Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
608/20.8T8VRL.G1
Relator: JOSÉ FLORES
Descritores: NULIDADE SECUNDÁRIA
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
VÍCIO NÃO NEGLIGENCIÁVEL DO PLANO
REEMBOLSO DE FUNDOS ATRIBUÍDOS PELO IFAP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALEMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (1):

A omissão de um acto que a lei prevê constitui nulidade secundária nos casos previstos art. 195º do Código de Processo Civil, e essa está dependente de arguição nos termos do art. 199º, do mesmo Código;
Constitui violação não negligenciável de regras ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, para os efeitos do art. 215º, do CIRE, a inclusão em Plano de Revitalização de cláusula que afecte os prazos e condições de reembolso de fundos atribuídos pelo IFAP, I.P., sem o seu consentimento expresso, em violação das normas de procedimento administrativo e ainda da regra especial de aceitação de acordos de pagamento dessas quantias, prevista no art. 12º, nº 5, do D.L. nº 195/2012;
Esse vício torna o referido Plano ineficaz em relação ao referido IFAP, I.P., e ao seu crédito, admitindo-se a manutenção da decisão de homologação do restante acordo estabelecido.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. RELATÓRIO

O presente processo nasce com o pedido de revitalização que a X, Lda., apresentou invocando o disposto no art. 17ºA, do CIRE.
No decorrer do mesmo foi publicada a lista de credores prevista no art. 17ºD, do CIRE, entre os quais se encontra o aqui Recorrente, considerado na mesma como credor privilegiado, num crédito de 296075,80 euros (59,16%), relacionado com o PRODER/Acção 1.1.3. (instalação de jovens agricultores).
Essa lista foi homologada em decisão de 6.5.2020.
Foi junto o Plano
Foi publicitado anúncio previsto no art. 17ºFº, nº 2, do CIRE, com registo nos autos em 4.8.2020.
Na sequência disso a Recorrente apresentou requerimento no qual suscita diversas questões de cuja resolução afirma depender o seu parecer favorável ao plano proposto, requerendo sic, que: a) todas as questões colocadas sejam esclarecidas, e plasmadas as suas soluções, no Plano de Recuperação, visando a pronúncia do IFAP sobre a viabilidade do PER; b) seja o plano alterado tendo em conta a natureza da credito (privilegiado) e os prazos de pagamento da divida. O que se Requer.

Em face disso, em 20.8.2020, a Devedora pediu ao Tribunal que depositasse a versão actualizada do seu plano de revitalização, na sequência de considerações quando ao seu teor produzidas por credores.
Nesse plano ficou a constar, relativamente ao crédito do aqui Apelante o seguinte:
“IFAP
Plano de Regularização: A Devedora já realizou o investimento acordado com esta credora, mas pelo facto das infra-estruturas não estarem na presente data concluídas, nomeadamente a instalação eléctrica, pelo facto do sócio investidor ter tido problemas financeiros, não conseguiu escoar a produção conforme estava estabelecido.
Face ao exposto, é proposto o prolongamento do prazo para finalização de tais infra-estruturas assim como do inteiro cumprimento dos critérios contratualmente estabelecidos, em trinta e seis meses, a contar do trânsito em julgado da sentença que homologar este plano.
Na eventualidade de não ser pela Devedora cumprido o vertido no parágrafo anterior, esta compromete-se a proceder à devolução do crédito no presente processo reclamado e reconhecido, no período que mediar entre o final dos supra mencionados trinta e seis meses e o ano de 2026, o qual será repartido em prestações, mensais, iguais e sucessivas, com início no dia um do trigésimo sétimo mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença que homologar este plano.
As prestações mensais nunca poderão ter valor inferior aos previstos no artigo 196º do CPPT.”

Em 20.8.2020 foi publicado o seguinte anúncio: Foi junto ao processo a nova versão do plano de revitalização, correndo o prazo de votação de 10 (dez) dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano (nº 3 do artº 17º-F do CIRE).
Em 21.8.2020 foi feito o anúncio previsto no art. 17ºF, nº 3, do CIRE.
Em 27.8.2020 a Devedora/Requerente formulou pedido no sentido de ser atribuído aos seus credores o prazo adicional de cinco dias para votar a sua proposta de plano de recuperação.
Em 28.8.2020 o Tribunal a quo disse: Dê-se, antes de mais, conhecimento ao Administrador nomeado dos autos para se pronunciar quanto ao teor do requerimento que antecede, no respectivo prazo legal.
Nesse mesmo dia 28/08/2020, o Senhor Administrador Judicial Provisório, informou no processo que nada tem a opor à requerida prorrogação do prazo para votação por cinco dias.
Ainda em 28/08/2020, o IFAP, requereu sic, que o Tribunal determinasse a suspensão da Assembleia de Credores em curso para votação do Plano de Revitalização da Y - SA a ser apresentado no PER autuado e tramitado neste Juízo de Comércio de Vila Real sob o nº 650/20.9T8VRL a suspensão da votação do Plano nos termos do seu Requerimento apresentado nos autos em 28/08/2020 de fls. 211/212 dos autos.
Ainda, nesse mesmo dia 28/08/2020, a Secretaria notificou o Senhor Administrador Judicial Provisório do Requerimento do IFAP de fls. 211/212 dos autos.

Em 1.9.2020 o Tribunal a quo proferiu despacho no qual dispôs o seguinte: “Perfilhando a posição maioritária dos tribunais superiores, subscrevo o entendimento de que o prazo mencionado no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE, abrange ou inclui no respectivo âmbito a votação e aprovação de eventual plano de recuperação, e que se trata de um prazo de caducidade, dotado consequentemente de natureza peremptória ou preclusiva e naturalmente improrrogável para além da possibilidade de prorrogação que se mostra legalmente consagrada no referido n.º 5; e ainda o entendimento de que, caso tal prazo seja ultrapassado, não pode, nos termos do disposto no artigo 215.º do CIRE, ser homologado o correspondente plano de recuperação, porquanto uma tal homologação consagraria e ratificaria uma violação não negligenciável das normas procedimentais previstas nos artigos 17º-D, n.º 5 e 17º-G, n.º 1, ambos do CIRE, considerando-se ser imperativa a estatuição deste último artigo, quando dispõe que, “caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17º-D, o processo negocial é encerrado.» Acrescente-se que se tivesse sido requerida a apensação dos PER’s por quem o poderia fazer – a qual não pode agora ser pedida -, ainda se poderia equacionar a pretensão requerida, não tendo ocorrido, não resta senão indeferir o peticionado a fls. 211/212, tendo em atenção as características especiais deste tipo processual, destinado a permitir que o devedor possa continuar a desenvolver a sua actividade, obstaculizando um eventual fim da mesma, a pretensão do legislador teve como base a obtenção de resultados num curto espaço temporal, o que se não coaduna com um possível arrastar do processo negocial ou com um prolongamento das negociações, a não ser em casos extremos, pontuais portanto, de justo impedimento, os únicos que em nosso entendimento poderiam justificar um desvio ao prazo legalmente prevenido para a conclusão do processo, que na espécie se não equaciona. Notifique.”

Com registo de 2/09/2020, esse despacho foi notificado às partes.

