Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
894/13.0TTVCT.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: O respeito ao princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, implica uma proibição de regulamentações infundadas, arbitrários ou desrazoáveis.
Na fixação do grau de incapacidade por incapacidade permanente, em sede laboral, o que está na essência em causa é a reparação do direito à integridade económica e produtiva. Visa-se reintegrar a “concreta capacidade de ganho do trabalhador”.
A idade do sinistrado tem relevo no rebate que uma concreta situação de diminuição de funções provoca na capacidade de ganho.
É da natureza humana que com a idade diminui de forma drástica, a capacidade de adaptação a novas condições, resultem elas de alterações endógenas ou exógenas ao sujeito. Tal diminuição assume claramente um peso mais marcado a partir de determinada idade, que o legislador no caso entendeu fixar em 50 anos.
O nº 5 das instruções gerais da TNI, ao prever a bonificação de 1.5 aos sinistrados laborais que tenham 50 anos ou mais, quando não tiverem beneficiado da aplicação desse fator, não viola a constituição, não atenta contra o principio da igualdade.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

Sinistrada: José ….
Entidade Responsável: "Companhia de Seguros, S.A."
Por sentença de 15/10/2015, a companhia de seguros foi condenada nos seguintes termos:
“ - o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €294,00, com início no dia 19/10/2103;
- a quantia de €498,47 de incapacidades temporárias;
- a quantia de €30,00 de transportes;
- da quantia de €220,05 de deslocações, consultas e tratamentos médicos…”
- Tal decisão teve por base uma incapacidade fixada em 6%, resultante da bonificação de 1.5 aplicada à incapacidade fixada de 4%, conforme apenso.
- Inconformada a ré interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:
I. A atribuição de uma bonificação de 1,5% prevista na segunda parte da alínea a) do nº 5 da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais apenas em função da idade revela-se claramente inconstitucional porque violadora do princípio da igualdade previsto no art. 13º da CRP.
II. Tal diferenciação de tratamento entre os trabalhadores de idade igual ou superior a 50 anos e os demais, porque automática e mecânica, revela-se desprovida de justificação razoável segundo critérios objetivos ou de razoabilidade.
III. Nem mesmo se compreendendo o porquê de se atribuir tal diferenciação aos 50 anos e não em qualquer outra idade, tudo levando, necessariamente, e em situações concretas, a diferenciações de tratamento em situações manifestamente semelhantes.
IV. Considerando-se a inconstitucionalidade da norma em causa, não deverá a mesma ser aplicada por este tribunal, substituindo-se a decisão recorrida por uma outra que, não aplicando o referido fator de bonificação, atribua ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial de 4,00%, condenando-se a ré em conformidade com essa incapacidade.
Sem contra alegações.
O Exmº P.G.A. deu parecer no sentido da improcedência. Defende em síntese que na defesa do princípio da igualdade há a considerar a proibição do arbítrio, a proibição da descriminação e a obrigação de diferenciação, não ocorrendo qualquer violação.
A factualidade com interesse é a que resulta do precedente relatório e ainda:
1 – O A. nasceu a 25/7/1949.
2 – Desempenhava a atividade profissional de serralheiro sob as ordens, direção e fiscalização de “Firma, Ltª”, mediante a remuneração anual ilíquida de €7.000,00.
3 – A “Firma” havia transferido para a R. seguradora a sua responsabilidade civil por acidentes ocorridos com o A., mediante contrato de seguro, e pela totalidade da remuneração referida em 2).
4 – No dia 18/7/2013, pelas 17,15 horas, o A. encontrava-se no exercício da atividade referida em 2), a proceder ao transporte de placas de alumínio.
5 – Nessas circunstâncias, desequilibrou-se e caiu para a frente, tendo sofrido lesões no ombro direito e mão esquerda.
6 - O A. encontra-se curado, com uma IPP de 6%, tendo tido as incapacidades fixadas pelo GML (46 dias de ITA, 47 dias de ITP de 20%, sendo a data da alta 18/10/2013).
7 – A R. seguradora pagou ao A. a quantia de €245,00 de indemnização pelas incapacidades temporárias.
8 – O A. teve despesas com deslocações ao GML e a este tribunal.
9 – E gastou a quantia de €220,05 com outras deslocações, consultas e tratamentos médicos.
*
Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa saber se a atribuição de uma bonificação de 1,5% prevista na segunda parte da alínea a) do nº 5 da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais em função da idade, viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP e consequentemente está ferido de inconstitucionalidade.
Refere o nº 5 das instruções gerais da TNI.
5 — Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo fator 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator;

