Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1245/19.5T8BCL.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I- Sendo aplicável aos autos o CCT celebrado entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e a FETESE - Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços (publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego n.º 38, de 15/10/2017, em situações de sucessão de empregadores na execução de contratos de prestação de serviços de segurança privada, a transmissão do contrato de trabalho é automática e não depende de qualquer outra formalidade ou requisito (cláusula 14.ª).

II- De acordo com esta cláusula 14ª,somente em duas situações não ocorrerá transmissão do contrato de trabalho : 1- existindo acordo entre o trabalhador e a prestadora de serviços cessante, estando esta obrigada a comunicar, expressamente e por escrito, ao novo prestador de serviços, os trabalhadores que por acordo se manterão ao seu serviço; 2- por oposição do trabalhador, tendo este de alegar que a mudança lhe causa prejuízo sério, por razões ligadas à sustentabilidade da nova prestadora de serviços, o que tem de comunicar por escrito à prestadora de serviços cessante, no prazo de 10 (dez) dias desde o conhecimento da comunicação da sucessão.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

AUTOR/RECORRIDA- J. D., patrocinada pelo Ministério Público.
RÉ/RECORRENTE- X - Serviços e Tecnologia de Segurança, S.A.

A autora pede que se reconheça a ora ré como sua actual entidade empregadora, por transmissão da posição contratual, com antiguidade reportada a 04/07/2017, tendo sido trabalhadora da “Y” até 01/02/2019, porquanto aquela sucedeu na execução de contratos de prestação de serviços de segurança privada, em conformidade com o artº 285 e ss, CT e cláusula nº 14, do CCT celebrado entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e a Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços - FETESE e outro, publicado no BTE n.º 38/2017 de 15/10, com as alterações publicadas no BTE n.º 48/2018, de 29/12.

Alega que foi contratada pela empresa Y – Soluções de Segurança, S.A. para exercer as funções de vigilante, mediante o pagamento de 694,39€ mensais, acrescida de 6,00€ de subsídio de alimentação por cada dia efetivo de trabalho. Em 15/01/2019, a Y comunicou à autora a transmissão do seu posto de trabalho para a aqui ré a partir de 01/02/2019, por a esta ter sido adjudicada a prestação de serviços de segurança no local onde a autora prestava o seu trabalho. A autora entrou de baixa médica em 18/01/2019, a qual se prolongava à data de propositura da ação, tendo enviado os documentos comprovativos da baixa para a Y e posteriormente para a aqui ré. Sucede que esta última lhe devolve os documentos das baixas, dizendo que não consta como sua trabalhadora, recusando que tenha ocorrido a transmissão do contrato de trabalho.
A ré contestou. Admite que ganhou o concurso dos serviços de vigilância no Hospital ..., local de trabalho da autora. Alega que fez uma reunião em 18-01-2019 com os trabalhadores da Y logo antes da transmissão e que, nessa reunião, a autora lhe disse que pretendia continuar a trabalhar para a anterior empresa, tendo até já um posto de trabalho em Barcelos. Além de, no dia seguinte, ter reiterado essa intenção junto do chefe de grupo, não enviou também à ré os documentos solicitados, o que a levou a não considerar ter existido a transmissão, tendo aceite todos os demais trabalhadores, excepto um que se aposentou.
Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo:

Assim, e nos termos expostos, julgo a presente ação totalmente procedente por provada e, consequentemente, declaro:

a) que a autora, até à data da transmissão que operou a 01/02/2019, era trabalhadora da Y – Soluções de Segurança, S.A. desde 04/07/2017;
b) que por força da comunicação e respetivos fundamentos efetuada pela Y – Soluções de Segurança, S.A. à ré X - Serviços e Tecnologia de Segurança, S.A., a posição contratual de empregadora da Y - Soluções de Segurança, S.A. foi transmitida à ré X - Serviços e Tecnologia de Segurança, S.A. e que esta lhe sucedeu como entidade empregadora da autora com efeitos a 01/02/2019;
c) que por força dos invocados factos e procedimentos, a autora passou a ser trabalhadora da ré X - Serviços e Tecnologia de Segurança, S.A. com efeitos a 01/02/2019, mantendo-se o seu contrato individual de trabalho em vigor, por sucessão de empregadores na execução de contratos de prestação de serviços de segurança privada.