Nessa mesma data o Sr. Administrador Judicial apresentou nos autos o resultado dos votos expressos, considerando aprovado o plano de recuperação e pedindo a sua homologação.
Em 4.9.2020, Ministério Público emitiu posição favorável em nome da autoridade tributária.
Em 7.9.2020 o aqui Recorrente declarou votar contra o plano de revitalização apresentado pela Devedora.
Em 8.9.2020 a Recorrente volta aos autos para requerer ao Tribunal, sic, se digne ordenar a notificação do Senhor Administrador Judicial Provisório para reformular a Acta da votação dela fazendo constar expressamente o voto «contra» do IFAP apresentado nos autos em 07/09/2020.

Em 09/09/2020, apreciando este último pedido, o Tribunal a quo proferiu decisão com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto não pode deixar de improceder a pretensão deduzida pelo credor IFAP, considerando-se extemporânea a respectiva declaração de voto emitida e junta aos autos a fls. 224.”

No mesmo acto, proferiu sentença de homologação do plano de revitalização apresentado.

Inconformado com essas decisões, o Recorrente acima identificado apresentou recurso das mesmas.
Foi entretanto, já neste Tribunal de apelação, proferido convite ao aperfeiçoamento do recurso apresentado pelo IFAP no que diz respeito à sua impugnação da decisão de 1.9.2020, ao abrigo do disposto no art. 639º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Correspondendo ao esse pedido, o Recorrente requereu a junção de novas alegações e conclusões de recurso e formula aos seguintes esclarecimentos, dos quais interessa ter em conta as seguintes afirmações.
“1. A motivação do IFAP na interposição do recurso relativamente ao Despacho recorrido de 01/09/2020, não teve que ver com a decisão de indeferimento da suspensão da votação do Plano de Revitalização apresentado pela Devedora X LDA, requerida pelo IFAP no requerimento de 28/08/2020, de fls. 211/212 dos autos, decisão de indeferimento, essa da Mª Juiz a quo (da suspensão da votação do Plano de Revitalização), com a qual o IFAP se conformou;
2. Por outro lado, a motivação do IFAP na interposição do recurso relativamente a esse Despacho recorrido de 01/09/2020, também não teve que ver com a omissão de decisão da Mº Juiz a quo relativamente ao Requerimento da Devedora de 27/08/2020 – de concessão de um prazo adicional de 5 dias para os credores votarem o Plano apresentada pela Devedora (em votação);
3. Em tais circunstâncias, a motivação do IFAP para recorrer de tal Despacho de 01/09/2020, apenas teve que ver com a leitura que dele fez a Mª Juiz a quo no Despacho de 09/09/2020, ao ter julgado, neste Despacho de 09/09/2020, improcedente “a pretensão deduzida pelo credor IFAP [no seu Requerimento de 08/09/2020 1 - registo Citius 2361930], considerando-se extemporânea a respectiva declaração de voto emitida e junta aos autos a fls. 224.”, com fundamento na consideração de que a concessão de um prazo adicional de 5 dias para os credores votarem o Plano, requerida pela Devedora em 27/08/2020, fora indeferida “por extensão de entendimento” vertido no seu Despacho de 01/09/2020 (cfr. Despacho recorrido de 09/09/2020);
4. Ora, como se afirmou nas Alegações de recurso, “tendo a Mª Juiz a quo considerado indeferida a requerida concessão de prazo adicional de 5 dias para que os Credores votassem o Plano da Devedora no Despacho de 01/09/2020 por extensão do entendimento vertido nesse mesmo Despacho (…), tal “indeferimento” teria sido]“decidido” em data que já não permitira ao IFAP declarar nos autos o seu voto até ao termo do prazo de 10 dias – ou seja até 31/08/2020, ocorrido 1 dia antes à prolação do Despacho recorrido de 01/09/2020” (cfr. Alegações de recurso;
5. Nessa medida, e como se crê resultar da 11ª Conclusão das Alegações oferecidas, afigurou-se ao IFAP que, sendo essa a leitura do conteúdo de tal Despacho de 01/09/020, então, tal Despacho de 01/09/2020, se mostraria violador os princípios processuais - do «Dever de gestão processual» (artº 6º do CPC); - do «Dever de boa-fé processual» (artº 7º do CPC) - da «Limitação dos actos» (131º, segundo o qual “Não é lícito realizar no processo actos inúteis”); porquanto na data da sua prolação (01/09/2020) já havia expirado o prazo de votação de 10 dias com termo em 31/08/2020;
6. Nessa medida, ainda, também se afigurou que a impugnação do Despacho de 01/09/2020 nos termos expostos, se mostraria necessária para assegurar o efeito útil do recurso interposto;
7. Não obstante, e com todo o devido respeito por entendimento distinto, o IFAP junta Alegações de recurso com Conclusões aperfeiçoadas mediante a inserção das Conclusões 6ª A, 6ª B, 6ª C, 6ª D e 6ª E; (…)”

Conclusões (aperfeiçoadas)