Sustenta-se que a bonificação para as vítimas de acidente de trabalho com idade igual ou superior a 50 anos consubstancia um critério de diferenciação automático, mecânico e arbitrário, desprovido de qualquer fundamento objetivo ou razoabilidade, dando diferente tratamento a situações em tudo iguais.
No parecer junto invoca-se o caráter arbitrário da solução, aludindo-se a que esta é manifestamente desprovida de fundamento.
Refere o artigo 13º da CRP:
Princípio da Igualdade
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
O princípio da igualdade postula a proibição do arbítrio, a proibição da descriminação e a obrigação de diferenciação.
Quanto à proibição do arbítrio legislativo traduz-se este, na falta de fundamento bastante, de fundamento material razoável para a distinção operada, ou uma desadequação da normação em relação à situação fáctica que pretende regular. O respeito ao princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, implica assim uma proibição de regulamentações infundadas, arbitrários ou desrazoáveis.
Vejamos o caso:
Refere Vítor Ribeiro, Acidentes de Trabalho, Reflexões e Notas Práticas, 1984, págs.214/215, referido no douto parecer; "os resultado danosos à volta e em razão dos quais se organiza o dispositivo reparatório português em matéria de acidente de trabalho, são a morte e a redução da capacidade e não a simples lesão, perturbação funcional ou doença"(...) "parece-nos razoável afirmar que o centro de gravidade desta zona excecional de responsabilidade civil, no que respeita aos interesses tutelados, se deslace sensivelmente da esfera do direito à vida ou à integridade física, em direção a outra ordem de valores que podemos talvez designar por direito à integridade económica ou produtiva".
O que está em causa é pois a reparação do direito à integridade económica e produtiva. Visa-se reintegrar a “concreta capacidade de ganho do trabalhador”. Como refere o douto parecer.
“O artigo 21º, 1 da L. 98/2009 refere:

Avaliação e graduação da incapacidade
1 — O grau de incapacidade resultante do acidente define -se, em todos os casos, por coeficientes expressos em percentagens e determinados em função da natureza e da gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, bem como da maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e das demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de trabalho ou de ganho.

3 — O coeficiente de incapacidade é fixado por aplicação das regras definidas na tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, em vigor à data do acidente.


