Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4748/18.5T8LSB.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: CASO JULGADO
IDENTIDADE SUBJECTIVA
IDENTIDADE OBJECTIVA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A aferição da verificação dos requisitos do caso julgado só pode ser feita em concreto, num raciocínio circular e concêntrico que parta dos factos concretos para cada um dos requisitos abstractos da existência do caso julgado (mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir), e destes para a visão de conjunto que permita perceber se poderemos estar a contradizer ou reproduzir uma decisão anterior. E a condição essencial para que a autoridade de caso julgado decorrente de decisão proferida em anterior acção possa funcionar independentemente da verificação do restante condicionalismo de que depende a excepção de caso julgado, é a identidade dos sujeitos.
2. A identidade das partes é incontornável quando o mesmo autor demanda os herdeiros habilitados de quem figurou na primeira acção como réu.
3. Quando o autor intenta várias acções para tentar cobrar a mesma dívida, e vai perdendo todas sucessivamente, e intenta mais uma, mantendo a alegação do mesmo núcleo factual essencial e introduzindo apenas inovações ao nível da construção jurídica, mas fazendo referência na petição inicial às acções anteriores que fracassaram, não tendo alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes, não se pode afirmar que tenha litigado de má-fé.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

J. F. intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra I. S., D. P., M. C., L. P., A. M., A. P., J. M. e M. I., todos na qualidade de herdeiros habilitados de A. R., e subsidiariamente, a Ré A. R. & FILHOS S.A., nos termos do art. 39º CPC, pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 381,50, acrescida de juros de mora à taxa comercial, ou, subsidiariamente, à taxa civil, no valor de € 1.168,52 e € 594,60, respectivamente, desde 22/06/1992, assim como nos juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento; a) quantia de 879,51 €, acrescida de juros de mora à taxa comercial, ou, subsidiariamente, à taxa civil, no valor de € 495,72 e € 266,79, respectivamente, desde 01/08/2010, assim como nos juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento; quantia de 3.000,00 €, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Os Réus apresentaram contestação, impugnado os factos em que o autor sustenta o pedido e excepcionando o caso julgado, e terminam pedindo a condenação do autor em multa e em indemnização a favor dos réus – a liquidar nos termos do artigo 543º,3, CPC, por litigância de má-fé.

Em sede de saneamento dos autos, o Tribunal considerou que era possível naquele momento conhecer do mérito da causa (art. 595º,1,b CPC), pelo que em 17.5.2019 proferiu sentença, na qual decidiu declarar a autoridade de caso julgado da sentença proferida no processo n.º 6942/06.2THLSB, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, 2º Juízo Cível, e em consequência absolveu os Réus da Instância.

Mais condenou o autor como litigante de má-fé em multa que fixou em 8 Ucs e ainda na indemnização, pedida pelo Réus relativa aos honorários do seu mandatário, a ser fixada, oportunamente, de acordo com as regras estabelecidas no artigo 542º,2 CPC.

Posteriormente, em 30.9.2019 o Tribunal proferiu ainda o seguinte despacho:

Referências 2381974, 2384492, 2402612, 2423902 e 2429041:
Determina o artigo 543º, n.º 3, do CPC:

“3. Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que
parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentados pelas partes”.

De acordo com a norma citada, a Lei não define o preciso modo nem a exacta oportunidade processual para o tribunal emitir decisão a fixar o quantum indemnizatório.
Trata-se de um despacho posterior à sentença concretizador e quantificador do montante indemnizatório que deve ser proferido nos próprios autos e, em qualquer caso, ele é sempre um complemento da sentença condenatória, não apresentando a Lei qualquer solução para o momento especifico da sua prolação, logo não assiste qualquer razão ao A. ao afirmar que apenas após o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos, se pode o tribunal pronunciar quanto a tal questão.

Logo após a sentença, os Réus vieram-se pronunciar nos termos do artigo 543º, n.º 3, do CPC, tendo o A. sido notificado para o respectivo exercício do contraditório onde alegou, conforme acima mencionado que tal fixação apenas poderá ser decidida após o trânsito em julgado da sentença, o que nos termos vistos, não lhe assiste razão.
O disposto no artigo 543º do CPC determina que: “1. A indemnização pode consistir: a) No reembolso das despesas a que a má–fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;
b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má-fé.
2. O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a em quantia certa.
3. Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e honorários apresentados pelas partes“.

Os réus apresentaram os valores correspondentes aos honorários a cobrar, juntando para o efeito a respectiva nota de honorários.

Acontece que, conforme resulta do disposto no artigo 543º, do CPC a indemnização fixada apenas consiste no reembolso das despesas efectuadas, nas quais
se incluem os honorários do Advogado, como tal, sendo um reembolso, deverá ser apresentado pela parte o respectivo documento que comprove o pagamento dessas despesas.

Em face do exposto, notifique os Réus, para, em 10 dias, juntarem o documento em causa, para apreciação da respectiva liquidação da indemnização.
Notifique.
Oportunamente, se apreciará o requerimento de interposição de recurso”.

Inconformado com estas decisões, o autor delas interpôs recursos, que foram recebidos como apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo – artigos 644º,1, 644º,2,g, 645º,1,a e 647º,1 CPC.

O recurso interposto contra a sentença termina com as seguintes conclusões:

I. O presente recurso tem por objecto a Douta Sentença de 17.05.2019, a qual, julgando procedente a excepção do caso julgado, absolveu os Réu da instância, tendo igualmente condenado o como litigante de má-fé em multa fixada em 8 Ucs e ainda na indemnização, pedida pelo Réus relativa aos honorários do seu mandatário.
II. No ponto 12 da matéria de facto considerada assente é indicado “Por sentença proferida a 14 de Janeiro de 2013, no âmbito do processo referido em 11), transitada em julgado, foi a sociedade A. R. Lda. absolvida do pedido”.
III. Uma vez que está em causa condenação do Autor por litigância de má-fé em função da existência de caso julgado, e por ser relevante para a boa decisão da causa, deve ser acrescentado à matéria de facto considerada assente que o Autor, no processo referido nos pontos 9 a 12 foi absolvido por Venerando Acórdão da Relação de Lisboa de 21.05.2013 de condenação por litigância de má-fé, conforme certidão junta aos autos a 11.03.2019.
IV. A figura do caso julgado visa garantir o valor da segurança jurídica, relativamente a actos jurisdicionais, no princípio do Estado de Direito, pelo que se trata de um valor constitucionalmente protegido.
V. O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de efeito negativo do caso julgado nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da excepção dilatória julgado regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º.
VI. O efeito positivo do caso julgado consiste na vinculação efeito positivo autoridade do caso lato sensu das partes e do tribunal a uma decisão anterior.
VII. A função positiva do caso julgado mediante a qual a vinculatividade própria do instituto do caso julgado impõe que o objecto da primeira decisão funcione como pressuposto indiscutível da nova decisão de mérito, a proferir na segunda causa, incidente sobre relação jurídica diversa, mas dependente ou condicionada pela anteriormente apreciada, em termos definitivos, pelo tribunal.
VIII. Nos termos do art.º 581.º CPC, repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
IX. Apesar de o juiz dever resolver na sentença todas as questões que as partes tenham suscitado, só constituirá caso julgado a resposta final dada à pretensão concretizada mo pedido e coada através da causa de pedir.
X. Se é certo que a força do caso julgado abrange não só as questões directamente decididas na parte dispositiva da decisão, mas também as preliminares que, decididas expressamente na fundamentação da sentença, constituem antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado a autoridade do caso julgado relativa aos motivos da decisão e às razões de direito da mesma não se estende necessariamente à matéria de facto que a sustenta senão houver repetição da causa nos termos dos arts.º 580.º e 581.º CPC.
XI. A matéria de facto que já foi dada como assente em determinada acção com os mesmos intervenientes não implica que essa mesma matéria tenha de ser considerada assente em acção subsequente.
XII. Os requisitos do caso julgado estão plasmados numa denominada tríplice identidade de sujeitos, de pedido e causa de pedir.
XIII. Nos presentes autos é patente que não existe identidade das partes, nem do pedido, nem da causa de pedir.
XIV. Relativamente à factualidade alegada, estão em causa danos patrimoniais e não patrimoniais.
XV. Sendo o pedido e a causa de pedir conceitos de matriz e função processual, a sua densificação ou concretização, em termos de determinar em concreto cada causa de pedir, só poderá ser feita com base nas normas substantivas aplicáveis à situação litigiosa singular.
XVI. Decorre do efeito positivo que, num novo processo, a parte pode deduzir livremente novos factos que ocorreram num momento em que já não podiam ser introduzidos tempestivamente no processo.
XVII. Enquanto na acção que correu termos sob o n.º 6942/06.2THLSB era invocada a responsabilidade contratual, nos presentes autos o Autor invocou a existência de sub-rogação, com base em o falecido A. R. ter indicado que pagaria a quantia em causa ao Autor assim que, em curto prazo, tivesse decidido quem seria efectivamente a entidade devedora (art.º 20.º da petição inicial).
XVIII. O Tribunal acha-se limitado nos seus poderes de cognição à causa de pedir invocada, não tendo de averiguar da existência de outros factos constitutivos do direito do Autor.
XIX. Ainda que se considere que existe autoridade do caso julgado nos termos definidos na Douta Sentença, não se pode considerar que os pedidos deduzidos pelo Autor levariam a que uma nova apreciação colidisse com a decisão a proferir sobre essa mesma questão, desencadeando uma inútil repetição de pronúncia por parte do poder judicial, abalando a autoridade da decisão já anteriormente proferida e transitada em julgado.
XX. A Douta decisão não indica em que medida uma nova decisão abalaria a autoridade da decisão já anteriormente proferida e transitada em julgado.
XXI. Na presente acção, conforme é indicado no ponto 4 da matéria de facto dada como provada, “…o A, instaurou contra a sociedade A. R. & Filhos, Lda e A. R., em 28 de Setembro de 2006, acção que correu termos sob o n.º 6942/06.2THLSB, nos Juízos de Pequena Instância Cível de Lisboa, pedindo a condenação destes a pagarem ao A. a quantia de € 381,50 acrescida de juros vencidos e vincendos, com fundamento em responsabilidade civil contratual, alegando que o 2º Réu o convidou para acompanhar o processo que havia apresentado junto da comissão ...; o A. antes da aprovação do projecto em causa, consegui adendas e alterações/melhoramentos àquela iniciativa, efectuadas pela empresa X – …, Realização de programas de radio, Lda, que tiveram um custo para o A. de (76.500$00) - € 381,58 e que deveria ter sido suportado pelo R”.
XXII. Nos presentes autos, o Autor intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra I. S., D. P., M. C., L. P., A. M., A. P., J. M. e M. I., pedindo a condenação dos AA. no pagamento da quantidade € 381,50, acrescida de juros de mora à taxa comercial, ou, subsidiariamente, à taxa civil, no valor assim como nos juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento; a) quantia de 879,51 €, acrescida de juros de mora à taxa comercial, ou, subsidiariamente, à taxa civil, no valor de € 495,72 e € 266,79, respectivamente, desde 01/08/2010, assim como nos juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento; quantia de 3.000,00 €, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
XXIII. Não sendo considerada a existência de responsabilidade contratual na sentença da acção que correu termos sob o n.º 6942/06.2THLSB, não é a mesma posta em causa nos presentes autos caso seja considerada a existência de sub-rogação como causa de pedir.
XXIV. O pedido de condenação dos Réus no pagamento de danos não patrimoniais, pela ansiedade e desgaste provocados pela incapacidade de durante todos estes anos, com constantes lides em tribunal em nada colide com a autoridade de caso julgado de todas as decisões que foram proferidas no âmbito dos processos judiciais mencionados na factualidade dada como provada, uma vez que o reconhecimento de tais danos não patrimoniais deriva da demora em se ver ressarcido.
XXV. A Douta Sentença recorrida considera que o Autor deduziu uma acção cuja falta de fundamento legal era do seu conhecimento, desde logo por saber que a questão que suscitou na presente acção, já há muito tinha sido dirimida judicialmente, designadamente no processo n.º 6942/06.2THLSB, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, 2º Juízo Cível.
XXVI. A condenação por litigância de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o fito de impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
XXVII. Ainda que se admita a existência de caso julgado, numa situação em que, note-se, a própria Sentença recorrida admite não haver tríplice identidade entre partes, pedido e causa de pedir, tal não permite aferir que a parte litiga de má-fé.
XXVIII. O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva é um direito fundamental, previsto no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.
XXIX. Não esteve em causa uma situação em que a pretensão do Autor é manifestamente improcedente, tendo sido indicada, na petição inicial, a existência de acções prévias, não tendo sido alterada a verdade dos factos ou sido omitidos factos relevantes.
XXX. O facto de o Autor ter sido condenado como litigante de má-fé no processo n.º 6942/06.2THLSB, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, 2º Juízo Cível, condenação não confirmada em sede de recurso, igualmente não permite aferir existir má-fé nos presentes autos.
XXXI. O Autor havia sido condenado como litigante de má-fé no processo que correu nos extintos juízos de pequena instância cível de Lisboa e autuada com o n.º 1905/11.9TJLSB em sede de primeira instância, tendo sido absolvido por Venerando Acórdão da Relação de Lisboa de 21.05.2013.
XXXII. O Douto Tribunal a quo violou os artigos 547.º, 580.º e 581. do Cód. Proc. Civil.

O recurso interposto contra o despacho posterior à sentença termina com as seguintes conclusões:

I. O presente recurso tem por objecto toda a matéria do Douto despacho de 30.0 9.2019.
II. Os Réus apresentaram requerimento no qual solicitaram que fosse fixado em 1.097,77 € (mil noventa sete euros setenta sete cêntimos) o montante devido por força da litigância de má fé do autor, determinando-se que seja por este efectuado o pagamento directamente ao signatário.
III. O Autor invocou que a matéria do referido requerimento dos Réus só deveria ser objecto de contraditório por parte do Autor após o trânsito em julgado da Douta sentença de 170.05.2019.
IV. Pelo Douto despacho de 30.09.2019, veio o Douto Tribunal a quo considerar que o n.º 3 do art.º 543.º não define o preciso modo nem a exacta oportunidade processual para o tribunal emitir decisão a fixar o montante indemnizatório, sendo um complemento da sentença condenatória, não assistindo qualquer razão ao Autor ao afirmar que apenas após o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos, se pode o tribunal pronunciar quanto a tal questão.
V. O Douto Tribunal a quo determinou notificar os Réus, para, em 10 dias, juntarem o documento que comprove o pagamento das despesas efectuadas, nas quais se incluem os honorários do Advogado, para apreciação da respectiva liquidação da indemnização.
VI. A Douta sentença recorrida condenado o Autor em litigância de má fé, foi objecto de recurso, incluindo da condenação por litigância de má fé.
VII. Nos termos da al.ª f) do n.º 3 do art.º 647.º do CPC, tem efeito suspensivo o recurso da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual.
VIII. Não pode o Douto Tribunal proceder ao previsto no n.º 3 do art.º 543.º devendo a matéria da importância da indemnização ser objecto de contraditório por parte do Autor somente após o trânsito em julgado da decisão.
IX. O Douto Tribunal a quo violou os artigos 543.º, n.º 3 e 647.º, n.º3, al.ª f) do Código de Processo Civil.

