o subsolo, nele se incluindo a água das fontes ou nascentes nele localizadas, pode a propriedade da água ser destacada do prédio e pertencer a dono diferente.

Ora, no caso sub judicio, a este propósito os RR alegaram apenas que foram eles quem construiu o poço e o anexo, mas tal não chega para afastar a presunção da propriedade registral a favor dos AA da fração A e dos logradouros, nomeadamente daquele logradouro nascente onde se localiza o poço.
Por tudo, não colhe a tese da propriedade exclusiva dos RR do dito poço, conforme sustentavam na contestação, nem da metade do anexo localizada no logradouro nascente da fração A.
Com efeito, outra coisa não se podendo inferir senão que tal compra/venda realizada entre as partes se referia ao direito de propriedade sem qualquer oneração precedente ou subsistente ali não salvaguardada, é seguro concluir que naquele outorgaram os RR com espírito de que nenhum direito exerciam ou iriam exercer então, apesar de terem sido os RR quem construíu o poço e anexo antes da aquisição pelos AA.
A tese agora sustentada em recurso, não deixando de ser questão nova, sempre se dirá que igualmente não colhe, não só pelas razões acabadas de analisar, mas também pelo que já supra se analisou a propósito sobre a discussão na doutrina e jurisprudência se o solo abrange o logradouro, pelo que não havendo dúvidas acerca do logradouro nascente ser parte integrante da fração A do lote 2, então dúvidas não há de que não existe qualquer compropriedade do mesmo e anexo, tal como agora sustentado pelos recorrentes.
No que respeita à cabine implantada simultaneamente em ambos os lotes (1 e 2), e que os RR destruíram naquela metade implantada no lote 1, realça a sentença que “a demolição deste resguardo, que constituía uma parte estrutural do poço, implicou que aquele deixou de ter condições para funcionar, não tendo espaço manter o motor e o depósito. Resulta ainda dos factos provados que o poço e a cabine foram construídos pelos Réus, quando os prédios lhes pertenciam e que servia as 4 habitações; quando foi vendida a fração A aos Autores apenas esta se mantinha ligação ao poço; resulta ainda que a cabine estava simultaneamente implantada em ambos os prédios. Esta construção que serve apenas a fração ao lado, dos Autores, não pode ser simplesmente destruída, pelo menos sem a concordância destes, uma vez que inutilizou o poço. De facto, entendemos que estão verificados os pressupostos para a constituição de uma servidão predial que onera a fração A do lote 1, em benefício da fração A do lote 2.”

A constituição de uma servidão por destinação do antigo proprietário ou por pai de família obedece aos requisitos do art. 1549 do C.C., que dispõe o seguinte:

" Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas frações de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis ou permanentes, postos em um ou em ambos , que revelem serventia de um para o outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios , ou as duas frações do mesmo prédio, vieram a separar-se salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respetivo documento ".
Trata-se de uma servidão voluntária, que se constitui no preciso momento em que os prédios ou as frações de determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes.
Todavia, qualificar a servidão como voluntária, não significa dizer que ela resulta de uma declaração negocial.
A servidão assenta num facto voluntário (a colocação do sinal ou sinais aparentes e permanentes), mas a relevância ou os efeitos deste facto são determinados por lei.
No caso sub judicio, e tal como ressuma da sentença “estão, assim, preenchidos os três pressupostos para a constituição de servidão: que as duas frações tenham pertencido ao mesmo dono, não tendo sido feita qualquer ressalva na altura da separação, quando existiam sinais visíveis e permanentes, nomeadamente a existência de uma cabine com motor e depósito e ligações do motor para a fração dos Autores. A existência desta servidão a favor da fração dos Autores implica a correspondente restrição para o proprietário do prédio serviente, a fração A do lote 1, dos Réus, que ficam impedidos de praticar atos que prejudiquem aquele aproveitamento (cf. artigo 1568.º, n.º 1) e sendo obrigados a repor a situação como estava antes, ou seja, reconstruindo a cabine por forma a manter colocando o motor e o depósito em funcionamento e a permitir o seu acesso aos Autores (artigo 562.º).”.
Os RR argumentam que não seria possível a constituição de tal servidão pois esta só é possível se pertencer ao mesmo prédio e isso não ocorre.
Ora, o caso dos AA configura a primeira hipótese do art. 1549º do CC “" Se em dois prédios do mesmo dono…”, pelo que não se vislumbra a alegada impossibilidade.
Com efeito, os RR eram proprietários de tal prédio e que foi submetido à propriedade horizontal resultando num lote 1, com duas frações e no lote 2, com duas frações, e se o lote 1 pertence na totalidade aos RR, ainda a fração B do lote 2 a eles pertence ( factos provados nº6 e 7) ( obviamente sendo comproprietário das partes comuns do lote 2).
Assim sendo é inequívoco que ambos os prédios pertenceram ao mesmo dono e que tendo este vendido uma das frações do lote 2 e nada tendo sido declarado na escritura acerca da serventia, serão sinais visíveis havidos como prova da servidão em relação ao domínio, o que ocorre nos presentes autos.
Os RR argumentam ainda a impossibilidade de constituição da servidão baseada nos termos do art. 1543º por coexistirem na mesma pessoa o direito de propriedade e qualquer outro direito, ou seja, escaparia ao domínio de aplicação do art. 1549º o caso de quando o autor da destinação ou afetação é proprietário de um dos prédios e comproprietário do outro.
Sem embargo, os recorrentes olvidam que no caso são proprietários exclusivos da fração B do lote 2 e comproprietários das partes comuns em conjunto com os AA ( cfr. art. 1421º do CC), pelo que, neste particular, ao caso vertente tem aplicação o disposto no art. 1549º.
Não se diga, como sustentam os recorrentes, que a sentença não regula o direito de servidão em relação à sua extensão e exercício, não sendo definida a área ocupada pela cabine no prédio serviente e o modo de acesso à mesma.
Com efeito, e como realçam os recorridos, a sentença definiu nos seguintes termos tal direito: “…sendo obrigados a repor a situação como estava antes, ou seja, reconstruindo a cabine por forma a manter colocando o motor e o depósito em funcionamento e a permitir o seu acesso aos Autores (artigo 562.º).”, sendo certo que todos conhecem a situação anterior e o que tem de ser reposto. Aliás, sintomático desse conhecimento foi a postura dos RR quando demoliram metade da cabine, pelo que uma única hipótese se perfila: a área a ocupar no prédio serviente respeita à reposição e reconstrução dessa metade da cabine destruída e do solo necessário ao seu acesso.
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C- Da solução relativamente ao pedido reconvencional