A RÉ RECORREU – SÃO AS SEGUINTES AS CONCLUSÕES (SÓ MATÉRIA DE DIREITO):

A - A., para ter dito e reiterado que teria a intenção de se manter na Y, porque esta teria um posto de trabalho para si, certamente obteve essa promessa, ou essa perspetiva, de alguém dessa empresa. Não terá sido certamente a. a inventar essa possibilidade. Ou seja, os representantes da aqui recorrente ficaram com a firme convicção que a Y pretendia manter a trabalhadora ao seu serviço.
B - Após a clara afirmação, reiterada pela A. perante mais do que uma pessoa ao serviço da recorrente, da intenção de se manter como trabalhadora da até então sua entidade empregadora, seguida da ausência de entrega, naquele momento, ou em momento posterior, de qualquer elemento documental solicitado pela aqui recorrente, determinou o fortalecimento da convicção de que, de facto, a. Iria manter-se ao serviço da Y.
C - A. violou os ditames da boa-fé pré-contratual, agindo em manifesto abuso de direito, visto que assumiu uma conduta que determinou na contraparte a errada convicção de um cenário, que depois a. veio a contrariar. Se é verdade que o contrato de trabalho será o mesmo, as partes são diferentes.
D - Previamente à transmissão de entidade empregadora, A. e R. tomaram contacto entre si, com vista a garantir que o contrato que viria a existir, e que ainda não existia à data das afirmações da A., teria os seus contornos perfeitamente definidos quanto aos termos da sua execução.
E - À data em que a Autora manifesta à Ré a intenção de se manter como trabalhadora da Y, as partes ainda não estavam vinculadas contratualmente.
F – A. traiu a confiança pré-contratual da Ré, criando-lhe a falsa convicção de que não iria contratar.
G – Pelo exposto, a sentença recorrida violou o disposto no art. 227º do Código Civil.
H - À presente ação falta a participação de uma das partes interessadas no desfecho dos autos, que é a primitiva entidade empregadora, Y. De facto, fazendo um exercício hipotético, caso a. não tivesse visto a ação ser julgada procedente, teria que se declarar que a mesma se manteria como trabalhadora daquela entidade.
I - A. ou passou a ser trabalhadora da Ré ou manteve-se como trabalhadora da Y, não há terceira via, não se vislumbra qualquer figura de cessação do vínculo laboral.
J - A Y nunca foi convocada para os presentes autos, sendo que teria, e tem, manifestamente interesse direto nos mesmos.
K - Se por hipótese a ação fosse julgada improcedente, a. apresentar-se-ia ao serviço junto da Y, sem que esta tivesse tido a oportunidade de se pronunciar.
L - A petição deveria ter sido alvo de convite ao aperfeiçoamento, com vista a ser formulado pedido contra a Y, ainda que subsidiário ou, assim não sucedendo, ser decidida a absolvição da instância da Ré, por violação das regras do litisconsórcio necessário passivo.
M – Pelo exposto a sentença recorrida violou o disposto nos nºs 1, 2 e 3 do art. 33º do Código do Processo Civil.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, devendo a sentença recorrida ser alterada nos termos propugnados…

CONTRA-ALEGAÇÕES DA RÉ: defende a manutenção da decisão recorrida, porque ocorreu a transmissão do contrato de trabalho da autora, a qual é automática. A mesma só não operaria se houvesse acordo entre o trabalhador e a empresa cessante da prestação de serviços ou por oposição do trabalhador à transmissão devidamente comunicada à empresa cessante. Ora, nenhuma delas ocorreu. Não há violação de boa fé pré-contratual dado que não se está nessa fase, porquanto o contrato já pré-existia. Improcede o invocado litisconsórcio, nunca tal questão tendo sido susciptada estando a mesma precludida (quando antes bastaria à ré o uso do 316º CPC), além de que a composição do litigio nos termos em que interessam à autora basta-se com a presença da ora ré.
Foram colhidos os vistos dos adjuntos e o recurso foi apreciado em conferência – art. s 657º, 2, 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1)):