I. S. e outros, recorridos, contra-alegaram, terminando com as seguintes conclusões:

A- Quando não há elementos para fixar a indemnização por litigância de má fé logo na sentença, as partes são ouvidas e a indemnização fixa-se depois de haver elementos, conforme o que parecer razoável, não na própria sentença, já se vê, mas em despacho complementar dela;
B- Nada impede que as partes, atento o teor da lei, como que se antecipem e, ainda que não expressamente notificadas, se pronunciem a respeito do quantum indemnizatório;
C- Tendo havido pronúncia das partes a respeito, e havendo já elementos para arbitrar indemnização, deveria a douta sentença, em despacho complementar, ter fixado indemnização a favor dos réus, tomando posição quanto a esta concreta questão, que lhe foi expressamente submetida;
D- Abstendo-se de arbitrar a indemnização a pagar pelo autor, por litigância de má fé, a favor dos réus, violou a douta sentença o disposto nos arts. 543º.-3 e 615º.-1 d) CPC, pelo que é nula, como tal devendo ser declarada, com as legais consequências.

Mas os recorridos vêm ainda, ampliando o âmbito do recurso, arguir a nulidade da sentença (art. 636º,2 CPC).

Afirmam:

“A douta sentença a quo condenou o autor “na indemnização, pedida pelos réus, relativa aos honorários do seu mandatário, sendo certo que os autos não fornecem elementos para fixar desde já, devendo a mesma vir a ser fixada oportunamente, de acordo com as regras estabelecidas no artigo 542º.-2 do CPC”. [Cremos que a menção do art. 542º.-2 CPC terá sido mero lapso – não estabelece quaisquer regras -, antes parecendo adequado à situação o previsto no art. 543º.-3 CPC.] A douta sentença recorrida arbitrou, no entanto, a multa a suportar pelo autor, fixando-a em 8 UC’s, sendo patente, dos termos dela, antes transcritos que, houvesse elementos para fixar a indemnização a favor dos réus, tê-la-ia fixado também. Quer dizer: a sentença é o local próprio para fixar multa e indemnização por litigância de má fé, desde que haja elementos para arbitrar uma e outra e, quanto à última, se for pedida – art. 542º.-1 CPC.

Se não houver elementos para se fixar “logo” na sentença a indemnização, não se fixa “logo”; ouvem-se as partes e “fixa-se depois” – art. 543º.-3 CPC. Fixa-se depois de haver elementos que permitam fixar, não depois do trânsito.
Claro que não se pode fixar na sentença, já prolatada, mas pode fixar-se em despacho complementar. Ponto é que passe a haver elementos que permitam a fixação.

Por isso que, embora não determinada na sentença, expressamente, a notificação das partes para se pronunciarem acerca da liquidação da indemnização, os réus logo se pronunciaram – tendo em conta a redacção do art. 543º,3 CPC-, em requerimento de 28.05.2019, requerendo, e justificando, a fixação da indemnização no montante de 1.097,77 €.

O autor não respondeu à substância do requerimento (isto é, não impugnou o montante sugerido para a indemnização a fixar), alegando apenas, em requerimento de 29.05.2019, que o contraditório, quanto àquele, só deveria ser exercido “após o trânsito em julgado”.

Insistiram os réus, pugnando pela fixação da indemnização na sentença (isto é, em despacho complementar desta), em requerimento de 13.06.2019. Apesar destes requerimentos, isto é, das posições expressas por autor e réus, e de já haver a possibilidade de fixar o montante indemnizatório a arbitrar a favor dos réus, a Mma Juiz não mais se pronunciou o que configura, com o maior respeito, a nulidade do art. 615º.-1- d) CPC.

E, quanto ao despacho de 30.9.32019:

I. Insurge-se o recorrente contra o facto de o douto despacho de 30.09.2019 estar a apreciar, já, o montante indemnizatório a fixar por força da condenação do autor como litigante de má fé, em vez de o fazer só após o trânsito da sentença condenatória.

Sem qualquer razão.

O autor recorreu da douta sentença já proferida, mas não recorreu da oportunidade da decisão que o condenou, por litigância de má fé, quer na multa de 8 unidades de conta, quer na indemnização a favor dos recorridos, o que significa que aceitou a fixação, logo na sentença, de tais penalidades.
Não se vê motivo para que “tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir” – art. 542º.-1 CPC – não sejam, multa e indemnização, fixadas logo na sentença.
Era o que se propunha fazer a douta sentença recorrida.

II. Explicou, no entanto, a sentença, que a indemnização - “relativa aos honorários do (...) mandatário” - seria, por carência de elementos à data da decisão, fixada oportunamente tal como, aliás, os réus pediram [... condenação do autor “em multa e em indemnização a favor dos réus, a liquidar nos termos do art. 543º.-3 CPC, visto não ser ainda possível apurar dos honorários do mandatário”]. Nenhuma ilegalidade, pois.

III. O recorrente está, também, equivocado quanto ao efeito do recurso. O que resulta das disposições, conjugadas, dos arts. 644º.-2 e) e 647º.-3 e) CPC, é terem efeito suspensivo as decisões que cominem uma sanção processual.
Mas o que está, agora, a ser apreciado – e foi objecto do douto despacho recorrido – é a liquidação da sanção, não a própria sanção.
O presente recurso só poderá ser admitido, pois, no efeito devolutivo.

IV. Termos em que, não podendo ser assacado qualquer vício ao douto despacho recorrido, deve o mesmo ser mantido nos seus precisos termos fixando-se, por outro lado, o efeito devolutivo ao presente recurso, como tudo é de Direito e Justiça.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir são:

a) verifica-se uma situação de caso julgado ?
b) é correcta a condenação do autor como litigante de má-fé ?
c) podia o Tribunal a quo determinar a notificação dos réus para se pronunciarem sobre a indemnização devida pelo autor como litigante de má fé antes do trânsito em julgado da decisão ?