1ª Estando a correr o prazo de 10 dias (com termos inicial e final, respectivamente, em 22/08/2020 e em 31/08/2020), para os credores votarem o Plano de Revitalização apresentado pela Devedora, e estando, simultaneamente, em curso, no decorrer desse prazo, negociações entre a Devedora e o IFAP (enquanto maior Credor reconhecido com 59,16 % dos votos atribuídos) tendo em vista, designadamente, a eventual introdução de alterações ao Plano que tornassem viável um eventual voto favorável deste credor maioritário, era lícito à Devedora requerer a concessão de um prazo adicional de 5 dias para a conclusão dessas negociações, e votação do Plano que viesse a ser alterado;
2ª Tendo a Devedora apresentado nos autos em 27/08/2020, Requerimento dirigido á Mª Juiz a quo no qual requereu que fosse concedido aos credores o “prazo adicional de cinco dias para votar a sua proposta de plano de recuperação, porquanto se encontra englobada no grupo de empresas “Y”, as quais recorreram igualmente a processos especiais de recuperação a correrem termos neste Juízo, estando a ser negociado no âmbito de tal grupo um acordo com o IFAP, credor predominante em todos os processos incluindo o presente, sendo este prazo absolutamente imprescindível para lograr o desiderato de ver aprovada a sua proposta de plano de recuperação.” (cfr. registo Citius 2354174), a Mª Juiz a quo deveria ter conhecido, apreciado e decidido tal Requerimento em tempo oportuno – isto é: até 31/08/2020, correspondente ao termo do prazo de 10 dias fixado para a votação do Plano então apresentado pela Devedora;
3ª Tendo a Mª Juiz a quo exarado o Despacho de 28/08/2020 (cfr. registo Citius 34647420) determinando que fosse dado “conhecimento ao Administrador nomeado dos autos para se pronunciar quanto ao teor do requerimento que antecede, no respectivo prazo legal.”, resulta objectivamente, de tal Despacho:
• por um lado, que a Mª Juiz considerou lícita e (pelo menos) não desprovido de pertinência e de razoabilidade o requerido pela Devedora no dia anterior (27/08/2020);
• por outro lado, que a Mª Juiz a quo admitiu poder deferir tal pretensão a Devedora (depois de o AJP se pronunciar quanto ao teor do requerimento” da Devedora;
4ª Tendo o AJP manifestado nos autos “nada ter a opor à requerida prorrogação do prazo para votação por cinco dias” (cfr. registo Citius 2354393), tal posição do AJP conjugada com a admissibilidade de deferimento da requerida concessão de um prazo adicional de 5 dias para os credores votarem o Plano, resultante do Despacho da Mª Juiz a quo de 28/08/2020 (registo Citius 34647420), o IFAP criou a expectativa de tal deferimento viesse a suceder, tendo mantido o prosseguimento das negociações com a Devedora para os efeitos supra expostos;
5ª Por outro lado, tendo a Mª a Juiz a quo consignado, posteriormente, no seu Despacho de 28/09/2020, que, «“Perfilhando a posição maioritária dos tribunais superiores, subscrevo o entendimento de que o prazo mencionado no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE, abrange ou inclui no respectivo âmbito a votação e aprovação de eventual plano de recuperação, e que se trata de um prazo de caducidade, dotado consequentemente de natureza peremptória ou preclusiva e naturalmente improrrogável para além da possibilidade de prorrogação que se mostra legalmente consagrada no referido n.º 5; e ainda o entendimento de que, caso tal prazo seja ultrapassado, não pode, nos termos do disposto no artigo 215.º do CIRE, ser homologado o correspondente plano de recuperação, porquanto uma tal homologação consagraria e ratificaria uma violação não negligenciável das normas procedimentais previstas nos artigos 17º-D, n.º 5 e 17º-G, n.º 1, ambos do CIRE, considerando-se ser imperativa a estatuição deste último artigo, quando dispõe que, “caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17º-D, o processo negocial é encerrado[“].», então não deveria ter exarado o Despacho anterior de 28/08/2020 determinando que que fosse dado “conhecimento ao Administrador nomeado dos autos para se pronunciar quanto ao teor do requerimento que antecede, no respectivo prazo legal.”, por, nesse caso, não poder deixar de constituir prática de acto processual inútil;
6ª De qualquer modo, não podendo considerar-se a Mª Juiz a quo vinculada a tal expectativa do IFAP fundada na admissibilidade de deferimento resultante, objectivamente, do seu Despacho de 28/08/2020 (registo Citius 34647420), admissibilidade, essa, conjugada com a posição do AJP a tal respeito (de “nada ter a opor à requerida prorrogação do prazo para votação por cinco dias” - registo Citius 2354393), o certo é que a Mª Juiz a quo deveria ter decidido o Requerimento da Devedora em termos claros e, em todo o caso, até 31/08/2020 – até ao termo do prazo de 10 dias para os credores votarem o Plano;
6ª A Com efeito, no Despacho recorrido de 01/09/2020, a Mª Juiz a quo apenas conheceu do Requerimento do IFAP de 28/08/2020 - de suspensão da votação do Plano de Revitalização apresentado pela Devedora X LDA - sendo que tal Despacho é omisso quanto ao Requerimento da Devedora de 27/08/2020 – de concessão de um prazo adicional de 5 dias para os credores votarem o Plano em votação;
6ª B No entanto, como resulta do Despacho de 09/09/2020, nele foi julgada improcedente “a pretensão deduzida pelo credor IFAP [no seu Requerimento de 08/09/2020 - registo Citius 2361930], considerando-se extemporânea a respectiva declaração de voto emitida e junta aos autos a fls. 224.”, com fundamento na consideração de que a concessão de um prazo adicional de 5 dias para os credores votarem o Plano, requerida pela Devedora em 27/08/2020, fora indeferida “por extensão de entendimento” vertido no seu Despacho de 01/09/2020;
6ª C Ou seja: resulta expressamente do Despacho recorrido de 09/09/2020 que a concessão de um prazo adicional de 5 dias para os credores votarem o Plano, requerida pela Devedora em 27/08/2020, já fora indeferida “por extensão de entendimento” vertido no seu Despacho de 01/09/2020;
6ª D Tendo a Mª Juiz a quo considerado indeferida a requerida concessão de prazo adicional de 5 dias para que os Credores votassem o Plano da Devedora no Despacho de 01/09/2020 por extensão do entendimento vertido nesse mesmo Despacho, tal “indeferimento” teria sido “decidido” em data que já não permitiria ao IFAP declarar nos autos o seu voto até ao termo do prazo de 10 dias – ou seja até 31/08/2020, ocorrido 1 dia antes à prolação do Despacho recorrido de 01/09/2020” (cfr. Alegações de recurso;
6ª E Nessa medida, sendo essa a leitura do conteúdo de tal Despacho de 01/09/2020, então, o mesmo mostra-se violador dos princípios processuais
- do «Dever de gestão processual» (artº 6º do CPC);
- do «Dever de boa-fé processual» (artº 7º do CPC)
- da «Limitação dos actos» (131º, segundo o qual “Não é lícito realizar no processo actos inúteis”);
porquanto na data da sua prolação (01/09/2020) já havia expirado o prazo de votação de 10 dias com termo em 31/08/2020;
7ª Por outro lado, não tendo a Mª Juiz a quo decidido até 31/08/2020 a requerida, pela Devedora, concessão de um prazo adicional de 5 dias, tal facto reforçou a expectativa do IFAP quanto ao deferimento do requerido pela Devedora e a convicção de que tal deferimento ocorrera, com a consequente faculdade de o IFAP poder votar o Plano até ao termo desse prazo adicional de 5 dias – ou seja: até 07/09/2020;
8ª Assim, e em tais circunstâncias, tendo o IFAP, em 07/09/2020, declarado nos autos o seu voto contra o Plano em votação, tal voto foi efectuado em tempo, pelo que deve ser considerado no universo dos votos expressos, com a consequente «Não Aprovação» do Plano;
9ª Nessa medida, tendo o AJP efectuado a contagem dos votos no dia 02/09/2020, e, como tal, não tendo considerado o voto contra do IFAP, fê-lo intempestivamente (de mais a mais quando o MP declarou seu voto nos autos o em 04/09/2020 - cfr. registo Citius 2359263);
10ª Como tal, a Mª Juiz a quo, deveria ter deferido o requerido pelo IFAP no seu Requerimento de 08/09/2020 (registo Citius 2361930 – fls. 224 dos autos), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido por economia de exposição, no sentido de “ordenar a notificação do Senhor Administrador Judicial Provisório para reformular a Acta da votação dela fazendo constar expressamente o voto «contra» do IFAP apresentado nos autos em 07/09/2020”.
11ª Nessa medida, também, tendo a Mª Juiz a quo no Despacho de 09/09/2020 (registo Citius 34671467) julgado improcedente “a pretensão deduzida pelo credor IFAP, considerando-se extemporânea a respectiva declaração de voto emitida e junta aos autos a fls. 224.”, nele tendo feito menção de que fora indeferida “por extensão de entendimento” vertido no seu Despacho de 01/09/2020 (registo Citius 34654479) a concessão de um prazo adicional de 5 dias para os credores votarem o Plano, requerida pela devedora em 27/08/2020, errou na aplicação do direito aos factos processualmente relevantes em violação do disposto, designadamente nos artºs 6º, 7º e 131º, todos do CPC, respectivamente quanto à violação:
• do princípio do «Dever de gestão processual» (artº 6º do CPC);
• do princípio do «Dever de boa fé processual» (artº 7º do CPC)
• do princípio da «Limitação dos actos» (131º, segundo o qual “Não é lícito realizar no processo actos inúteis”);
devendo, por isso, ambos os Despachos (de 01/09/2020 e de 09/09/2020)
ser revogados e substituídos por decisões que julguem
i) concedido o prazo adicional de 5 dias para os credores votarem
Requerido pela Devedora em conformidade com a posição do AJP de “nada ter a opor à requerida prorrogação do prazo para votação por cinco dias” (registo Citius 2354393) expressa nos autos em cumprimento do determinado pela Mª Juiz a quo no seu Despacho de 28/09/2020 (registo Citius 34647420);
ii) tempestiva a declaração de voto contra do IFAP emitida e junta aos autos em 07/09/2020;
iii) a necessidade da notificação do Senhor Administrador Judicial
Provisório para reformular a Acta da votação dela fazendo constar expressamente o voto «contra» do IFAP apresentado nos autos em 07/09/2020
12ª Considerando a fonte de onde emergem os créditos reclamados pelo IFAP (prática de actos administrativos pelos quais devem ser pagas quantias pecuniárias a pessoa colectiva pública – o IFAP) e a exigibilidade da sua cobrança (a necessidade da execução de tais actos administrativos) e a titularidade das quantias pecuniárias a serem pagas pela Devedora (do FEADER), afigura-se que o Plano votado, prevendo o pagamento dos créditos do IFAP num prazo legalmente inadmissível, não poderia homologado relativamente aos créditos reconhecidos ao IFAP;
13ª Por outro lado, a prática de tais actos administrativos do IFAP, na qualidade de Organismo Pagador do FEADER fundou exclusivamente na prossecução do interesse público, enquanto princípio fundamental da Administração Pública, constitucionalmente consagrado no artº 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP);
14ª Como tal, tratando-se de actos administrativos por força dos quais devem ser pagas prestações pecuniárias a uma pessoa colectiva pública (o IFAP), ou por ordem desta, à sua execução (do ato administrativo) “segue-se, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal, tal como regulado na legislação do processo tributário”, conforme o disposto no artº 179º do CPA;
15ª Tendo presente o quadro factual regulador da execução dos actos administrativos nos quais se fundam os créditos reconhecidos ao IFAP e o regime legal aplicável, resulta que, nem a Insolvente nem a Assembleia de Credores têm qualquer disponibilidade sobre o conteúdo e/ou sobre a forma de execução de tais actos administrativos, designadamente:
• não podendo reduzir ou alterar o seu conteúdo substantivo,
• nem limitar e/ou alterar a forma da sua execução (tanto da parte da destinatária – a Devedora – como da parte do autor dos actos administrativos em causa – o IFAP);
16ª Isto, sob pena de, a ocorrer, se traduzir, objectivamente, no esvaziamento (ou, mesmo, na neutralização) dos efeitos e dos conteúdos substantivos dos actos administrativos por força dos quais são devidos pela Insolvente os créditos reconhecidos ao IFAP, o que não poderia deixar de constituir clara violação do «princípio fundamental» da prossecução do interesse público visado pela Administração Pública com a prática de tais actos administrativos, constitucionalmente assegurado no mencionado artº 266º da CRP, assim como, também, desrespeito pela unidade do sistema jurídico, que para o efeito da sindicância da legalidade de tais actos administrativos atribui jurisdição aos tribunais administrativos e fiscais;
17ª Acresce que o montante dos créditos reclamados pelo IFAP, na qualidade de Organismo Pagador do FEADER, corresponde ao valor de créditos que a Comissão Europeia/FEADER é titular sobre o Estado Português relativamente à Operação da Devedora, e para cuja satisfação cabe ao IFAP, na qualidade de Organismo Pagador do FEADER, com contas certificadas pela Inspecção-geral de Finanças, proceder à recuperação de todas as quantias tidas por indevidamente recebidas pela Devedora, a fim de, subsequentemente:
• proceder ao reembolso ao FEADER das quantias respeitantes à comparticipação comunitária do Fundo;
• reafectar as quantias referentes à comparticipação nacional (OE) ao Programa de Desenvolvimento Rural vigente