1- Da violação das regras de litisconsórcio necessário;
2- Da transmissão da posição de empregadora para a ré;
3- A violação da boa fé pré-contratual - 227º, CC.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A- FACTOS

Na primeira instância foram julgados provados os seguintes factos:
A) Com data do dia 01/01/2019, a autora e a Y, Soluções de Segurança, S.A. (doravante apenas Y), assinaram o documento junto a fls. 7v. e ss. (que aqui se dá por integralmente reproduzido), intitulado “Contrato de trabalho a termo certo”;
B) O qual iniciou vigência nesse dia, mas que se reporta à continuação da relação que unia ou vinculava a Y e a autora desde o dia 04/07/2017;
C) Por força desse contrato, a autora ficou obrigada, como de resto já estava desde 04/07/2017, a prestar à Y as funções de “vigilante” no Hospital ..., Centro Comercial … e …, desde 01/01/2019 e pelo prazo de 12 meses, com a retribuição mensal de 694,39€ e subsídio de alimentação de 6,00€ por cada dia de trabalho;
D) Funções de “vigilante” que a autora já exercia no Hospital ... antes dessa data e desde 04/07/2017, também por conta da Y;
E) Da cláusula 1.ª do referido contrato consta que o mesmo se regeria pelo Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e a FETESE - Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços, o qual está publicado no BTE n.º 38, de 15 de outubro de 2017;
F) A Y, Soluções de Segurança, S.A., pessoa coletiva n.º …, tem como objeto social a “prestação de serviços de segurança privada, os quais poderão ser prestados em todas as modalidades permitidas por lei. Instalação e manutenção de material e equipamentos de segurança, e realização das obras de construção necessárias para esse efeito”;
G) A ré X - Serviços e Tecnologia de Segurança S.A. (doravante apenas X) tem como objeto social a “prestação de serviços de prevenção, segurança e atividades conexas, nomeadamente a exploração de equipamentos relativos àqueles serviços e a instalação e manutenção de instalações elétricas de utilização de baixa tensão e de sistemas de deteção e extinção de incêndios, segurança e deteção de intrusão”;
H) Com data de 15/01/2019, a Y enviou à autora carta junta a fls. 12 (que aqui se dá por integralmente reproduzida), na qual lhe comunicou que “os serviços de segurança privada prestados pela Y nas instalações do cliente W – Sociedade Gestora do Estabelecimento, S.A. no(s) respetivo(s) estabelecimento(s) –Hospital ..., foram adjudicados à X – Serviços e Tecnologia de Segurança, S.A., com efeito a partir do dia 1 de Fevereiro de 2019”, motivo pelo qual “a partir dessa data, a X será a entidade patronal de V. Ex.ª”;
I) Também com data de 15/01/2019, a Y enviou à ré X a carta junta a fls. 14 (que aqui se dá por integralmente reproduzida), dizendo-lhe que, por ter perdido os serviços com o cliente W- Sociedade Gestora do Estabelecimento, S.A. – Hospital ... e pelo facto de a ré X vir a assumir esses serviços em substituição da Y com efeitos a 01/02/2019, “é automática e resulta da imposição da lei e do CCT aplicável a transmissão para a X da posição contratual de empregadora em todos os contratos de trabalho vigentes com todos os trabalhadores que, no cliente W – Sociedade Gestora do Estabelecimento, S.A. – Hospital ... se encontram ao serviço normal da exploração”;
J) Em anexo a essa carta, enviou a Y à ré X a relação dos trabalhadores abrangidos por essa sucessão da posição contratual, entre os quais a aqui autora J. D., com menção, para além do mais, do local de trabalho e antiguidade da autora, respetivamente, Hospital ... e 04/07/2017 (documento junto a fls. 15 e ss., que se dá por integralmente reproduzido);
K) Entre a autora e a Y nunca foi celebrado qualquer acordo para a manutenção da autora nos quadros de pessoal da Y;
L) A autora encontra-se de baixa médica desde o dia 18/01/2019. a qual se manteve ininterrupta até pelo menos à data da propositura da presente ação;
M) Desde que iniciou a baixa, a autora passou a remeter as suas baixas:
a. inicialmente para a Y;
b. depois para a Y e para a ré X; e
c. finalmente apenas para a ré X;
N) Sendo que as baixas entregues à X o foram em mão ao responsável da segurança da ré X no Hospital ... e enviadas pelo correio;
O) A ré X devolve as baixas à autora, alegando, como fez pela missiva postal datada do dia 04/04/2019 (documento junto a fls. 82v., que aqui se dá por integralmente reproduzido), que a autora “não consta como colaboradora da empresa X, SA”;
P) A ré, notificada da listagem de trabalhadores da Y que transitariam para a sua alçada, mantendo o mesmo posto, logo os convocou para se apresentarem, comunicando a sua intenção de os integrar nos seus quadros, e pedindo-lhes que fizessem chegar diversa documentação com vista à formalização de tal transferência, designadamente contratos de trabalho, cópia de cartões profissionais, elementos de identificação com vista ao processamento de salários;
Q) A aqui autora, tendo estado presente nesse dia nessa reunião, logo manifestou expressamente ao Gestor de Filial a intenção de se manter na empresa Y, que teria para si um posto de trabalho em Barcelos;
R) A autora reiterou essa intenção junto do Chefe de Grupo do serviço do Hospital ...;
S) A autora nunca enviou à aqui ré qualquer elemento documental que lhe tinha sido solicitado;
T) Com exceção de um dos elementos da Y que decidiu aposentar-se, todos os restantes foram integrados nos quadros da ré;
U) A ré tratou de contratar um elemento que colmatasse a ausência da autora no serviço do Hospital ....

B – ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes (2), as questões de direito a decidir são as acima sumariadas em sede de relatório.

Da ilegitimidade passiva/litisconsórcio necessário

Já em fase de recurso, vem a ré pela primeira vez alegar a violação das regras de litisconsórcio necessário, dada a ausência da primitiva entidade empregadora, Y. Sustenta que, caso a autora não seja declarada sua trabalhadora, terá necessariamente de ser declarada trabalhadora da antiga entidade empregadora, não “havendo terceira via”.
Segundo o art. 30º, CPC, o réu é parte legitima quando tem interesse directo em contradizer, o qual se exprime pelo prejuízo que da procedência da acção lhe possa advir. Salvo disposição em contrário, são considerados titulares de interesse relevante os sujeitos da relação material controvertida tal como se mostra configurada pelo autor.
Ainda de acordo com o art. 33º, CPC, se a lei ou negócio jurídico exigir a intervenção de vários interessados na relação que está controvertida, a falta de um deles, determina ilegitimidade. Também, de acordo com esta mesma norma, é ainda necessária a intervenção processual de todos os interessados quando, atenta a natureza da relação jurídica, tal seja necessário para que a decisão possa produzir o seu efeito útil normal. Finalmente, considera-se que a decisão produz o seu efeito normal quando, embora não vinculando todos os restantes interessados, possa regular definitivamente entre as partes aquele caso concreto relativamente ao pedido formulado.
Em suma, o litisconsórcio é obrigatório quando a lei, o negócio jurídico ou a natureza da relação jurídica impuserem a intervenção dos vários interessados, sendo que a única hipótese que, abstractamente, poderia caber ao caso seria esta última, a qual, contudo, em concreto, não se verifica.
Efectivamente, no caso, o objectivo da autora é o de que o tribunal reconheça que é trabalhadora da ré X, por ter ocorrido transmissão da posição contratual de empregadora. Este é o seu pedido. Que é dirigido apenas contra a ora ré. A autora não pede que o tribunal reconheça que é trabalhadora da Y, apenas pede que lhe seja reconhecida a sua antiguidade reportada à data de inicio da relação com esta, sendo que esta declaração apenas afecta desfavoravelmente a ora ré. E, ao contrário do que refere a ré, a eventual improcedência da acção não implicaria a sua procedência contra a antiga empregadora, porque não há pedido nesse sentido e o tribunal não pode condenar em objeto diverso ou em mais do que o pedido – 609º CPC.
Assim sendo, a antiga empregadora nenhum interesse tem em estar em juízo porque nenhum prejuízo lhe advém desta acção, nem a mesma é titular de interesse relevante face ao modo como a autora configurou a acção, abstendo-se de contra ela formular qualquer pedido, ainda que subsidiário.
Também, nos termos supra ditos, relativamente ao pedido formulado, a decisão que for proferida terá a virtualidade de produzir o seu efeito útil normal, regulando definitivamente a situação entre as partes, a autora e a ora ré, pese embora não vincule a antiga empregadora.
Assim sendo e considerando também que inexiste norma ou negócio a exigir a intervenção de mais interessados, carece a ré de razão. Improcede, pois, a arguição de ilegitimidade.