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1- O falecido A. R., de que os Réus são co-herdeiros, era sócio-gerente da sociedade A. R. & Filhos, Lda, a qual se dedicava e dedica à comercialização de materiais para construção, possuindo actualmente a denominação de A. R. & Filhos, S.A.
2- No processo n.º 6459/94, do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, o A. instaurou acção contra a sociedade Casa P., A. R. & Filhos, Lda, no âmbito da qual peticionou o pagamento da quantia de 120.000$00, fundamentando tal pedido no facto de em Julho de 1991, o R. o ter contactado e solicitado que este lhe coordenasse o processo que tinha entregue junto da comissão ... e em Agosto de 1991 o R. tinha um débito para com o A. no valor de 76.500$00 (€ 381,50), relativos a despesas de comunicação, transportes e refeições.
3- No processo referido em 2), foi proferida sentença, em 03 de Abril de 1995, que transitou em julgado, no âmbito da qual a acção foi julgada improcedente e não provada, com a absolvição da Ré do pedido.
4- Posteriormente, o A, instaurou contra a sociedade A. R. & Filhos, Lda e A. R., em 28 de Setembro de 2006, acção que correu termos sob o n.º 6942/06.2THLSB, nos Juízos de Pequena Instância Cível de Lisboa, pedindo a condenação destes a pagarem ao A. a quantia de € 381,50 acrescida de juros vencidos e vincendos, com fundamento em responsabilidade civil contratual, alegando que o 2º Réu o convidou para acompanhar o processo que havia apresentado junto da comissão ...; o A. antes da aprovação do projecto em causa, conseguiu adendas e alterações/melhoramentos àquela iniciativa, efectuadas pela empresa X – ..., Realização de programas de radio, Lda, que tiveram um custo para o A. de (76.500$00) - € 381,58 e que deveria ter sido suportado pelo R.
5- No processo mencionado em 4), já no Tribunal Judicial de Viana do Castelo, 2º Juízo Cível, por decisão proferida em 26.02.2008, transitada em julgado, foi julgada procedente a excepção dilatória de caso julgado, absolvendo a Ré A. R. & Filhos, Lda da instância e prosseguindo os autos relativamente ao R. A. R..
6- No processo mencionado em 4), foi proferida sentença, já transitada em julgado, no âmbito da qual foi julgado improcedente o pedido formulado pelo A. relativamente ao R. A. R., absolvendo-o do pedido e condenando o A. como litigante de má-fé em multa no valor de 4 Ucs e de indemnização ao R. no valor de 3 Ucs.
7- Em 1 de Junho de 2010, por entretanto ter falecido o referido A. R., os aqui Réus intentaram acção executiva contra o Autor, a fim de obter o pagamento da indemnização referida em 6), a qual correu por apenso à acção principal sob o n.º 6942/06.2THLSB-B.
8- No âmbito da referida acção foi penhorada a pensão que o Autor aufere do Centro Nacional de Pensões, no montante de 879,51 euros, procedendo-se à dedução mensal de 294,78 euros no início do mês de Agosto de 2010, tendo perfazido o valor total em Outubro de 2010.
9- O A. intentou nova acção contra A. R. e Filhos SA, nova denominação da Casa P., A. R. e Filhos Lda., a qual foi distribuída nos extintos juízos de pequena instância cível de Lisboa, mais precisamente, no 3.º juízo e autuada com o n.º 1905/11.9TJLSB.
10- Esta acção contra a sociedade A. R. e Filhos SA. ocorreu sob a forma de acção declarativa de condenação na conformidade de processo comum sumário, para pagamento com fundamento em enriquecimento sem causa.
11- Na acção intentada era pedida a condenação da A. R. e Filhos Lda a pagar ao Autor a quantia de 381,50 euros acrescidos de 970 euros de juros de mora, à taxa comercial, que se venceram desde a data em que o Autor pagou esse montante (31 de Agosto de 1991), assim como os juros de mora, à taxa comercial, que se vencessem até ao efectivo e integral pagamento da referida quantia e, subsidiariamente: a) condenação da A. R. e Filhos Lda. a pagar ao Autor a quantia de 381,50 euros acrescidos de 914,50 euros de juros de mora, à taxa comercial, que se venceram desde a data em que o Autor enviou a primeira carta (22 de Junho de 1992) a solicitar a restituição desse montante até ao momento de propositura da acção, assim como os juros de mora, à taxa comercial, que se vencessem até ao efectivo e integral pagamento da referida quantia e, subsidiariamente, b) condenação da A. R. e Filhos Lda. a pagar ao Autor a quantia de 381,50 euros acrescidos de 605,20 euros de juros de mora, à taxa civil, que se venceram desde a data em que o Autor pagou esse montante (31 de Agosto de 1991) até ao momento de propositura da acção, assim como os juros de mora, à taxa civil, que se vencessem até ao efectivo e integral pagamento da referida quantia e, subsidiariamente, c) condenação da A. R. e Filhos Lda. a pagar ao Autor a quantia de 381,50 euros acrescidos de 558,90 euros de juros de mora, à taxa civil, que se venceram desde a data em que o Autor enviou a primeira carta (22 de Junho de 1992) a solicitar a restituição desse montante até ao momento de propositura da acção, assim como os juros de mora, à taxa comercial, que se vencessem até ao efectivo e integral pagamento da referida quantia e, subsidiariamente, d) condenação da A. R. e Filhos Lda a restituir ao Autor a quantia de 381,58 euros, acrescidos de 268,50 euros (num total de 650,08 euros) de actualização desse montante em decorrência da sua desvalorização resultante da inflação que se verificou desde a data em que o Autor pagou esse montante (31 de Agosto de 1991) até ao momento da propositura da acção e, cumulativamente, e) a condenação da A. R. e Filhos, Lda. a pagar ao Autor os juros de mora (à taxa comercial ou, subsidiariamente, à taxa civil) que se vencessem sobre o montante peticionado (650, 08 euros) desde a citação da referida sociedade até ao efectivo e integral pagamento, cumulativamente com qualquer dos pedidos anteriores; f) condenar a A. R. e Filhos Lda. a pagar ao Autor 879,51 euros referente a despesas em que o Autor incorreu na tentativa de cobrança do montante peticionado e que o mesmo não teria suportado tivesse a referida sociedade pago o referido montante quando para tal foi interpelada pelo Autor, acrescidos de juros de mora (à taxa comercial ou, subsidiariamente, à taxa civil) que se venceram desde a penhora do referido valor (o que perfaz o montante de 76,10 euros – à taxa comercial – ou de 38 euros – à taxa civil), num total de 955,61 (até ao momento da propositura da acção) e que se vencessem na pendência da referida acção.
12- Por sentença proferida a 14 de Janeiro de 2013, no âmbito do processo referido em 11), transitada em julgado, foi a sociedade A. R. Lda absolvida do pedido.

IV
Conhecendo do recurso.

A. O recorrente não impugna o julgamento da matéria de facto, com excepção de um pequeno pormenor, o de entender que, uma vez que está em causa condenação do Autor por litigância de má-fé em função da existência de caso julgado, e por ser relevante para a boa decisão da causa, deve ser acrescentado à matéria de facto considerada assente que o Autor, no processo referido nos pontos 9 a 12 foi absolvido por Venerando Acórdão da Relação de Lisboa de 21.05.2013 da condenação por litigância de má-fé, conforme certidão junta aos autos a 11.03.2019.

Com efeito, resulta das certidões juntas aos autos, que no P. 1905/11.9TJLSB do 3º Juízo da Pequena Instância Cível de Lisboa, em que a ré A. R. e Filhos, SA foi absolvida do pedido formulado pelo autor J. F., o autor foi ainda, por decisão da primeira instância de 4/2/2013, condenado como litigante de má-fé, em multa fixada em € 1.500,00, e ainda condenado a pagar uma indemnização à ré no valor de € 2.000,00. E resulta ainda que, por Acórdão do TRL de 21.5.2013, transitado em julgado, foi o autor absolvido dessa condenação por litigância de má-fé.

Mas vale a pena reproduzir aqui algumas das considerações finais desse Acórdão: “parece não sofrer dúvida que a quantia peticionada nos diversos processos acima referidos é a mesma. No entanto, o autor, depois de não lograr provar o fundamento das anteriores acções alicerçado em negócio celebrado com a ré, acabou por tentar a última oportunidade de sustentar a dívida no fundamento no instituto subsidiário do enriquecimento sem causa, alegando ter pago a terceiros a pretensa dívida que imputa à responsabilidade da ora ré. Só que não fez prova do novo fundamento introduzido nesta acção, como seja a existência de relação contratual entre a ré e o referido terceiro nem que as despesas que pagou tivessem sido feitas no âmbito de serviço prestado à ré e que esta devesse suportar. (…) É certo que, no âmbito das acções precedentes, o autor bateu-se pelo pagamento da mesma dívida, mas equacionando-a no quadro das relações negociais com a própria ré, o que não logrou provar. Ao tentar agora, fazê-lo em sede de enriquecimento sem causa, tendo feita expressa referência ao fracasso das anteriores acções, não vemos que tenha agido com dolo ou negligência grosseira, tanto mais que o resultado probatório negativo se inscreveu ainda no quadro de contingência da prova testemunhal produzida e em face do ónus probatório que sobre ele recaía, ainda que se reconheça que assumiu um elevado risco quanto à eventual procedência da acção”.