18ª Nessa medida, as quantias a serem recuperadas pelo IFAP no âmbito dos presentes autos, designadamente as quantias a serem embolsadas pelo IFAP ao FEADER a título devolução da comparticipação comunitária processada em tais Operações, não poderão considerar-se, para qualquer efeito, na disponibilidade patrimonial
• nem do IFAP, que imperativamente as deve devolver ao FEADER,
• nem da Devedora, que, simplesmente as deve devolver ao IFAP a fim de, por este, na qualidade de Organismo Pagador do FEADER, serem reembolsadas a este Fundo;
• nem dos credores que votaram a Proposta de Plano apresentada
por constituírem créditos do FEADER a serem cobrados em Portugal pelo IFAP na qualidade de Organismo Pagador deste Fundo e certificados pela Inspecção-geral de Finanças, na qualidade de Organismo de Certificação de Contas, os quais, por força do primado do direito comunitário, não poderão ser objecto de redução alguma no quadro do Plano em votação, apresentado pela Devedora.
19ª Consequentemente, a homologação do Plano de Revitalização aprovado deveria ter sido recusada oficiosamente nos termos do disposto no artº 215º do CIRE, por violação das normas aplicáveis ao seu conteúdo, na parte referente aos créditos reconhecidos ao IFAP, emergentes da prática de acto administrativo com vista à recuperação de quantias a serem devolvidas pelo Estado Português ao FEADER e como tal reconhecidos presentes nos autos;
20ª Tendo a Mª Juiz a quo, no seu Despacho de 09/08/2020 (registo Citius 34671467) considerado que “Não ocorre violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação …” errou na aplicação do direito a tal realidade factualmente documentada nos autos em violação do disposto no artº 215º do CIRE, devendo, por isso, ser também revogado, nessa parte, e substituído por decisão que não homologue o Plano na parte em que o mesmo disponha sobre os créditos reconhecidos ao IFAP;

Termos em que, com o douto suprimento, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e, consequentemente, revogados os Despachos do Tribunal a quo de 01/09/2020 e de 09/09/29020, sendo substituídos por decisões que que julguem:

i) concedido o prazo adicional de 5 dias para os credores votarem Requerido pela Devedora em conformidade com a posição do AJP de “nada ter a opor à requerida prorrogação do prazo para votação por cinco dias” (registo Citius 2354393) expressa nos autos em cumprimento do determinado pela Mª Juiz a quo no seu Despacho de 28/09/2020 (registo Citius 34647420);
ii) tempestiva a declaração de voto contra do IFAP emitida e junta aos autos em 07/09/2020;
iii) a necessidade da notificação do Senhor Administrador Judicial Provisório para reformular a Acta da votação dela fazendo constar expressamente o voto «contra» do IFAP apresentado nos autos em 07/09/20201.- A.

A apelação do Recorrente não obteve resposta de nenhuma das restantes partes.

2. QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. (2) Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (3) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (4)

As questões enunciadas pelo/a(s) recorrente(s) podem sintetizar-se da seguinte forma:
- Saber se ocorreu algum erro de julgamento nos despachos de 1.9.2020 e 9.9.2020, conforme o alegado;
- Saber se a sentença de homologação proferida errou ao desconsiderar violação não negligenciável de normas de conteúdo que lhe seriam aplicáveis e que impunham a apreciação oficiosa prevista no art. 215º, do CIRE.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. FACTOS A CONSIDERAR
Os que acima se relatam e estão documentados pelos autos (cf. art. 662º, nº 1, do Código de Processo Civil)

3.3. DO DIREITO APLICÁVEL
3.3.1. A decisão de 1.9.2020

Na data exposta, o Tribunal a quo proferiu decisão de onde se pode retirar que foi indeferida a pretensão de suspensão de outro processo, que a aqui Recorrente formulou em 28.8.2020 e acima se relatou.
Na sequência do convite ao aperfeiçoamento do seu recurso nessa parte, a Apelante esclareceu que não discorda dessa decisão de indeferimento, com qual “se conformou” assim com não pretende questionar a alegada omissão do conhecimento do requerimento da Devedora, formulado em 27.8.2020.
Acresce que o procedimento recursivo em apreço visa a reapreciação de decisão proferida e não das que virtualmente poderiam ou deveriam ter sido proferidas, seja por interpretação posterior do Tribunal, seja das partes.
No entanto, o Apelante insiste na sua impugnação alegando que, com a interpretação que lhe foi dada pelo despacho de 9.9.2020, foram violados os princípios que diz estarem subjacentes às normas dos arts. 6º, 7º e 131º, do Código de Processo Civil.
Ora, a decisão em apreço limitou-se, na nossa leitura, a apreciar o seu pedido de suspensão, de modo inquestionado (como decorre do expressamente reafirmado pela Apelante), razão pela qual se afigura impróprio e, por isso, infundado, atribuir-lhe faltas que, em bom rigor, o Recorrente aponta à decisão posterior, de 9.9.2020, e à interpretação que nela se faz daquela, maxime a violação dos referidos princípios processuais.
Simplificando e repisando: a decisão apreciou e decidiu o requerimento da Apelante de modo que esta não questiona, pelo que nada há a acrescentar.

Pelo exposto, julgamos ser infundada essa impugnação, que haverá que julgar improcedente.

3.3.2. O despacho de indeferimento de 9.9.2020
No tocante ao despacho que, nessa data, considerou extemporânea a declaração de voto da Recorrente, esta pretende igualmente a sua revogação e substituição por decisão que cumpra o disposto no item 11º das suas conclusões.
Sem distinção ou explicação para tal, a Apelante entende que essas pretensões devem substituir também esta decisão de 9.9.2020 (além da de 1.9.2020).
No entanto, esta apenas apreciou/decidiu o pedido de junção da declaração de voto do Apelante, que considerou extemporâneo, embora, para esse feito, tenha repisado argumentos tendentes a afirmar que o prazo (distinto) do art. 17ºD, nº 5, do CIRE, é de caducidade e tem efeito peremptório e que, implicitamente, tinha, no seu anterior despacho, decidido o requerimento de extensão desse prazo formulado pela Devedora.
Observa-se assim que quer o Tribunal a quo, quer a Apelante, querem, a todo o custo, retirar dos autos aquilo que não está lá.
E não se encontra lá, desde logo, como reconhece o Tribunal recorrido (“cujo entendimento é naturalmente extensível ao requerimento apresentado pelo devedor, ainda que ele não se faça expressa menção”) e admite a Recorrente, a decisão daquele pedido da Devedora no sentido de estender, ou não, o prazo para votação do plano em apreciação.
Na verdade, não se antevê (nem o Tribunal a quo fez qualquer esforço de fundamentação normativa nesse sentido), por que razão é “natural” haver uma extensão da sua apreciação do distinto requerimento de outra parte à solução do pedido da Devedora. De facto não houve. O Tribunal não se reportou nunca a esse pedido, nem ao respectivo contraditório emitido a seu pedido pelo Administrador Judicial Provisório, pelo que não podemos considerar, que por simples “interpretação extensiva” se indeferiu ou não aquele, desde logo porque faltou qualquer dispositivo que a ele se reportasse.
Assente isso, em que ponto, nos encontramos?
Falta nos autos qualquer decisão que admita a tardia votação por parte do Apelante.

O quadro descrito é o da falta de decisão de um pedido formulado por um dos intervenientes processuais, ou seja, a omissão de um ato que a lei prescreve, no caso a decisão do incidente suscitado, o que potencialmente importava nulidade secundária, prevista no art. 195º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Contudo, esse vício não é de conhecimento oficioso e, por isso, decorrido o prazo previsto no art. 199º, do mesmo Código, deve considerar-se sanado.
Com efeito, de acordo com nº 1, deste dispositivo processual, a regra geral sobre o prazo para a sua arguição é a seguinte: se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
No caso, sendo certo que em 8.9.2020 a Recorrente veio ao autos alegar, além de mais, que o Tribunal a quo havia omitido essa decisão, pediu então apenas a reformulação da acta apresentada anteriormente pelo Administrador de modo a ser contemplado o seu voto de 7.9.2020, sem invocar essa nulidade, o que até hoje não fez, tendo aquele prazo de 10 dias terminado em 18.9.2020, ainda antes do requerimento de recurso que apresentou nos autos.
Posto isto, há que ter em conta tão-somente o disposto no art. 17ºF, nº 3, do CIRE: Findo o prazo previsto no número anterior é publicado no portal Citius anúncio advertindo da junção ou não junção de nova versão do plano, correndo desde a publicação referida o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações.
No caso, como acima ficou assinalado, esse anúncio ocorreu em 21.8.2020, pelo que esse prazo de 10 dias terminou, como bem assinalou o Tribunal recorrido, em 31.8.2020 (o Recorrente não alegou qualquer impedimento que prorrogasse esse termo).
Por isso, o voto apresentado pelo Apelante 4 dias depois, em 4.9.2020, é extemporâneo, conforme decidiu o Tribunal a quo na recorrida decisão de 9.9.2020.

Perante isto, aquela alega (item 11. das suas conclusões) que esse Tribunal no seu Despacho de 09/09/2020, tendo julgado improcedente "a pretensão deduzida pelo credor IFAP, considerando extemporânea a respectiva declaração de voto emitida e junta aos autos a tis. 224., nele tendo feito menção de que fora indeferida "por extensão de entendimento" vertido no seu Despacho de 01/09/2020 (registo Citius 34654479) a concessão de um prazo adicional de 5 dias para os credores votarem o Plano, requerida pela devedora em 27/08/2020, errou na aplicação do direito aos factos processualmente relevantes em violação do disposto, designadamente nos art°s 6°, 7° e 131°, todos do CPC, respectivamente quanto à violação: • do princípio do «Dever de gestão processual» (art° 6° do CPC); • do princípio do «Dever de boa-fé processual» (art" 7° do CPC) • do princípio da «Limitação dos actos» (131°, segundo o qual "Não é lícito realizar no processo atas inúteis").
Todavia, conforme resulta da exposição que antecede, que em bom rigor e quanto ao decurso do referido prazo nem é substancialmente contrariada pelo Apelante, o Tribunal a quo, no seu despacho, embora tenha erroneamente considerado a emissão prévia, por extensão do seu despacho de 1.9.2020, de uma decisão de indeferimento, não deixou de aplicar correctamente o direito aos factos, considerando que o voto daquele era extemporâneo e, por isso, era inadmissível a reformulação do resultado da votação entretanto apresentado e documentado nos autos.

