Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
533/09.3TBBGC-A.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: EXECUÇÃO
DEMORAS ABUSIVAS NO PAGAMENTO PELO PRODUTO DO BEM
LEVANTAMENTO DA PENHORA A REQUERIMENTO DO EXECUTADO AO AGENTE DE EXECUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/31/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O art.º 763º nº 1 do Código de Processo Civil permite ao executado requerer ao agente de execução o levantamento da penhora se, por acto ou omissão, que não seja da sua responsabilidade, não forem efectuadas quaisquer diligências para a realização do pagamento efectivo do crédito nos seis meses anteriores ao requerimento.

II - A “ratio” do preceito, ao permitir ao executado reagir contra demoras abusivas no pagamento, seja demora na venda de bem penhorado, seja no pagamento do crédito exequendo pelo respectivo produto, radica em que, por um lado, quanto mais depressa o pagamento for efectuado menos se avoluma o crédito exequendo com os juros de mora que se vão vencendo e, por outro, especialmente tratando-se de bens móveis, menor é a sua desvalorização.

III - A tramitação da acção executiva e os prazos previstos para a execução dos diversos actos estão regulados no Código de Processo Civil, pelo que o legislador, ao referir-se a “diligências para a realização do pagamento”, está naturalmente a aludir às que como tal nele estão previstas, ou seja às da secção V (Pagamento) – artºs 795º e segs.

IV - Nos autos foi penhorado um veículo automóvel em 2010 e, efectuado o seu registo, nenhuma outra diligência efectiva foi realizada com vista à apreensão material do veículo, à respectiva venda e ao pagamento do crédito exequendo pelo respectivo produto, pelo que se verificam os pressupostos legais para o levantamento da penhora a requerimento da executada, a tal não obstando as eventuais diligências, que, embora visando o pagamento da quantia exequenda, respeitam à penhora de vencimentos e não à penhora do veículo, pois é com referência a esta que o levantamento foi requerido.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

Nos autos de execução para pagamento de quantia certa em que é exequente “Banco ..., S.A.” e são executados A. V. e L. C., esta, por requerimento de 5.12.2017 (ref.ª 1002961) veio requerer, ao abrigo do disposto nos artigos 763.º, n.º 1 do Código de Processo Civil o levantamento da penhora efectuada nos presentes autos sobre o veículo automóvel de marca BMW, com a matrícula ..., penhorado em 27.12.2010, bem como o cancelamento do respectivo registo,

Em 18.12.2017 veio o exequente opor-se ao requerido levantamento da penhora “porquanto o aludido veículo não foi vendido por não ter sido possível a sua apreensão pelo Sr. Agente de Execução”.

Na sequência de notificação da secretaria efectuada em 21-3-2018, o Agente de Execução, doravante “A.E.” veio remeter a questão para despacho.

O tribunal “a quo” proferiu a seguinte decisão:

– «Nos presentes autos foi penhorado, em 27.12.2010, além do mais, o veículo automóvel de marca MBW, com a matricula ....
Tal penhora foi registada na Conservatória do Registo Automóvel em 9/12/2010.
Nos termos do disposto no artigo 763.º, n.º 1 do Código de Processo Civil o executado pode requerer ao Agente de execução o levantamento da penhora se, por ato ou omissão que não seja da sua responsabilidade, não forem efetuadas quaisquer diligências para a realização do pagamento efetivo do crédito nos seis meses anteriores ao requerimento.
Ora, feita uma incursão, através do sistema citius, pelas diligências efetuadas nos presentes autos, verifica-se, desde logo, que nos seis meses anteriores ao requerimento da executada a requerer o Levantamento da penhora do veículo (5.12.2017, reiterado em 17.1.2018)), foram realizadas várias diligências pelo Sr. Agente de execução, designadamente uma tentativa de apreensão do aludido veículo que resultou frustrada atenta o constante no respetivo auto de diligência de 23.9.2017 (ref.ª 1077343), sendo certo que ao longo dos autos, foram realizadas várias diligências pelo Sr. Agente de Execução tendentes à realização do pagamento coercivo do crédito exequendo.
Face ao exposto, considerando o registo de produção de diligências com vista ao pagamento efetivo do crédito nos últimos seis meses, indefere-se o requerido levantamento da penhora.
Considerando a informação constante do requerimento de 17.1.2018 apresentada pela executada L. C. de que o veículo se encontra na garagem da sua casa de habitação, predispondo-se a mesma a entrega-lo Sr. Agente de Execução, deverá o Sr. Agente de Execução providenciar pela apreensão do aludido veículo, seguindo-se os demais trâmites legais com vista ao pagamento efetivo do crédito.
Notifique.
Dê conhecimento ao Sr. Agente de execução de forma a proceder à legal tramitação dos autos.»
*
Inconformada, a executada L. C. interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:

1ª) – A Recorrente não requereu o levantamento de todas as penhoras efectuadas nos autos por não ter realizado o Agente de Execução quaisquer diligências para a realização do pagamento efectivo do crédito nos seis meses anteriores ao requerimento apresentado em 5/12/2017, mas apenas, o levantamento e cancelamento da penhora efectuada sobre o veículo automóvel de marca BMW, com a matrícula ..., penhorado nos autos em 27/12/2010, por terem decorrido mais de 6 meses sem ter sido efectuada qualquer diligência pertinente quanto ao prosseguimento da execução relativamente a tal bem penhorado.
2ª) – São por isso, absolutamente irrelevantes, para a apreciação da pretensão formulada pela Recorrente, quaisquer outras diligências processuais que o Agente de Execução tenha promovido “tendentes à realização do pagamento coercivo do crédito exequendo”.
3ª) – Quanto ao aludido veículo automóvel, o que os autos evidenciam é que o mesmo foi penhorado em 27/12/2010 e desde então, sem que nada tivesse sido alegado pelo Agente de Execução ou pelo Exequente quanto a quaisquer dificuldades ou obstáculos colocados por qualquer dos Executados quanto à sua remoção ou venda, absolutamente nada foi feito ou promovido pelo Agente de Execução, nem requerido pelo Exequente, o que só por si, bastaria para julgar procedente a pretensão da Recorrente.
4ª) – Mesmo depois de a Recorrente ter vindo aos autos em 26/04/2017, requerer, através da Comunicação ao Agente de Execução apresentada pelo Citius com a Refª: 25558547, que fossem promovidas as diligências necessárias para a venda do aludido veículo, nada foi promovido nem diligenciado pelo Agente de Execução.
5ª) – O auto de diligência junto pelo Agente de Execução com a informação prestada em 27/03/2018, com a pretensa data de 23/09/2017 e no qual refere ter efectuado naquela data uma “tentativa de apreensão da viatura (...) que se frustrou” e que “o executado informou que a viatura se encontra com a ex-mulher e que a mesma faz parte das partilhas do divórcio litigioso que ainda se encontra a decorrer em tribunal por não chegarem a acordo com as partilhas”, é falso e não corresponde a qualquer diligência que tenha sido efectuada em 23/09/2017.
6ª) – Desde logo, porque mal se compreenderia que, a ter sido realizada a diligência em 23/09/2017 e lavrado o auto na mesma data, não tivesse sido o mesmo logo introduzido nos autos pelo Agente de Execução e oportunamente notificado a todos os sujeitos processuais.
7ª) – Tal auto não só não foi notificado a nenhuma das partes litigantes, como apenas “apareceu” nos autos em anexo à informação prestada em 27/03/2018, mais de seis meses após a alegada realização da diligência e do próprio auto!
8ª) – O Agente de Execução sabe desde a realização da penhora, já nos idos de Dezembro/2010, que o veículo automóvel penhorado está na posse da Executada aqui Recorrente, por nessa altura a ter contactado e confirmado com ela a sua detenção da viatura.
9ª) – Por isso, se em Setembro/2017 o Agente de Execução tivesse realizado qualquer diligência tendente à efectiva apreensão da viatura, quem contactaria ou deveria contactar, era a Executada, detentora do veículo, e não o Executado; e ainda que tivesse contactado o Executado e este lhe tivesse dito “que a viatura se encontra com a ex-mulher”, ou seja, com a Executada, por dever de ofício e de boa diligência, o Agente de Execução teria de a contactar!
10ª) – Mas nada disso foi feito pelo Agente de Execução, nem sequer foi alegado qualquer tentativa de contacto com a Executada ou com o seu mandatário!
11ª) – Acresce que o próprio Executado nunca poderia informar o Agente de Execução, em Setembro/2017, “que a viatura (...) faz parte das partilhas do divórcio litigioso que ainda se encontra a decorrer em tribunal por não chegarem a acordo com as partilhas”, pela simples razão de que tais partilhas foram há muito realizadas e homologadas por sentença judicial de 30/05/2016, já transitada em julgado.
12ª) – O pretenso auto de diligência de 23/09/2017 constitui pois, uma pura invenção do Agente de Execução e não tem qualquer correspondência com qualquer diligência que tivesse sido por ele então realizada.
13ª) – Ainda que assim se não entenda, há-de reconhecer-se que tal pretensa diligência não pode ser considerada como pertinente para o fim da “realização do pagamento efectivo do crédito”.
14ª) – A penhora de veículos automóveis, faz-se nomeadamente, com a imobilização e remoção do mesmo, se necessário com o auxílio da força pública, nos termos dos artigos 768º, nº 2 e nº 3, 767º e 757º, todos do C.P.C..
15ª) – É por isso, inadmissível que o Agente de Execução não tivesse tomado as providências que poderia e deveria tomar, ao abrigo daqueles preceitos, para concretizar a efectiva remoção do veículo, com vista à “realização do pagamento efectivo do crédito”.
16ª) – A pretensa diligência de 23/09/2017 é assim, absolutamente inócua, impertinente e inútil para a “realização do pagamento efectivo do crédito” exequendo e consequentemente, deve ter-se como um acto ilícito.
17ª) – Foram violados ou mal interpretados os artigos 763º, nº 1; 768º, nº 2 e nº3; 767º; 757º e 130º; todos do C.P.C..