Assim, vamos dar razão ao recorrente, e acrescentar um 13º ponto à lista dos factos provados, com o seguinte teor:

13. No âmbito do processo referido em 9 a 12 o autor foi ainda, por decisão da primeira instância de 4/2/2013, condenado como litigante de má-fé, em multa fixada em € 1.500,00, e ainda condenado a pagar uma indemnização à ré no valor de € 2.000,00, sendo que, por Acórdão do TRL de 21.5.2013, transitado em julgado, foi o autor absolvido dessa condenação por litigância de má-fé. Nesse acórdão pode ler-se, entre o demais: “parece não sofrer dúvida que a quantia peticionada nos diversos processos acima referidos é a mesma. No entanto, o autor, depois de não lograr provar o fundamento das anteriores acções alicerçado em negócio celebrado com a ré, acabou por tentar a última oportunidade de sustentar a dívida no fundamento no instituto subsidiário do enriquecimento sem causa, alegando ter pago a terceiros a pretensa dívida que imputa à responsabilidade da ora ré. Só que não fez prova do novo fundamento introduzido nesta acção, como seja a existência de relação contratual entre a ré e o referido terceiro nem que as despesas que pagou tivessem sido feitas no âmbito de serviço prestado à ré e que esta devesse suportar. (…) É certo que, no âmbito das acções precedentes, o autor bateu-se pelo pagamento da mesma dívida, mas equacionando-a no quadro das relações negociais com a própria ré, o que não logrou provar. Ao tentar agora, fazê-lo em sede de enriquecimento sem causa, tendo feita expressa referência ao fracasso das anteriores acções, não vemos que tenha agido com dolo ou negligência grosseira, tanto mais que o resultado probatório negativo se inscreveu ainda no quadro de contingência da prova testemunhal produzida e em face do ónus probatório que sobre ele recaía, ainda que se reconheça que assumiu um elevado risco quanto à eventual procedência da acção”.

B. Fixada assim definitivamente a matéria de facto provada, vamos entrar na substância do recurso, que é a figura do caso julgado.

Não deve ser fácil encontrar nos Tribunais Portugueses um caso mais flagrante de caso julgado.

Vejamos porquê.

Nada como ir buscar auxílio aos clássicos. Ensinava Alberto dos Reis, in CPC anotado, anotação ao art. 672º, que “com o trânsito da sentença em julgado, facto processual definido no § único do art. 677º, produz-se este fenómeno: a formação do caso julgado. O art. 671º propõe-se determinar a autoridade e o valor desta formação. E determina-os assim: a decisão proferida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele. Se confrontarmos este ditame com o que se lê no art. 672º, ficamos logo advertidos de que a decisão transitada em julgado nem sempre tem o mesmo valor ou a mesma eficácia: ao passo que o art. 671º fala de força obrigatória dentro do processo e fora dele, o art. 672º só atribui à decisão força obrigatória dentro do processo.
Estamos pois em presença de duas figuras diferentes, de duas realidades perfeitamente distintas. À que o art. 671º considera dá-se o nome de caso julgado material ou substancial: à que o art. 672º desenha cabe a designação de caso julgado formal ou processual. Quando é que o caso julgado reveste a primeira ou a segunda modalidade? A aproximação dos dois artigos habilita a dar a resposta. Se a decisão recai unicamente sobre a relação jurídica processual, temos o caso julgado formal. Se recai sobre o mérito da causa, e portanto sobre a relação jurídica substancial, temos o caso julgado material”.
O conceito de caso julgado emerge actualmente dos arts. 580º e 581º CPC.
No primeiro pode ler-se que “1 - As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado. 2 - Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.
E o art. 581º dispõe que: “1 - Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico…”.

Com particular clareza escreve Lebre de Freitas em anotação ao art. 580º CPC o seguinte: “não faria, efectivamente sentido que, proferida e transitada em julgado uma decisão, o tribunal (o mesmo ou outro), fora dos casos excepcionais em que tal é permitido (recurso extraordinário de revisão, e na actual -embora estranha- configuração da lei, recurso para uniformização da jurisprudência: arts. 696º e 698º-1), fosse de novo ocupar-se, perante as mesmas partes, do mesmo objecto, reapreciando-o, quer para reproduzir a decisão anterior (o que seria inútil), quer para a contradizer, decidindo diversamente (o que desfaria a sua eficácia). Havendo já caso julgado, a decisão, que o nº 2 proíbe de reproduzir ou contradizer, está já adquirida: quando há ainda mera litispendência, trata-se de evitar que duas decisões sejam proferidas ou que se tenha de aguardar o momento em que a decisão seja proferida e transite numa das causas para que a outra seja impedida de prosseguir(1).”

Como escrevem Abrantes Geraldes e outros (CPC anotado, vol. I, anotação ao art. 580º), “a litispendência e o caso julgado são pressupostos processuais de índole negativa, na medida em que a sua verificação gera uma excepção dilatória e conduz à absolvição da instância (arts. 278º,1,e, e 577º,i)”.

A decisão recorrida não julgou verificada a excepção de caso julgado. O que ela fez, nos seus literais termos, foi declarar a autoridade de caso julgado da sentença proferida no processo n.º 6942/06.2THLSB, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, 2º Juízo Cível, e em consequência absolver os Réus da Instância.

Não desconhecemos que, como acrescentam os mesmos autores acabados de citar, “vem surgindo com alguma frequência em arestos dos diversos tribunais o recurso à figura da “autoridade do caso julgado” (ou efeito positivo do caso julgado), com vista a extrair de algumas decisões o mesmo efeito impeditivo que emerge da verificação da excepção dilatória de caso julgado.

Vejamos melhor. Sobre o valor da sentença transitada em julgado rege o art. 619º,1 CPC, que dispõe: “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º”.

A força obrigatória que este artigo impõe é balizada, nos termos do mesmo segmento normativo, pelos limites fixados pelos artigos 580º e 581º. Ou seja, somos sempre reconduzidos para a necessidade de estar perante os mesmos sujeitos, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir.

Ora, como referem ainda os mesmos Autores supra citados, em anotação a este artigo, “o preceito trata do caso julgado material, isto é, daquele que se constitui sobre uma sentença ou despacho saneador que aprecie o mérito da causa, dele emergindo não apenas a eficácia intraprocessual, mas ainda a extraprocessual. A sua aparente singeleza oculta, porém, numerosas dificuldades de integração que deverão ser resolvidas com apelo a outros preceitos ou por via da interpretação e integração, com recurso à jurisprudência e à doutrina”.

Concordamos integralmente. A referida aparente singeleza, que se manifesta na leitura em abstracto da norma, dá lugar a enormes dificuldades quando nos deparamos com certos casos concretos.

Pensamos que a melhor ajuda para aplicar devidamente este regime aos casos concretos pode vir do art. 580º CPC: depois de, no nº 1, explicar em que consistem as excepções de litispendência e de caso julgado, o nº 2 põe o dedo na ferida: “tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.

Essa aferição só pode ser feita em concreto, num raciocínio circular e concêntrico que parta dos factos concretos para cada um dos requisitos abstractos da existência do caso julgado (mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir), e destes para a visão de conjunto que permita perceber se poderemos estar a contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.