Nesta decisão, fundamentalmente, repete-se, o Tribunal aplicou o direito aos factos correctamente, como era sua obrigação, pelo que não se concebe em que medida é que possa aqui estar em causa a violação dos referidos normativos ou dos referidos princípios.
Na verdade, convenhamos, a ocorrer alguma inutilidade, de acordo com silogismo seguido pelas alegações em apreço, essa apenas se poderia imputar, em tese, nos termos do art. 130º (e não 131º), do C.P.C., ao despacho de mero expediente de 28.8.2020, aquele ao qual o Apelante, contraditoriamente, não deixa de atribuir pertinência e proveito para si, ainda neste momento!
No que diz respeito à violação da boa-fé processual, não transparece do ocorrido que o Tribunal tenha agido de má-fé, assim com não nos ocorre que a negligência do Recorrente em arguir a mencionada nulidade possa estar associada a esse tipo comportamento, sendo certo que o citado “dever de boa-fé processual” se encontra presente não no nomeado art. 7º mas sim no art. 8º do C.P.C. e tem como destinatários as partes e não o Tribunal.
Além disso, sem prejuízo da postura que o enquadra, não se vislumbra no concreto indeferimento decidido qualquer violação do dever de gestão processual descrito no art. 6º, do mesmo Código, antes precisamente o cumprimento do que aí primariamente se estipula: dirigir activamente o processo para que sejam alcançados os seus objectivos fundamentais com celeridade e eficácia.
Por fim, dir-se-á que as meras expectativas das partes não sustentam, por si só, direitos processuais, nem podem obstar às consequências devidas pelo incumprimento dos ónus que se lhe impõe no impulso dos autos.
De tudo o que fica dito neste capítulo, decorre que não existe fundamento para a revogação ou substituição do despacho que considerou extemporâneo o voto do Apelante, cujo recurso deve, portanto, improceder, igualmente nesta parte.

3.3.3. A sentença homologatória de 9.9.2020

No mesmo recurso, a Apelante questiona a sentença que homologou o plano de revitalização da Devedora em apreço, defendendo que foi desatendido o disposto no art. 215º, do CIRE, em virtude da alegada “violação das normas aplicáveis ao seu conteúdo, na parte referente aos créditos reconhecidos ao IFAP, emergentes da prática de acto administrativo com vista à recuperação de quantias a serem devolvidas pelo Estado Português ao FEADER e como tal reconhecidos presentes nos autos” – cf. item 19. das suas conclusões.
Em suma, o Apelante entende que estamos perante comprovados créditos cuja redução não pode ocorrer no quadro do plano votado e apresentado pela devedora.

De acordo com o art. 17ºF, nº 7, do CIRE, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º

Por sua vez o citado art. 215º, do CIRE, prevê que o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.

De acordo com Catarina Serra (5), esse conceito indeterminado de “violação não negligenciável” consubstancia apenas e só aquela que importe uma lesão de tal modo grave que nem em atenção ao princípio da recuperação e aos interesses associados a este, o juiz pode deixar de recusar-se a homologar o plano, inviabilizando com isso a recuperação. Está implícito na norma o dever de o juiz proceder a uma ponderação – uma ponderação entre o interesse da recuperação e os interesses que sejam, em concreto, visados pela norma violada com vista a decidir se, em homenagem ao primeiro, a violação pode ser negligenciada.
Como se afirma em Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 23.1.2020 (6) - Em decorrência, parece poder concluir-se fazerem parte dos vícios não negligenciáveis ou não desculpáveis, todos aqueles que determinem, por modo inequívoco, violação de normas imperativas, cujo resultado é ilegal, e em todo o caso insusceptível de poder ser suprido com o consentimento dos tutelados, ou dito de outro modo, que consistam em violações destas normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza.

Esta violação, conforme decorre da norma em apreço, tanto pode ser de natureza procedimental, como de natureza substancial ou de conteúdo.
No caso, o Apelante alimenta a tese de que estamos perante uma desconsideração de normas de conteúdo.
Entre essas normas, aplicáveis ao conteúdo do acordo ou plano em crise está, e.g., a previsão do art. 194º, do CIRE, que consagra o princípio da igualdade de credores.
Outro exemplo recorrente dessa invalidade substancial é a da afectação de créditos públicos, como são os fiscais e os da segurança social. Com efeito, a jurisprudência maioritária tem entendido que, face à redacção do art. 30º (7), da Lei Geral Tributária, os créditos fiscais e os créditos da segurança social devem considerar-se indisponíveis, pelo que não poderão ser objecto de redução, extinção ou moratória nos planos de recuperação apresentados no âmbito de um PER, sem que o Estado tenha votado favoravelmente. (8)
Nas suas conclusões, onde devia ser cumprido de forma rigorosa e responsável o disposto no art. 639º, nº 2, do C.P.C., o Apelante invoca apenas o disposto nos arts. 124º e 179º do Código de Procedimento Administrativo, e o art. 266º, da Constituição da República Portuguesa, embora adiante uma vasta panóplia de outros argumentos jurídicos que, contudo, não reconduz a qualquer norma em concreto.
Com efeito, depois de ter omitido qualquer reacção ou discordância substancial ao Plano publicado na sua redacção final, maxime alguma que se reconduzisse aos temas agora esgrimidos, o Apelante vem agora concluir que, sic, considerando a fonte de onde emergem os créditos reclamados pelo IFAP (prática de actos administrativos pelos quais devem ser pagas quantias pecuniárias a pessoa colectiva pública - o IFAP) e a exigibilidade da sua cobrança (a necessidade da execução de tais actos administrativos) e a titularidade das quantias pecuniárias a serem pagas pela Devedora (do FEADER), afigura-se que o Plano votado, prevendo o pagamento dos créditos do IFAP num prazo legalmente inadmissível, não poderia homologado relativamente aos créditos reconhecidos ao IFAP.
Mais adianta o Recorrente que a prática de tais actos administrativos do IFAP, na qualidade de Organismo Pagador do FEADER fundou exclusivamente na prossecução do interesse público, enquanto princípio fundamental da Administração Pública, constitucionalmente consagrado no art° 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP), e, ainda, que o montante dos créditos reclamados pelo IFAP, na qualidade de Organismo Pagador do FEADER, corresponde ao valor de créditos que a Comissão Europeia/FEADER é titular sobre o Estado Português relativamente à Operação da Devedora, e para cuja satisfação cabe ao IFAP, na qualidade de Organismo Pagador do FEADER, com contas certificadas pela Inspecção-geral de Finanças, proceder à recuperação de todas as quantias tidas por indevidamente recebidas pela Devedora, a fim de, subsequentemente: • proceder ao reembolso ao FEADER das quantias respeitantes à comparticipação comunitária do Fundo; • reafectar as quantias referentes à comparticipação nacional (OE) ao Programa de Desenvolvimento Rural vigente.
Todavia, quando se procura nas respectivas alegações a sustentação normativa desses argumentos (que em síntese já devia constar das conclusões), tão pertinente neste caso concreto, o que encontramos é a cópia quase exacta dessas conclusões, em partes genéricas e incompletas no que toca à precisão da normas que, neste caso concreto, permitiriam invocar o dispositivo do citado art. 215º, do CIRE.
Além disso, invoca factos relacionados com a origem dos créditos em causa que não estão comprovados nos autos, pelo menos nos termos em que são agora alegados, dado que o que se apurou sobre a origem dos fundos em causa e ficou acima relatado não coincide com alegada imputação a fundos do FEADER, ao que acresce omitir-se por completo qual o contrato estabelecido, em que data e ao abrigo de que concreto regime jurídico de natureza administrativa.
Ora, o conhecimento oficioso pelo Tribunal, desta e de outras questões, seja o de primeira instância, seja o de recurso, não abdica do conhecimento comprovado dos factos que, em tese, poderão admitir a aplicação de direito sem o impulso das partes e, no caso, desconhece-se por completo não só o concreto contrato, alegadamente administrativo, que enquadra tal crédito, bem como o regime legal que em concreto lhe é aplicável, de entre os que se foram sucedendo no tempo.
Posto isto e ainda assim, em face do que está comprovado e acima ficou enunciado, haverá razões para considerar que estamos perante tal violação não negligenciável de normas de conteúdo?