Da transmissão do contrato de trabalho e da posição contratual de empregadora

A decisão recorrida considerou que o contrato de trabalho da autora se manteve, adquirindo a ora ré a posição de empregadora, porquanto esta sucedeu à antiga empregadora, Y, na execução do contrato de prestação de serviços de segurança privada, em especial de acordo com o disposto no CCT celebrado entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e a FETESE - Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços (publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego n.º 38, de 15/10/2017, a fls. 3732 e ss.), com a redação dada no Boletim do Trabalho e do Emprego n.º 48, de 29/12/2018, a fls. 4558 e ss., instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que ambas as partes admitem ser-lhes aplicável – arts. 15.º da petição inicial e 2.º da contestação.

A este propósito consta na sentença:

“……Ora, na cláusula 14.ª, n.º 1 deste IRCT prevê-se expressamente que se pretende regular a manutenção de contratos de trabalho em situações de sucessão de empregadores na execução de contratos de prestação de serviços de segurança privada, “quer essa sucessão de empresas na execução da prestação de serviços se traduza, ou não, na transmissão de uma unidade económica autónoma ou tenha uma expressão de perda total ou parcial da prestação de serviços”. …

Em execução daquela intenção das partes outorgantes do IRCT em apreço, dispõe o n.º 3 da cláusula 14.ª que “a mera sucessão de prestadores de serviços num determinado local de trabalho, ou cliente, não fundamenta, só por si, a cessação dos contratos de trabalho abrangidos, nomeadamente por caducidade, extinção do posto de trabalho, despedimento coletivo, despedimento por justa causa, ou, ainda, o recurso à suspensão dos contratos de trabalho”. Como consequência lógica desta disposição, o n.º 4 da mesma cláusula dispõe que nessas situações ”mantêm-se em vigor, agora com a nova prestadora de serviços, os contratos de trabalho vigentes com os trabalhadores que naquele local ou cliente prestavam anteriormente a atividade de segurança privada, mantendo-se, igualmente, todos os direitos, os deveres, as regalias, a antiguidade e a categoria profissional que vigoravam ao serviço da prestadora de serviços cessante”.

No caso sub judice, não restam quaisquer dúvidas quanto a ter ocorrido uma sucessão de prestadores de serviços num determinado local de trabalho: a ré viu ser-lhe adjudicada a prestação de serviços de segurança privada no Hospital ..., a partir de 01/02/2019, sucedendo nessa prestação de serviços à empresa Y, conforme expressamente é admitido no art.º 2.º da contestação.
Ora, por ser assim, a posição de empregador no contrato de trabalho existente entre a Y e a autora transmitiu-se para a ré ….