E sem nunca esquecer, ainda de acordo com o que aqueles Autores escrevem, que a condição essencial para que a autoridade de caso julgado decorrente de decisão proferida em anterior acção possa funcionar independentemente da verificação do restante condicionalismo de que depende a excepção de caso julgado, é a identidade dos sujeitos.

Mas aqui chegados, e deixando agora por uns momentos de lado os bisturis jurídicos como os conceitos de “sujeitos”, “pedido” e “causa de pedir”, da leitura da matéria de facto provada é mais que óbvio que o autor está desde 1994 a tentar cobrar a mesma dívida. Sem êxito. Como aliás já se adiantou no Acórdão do TRL de 21.5.2013, em excerto supra reproduzido.

Começou com o processo nº 6459/94, do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, em que demandou Casa P., A. R. & Filhos, Lda, para obter a condenação desta no pagamento da quantia de 120.000$00, e em que alegava que em Julho de 1991, o réu o contactou e solicitou-lhe que este lhe coordenasse o processo que tinha entregue junto da comissão ... e que em Agosto de 1991 o réu tinha um débito para com o autor no valor de 76.500$00 (€ 381,50), relativos a despesas de comunicação, transportes e refeições. Neste processo a ré foi absolvida do pedido

Depois o autor voltou à carga com o processo nº 6942/06.2THLSB, que correu termos no Tribunal Judicial de Viana do Castelo, no qual demanda A. R. & Filhos, Lda e A. R., pedindo a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de € 381,50 acrescida de juros vencidos e vincendos. Alega em síntese que o 2º Réu o convidou para acompanhar o processo que havia apresentado junto da comissão ...; que ele autor, antes da aprovação do projecto em causa, conseguiu adendas e alterações e melhoramentos àquela iniciativa, efectuadas pela empresa X – ..., Realização de programas de radio, Lda, que tiveram um custo para si de (76.500$00) - € 381,58 e que deveria ter sido suportado pelo réu. Neste processo, por decisão proferida em 26.02.2008, transitada em julgado, foi julgada procedente a excepção dilatória de caso julgado, com a decorrente absolvição da Ré A. R. & Filhos, Lda da instância, e foi julgado improcedente o pedido formulado contra o réu A. R., absolvendo-o do pedido. De notar que o autor foi condenado como litigante de má-fé em multa no valor de 4 Ucs e de indemnização ao réu no valor de 3 Ucs.

Sempre inconformado, o autor instaura outra acção para cobrar a mesma dívida. Desta feita, foi o processo nº 1905/11.9TJLSB, intentado contra A. R. e Filhos SA (nova denominação da Casa P., A. R. e Filhos Lda), a qual foi distribuída no 3.º juízo dos extintos juízos de pequena instância cível de Lisboa. Aqui pedia a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 381,50 euros acrescida de juros de mora, mas, mudando de estratégia jurídica, abandonou a causa de pedir contratual e veio antes invocar o instituto do enriquecimento sem causa. Sem sucesso, pois por sentença proferida a 14 de Janeiro de 2013 e transitada em julgado, foi a ré absolvida do pedido.

Finalmente, intentou a presente acção, em 28.2.2018.

Dito isto, voltemos ao bisturi.

Afirma-se na sentença recorrida que não existe identidade das partes nem do pedido entre a presente acção e a que correu termos sob o nº 6942/06.2THLSB.
E daí, conclui o Tribunal, a violação do caso julgado não constitui excepção dilatória.
Não podemos concordar.
Desde logo, a identidade das partes é incontornável.
O autor J. F. é o mesmo.
Os réus, na presente acção, são os herdeiros habilitados de A. R., e subsidiariamente, a Ré A. R. & FILHOS S.A. No processo 6942/06.2THLSB do lado passivo estavam A. R. & Filhos, Lda e o próprio A. R..

Se bem recordarmos, o que diz a lei neste particular (art. 581º,1 CPC) é que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. Para perceber o que esta formulação significa basta ler o que escrevem Abrantes Geraldes e outros in Código de Processo Civil anotado: “a identidade de sujeitos não supõe a mera identidade física ou nominal, verificando-se ainda quando as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, ou seja, não apenas aquelas que intervieram formalmente no processo, mas ainda, designadamente, aquelas que assumiram mortis causa ou inter vivos, a posição jurídica de quem foi parte na causa depois de a sentença ter sido proferida e transitado em julgado”. E mais adiante: “também ocorre a identidade de sujeitos quando os mesmos são portadores do mesmo interesse substancial quanto à relação jurídica em causa (STJ 9-7-15, 896/09)”. E citando o acórdão do STJ de 22.2.2015 (P. 915/09), “para averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a critérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte, concretamente actuou e actua no processo”.

Com esta compreensão ampla do conceito de identidade dos sujeitos, é para nós evidente que se verifica a requerida identidade. Agora são demandados os herdeiros de A. R., da mesma forma que na acção anterior foram demandados A. R. & Filhos, Lda e o próprio A. R.. E são demandados porque o autor está insistentemente a tentar cobrar a mesma dívida. E isso vê-se através da análise dos dois pedidos, que corporizam exactamente a mesma pretensão: cobrar a quantia de € 381,50 acrescida de juros vencidos e vincendos.

A identidade dos pedidos afere-se pela circunstância de em ambas as acções se pretender obter o mesmo efeito prático-jurídico, não sendo de exigir uma adequação integral das pretensões (Abrantes Geraldes e outros, ob. cit, anotação 5 ao art. 581º).

A identidade de pedidos pode ser apenas parcial, e mesmo assim ser suficiente para que se considere verificada a excepção de caso julgado, como os mesmos autores explicam logo a seguir.

É exactamente o que se passa neste caso, em que o efeito prático/jurídico que o autor pretende é sempre o mesmo: ser reembolsado da quantia que alegadamente desembolsou a pedido do réu/ré, e respectivos juros de mora. Este o núcleo central do pedido que se pode ver em todas as acções supra referidas.

E igualmente existe identidade de causa de pedir. Salvo o devido respeito, não vamos complicar o que é simples. De acordo com o artigo 581º,4 CPC, “há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Ora, se bem observarmos, o relato que o autor faz nestes autos da relação contratual que estabeleceu com A. R., e a forma como desembolsou a quantia monetária que agora pede, é a mesma que ele relata no processo 6942/06.2THLSB. Só por aí já podemos concluir que existe identidade de causas de pedir, ou dizendo de forma simples, que nos dois processos mencionados estamos perante o mesmo litígio, emergente do mesmo facto histórico ocorrido na mesma data, e que pode ser apresentado com pequenas divergências de roupagem, mas que não permitem esconder que é o mesmo evento histórico que é trazido nas duas acções.

Mas vejamos com mais detalhe.

O conceito de causa de pedir pode ser visto na sua vertente fáctica ou na sua vertente jurídica. A primeira engloba os factos concretos e objectivos, do mundo do ser, que estão previstos nas normas jurídicas como desencadeadores de efeitos jurídicos que a parte pretende. A segunda abrange o conjunto de normas jurídicas que, apoiadas no material fáctico provado pela parte, produzem o efeito jurídico pretendido.

Ora, entre estas duas vertentes, a mais importante é sem sombra de dúvida a fáctica. Isto porque, nos termos do art. 5º,1 CPC, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas. Já quanto à vertente jurídica, dispõe o nº 3 do mesmo artigo que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.

Mas mais uma vez, como quase sempre acontece no Direito, porque estamos perante questão extremamente complexa, em que a própria distinção entre matéria de facto e matéria de direito não é cristalina, sendo a fronteira entre as duas difusa, a mesma não deve ser vista apenas em abstracto, mas sobretudo no concreto (2).

