Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
51/17.6T8CMN.G1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: NEGLIGÊNCIA
CAUSAS DE EXCLUSÃO DO DOLO
FALTA DE CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE
ADMOESTAÇÃO
TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) A falta de consciência da ilicitude, sendo causa de exclusão do dolo, não tem aplicação numa situação como a dos autos, por estar em causa uma actuação negligente do arguido.

II) E não resultando do quadro factual apurado o invocado erro sobre a ilicitude, haverá de concluir-se que o arguido cometeu de forma negligente, o ilícito contraordenacional p. e p. pelo artº 198º-A, nº 1, al. a) da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho

III) Por não se estar perante uma infração de reduzida gravidade e sendo certo que a mera admoestação não satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial, não se justifica a aplicação in casu de tal medida.

IV) Tendo em conta que teve lugar a realização de audiência e julgamento com inquirição de testemunhas e considerando que o limite mínimo da taxa de justiça aplicável é de 1 UC, mostra-se ajustado e adequado o valor de 2 UC fixado pelo Sr. Juiz a quo.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 – RELATÓRIO

1.1. Nos autos de contraordenação em referência, por decisão de 25/11/2016, do SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Ministério da Administração Interna, Direção Regional do Norte – Delegação de Viana do Castelo, foi o arguido J. C. condenado pela prática de uma contraordenação p. e p. pelo artigo 198.º-A, n.º 1, al. a) e 204º, ambos da Lei nº. 23/2007, de 4 de julho, na coima de € 1.000,00.
1.2. O arguido impugnou judicialmente esta decisão administrativa.
1.3. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença, em 24/05/2017, julgando a impugnação improcedente, decidindo manter a decisão administrativa.
1.4. Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs recurso para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação apresentada, as seguintes conclusões:
1.º - A decisão recorrida viola o disposto no art.9º, n.º 1, do D.L. n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo D.L.n.244/95, de 14 de Setembro, porquanto nunca o Recorrente representou a ilicitude do seu comportamento, nem agiu com a consciência do mesmo.
2.º - Consequentemente, devem os presentes autos ser arquivados sem aplicação de pena alguma ao Recorrente uma vez que, face ao seu desconhecimento da lei em causa, é perfeitamente desculpável a sua actuação, revogando-se a decisão recorrida por outra que determine a absolvição do Recorrente;
- Todavia, caso assim não seja entendido – o que se não concebe, nem concede, e só por hipótese se admite – requerer-se a V. Ex., além da redução da Taxa de Justiça de 2 para 1 UC, a substituição da coima aplicada pela pena de admoestação prevista no art.512 do D.L.244/95, de 14 de Setembro, uma vez que, salvo melhor e douta opinião de V. Ex., o facto em causa é de reduzida censurabilidade, a qual, ao contrário do que defende a M.ma Juiz recorrida, satisfaz in casu as necessidades de prevenção geral e especial, tanto mais que o ora Recorrente nunca em situação similar se viu envolvido
1.5. O recurso foi regularmente admitido, por despacho de fls. 89.
1.6. O Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta ao recurso, nos termos constantes de fls. 93 a 102, pugnando para que não seja dado provimento ao recurso e para que seja mantida a sentença recorrida.
1.7. Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos que constam de fls. 101, pronunciando-se no sentido de o recurso não dever merecer provimento.
1.8. Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo o arguido/recorrente exercido o direito de resposta.
1.9. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. É consabido que as conclusões formuladas pelo recorrente extraídas da motivação do recurso balizam ou delimitam o objeto deste último (cfr. art.º 412º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do disposto nos artigos 41.º n.º 1 e 74.º n.º 4, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro)
Tal não exclui o conhecimento oficioso dos vícios enumerados no artigo 410º, nº. 2, do C.P.P., quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida, por si só, ou em sua conjugação com as regras da experiência comum, bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
2.2. In casu, atentas as conclusões extraídas da motivação do recurso interposto pelo arguido são suscitadas as seguintes questões:

– Falta de consciência da ilicitude do seu comportamento, por parte do arguido/recorrente;
– Substituição da coima por admoestação;
– Redução da taxa de justiça.

2.3. A sentença recorrida é do seguinte teor:
«J. C., NIF …, residente na Rua do … Moledo, interpôs o presente recurso de impugnação da decisão proferida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras-Direção Regional Do Norte-delegação de Viana do Castelo, no processo de contraordenação nº …, que o condenou pela prática de uma contraordenação ao disposto no artigo 198º-A, nº 1, al. a), da lei nº 23/2007, de 04-07, por utilização de atividade de um cidadão estrangeiro não habilitado para trabalhar em Portugal, na coima de €1.000,00 (mil euros).

Alegou, em síntese:

1. O cidadão brasileiro P. S. nunca exerceu uma atividade profissional subordinada sob as suas ordens, direção e fiscalização, mas tão só a regar e a tratar de plantas, a troco de algum dinheiro para “comer” e para as despesas essenciais com a sua subsistência.
2. Não tinha consciência do significado antijurídico da sua atuação, desconhecendo que a sua conduta era proibida por lei, situação que é desculpável.
3. Caso assim não seja entendido, sempre o grau de censurabilidade da conduta é muito reduzido, justificando a aplicação de admoestação, face ao disposto no art.º 9º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27-10.