O nº 1 do normativo logo refere a idade como circunstância com relevo para a fixação do grau de incapacidade.
Não é correto afirmar que a idade não tem qualquer relevo no rebate que uma concreta situação de diminuição de funções provoca na capacidade de ganho.
Pela própria natureza das coisas, e é, da natureza humana, as capacidades de trabalho físicas ou intelectuais, vão-se degradando progressivamente com a idade, como diminui de forma drástica, todos o sabemos pela nossa experiência e dos que nos estão próximos, a capacidade de adaptação a novas condições, resultem elas de alterações endógenas ou exógenas ao sujeito. Tais degradações assumem claramente um peso mais marcado a partir de determinada idade, que o legislador no caso entendeu fixar em 50 anos.
A constatação destas circunstâncias constitui ancoragem bastante para a diferenciação que a 2º parte da al. a) do ponto 5 das instruções da TNI faz. Quanto à opção pelos 50 anos, trata-se de opção legislativa, baseado em estudos, já que conforme se refere no preâmbulo;
“…Com tal publicação são ajustadas as percentagens de incapacidade aplicáveis em determinadas patologias, como resultado de um trabalho técnico -científico preciso e sério, levado a cabo em obediência não apenas à dinâmica do panorama médico-legal nacional, mas também por recurso ao cotejo com o preconizado em várias tabelas europeias, nomeadamente a francesa.
A pesquisa e o estudo que conduziram à atual revisão jamais perderam de vista os valores da justiça, igualdade, proporcionalidade e boa -fé, nem descuraram também o pressuposto da humanização de um processo de avaliação das incapacidades que sempre deve ter em conta que o dano laboral sofrido atinge a pessoa, para além da sua capacidade de ganho.
A precisão e seriedade do trabalho desenvolvido, assente nos valores e pressupostos referenciados, são, para além do mais, garantidos pela própria composição da comissão permanente criada e pela forma como todos os seus elementos assumiram, nos longos e complexos trabalhos desenvolvidos, a coautoria do processo de revisão…”
O legislador, estando também sujeito ao princípio da igualdade goza contudo de uma margem de liberdade de conformação legislativa, cabendo-lhe a determinação dos elementos com base nos quais opera a diferenciação, a qual deve mostrar-se materialmente razoável. Importa contudo na apreciação dessa razoabilidade não esquecer que o legislador tem uma posição cimeira na conformação dos princípios constitucionais, gozando de uma presunção de racionalidade que deve ser ilidida.
No Ac. RP de 1/2/2016, processo nº 377/14.0TTOAZ.P1, disponível na net, refere-se:
“ … Acrescenta-se no acórdão do Tribunal Constitucional de 2-7-2008, que para o Tribunal Constitucional Alemão (citado por Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt, 1986, pág. 370), o caráter arbitrário de uma diferenciação legal decorre da circunstância de “não ser possível encontrar um motivo razoável, que surja da própria natureza das coisas ou que, de alguma forma, seja concretamente compreensível…”
No dizer de Gomes Canotilho, “existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável. Todavia, a proibição do arbítrio intrinsecamente determinada pela exigência de um «fundamento razoável» implica, de novo, o problema da qualificação desse fundamento, isto é, a qualificação de um fundamento como razoável aponta para um problema de valoração. Neste sentido parece-nos correta a recente evolução da jurisprudência do TC ao afirmar que «a teoria da proibição do arbítrio» não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência do controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou da discricionaridade legislativa. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são consagrados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade. A interpretação do princípio da igualdade como proibição do arbítrio significa uma autolimitação do juiz, o qual não controla os juízos da oportunidade política da lei, isto é, se o legislador, num caso concreto, encontrou a solução mais adequada ao fim, mais razoável ou mais justa…”
No caso, em face do já referido, a diferenciação não se mostra desajustada, o fundamento não se mostra desrazoável, tendo em conta o objetivo do legislador em surpreender a real dimensão do rebate profissional para sinistrados mais “idosos”, tendo em conta as circunstancias acima referidas, isto sem embargo de poder discutir-se se o método utilizado foi o mais adequado.
Consequentemente improcede o alegado.
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o decidido.
Custas pela recorrente.

Sumário:

O respeito ao princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, implica uma proibição de regulamentações infundadas, arbitrários ou desrazoáveis.
Na fixação do grau de incapacidade por incapacidade permanente, em sede laboral, o que está na essência em causa é a reparação do direito à integridade económica e produtiva. Visa-se reintegrar a “concreta capacidade de ganho do trabalhador”.
A idade do sinistrado tem relevo no rebate que uma concreta situação de diminuição de funções provoca na capacidade de ganho.
É da natureza humana que com a idade diminui de forma drástica, a capacidade de adaptação a novas condições, resultem elas de alterações endógenas ou exógenas ao sujeito. Tal diminuição assume claramente um peso mais marcado a partir de determinada idade, que o legislador no caso entendeu fixar em 50 anos.
O nº 5 das instruções gerais da TNI, ao prever a bonificação de 1.5 aos sinistrados laborais que tenham 50 anos ou mais, quando não tiverem beneficiado da aplicação desse fator, não viola a constituição, não atenta contra o principio da igualdade.