NESTES TERMOS e nos mais de direito aplicáveis, devem Vas Exas, Meritíssimos Senhores Juízes Desembargadores, julgar a presente Apelação procedente, e em consequência, revogar a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que reconheça que nos seis meses anteriores ao Requerimento da Executada/Recorrente de 5/12/2017, não foi efectuada qualquer diligência pertinente quanto ao prosseguimento da execução relativamente ao veículo automóvel penhorado nos autos com a matrícula ..., e que, em consequência, deve ser determinado o levantamento e cancelamento da penhora efectuada sobre o identificado veículo.
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A exequente não contra-alegou.
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Admitido o recurso e instruído em separado, foi o apenso remetido a este Tribunal da Relação, onde foi recebido nos termos em que o fora na 1ª instância.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Factos, com interesse para a decisão do presente recurso, que resultam dos documentos e actos constantes dos autos:

Nos autos de execução a correr termos no Juízo Local Cível de Bragança - Juiz 2, com o nº 533/09.3TBBGC.G1, foi penhorado, em 27.12.2010, além do mais, o veículo automóvel de marca BMW, com a matrícula ....
Tal penhora foi registada na Conservatória do Registo Automóvel em 9/12/2010.
Em 26/04/2017, com a referência 25558547 do CITIUS, a Executada requereu ao Agente de Execução que efectuasse as diligências necessárias para a venda daquele veículo automóvel, nomeadamente, notificando-se as partes para se pronunciarem sobre a modalidade da venda e o valor base do bem, nos termos do art.º 812º, do C.P.C.
Em 5.12.2017 a Executada veio requerer, ao abrigo do disposto nos artigos 763º, nº 1 e 723º, nº 1, alínea d), do C.P.C., o levantamento e cancelamento da penhora efectuada nos referidos autos sobre o veículo automóvel de marca BMW, matrícula ..., penhorado em 27/12/2010, alegando, que, sobre o requerimento que apresentara em 26.4.2017 não se pronunciaram até àquela data, nem o Agente de Execução nem a Exequente e decorreram entretanto, mais de 6 meses sem ter sido efectuada qualquer diligência pertinente quanto ao prosseguimento da execução relativamente ao aludido bem penhorado.
O exequente pronunciou-se, opondo-se ao levantamento da penhora do veículo, alegando que o mesmo ainda não foi vendido por não ter sido possível a sua apreensão por parte do Sr. Agente de Execução.
A executada respondeu, impugnando por falsidade a alegação do Exequente, afirmando que “após contacto do Agente de Execução a propósito do paradeiro do veículo penhorado, a Executada informou-o que o mesmo se encontrava na garagem da sua casa de habitação, predispondo-se a entregá-lo ao Agente de Execução, sendo certo que desde a data da penhora nunca mais o mesmo circulou e nunca a Executada voltou a ser contactada pelo AE para proceder à entrega do mesmo, o que teria efectuado de imediato e sem qualquer reserva”.
Em 27.3.2018 o agente de execução enviou comunicação ao processo, em conformidade com o disposto no artigo 5º da Portaria 282/2013 de 29 de Agosto, do seguinte teor:
“ALCOCHETE, 27-03-2018
L. F., Agente de Execução nos presentes autos, vem remeter os presentes autos para despacho pelo motivo seguinte:

1.O signatário procedeu à penhora do veículo ..., marca BMW, modelo 560L 5 ER REIHE, quadro …, que se encontra registado em nome do executado A. V..
2. Após notificação após penhora do bem penhorado diligenciou pela apreensão conforme auto de diligência que se anexa.
3. Não se encontrando o veículo na morada do titular do veículo e havendo processo de inventário pendente (processo 202/08.1TBBGC), foi prestada informação pelo executado informou que a viatura se encontra com a ex-mulher e que a mesma faz parte das partilhas do divórcio litigioso que ainda se encontra a decorrer em tribunal por não chegarem a acordo com as partilhas.
4. Pelo que, face ao exposto o Exmo. Mandatário da executada apresentou os requerimentos junto aos autos requerendo o levantamento da penhora, e o Exmo Mandatário da exequente apresentou os requerimentos junto aos autos opondo-se ao levantamento da penhora, uma vez que decorre a fase de apreensão.
5. Em suma, requer o signatário a V. Exa, se digne ordenar o que tiver por conveniente sobre a penhora do veículo, apreensão e venda do mesmo, bem como, ordenar, salvo melhor entendimento, que seja informado pelos executados o paradeiro do veículo para a sua remoção.”
Com tal comunicação juntou um auto de diligência, datado de 23.9.2017, no qual consta: “Nesta data foi efectuada tentativa de apreensão da viatura BMW com a matrícula ..., que se frustrou. O executado informou que a viatura se encontra com a ex-mulher e que a mesma faz parte das partilhas do divórcio litigioso que ainda se encontra a decorrer em tribunal por não chegarem a acordo com as partilhas.”
Este auto encontra-se apenas assinado pelo agente de execução.
10º No processo de inventário para partilha por divórcio, com o nº202/08.1TBBGC, que corre termos no mesmo Tribunal e juízo que a execução (Juízo Local Cível de Bragança - Juiz 2), referido nos factos 7º e 8º, foi proferida sentença homologatória da partilha em 30.5.2016.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

No caso em apreço a recorrente requereu o levantamento da penhora efectuada sobre o veículo automóvel de marca BMW, com a matrícula ..., em 27/12/2010, bem como o cancelamento do seu registo, por terem decorrido mais de 6 meses desde o seu requerimento com vista ao andamento das diligências para a venda do veículo penhorado, sem ter sido efectuada qualquer diligência pertinente quanto ao prosseguimento da execução relativamente a tal bem.

O tribunal “a quo” decidiu indeferir tal requerimento porque, como se afirma na decisão recorrida, “foram realizadas várias diligências pelo Sr. Agente de execução, designadamente uma tentativa de apreensão do aludido veículo que resultou frustrada atenta o constante no respectivo auto de diligência de 23.9.2017 (ref.ª 1077343), sendo certo que ao longo dos autos, foram realizadas várias diligências pelo Sr. Agente de Execução tendentes à realização do pagamento coercivo do crédito exequendo”.

No presente recurso a recorrente sustenta que apenas requereu o levantamento da penhora que incidiu sobre o referido veículo, pelo que “”são absolutamente irrelevantes, para a apreciação da pretensão formulada pela recorrente, quaisquer outras diligências processuais que o agente de execução tenha promovido “tendentes à realização do pagamento coercivo do crédito exequendo

Apreciando.

O actual Código de Processo Civil prevê, no art.º 763º nº 1, como já sucedia no anterior (art.º 847º nº 1), que o executado possa requerer ao agente de execução o levantamento da penhora se, por acto ou omissão, que não seja da sua responsabilidade, não forem efectuadas quaisquer diligências para a realização do pagamento efectivo do crédito nos seis meses anteriores ao requerimento.