A sentença considerou, relativamente às portas e janelas alteradas em 2012 pelos AA/reconvindos, que as mesmas constituem inovações nos termos do art. 1425º do CC, contudo sempre seriam “ necessárias, se não para o prédio, para a fração dos Autores e, sendo do pleno conhecimento dos Réus, não foi alvo de qualquer oposição durante anos. Tendo por base o raciocínio exposto, temos que concluir que foram objeto de um consenso informal a posteriori, sendo a invocação da reposição até uma situação que configura um exercício abusivo do direito, nos termos do artigo 334.º. A não oposição dos Réus, nada dizendo após tantos anos, criaram nos Autores a legítima expetativa que estes aceitaram as alterações, não exercendo o direito.”
Ou seja, a sentença considerou que estamos perante obras dos AA que consubstanciam inovações, para as quais era necessário a aprovação da maioria dos condóminos.
Contudo, nunca foi convocada qualquer assembleia de condóminos, mas na verdade provou-se ainda que (facto nº 48): “Os Autores não obtiveram o consentimento dos Réus, desconhecendo que o tinham que o fazer, e quando foram abordados pelo Réu aquando da sua colocação, apelaram à sua compreensão e autorização, e nenhum problema foi levantado desde então.”. Ou seja, a não oposição dos Réus, nada dizendo após tantos anos, criaram nos Autores a legítima expetativa que estes aceitaram as alterações, não exercendo o direito, apenas se tendo oposto na presente ação em sede de contestação.
Daí concluir que a reposição da inovação sempre constituiria um abuso de direito dos RR.
Salvo o devido respeito, entendemos que assim é.
Em verdade, o abuso de direito tem como raiz a teoria dos atos emulativos, e não só na sua conceção objetiva, como é a adotada no art. 334º do CC, apresenta-se como válvula de segurança de todo e qualquer ordenamento jurídico.
No art. 334º do CC, a conceitualização do abuso de direito aparece formulada nos seguintes termos: “ É ilegítimo o exercício do direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Mas, sendo estes os requisitos do abuso de direito, logo se alcança que a utilização do respetivo instituto não deve constituir panaceia fácil para toda e qualquer situação de exercício excessivo de um direito, em que o respetivo excesso não seja manifesto ou que só aparentemente se apresente como manifestamente excessivo.
Por outro lado, normalmente, difícil parece ser que o exercício de um direito quando constitua a reação contra uma situação ilícita possa ser qualificado de abusivo, o que vale por dizer que o abuso de direito não deve servir, em princípio, para transformar em situações de direito meras situações de facto criadas ilicitamente.
Por outras palavras, o abuso de direito não deve servir para, ao cabo e ao fim, dar cobertura a situações de facto ilícitas.
Sem embargo, não pode esquecer-se que a lei, na senda da generalidade da doutrina, exige, para que exista abuso de direito, que o excesso cometido pelo titular seja, como já salientamos, manifesto.
Feitas estas breves considerações, vejamos o que dizer sobre a sua aplicação ao caso dos autos.
Não há dúvidas de que os AA violaram o estatuto da propriedade horizontal, ao fazer as obras de inovação nas janelas e portas sem terem convocado a assembleia de condóminos, não tendo obtido previamente o consentimento dos Réus, desconhecendo que o tinham que o fazer. Mas, quando foram abordados pelo Réu aquando da sua colocação, apelaram à sua compreensão e autorização, e nenhum problema foi levantado desde então. Os RR apenas na contestação à presente demanda é que levantaram o problema. Ou seja, os AA provaram que os RR assistiram à realização das obras cuja demolição pretendem por intermédio da presente ação ( formulando pedido reconvencional nesse sentido), sem terem deduzido qualquer oposição desde 2012.
Havemos de convir que seguramente esta situação enquadra-se nas que o instituto do abuso de direito, como válvula de segurança, procura evitar, porquanto e tal como realça a sentença “a não oposição dos Réus, nada dizendo após tantos anos, criaram nos Autores a legítima expetativa que estes aceitaram as alterações, não exercendo o direito, apenas se tendo oposto na presente ação em sede de contestação”, pelo que o exercício daquele direito dos RR e ainda que constitua reação contra uma situação ilícita, é manifestamente abusivo, atenta a sua postura de não oposição desde a realização das obras.
Neste particular, importa aludir à chamada figura da « neutralização do direito », a qual, nas elucidativas palavras de Baptista Machado, não apresenta absoluta autonomia, antes deve ser reconduzida ao princípio do venire contra factum proprium ( cfr. « Obra Dispersa, pág. 241 ), dado estar, também, em causa a tutela da confiança. A sua única particularidade reside no relevo atribuído ao fator tempo e na circunstância do comportamento do titular do direito consistir, precisamente, em não agir.
Com efeito, em relação ao longo período de tempo em que por exemplo o agente se mantém passivo, pode falar-se da figura conhecida na doutrina por supressio.
O exercício do direito em tais condições ( decorrido tão longo lapso de tempo) contraria a boa fé.
Sinteticamente, dir-se-á que a « neutralização » é configurada quando o titular do direito deixa passar um longo período de tempo sem o exercer, o que, aliado a uma particular conduta desse titular ou a outras circunstâncias, cria na contraparte a expectativa ou convicção fundada e justificada de que o direito já não será exercido, em termos tais que a leva a adotar medidas ou «programas de ação que, doutro modo, não adotaria ».
Em tal caso, impõe-se que se impeça o exercício do direito, porquanto o seu exercício tardio e inesperado causaria desvantagem considerável, representando simultaneamente consequência ofensiva da boa fé ( cfr. Menezes Cordeiro, op. cit,, pág. 819, Baptista Machado, RLJ, 118°, págs. 11 e 228, Rita Amaral Cabral, RDES, XXXV, págs. 322 e 323, e o Ac. do STJ de 03/05/90, BMJ, 397, 454).
Por tudo o exposto, não têm razão os recorrentes, sendo certo que a alocução de que o direito de propriedade não se extingue pelo não uso tem de ser entendida à luz dos considerandos acima reproduzidos, na perspetiva do abuso de direito.
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Do que fica dito, resulta, assim, a total improcedência do recurso, com a confirmação da sentença recorrida.
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3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal:


A) em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
B) Custas da apelação pelos apelantes.
Notifique.
Guimarães, 17.12.2019

Relatora: Anizabel Sousa Pereira
Adjuntos: Rosália Cunha e
Lígia Venade


1. A. Varela, RLJ 108º, p. 58,59
2. Henrique Mesquita, A Propriedade Horizontal no CC Português, Revista Direito e Estudos Sociais, XXII. p. 101, 102.
3. Henrique Mesquita, Lições Direitos Reais, p. 280.
4. In “Assembleia de Condóminos…”, 2ª ed., p. 44.
5. Neste sentido A. Varela, CC Anotado, p. 419.
6. in ob cit, p. 423
7. in ob cit, p. 79 e 110
8. Lições de Direitos Reais, p. 312
9. Vide Ac STJ de 17-06.93, CJ, t. II, p. 158 e ssgs.
10. neste sentido Ac STJ de 29.09.2004; relator: Azevedo Ramos.