Ciente desta regra, decidiu o STJ no seu acórdão de 14.12.2016 que “a identidade e individualidade da causa de pedir tem de aferir-se em função de uma comparação entre o núcleo essencial de cada uma delas, não sendo afectada tal identidade, nem por via da alteração da qualificação jurídica dos factos concretos em que se fundamenta a pretensão, nem por qualquer alteração ou ampliação factual que não afecte o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as acções, nem pela invocação na primeira acção de determinada factualidade, perspectivada como meramente instrumental ou concretizadora dos factos essenciais”.

Assim, qual o núcleo essencial da alegação que o autor apresentou na acção que correu termos sob o processo nº P. 6942/06.2THLSB, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo ? Foi, em síntese, a alegação que em 1991 o 2º Réu (A. R.) o convidou para acompanhar o processo que havia apresentado junto da comissão ...; o A. antes da aprovação do projecto em causa, conseguiu adendas e alterações e melhoramentos àquela iniciativa, efectuadas pela empresa X – ..., Realização de programas de radio, Lda, que tiveram um custo para o A. de (76.500$00) - € 381,58 e que deveria ter sido suportado pelo R.

E na presente acção ?

Também em síntese, alega que o falecido A. R., de que os Réus são co-herdeiros, era sócio-gerente da Sociedade A. R. & Filhos Lda. Em Julho de 1991, o falecido A. R. convidou o Autor para com ele celebrar um contrato de prestação de serviços, pelo qual o autor faria o acompanhamento de um processo que a referida sociedade estava a diligenciar junto da Comissão Nacional do Programa … de tal forma que pudesse providenciar tecnicamente as alterações que fossem necessárias no mesmo. O Autor, como profissional liberal, aceitou o convite para analisar o projecto, verificando a viabilidade e o interesse do mesmo. O Autor, aquando de uma das reuniões que teve com o falecido A. R. no seu escritório sito na Avenida … em Queluz, alertou o falecido A. R. para adendas necessárias a acrescentar ao processo, disso informando o falecido A. R.. O Autor acabou por indicar ao falecido A. R. a empresa ..., para as implementar. Esta cobrou ao falecido A. R. o valor de 76.500$00 (381,50 euros), a título de despesas diversas efectuadas no período entre 1 e 20 de Agosto de 1991 pela .... O falecido A. R. pediu ao autor o favor de liquidar, em numerário, tal dívida por ele, A. R., contraída, que ele depois reembolsaria o autor. Este acedeu, e no dia 31 de Agosto de 1991 pagou, na sede, em Lisboa, da ..., o valor em dívida, assumido e contraído pelo falecido A. R..

Não é preciso mais para extrair a conclusão que estamos nos dois casos perante o mesmo núcleo essencial de factos. E logo, perante a mesma causa de pedir. De tal forma que se o Tribunal recorrido tivesse analisado a pretensão do autor, ficaria colocado numa situação insustentável: ou estaria a desdizer o que já outro Tribunal decidiu com trânsito em julgado, ou estaria a produzir outra sentença idêntica a uma anterior igualmente transitada. Nem uma hipótese nem outra são aceitáveis.

Daí, a excepção de caso julgado, que se verifica em pleno aqui.

A argumentação do recorrente passa por afirmar que nos presentes autos é patente que não existe identidade das partes, nem do pedido, nem da causa de pedir.
Porém, acabámos de ver que é justamente o oposto. A alteração da qualificação jurídica que o recorrente brande como argumento para fugir ao caso julgado não colhe manifestamente, pois como vimos, perante o mesmo núcleo essencial de factos o Tribunal tem liberdade de escolher as normas jurídicas que entender mais adequadas para atingir o efeito jurídico pretendido pela parte.
E não se diga que o pedido de condenação dos réus no pagamento de danos não patrimoniais afasta a identidade necessária para a verificação do caso julgado, pois esse pedido, além de aparentemente ser uma consequência ainda do mesmo núcleo de factos já alegados e apreciados, não faz qualquer sentido. De acordo com o que ficou provado, todas as decisões proferidas pelos Tribunais negaram razão ao autor e deram razão aos réus. Se todas elas estão erradas, e desses erros emergiram danos não patrimoniais, então quem deveria indemnizar o autor seria o Estado Português, e não os réus.
Sem necessidade de mais considerandos, verifica-se aqui uma nítida identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir. Estamos assim perante a excepção de caso julgado, e não de autoridade de caso julgado (como se afirma na sentença recorrida). Mas a consequência dessa excepção é a mesma: a absolvição dos réus da instância, que foi o que a sentença recorrida fez. Pelo que assim se confirma a mesma.

Esta parte do recurso improcede.

C. Litigância de má-fé

O autor não concorda com a decisão que o condenou como litigante de má fé. Em síntese, afirma que a condenação por litigância de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o fito de impedir ou a entorpecer a acção da justiça. E ainda que se admita a existência de caso julgado, numa situação em que, note-se, a própria Sentença recorrida admite não haver tríplice identidade entre partes, pedido e causa de pedir, tal não permite aferir que a parte litiga de má-fé. Não esteve em causa uma situação em que a pretensão do Autor é manifestamente improcedente, tendo sido indicada, na petição inicial, a existência de acções prévias, não tendo sido alterada a verdade dos factos ou sido omitidos factos relevantes.

A sentença recorrida entendeu diferentemente, por considerar que o Autor, ao assumir o comportamento processual constante dos autos, deduzindo uma acção cuja falta de fundamento legal era do seu conhecimento, desde logo por saber que a questão que suscitou na presente acção, já há muito tinha sido dirimida judicialmente, designadamente no processo n.º 6942/06.2THLSB, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, 2º Juízo Cível, alegando ainda danos que resultam de decisões judiciais em que o mesmo foi condenado, ou que resultam da sua própria actuação e não de qualquer ilicitude de terceiros, persistindo em não acatar as decisões judiciais que lhe são desfavoráveis, mesmo já tendo sido condenado como litigante de má-fé; actuou, assim, com manifesta má-fé.

Podemos considerar que ao intentar esta acção, nos termos em que o fez, depois das outras que já findaram, o autor litigou de má-fé ?

Vamos por partes.

O que é litigar de má-fé ?

Consagra o Código de Processo Civil, no seu artigo 8º que as partes devem agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior (princípio da boa fé).
Com efeito, não obstante a lei atribuir aos sujeitos processuais o direito de solicitar ao tribunal uma determinada pretensão, esta deve ser apoiada em factos e razões de direito de cuja razão esteja razoavelmente convencido, sob pena de haver lugar à responsabilização daqueles (princípio da auto-responsabilidade das partes).

É assim em ambos estes princípios que assenta o instituto da litigância de má fé, consagrado nos artigos 542º e seguintes CPC , o qual visa sancionar uma conduta processual das partes censurável, por desconforme ao princípio da boa fé pelo qual as mesmas devem reger a sua conduta.

Corresponde o instituto da litigância de má fé a uma responsabilidade agravada, que assenta na culpa ou dolo do litigante. Se a parte actuou de boa fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a sua conduta é licita e é condenada apenas no pagamento das custas dos processo, como risco inerente à sua actuação. "Se procedeu de má fé ou com culpa, pois sabia que não tinha razão, ou não ponderou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta assume-se como ilícita, configurando um ilícito processual a que corresponde uma sanção, que pode ser penal e/ou civil (multa e indemnização à parte contrária), e cujo pagamento acresce ao pagamento das custas processuais (3)."
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 542º do CPC, tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

E nos termos do nº 2 desta disposição legal, “diz-se litigante de má fé quem com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Resulta da actual redacção desta disposição legal que não só as condutas dolosas, como também as gravemente negligentes, são sancionáveis.
Podemos entender que a parte actuou com negligência grave quando vai para juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas que comprometiam a sua pretensão, e age dolosamente quando sabia que não tinha razão e mesmo assim litigou (neste sentido, ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª Edição – Reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pág. 262).