Como claramente decorre do n.º 4 acima referido, a transmissão do contrato de trabalho é automática e não depende de qualquer outra formalidade ou requisito. Só prevê a cláusula 14.ª duas hipóteses de não transmissão da posição de empregador:

- existindo acordo entre o trabalhador e o prestador de serviços cessante (n.º 6);
- por oposição do trabalhador (n.º 13).

Na primeira hipótese, terá de existir o referido acordo e está a prestadora cessante obrigada a comunicar, expressamente e por escrito, ao novo prestador de serviços, os trabalhadores que por acordo se manterão ao seu serviço (n.º 8).
No segundo caso, tem o trabalhador de alegar que a mudança lhe causa prejuízo sério, por razões ligadas à sustentabilidade da nova prestadora de serviços, o que tem de comunicar por escrito à prestadora de serviços cessante, no prazo de 10 (dez) dias desde o conhecimento da comunicação da sucessão (n.os 13 e 14).
Não foi alegado nem se demonstrou que tenha a trabalhadora recusado a transmissão com os fundamentos referidos no n.º 13, nem que tenha comunicado essa oposição por escrito, conforme dispõe o n.º 14. O que alega a ré é que a trabalhadora lhe terá transmitido que era sua intenção manter-se “na empresa Y, que teria para si um posto de trabalho em Barcelos” (art.º 6.º da contestação).
Ora, salvo sempre o devido respeito, ainda que tenha a autora transmitido essa sua intenção, tal não poderia bastar para se poder concluir pela não transmissão da posição de empregador. Como ficou provado, na comunicação enviada pela Y à ré na qual lhe remeteu o elenco de trabalhadores a transmitir, aquela expressamente indicou a autora como sendo uma das trabalhadoras que passariam para a ré (fls. 15v. e 16). Nessa comunicação, não indicou a Y à ré o nome de qualquer trabalhador que por acordo fosse continuar ao seu serviço, sendo que, nos termos do n.º 8 da cláusula 14.ª, era nessa comunicação que estava obrigada a fazê-lo, caso houvesse trabalhadores nessas circunstâncias. Assim sendo, não poderia a ré bastar-se com uma declaração oral da autora como a que foi feita: na falta de comunicação escrita por parte da prestadora de serviços cessante, teria de partir do princípio de que a autora era sua funcionária, sem prejuízo dos esclarecimentos sobre a situação que fosse pedir à Y ou de posterior comunicação escrita que esta lhe fizesse.”

Concorda-se com a fundamentação, em especial na parte em que refere que, de acordo com o IRCT aplicável, a transmissão da posição contratual é automática e somente não ocorre em duas situações:

a) No caso de acordo entre o trabalhador e a empresa cedente tendo esta de comunicar expressamente e por escrito ao novo prestador de serviços os trabalhadores que se mantêm ao seu serviço, comunicação que a ré nunca recebeu.
b) No caso de oposição do trabalhador, tendo este de alegar por escrito à prestadora de serviços cessante que a mudança lhe causa prejuízo sério, por razões ligadas à sustentabilidade da nova prestadora de serviços, no prazo de 10 (dez) dias desde o conhecimento da comunicação da sucessão, o que também nunca sucedeu.

Concorda-se também com a decisão recorrida quando afirma que não impede tal transmissão a simples intenção, expressa verbalmente pela autora antes da data formal da transmissão, de que pretendia continuar a trabalhar para a anterior empresa, tendo até já um posto de trabalho, o que reiterou oralmente junto do chefe de grupo.
Teria a ré de receber a comunicação de um acordo quanto à continuação do contrato de trabalho por banda da prestadora cessante.
Ora, além de não a ter recebido, na verdade a ré recepcionou informação contrária, na medida em que a Y lhe enviou a lista dos trabalhadores transmitidos donde constava a autora. Além disso, tal como se assinala na decisão recorrida, a ora ré recebeu da autora indícios contrários que apontavam no sentido de esta a considerar sua entidade empregadora, mesmo antes da transmissão formal, enviando-lhe os documentos de baixa.