Como referem Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo em Acção Executiva Anotada e Comentada, 2017, 2ª edição, págs. 345 e segs., “”a tramitação da acção executiva e os prazos previstos para a execução dos diversos actos estão regulados no CPC, pelo que ao referir-se a “diligências para a realização do pagamento”, o legislador está naturalmente a aludir às que estão legalmente previstas””.

Estabelece o art.º 768.º do CPC que é aplicável à penhora de coisas móveis sujeitas a registo, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 755.º.

Significa isto que, não tendo ocorrido previamente a imobilização do veículo, após a comunicação electrónica a que alude o art.º 755º, procede-se à imobilização do veículo e seguidamente:

a) À apreensão do documento de identificação do veículo, se necessário por autoridade administrativa ou policial, segundo o regime estabelecido em legislação especial;
b) À remoção do veículo, nos termos prescritos em legislação especial, salvo se o agente de execução entender que a remoção é desnecessária para a salvaguarda do bem ou é manifestamente onerosa em relação ao crédito exequendo.

Trata-se ainda de diligências relativas à penhora.

Já as diligências com vista à realização do pagamento são as previstas na secção V “Pagamento” – (artºs 795º e segs.) – embora os autores e obra acima citados as alarguem às que constam dos artºs 786º e segs. do CPC.

Decorridos seis meses sem que tais diligências tenham sido realizadas, “a penhora só não será levantada a requerimento do executado se a execução ou a venda tiverem sido suspensas na decorrência de acto por este praticado ou em que haja intervindo” (…). Em síntese, no caso da execução ter estado “parada” sem a prática de qualquer acto, por prazo superior a seis meses após a realização da penhora, impõe-se que as razões dessa inércia sejam casuisticamente analisadas, procedendo-se ao levantamento da penhora, a não ser que essa circunstância possa de algum modo ser atribuída ao executado (…)” - obra citada.

Ora, da factualidade provada nos autos e que tivemos o cuidado de acima discriminar, ponto por ponto, resulta que ao longo de 8 anos, tempo decorrido após ter sido lavrado o auto da penhora e efectuado o seu registo, nenhuma diligência séria e credível foi efectuada com vista à apreensão efectiva do veículo e à respectiva venda.

Efectivamente, a comunicação de Março de 2018 (facto 7º) – efectuada 11 meses após a própria executada, a quem não cabe o impulso processual, ter requerido ao Agente de Execução a realização das “diligências necessárias para a venda daquele veículo automóvel, nomeadamente, notificando-se as partes para se pronunciarem sobre a modalidade da venda e o valor base do bem, nos termos do art.º 812º, do C.P.C”. (facto 3º) – não demonstra que pelo agente de execução tenha sido efectuada qualquer diligência para a realização do pagamento efectivo do crédito através desse bem penhorado, único que aqui está em causa, pois não é requerido o levantamento das demais penhoras.

Ainda que se conceda que nas “diligências com vista à realização do pagamento” se compreendem outros actos (1), no caso em apreço nem sequer foram realizadas diligências efectivas (e não meras tentativas por contacto telefónico), que ainda se inserem no âmbito da penhora, com vista à apreensão efectiva do veículo.

Mesmo a ser verdade o que consta do auto junto em Março de 2018 pelo agente de execução, mas com data de Setembro de 2017, assim como o executado lhe disse que o veículo se encontrava na posse da executada (factos 5º e 6º), não se compreende que nada tivesse sido feito nesses seis meses que mediaram entre tal auto e a comunicação enviada aos autos.

Efectivamente, a “desculpa” da pendência de processo de inventário para partilha (factos nºs 8 e 10), não passa disso mesmo, uma desculpa para a inércia mantida durante 8 anos, visto que a execução era movida a ambos os cônjuges, não se tendo por isso de aguardar o seu desfecho em ordem a proceder à venda, quer o bem fosse comum, quer fosse próprio do cônjuge a favor de quem figurava no título de registo de propriedade.

Não consta dos autos, no período em questão (seis meses que antecederam o requerimento da ora recorrente), ou noutro, qualquer notificação efectuada a qualquer dos executados para apresentaram o veículo ou informarem onde o mesmo se encontrava.

Nem pedido de apreensão às autoridades.

Também não consta qualquer auto que traduza uma diligência efectiva com vista à apreensão do veículo, pois o auto referido em 8º dos factos provados, além de não traduzir uma diligência efectiva, mas um mero contacto informal, não foi comunicado nessa data ao processo, como impõe a Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto.