A reforma processual levada a cabo pelo Dec.-Lei nº 329-A/95 de 12/12 introduziu alterações no Código de Processo Civil em sede de litigância de má-fé. Lê-se no preâmbulo do citado diploma “Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagra-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos; (…)”. Assim, ao lado da lide dolosa (que corresponde à violação das regras de conduta processuais de forma intencional ou consciente), passou a ser sancionada a lide temerária (que corresponde à violação das mesmas regras, mas com culpa grave ou erro grosseiro).

Como refere Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 220 e 221 “É corrente distinguir má fé material (ou substancial) e má fé instrumental. A primeira relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, actua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má fé substancial, mas ambas as partes podem actuar com má fé instrumental, podendo portanto o vencedor da acção ser condenado como litigante de má fé.”

No Acórdão do TRG de 21/01/2016 (Relatora: Maria Luísa Ramos), in www.dgsi.pt, pode ler-se: “No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável (v. Menezes Cordeiro, obra citada, pg. 380). Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (Maia Gonçalves, C. Penal, anotado, p.48)”.
“Não se deve confundir a litigância de má-fé com: (i) a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento; (ii) a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; (iii) discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos ou (iv) com a defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer” - Ac. da R.L. de 20/12/2016 (Luís Filipe Pires de Sousa), que cita em parte o Ac. da R.L. de 02/03/2010 (Maria José Simões), in www.dgsi.pt.
É inquestionável que a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 542º do Código de Processo Civil. E a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável. Tem-se entendido que, para tal condenação, se exige que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.
Ora, como já adiantámos, o autor e ora recorrente está desde 1994 a tentar cobrar a mesma dívida, pelo que tudo indica que o mesmo considera que ela lhe é devida.
Começou com o processo nº 6459/94, instaurado contra a Casa P., A. R. & Filhos, Lda, no qual a ré foi absolvida do pedido.
Depois intentou o processo nº 6942/06.2THLSB, no qual demandou A. R. & Filhos, Lda e A. R., e que findou com a absolvição da Ré A. R. & Filhos, Lda da instância, e com a absolvição do réu A. R. do pedido.
De seguida instaurou o processo nº 1905/11.9TJLSB, contra A. R. e Filhos SA (nova denominação da Casa P., A. R. e Filhos Lda), no qual mais uma vez a acção improcedeu, com a absolvição da ré do pedido.

E finalmente intentou a presente acção.

Alega o recorrente que não estamos perante uma situação em que a sua pretensão seja manifestamente improcedente, tendo ele indicado, na petição inicial, a existência de acções prévias, não tendo sido alterada a verdade dos factos ou sido omitidos factos relevantes.

É verdade. Ao ler a petição inicial que deu origem a estes autos vemos que o autor faz um relato ultra detalhado de todas as suas tentativas anteriores de cobrar esta mesma dívida, explicando do seu ponto de vista porque é que as acções foram sucumbindo uma após a outra, e fazendo referência ainda a uma queixa-crime que apresentou contra o falecido A. R., processo esse que não teve melhor sorte.

Donde é inteiramente verdade que o autor não alterou a verdade dos factos nem omitiu factos relevantes.

Onde sustentar então a condenação por litigância de má fé ?

Só poderia ser, dentro da dicotomia supra referida por Lebre de Freitas, por má-fé substancial, pois já vimos que de má-fé instrumental não temos vestígios: o autor não alterou a verdade dos factos, não omitiu factos, não apresentou documentos falsos, não assumiu um comportamento processual que mereça esse tipo de censura.
E será que se pode dizer que ele, não tendo razão na sua pretensão, actua no sentido de conseguir uma decisão injusta ?
Não o podemos afirmar, de todo.
Nestes autos, a pretensão substantiva do autor não foi apreciada, por impedimento decorrente da excepção (para a primeira instância autoridade) de caso julgado.
Nos anteriores processos, quando a sua pretensão foi negada por decisão de mérito, também não podemos neste momento afirmar que não tenha sido por contingências de falibilidade da prova, as quais são um dado incontornável da vida forense, e é pacífico que perder uma acção por falha em demonstrar os factos constitutivos da pretensão não equivale, sem mais, a litigar de má-fé.
Assim, apenas resta a previsão da alínea a): será que podemos com segurança afirmar que o autor/recorrente deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar ?
Embora admitamos que a situação não é linear, entendemos que tal afirmação não é sustentável.
Se há coisa que não podemos duvidar, é que o autor demonstra estar plenamente convencido de que lhe assiste razão. Desde a primeira acção que intentou em 1994, passando pelas outras duas acções, por uma queixa-crime, e culminando nestes autos, o autor demonstra que, apesar dos sucessivos desaires judiciais, continua convencido que lhe assiste razão. Ora, essa insistência permanente, esse não desistir nunca, esse voltar à carga uma e outra e outra vez, não podem, salvo melhor opinião, ser vistos como litigância de má fé. Litigância teimosa, certamente. Litigância obcecada, provavelmente. Mas de má-fé, não. Se prestarmos atenção às diversas causas de pedir que o autor tem apresentado, se bem que todas elas assentem no mesmo núcleo factual comum, vão sendo introduzidas pequenas diferenças de qualificação jurídica (4). À medida que uma é rejeitada, o autor apresenta outra. Isto não pode ser visto como litigância de má-fé É que, temos de o reconhecer, o Direito não é uma ciência exacta; e se o autor, à medida que vai perdendo acções, vai alterando a sua argumentação jurídica até conseguir acertar, mas mantendo o núcleo factual intocado, essa conduta não preenche os requisitos da litigância de má-fé. Sobretudo porque, como escrevem Abrantes Geraldes e outros, ob. cit, anotação 12 ao art. 581º, “sobre o autor não incide nenhum ónus de concentração de todas as causas de pedir na acção que proponha. Diversamente, cabe ao réu concentrar todos os meios de defesa na contestação (art. 573º,1), não podendo, por efeito da preclusão, invocar em nova acção excepções que deixou de deduzir na acção anterior”.

Assim, o que se pode dizer é que o autor tem feito um esforço para, com o mesmo fundamento factual, apresentar diversas construções jurídicas que lhe permitam chegar ao objectivo pretendido. No caso destes autos, esse esforço fracassou porque não o colocou a salvo da excepção de caso julgado. Mas dizer que o autor litigou de má-fé, porque tentou encontrar alguma nuance na argumentação jurídica, que, convenhamos, é finita, que lhe permitisse contornar o caso julgado, é conclusão que não podemos secundar.

Em conclusão, o recurso merece nesta parte provimento, pois não é juridicamente sustentável a condenação do autor como litigante de má-fé.

E com esta decisão de revogação da condenação do autor como litigante de má-fé, torna-se inútil conhecer do segundo recurso por ele interposto.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso apenas parcialmente procedente, e por isso, revoga a condenação do autor como litigante de má-fé, mas mantém a absolvição dos réus da instância, por julgar procedente a excepção de caso julgado.

Custas por recorrente e recorridos, na proporção de 1/5 e 4/5, respectivamente (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 30/4/2020


Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)


1. CPC anotado, 3ª edição.
2. Pode ver-se a este respeito o que escrevem ainda os mesmos autores supra citados, na anotação ao art. 5º CPC.
3. Neste sentido, v.g. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, pág. 260.
4. Que, porém, como vimos supra, não permitiram fugir à verificação do caso julgado.