Escreveu-se ainda na decisão:

“Quanto ao envio das baixas médicas, note-se que a autora enviou as duas primeiras exclusivamente à Y, mas em data em que ainda não tinha ocorrido a transmissão (28/01/2019 e 30/01/2019 – fls. 24v. a 26), ao passo que as que enviou após o dia 01/02/2019 já remeteu também ou apenas exclusivamente para a aqui ré (27v. a 29, 30 e verso, 31v. e 32), ou seja, os atos que a autora praticou em data posterior à transmissão foram devidamente comunicados à aqui ré e não apenas à anterior prestadora de serviços.”

Como se referiu, este era mais um indício que contrariava a comunicação verbal da autora de querer continuar a trabalhar para a sua entidade empregadora antiga. Sendo que o facto de a autora não enviar à ora ré qualquer documento em nada interfere, porque a transmissão não depende de outras formalidades que a ré entenda, competindo à empresa cessante fornecer todas as informações necessárias.
Em suma, a conduta da autora ao exprimir verbalmente, ainda que por duas vezes, a intenção de querer continuar ao serviço da antiga entidade, não obsta ao funcionamento automático da transmissão do contrato de trabalho, dado que não se verificam no caso as únicas duas situações que obstariam a tal (acordo com a anterior empregadora e oposição fundamentada e por escrito da autora à transmissão), fazendo a autora parte da lista de trabalhadores comunicada à ora ré pela antiga prestadora como sendo os transmitidos.
Claro que hipoteticamente a autora poderia de acordo com as regras gerais fazer cessar o contrato, por simples denúncia, isto é, sem invocar qualquer fundamento. Mas, teria de o fazer por escrito – 400º e 401º do CT. Ora, a autora não o fez, nem essa foi a sua intenção.
Por sua vez, a ré também disporia de mecanismos adicionais de cessação do contrato de trabalho, caso a autora, após a baixa, não comparecesse ao serviço e nada mais acrescentasse à sua anterior declaração de que queria continuar a trabalhar na sua anterior entidade patronal. Para tanto, caso isso acontecesse, teria ao seu dispor, verificados que estivessem os seus pressupostos, a figura do abandono e trabalho – 403º CT. Ora, essa também não é a situação dos autos, pois que a autora continuava de baixa à data da propositura da acção e já tinha dado sinais de que considerava a ré sua entidade patronal, enviando-lhe as baixas, pelo que não havia vontade extintiva do vínculo laboral.

A violação da boa fé pré-contratual -227º CC

A ré coloca esta questão em fase de recurso.

De acordo com o disposto no art. 227º do CC “Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras de boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. É uma norma inserida no capítulo dos negócios jurídicos, subsecção “perfeição da declaração negocial”.

Esta norma tem um equivalente no domínio laboral que praticamente a reproduz, a saber, o artigo 102º, CT, que diz “Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato de trabalho deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras de boa-fé, sob pena de responder pelos danos culposamente causados”. É uma norma inserida no capítulo da formação do contrato.
Tal como refere António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 19ª ed., p. 246, visa-se com esta disposição garantir a veracidade das informações prestadas “de modo a que nenhum dos futuros contraentes seja induzido em erro e viciada a sua vontade contratual”. Ou seja, o seu contexto é o recrutamento e a necessidade de se assegurar a recolha de informação fidedigna acerca da empresa (características, ambiente…) e, sobretudo, de informação pessoal do candidato ao emprego.
Ora, como se refere na decisão recorrida, a disposição referente à culpa na formação dos contratos não é aplicável ao caso, estando fora do seu contexto.