Do que transparece dos autos resulta desde logo e sem dúvida que o crédito em causa é titulado pelo Estado, através deste seu instituto.

Com efeito, de acordo com o D.L. nº 195/2012, de 23.8., no seu art. 1º, (1) o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I. P., abreviadamente designado por IFAP, I. P., é um instituto público de regime especial, nos termos da lei, integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio.
Entre as receitas de que dispõe, dita o art. 10º, nº 2, al. e), do mesmo D.L., encontram-se o reembolso de apoios concedidos e os valores indevidamente pagos, bem como os respectivos juros e comissões.
De acordo com o seu art. 12º, (1) salvo disposição legal em contrário, compete ao IFAP, I. P., dentro dos condicionalismos legais, decidir o reembolso e a aplicação de sanções resultantes do recebimento indevido de fundos nacionais ou comunitários dos quais seja a entidade pagadora. (4) A cobrança coerciva dos valores referidos nos números anteriores é efectuada com recurso ao processo de execução fiscal, nos termos previstos no Código do Procedimento e do Processo Tributário, constituindo a certidão de dívida emitida pelo IFAP, I. P., título executivo para o efeito. para o efeito. (5) Os termos e as condições de aceitação de acordos de pagamento das dívidas de capital e juros referidas no presente artigo são definidos pelo conselho directivo do IFAP, I. P..

Como salienta Elsa Fernandes (9), a propósito destas pessoas colectivas, relativamente às disposições legais aplicáveis aos institutos públicos, estes encontram-se regulados na Lei-Quadro dos Institutos Públicos, Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro. Tal lei define-os como sendo parte integrante da administração indirecta do Estado, vide art.º 2.º, número 1 da LQIP). Desta forma, "a administração indirecta, embora seja desenvolvida para realização dos fins do Estado, é levada a cabo por pessoas colectivas públicas distintas do Estado (…) ", ou seja, é realizada por conta do Estado mas por outros entes que não o Estado pelos seus próprios serviços. (…) Assim sendo, os institutos públicos, enquanto parte integrante da administração indirecta estadual, justificam-se pela prossecução de atribuições que face à sua especificidade técnica recomendem a necessidade de uma gestão não submetida à direcção do Governo, daí se falar numa administração especializada, neste sentido vide art.º 8.º, n.º 1 da LQIP.
E como acentua esse mesmo estudo, na sequência do entendimento expresso pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 218/2007, de 22.0.3.2007, foi entendido que os contratos de concessão de ajudas financeiras celebrados entre o referido instituto e uma entidade privada ou os actos de respectiva rescisão são actos administrativos.
Aliás, já este Tribunal da Relação de Guimarães (10) decidiu, em consonância com esse jurisprudência, que: 1 - Tem natureza administrativa a relação jurídica estabelecida entre os particulares e o IFADAP (agora IFAP) resultante de contratos de ajuda financeira celebrados entre os particulares e aquele Instituto. 2 - Assume também natureza administrativa o ato unilateral de rescisão e determinação de devolução de ajudas concedidas no âmbito dos mencionados contratos por configurar o exercício de um poder sancionatório e autoritário de pagamento de determinada quantia, que tem origem na sua natureza jurídica pública.
Serve o que fica dito para concluirmos que a esses actos administrativos é aplicável (11) o regime de revogação, alteração e anulação previsto nas normas dos arts. 165º e ss., do previsto no C.P.A. (CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (NOVO (12))),.
Conforme decorre do disposto no art.179º, desse CPA, (1) quando, por força de um ato administrativo, devam ser pagas prestações pecuniárias a uma pessoa colectiva pública, ou por ordem desta, segue-se, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal, tal como regulado na legislação do processo tributário.
Desta norma e das que a antecedem no CPA e foram acima citadas, resulta que qualquer alteração do acto administrativo que consubstancia o contrato que se presume ser fonte do crédito (13) em causa segue determinado formalismo necessariamente dependente de vontade formalizada pela entidade da administração pública competente.
Acresce que da norma do acima citado art. 12º, nº 5, do D.L. nº 195/2012, decorre que os termos e as condições de aceitação de acordos de pagamento desse crédito (capital e juros) são da competência do conselho directivo do IFAP, I. P..
Posto isto, julgamos que, à semelhança dos créditos fiscais e da segurança social, acima mencionados, nestes créditos públicos em particular existem normas imperativas que importam uma indisponibilidade do modo ou tempo da sua cobrança e/ou pagamento. Neste último caso e como resulta do citado art. 12º, nº 5, exige-se, especialmente, que qualquer modificação das obrigações de pagamento contidas nesse contrato seja conferida pelo Estado, IFAP, através do referido órgão directivo.
Sucede que, como se escreveu no Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 30.6.2016 (14- Atenta a especial celeridade que o legislador pretendeu incutir ao PER, o seu regime processual não prevê, ao contrário do que acontece relativamente ao plano de insolvência, a apreciação liminar, pelo juiz do processo, da proposta de plano de insolvência, tendo em vista a sua expurgação de vícios que possam levar à recusa oficiosa da sua homologação (vide art.ºs 207º e 215º do CIRE). No entanto tal não invalida, e tudo aconselha, que o juiz do processo, verificando a existência de um vício não negligenciável do plano de recuperação, não possa, ao abrigo dos princípios que presidiram à introdução do PER no CIRE, em particular o da manutenção, sempre que possível, das empresas recuperáveis no giro comercial mediante um plano de recuperação que as revitalize, e o da economia processual, convide ao aperfeiçoamento do plano de recuperação, tendo em vista a sua conformidade com a Lei, tendo por suporte o disposto no art.º 207º do CIRE e ainda o disposto art.º 508º do CPC.
Aqui não sucedeu esse aperfeiçoamento nem o Tribunal cuidou de, oficiosamente ou no decurso da instância do Apelante, cuidar de que a sua vontade fosse acolhida no plano acordado de forma a salvaguardar o cumprimento das normas acima enunciadas, coisa distinta de indeferir ou não o seu voto tardio.
Certo é que, de acordo com o silogismo acima expresso, julgamos que a cláusula do acordo ou plano homologado a final, que respeita ao crédito de capital e juros do instituto Apelante, contém claramente moratórias dos pagamentos imputados à Recorrida Devedora, bem como modificações das condições exigidas para concessão dos fundos em causa, que consubstanciam uma modificação do contrato administrativo em causa, sem o consentimento expresso daquele e em violação das normas imperativas acima anotadas, maxime do citado art. 12º, nº 5. (15)
À semelhança do que vem sendo entendido em matéria semelhante, respeitante a outros créditos de natureza pública e indisponível, julgamos que, diversamente do que entendeu o Tribunal a quo, ocorreu neste acordo resultado que, no que contende com os créditos aqui em apreço, configura uma norma convencional ilegal, em conteúdo que não está na disposição dos outorgantes (pelo menos sem a intervenção expressa do Apelante) e, ponderando os interesses públicos em causa, esse desvalor não está salvaguardado pelo interesse particular prosseguido pelo Plano de Revitalização homologado, sob pena de derrogação das normas imperativas citadas.
Neste conspecto, é possível concluir, à semelhança do que defende o Apelante, que estamos perante violação não desculpável de normas de conteúdo que preenche a previsão do citado art. 215º, do CIRE.