A este propósito, no Preâmbulo da referida Portaria diz-se:

«(…) a esteira do caminho que vem sendo trilhado nos últimos anos em matéria de tramitação da ação executiva, mantém-se a obrigatoriedade de utilização do sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução pelos agentes de execução, garantindo-se a máxima transparência na tramitação processual, por força da comunicação automática entre este sistema informático e o sistema informático de suporte à atividade dos tribunais. Aproveita-se esta ocasião para dedicar uma secção específica da presente portaria à tramitação e registo eletrónico da prática de atos pelo agente de execução».
Neste sentido estabelece o art.º 5.º

«Tramitação e registo eletrónico da prática dos atos

1 - O processo executivo é tramitado por via eletrónica, através dos sistemas informáticos de suporte à atividade dos agentes de execução e do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, nos termos previstos na portaria que regula a tramitação eletrónica dos processos judiciais.
2 - Os atos processuais do agente de execução são praticados através do sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução, ficando os mesmos a constar do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.
3 - Os atos que não sejam praticados através do sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução, tais como as diligências externas, são registados no processo, pelo agente de execução, no sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução.
4 - Do registo informático referido no número anterior constam os elementos que permitem identificar o ato, cópia dos documentos respeitantes à efetivação do mesmo e, sendo caso disso, cópia dos documentos que o acompanham.
5 - O sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução e o sistema informático de suporte à atividade dos tribunais asseguram que qualquer ato registado pode ser consultado no histórico eletrónico do processo, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com respeito pelas limitações à publicidade do processo constantes do previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 164.º do Código de Processo Civil.»

Ora, em Setembro de 2017, quando se diz efectuada uma “tentativa de apreensão” do veículo, que, note-se, não é uma diligência de pagamento, nenhuma comunicação foi efectuada ao processo (pelo menos não consta deste apenso, nem dos autos principais, que tivemos o cuidado de consultar) e a comunicação efectuada em Março do ano seguinte, com cópia do dito “auto” apenas assinado pelo A.E. e sem qualquer comprovativo do seu registo nessa data ou em data anterior a Dezembro de 2017, não equivale à que então deveria ser feita e constar do registo informático, a bem da “transparência da tramitação processual”, pondo em causa a credibilidade de tal auto.

De qualquer forma mantemos que tal diligência não se insere nas diligências de pagamento, sendo por isso insusceptível de aproveitar para os efeitos do art.º 763º nº 1 do CPC.
Tal como também não aproveitam ao caso as eventuais diligências, que, ainda que visando o pagamento da quantia exequenda, respeitam à penhora de vencimentos e não à penhora do veículo, pois é com referência a esta que o levantamento foi requerido.

A “ratio” do preceito, ao permitir ao executado reagir contra demoras abusivas no pagamento, seja demora na venda de bem penhorado, seja no pagamento do crédito exequendo pelo respectivo produto, radica em que, por um lado, quanto mais depressa o pagamento for efectuado, menos se avoluma o crédito exequendo com os juros de mora que se vão vencendo e, por outro, especialmente tratando-se de bens móveis, menor é a sua desvalorização.

Privar o executado da posse do veículo automóvel durante oito anos e simultaneamente ver significativamente diminuído o seu valor venal, causa prejuízo ao executado e daí a protecção que esta norma lhe confere.

Pelo exposto acolhemos as conclusões da apelação, impondo-se revogar a decisão recorrida e substituí-la por outra, que deferindo o requerido pela executada ordene o levantamento da penhora registada em 9.12.2010 (facto 2º) sobre o veículo automóvel de marca BMW, com a matrícula ....

V – DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, e, em sua substituição, defere-se o requerido pela executada, ordenando-se o levantamento da penhora registada em 9.12.2010 sobre o veículo automóvel de marca BMW, com a matricula ... e o cancelamento de tal registo. São imputáveis à exequente as custas a que deu causa, nos termos do nº 3 do art.º 763º do CPC
Custas pela apelada.
Guimarães, 31-01-2019

Eva Almeida
Maria Amália Santos
Ana Cristina Duarte
1- José Lebre de Freitas em “A Acção Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7ª edição, pág. 300, em nota de rodapé, estende a previsão da norma a outros actos que constem do processo ou extraprocessuais, desde que deles seja dado conhecimento no processo de execução.“