Diz-se na decisão recorrida:

“Por outro lado, o que alega a ré quanto a não ter a autora enviado “qualquer elemento documental que lhe tinha sido solicitado, com vista a formalizar e regularizar a sua transferência para a esfera desta entidade” (art.º 8.º da contestação) nada afeta a transmissão do contrato de trabalho. Esta transmissão, como se disse supra e decorre da cláusula 14.ª da CCT, é automática e não depende de qualquer outra formalidade ou diligência posterior. Aliás, precisamente por isso prevê o n.º 8 da cláusula em apreço a obrigação de transmissão por parte da prestadora de serviço cessante de todas as informações necessárias. Que a ré tenha internamente procedimentos adicionais próprios e pretenda obter mais documentação ou elementos dos trabalhadores é legítimo e perfeitamente possível – o que não influencia é em nada o facto de a transmissão da posição de empregador ser automática e não depender da entrega ou não dessa documentação solicitada pela ré. Ao contrário do alegado pelo Ex.mo Mandatário da ré em alegações orais, não há aqui qualquer violação por parte da autora da boa-fé pré-contratual, pois neste caso não se estava perante nenhuma fase prévia à formação de um contrato: o contrato existia e continuou a existir, tendo-se transmitido sem qualquer solução de continuidade. Os contactos que a ré decidiu estabelecer com os trabalhadores e os documentos que lhes tenha exigido não se enquadram em nenhuma fase negocial nem era necessário “formalizar e regularizar a sua [da autora] transferência para a esfera” da ré (art.º 8.º da contestação), pois essa transferência ocorreu automaticamente e apenas por força do disposto na cláusula 14.ª da CCT.”

Efectivamente, não estamos em contexto ou processo negocial, tratando-se de uma transmissão contratual da posição de empregadora automática, por força de IRCT, e não de origem negocial, visando-se com esta figura jurídica a proteção do trabalhador e a segurança no emprego.

O novo empregador não tem de encetar negociações com o trabalhador, nem de obter informação pessoal através de dados que este possa fornecer e, por isso, não faz sentido tutelar a boa fé pré-contratual. Ademais, os factos provados são insuficientes e insusceptíveis de integrar um comportamento que consubstancie má fé. Porquanto será teoricamente compreensível que a autora, numa determinada fase (segundo a ré ainda antes da transmissão formal, art.s 5 a 7 da contestação), tivesse a intenção ou esperança de continuar a trabalhar para a antiga empregadora e tivesse comunicado a ré essa intenção. Ora, este comportamento é insuficiente para dele se extraírem outras conclusões negativas, até porque, como se referiu, a autora deu sinais contrários ao passar a enviar as baixas à ré logo no final do mês de Janeiro de 2019, mesmo antes da data da transmissão formal do contrato de trabalho. De resto, fazia parte da lista de trabalhadores comunicada à ré como sendo os transmitidos. O que no mínimo aconselharia a ré a, caso dúvidas tivesse, adotar outro comportamento.

Improcede também esta alegação.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, de acordo com o disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do Cód. de Proc. Civil, acorda-se em negar provimento ao recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
Guimarães, 6-02-2020

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins



Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C

I- Sendo aplicável aos autos o CCT celebrado entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e a FETESE - Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços (publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego n.º 38, de 15/10/2017, em situações de sucessão de empregadores na execução de contratos de prestação de serviços de segurança privada, a transmissão do contrato de trabalho é automática e não depende de qualquer outra formalidade ou requisito (cláusula 14.ª).
II- De acordo com esta cláusula 14ª, somente em duas situações não ocorrerá transmissão do contrato de trabalho : 1- existindo acordo entre o trabalhador e a prestadora de serviços cessante, estando esta obrigada a comunicar, expressamente e por escrito, ao novo prestador de serviços, os trabalhadores que por acordo se manterão ao seu serviço; 2- por oposição do trabalhador, tendo este de alegar que a mudança lhe causa prejuízo sério, por razões ligadas à sustentabilidade da nova prestadora de serviços, o que tem de comunicar por escrito à prestadora de serviços cessante, no prazo de 10 (dez) dias desde o conhecimento da comunicação da sucessão.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso



1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.
2. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.