Aqui chegados, resta saber qual a sorte do Plano atingido por este vício.
O Recorrente defende que a sentença sub judice deve ser revogada na parte em que considerou inexistir a violação apontada de modo a não ser homologado o Plano na parte em que o mesmo disponha sobre os créditos que lhe foram reconhecidos.
Citando mais uma vez Maria do Rosário Epifânio (16), a questão é saber se o juiz deverá recusar a homologação do plano (não produzindo, em consequência, o plano quaisquer efeitos) ou, antes, homologar o plano e recusar-lhe eficácia perante quem não possa ser afectado pelo mesmo? Ou seja, haverá uma recusa de homologação ou apenas uma ineficácia do plano em relação aos credores públicos?
Como assinala a mesma Autora (17), a jurisprudência tem-se dividido quanto a esta questão: as decisões de recusa de homologação fundamentam-se na existência de uma violação que, por afectar a boa decisão da causa, configura uma nulidade que atinge todo o plano votado, a ser tratada nos termos da lei processual geral, com a particularidade prescrita no mesmo art. 215º, do CIRE. Por seu turno, as decisões (maioritárias) (18) de homologação do plano e de ineficácia do mesmo relativamente aos credores públicos têm sido sustentadas na natureza do plano de recuperação, que, assente numa ampla liberdade de estipulação pelos credores do insolvente, constitui um negócio atípico, sendo-lhe aplicável o regime jurídico da ineficácia, e também no argumento de que face aos interesses subjacentes, jurídicos e sociais, imbrincados na recuperação da empresa, a solução mais ajustada é a da ineficácia.
Ponderando essas razões, aderimos a essa solução dominante, na medida em que salvaguarda o interesse violado e, simultaneamente, atende, na medida do possível, ao desígnio de revitalização da empresa em causa que é prosseguido pelo Plano estabelecido.

É com estes argumentos, considerando prejudicados os restantes, que se considera parcialmente procedente a apelação, na parte respeitante à sentença impugnada que, em conformidade com o exposto, deverá ser modificada (cf. art. 608º, nº 2, do Código de Processo Civil).

4. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em conformidade:

· Manter os despachos de 1.9.2020 e 9.9.2020 apreciados supra em 3.3.1.e 3.3.2.;
· No tocante à sentença analisada em 3.3.3., revogar a decisão recorrida na parte em que declara não ocorrer violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano em apreço e ainda naquela em que afirma vincular a Apelante e, alterando-se a mesma, acrescenta-se que o plano homologado é ineficaz relativamente ao crédito reclamado pelo IFAP, I.P., não produzindo quaisquer efeitos quanto ao seu crédito. No restante, mantém-se o julgado nessa sentença.

Custas da apelação pela Recorrida Devedora, no respeitante a custas partes (cf. arts. 527º e 533º do Código de Processo Civil, e 26º, do R.C.P.).
*
Guimarães,

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. José Flores
1º Adj. - Des. Sandra Melo
2º - Adj. - Des. Conceição Sampaio


1. Da responsabilidade do relator – cf. art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.
2. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
3. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
4. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
5. In Lições de Direito da Insolvência, 2018, p. 474
6.In http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/f5c67f0ee8bcc8988025850a0032ccc9?OpenDocument
7. 2 - O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária. 3 - O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.
8. Cf. Maria do Rosário Epifânio, in Manual de Direito da Insolvência, 7ª Ed., p. 466
9. In A Administração Indirecta do Tipo Institucional e o Processo de Execução Fiscal, Dissertação de Mestrado em Direito Tributário e Fiscal sob a orientação do Professor Doutor Joaquim Freitas Rocha, da Universidade do Minho, 2016, p. 22 – in https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/50277/1/Elsa%20de%20Jesus%20Coelho%20Fernandes.pdf
10. Cf. Ac. de 12.1.2017, in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/95EE945A0127DE16802580C8005A4903
11. Cf. art. 2º, nº 1, do C.P.A. - As disposições do presente Código respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à actividade administrativa são aplicáveis à conduta de quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, adoptada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo
12. D.L. nº 4/2015
13. Provavelmente o previsto no art. 17º da Portaria 289-A/2008
14.In http://www.gde.mj.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/bf1bd1199270430d80257ffc004ec284?OpenDocument
15. Em situação similar assim decidiu o referido Ac. do Tribunal da Relação de Évora, em cujo sumário ficou escrito: 1. Sendo a devedora titular de operação PRODER (Programa de Desenvolvimento Rural), por via da qual recebeu um subsídio não reembolsável, a titularidade desse benefício só pode ser transferida para um terceiro se este preencher os requisitos para ser considerado beneficiário dessa operação, nos termos do art.º 5º da Portaria n.º 298-A/2008, de 11 de Abril, se for elegível para o efeito nos termos do art.º 6º do mesmo diploma, e se, consequentemente, o IFAP, IP der a competente autorização de transferência de titularidade da operação. 2. A não observância do disposto em 1. constitui vício não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do Plano de Recuperação 16. Ob. cit., p. 467
17. Ibidem, p. 467/468
18. Neste Tribunal da Relação de Guimarães vide, v.g., Ac. de 15.10.2015, in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/17a1f0cb4ad91cd080257f020059eaf4?OpenDocument / Ac. de 15.12.2016, in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/cfc0b310d8ac8891802580b5005b9b5f?OpenDocument / Ac. de 18.6.2013, in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/0cf676d624ec1ece80257ba2004c1e65?OpenDocument