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Foi proferida decisão que admitiu o recurso interposto, que delimitou o âmbito da prova a produzir e designou data para a realização da audiência de julgamento.
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Realizou-se audiência de julgamento com a observância do formalismo legalmente previsto, na ausência do recorrente.
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O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia, não ocorrendo causa de incompetência relativa de que se deva conhecer oficiosamente.
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II. Fundamentação

II.1. Matéria de Facto Provada

1. No dia 03-05-2016, pelas 15h00m, o cidadão brasileiro P. S., nascido a 18-02-1996, melhor identificado no auto de notícia, de 13-05-2016, encontrava-se a regar e cuidar das plantas no interior da estufa “VJ”, sita na E.N. .. nº … Moledo, propriedade de J. C., atividade que aquele desenvolvia, sob as ordens, direção e fiscalização deste e mediante remuneração, apesar de se encontrar em território português desde 0-12-2014, não sendo portador de qualquer título que o habilitasse a permanecer ou a exercer qualquer atividade profissional em Portugal, encontrando-se em permanência ilegal.
2. Nessa mesma data, P. S. foi notificado para abandonar voluntariamente o território nacional nos termos do artigo 138º, nº 1, da Lei nº 23/07, de 04-07, o que veio a suceder.
3. J. C. estava coletado tendo como atividade principal “Silvicultura e outras atividades florestais” e como CAE secundário “Comércio e Ret. Flores, Plantas, Semente e fertilizantes, Est. Esp”.
4. Ao agir pela forma descrita, permitindo que um cidadão não autorizado documentalmente a permanecer e a exercer uma atividade laboral em território nacional, sem ter diligenciado juntamente com o referido cidadão, desde o início, pela verificação da sua situação documental, o recorrente não procedeu com o cuidado a que, segundo as regras da experiência e do senso comum, estava obrigado e de que era capaz.
5. O recorrente encontra-se no Brasil, em formação profissional.
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II.2. Matéria de Facto Não Provada

Inexistem factos não provados, com relevância para a decisão a proferir.
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II.3. Motivação da Decisão de Facto

A convicção do Tribunal fundou-se na análise e valoração de toda a prova produzida em audiência de julgamento, segundo as regras da experiência e do senso comum, pela forma que se passa a descrever.
O recorrente J. C. não compareceu à audiência de julgamento.
Foram ouvidos os inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras V. A. e R. C., o primeiro dos quais realizou a ação de fiscalização e elaborou o auto de notícia e esclareceu que observou o cidadão brasileiro que confirmou encontrar-se em situação ilegal a exercer a atividade descrita, cuidando de plantas que se encontravam no interior da sobredita estufa, tendo o mesmo confirmado que colaborava com o ora recorrente em troca de dinheiro ou de refeições, embora sem vínculo contratual laboral formal. Acompanharam-no nessa ação de fiscalização, os inspetores do SEF, P. P. e A. A.. O exercício dessa atividade laboral fora indicado à primeira referida testemunha por I. C., cidadã brasileira que explora um estabelecimento de café local. O inspetor R. F. reiterou a situação ilegal do referido cidadão brasileiro em território nacional, tendo instruído o processo de contraordenação. Esclareceu que o ora recorrente não estava referenciado como estando implicado noutras situações como a que está em causa.
As testemunhas R. S. e P. A. abonaram o comportamento do ora recorrente, a quem se referiram como sendo normalmente cumpridor das leis, bem como transmitiram o facto de, através da conduta em causa, o ora recorrente pretender ajudar o já identificado cidadão brasileiro, com quem mantinha igualmente uma relação de amizade.
Foi considerada toda a documentação constante dos autos.
O tribunal não ficou com dúvidas quanto à natureza da colaboração prestada pelo cidadão brasileiro ao ora recorrente, tal como deixou descrito.
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II.4. Aspeto Jurídico da Causa

II.4.1. Enquadramento Jurídico

Ao recorrente vem imputada a prática de uma contraordenação ao disposto no artigo 198º-A, nº 1, al. a), da lei nº 23/2007, de 04-07, em virtude de utilização de atividade de um cidadão estrangeiro não habilitado para trabalhar em Portugal, punida a título negligente, punível nos termos do art.º 204º da mesma lei, com coima de €1.000,00 (mil euros) a €5.000,00 (cinco mil euros).
Impõe-se a análise dos critérios previstos no art.º 18º do RGIMOS, no que concerne à determinação da medida da coima, designadamente quanto à gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico eventualmente retirado da prática da contra-ordenação.
No caso em análise está em causa a prestação de serviço ou colaboração de 1 (um) cidadão estrangeiro não habilitado a permanecer ou a exercer uma atividade em território nacional, no contexto de uma colaboração informal, embora remunerada.
Assim sendo, não se conclui pela especial gravidade da conduta face à graduação das coimas previstas no art.º 198º-A da Lei nº 29/2012.
Não foi possível apurar a situação económica do agente nem concluir por um eventual benefício retirado da prática da contra-ordenação.
Pugna o ora recorrente pela aplicação de admoestação, atendendo à reduzida gravidade da contraordenação praticada e da sua culpa.
Afigura-se-nos que apesar da contextualização apurada, a aplicação de admoestação que consiste numa solene censura dirigida ao agente, por escrito, não satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial, como tal não consideramos que se verifique o pressuposto a que alude o art.º 51º do RGCOC, da reduzida gravidade da infração.
Assim sendo, decide-se manter a decisão proferida pela entidade administrativa, fixando-se a coima em €1.000,00 (mil euros).
Assim, decido julgar improcedente a impugnação judicial.
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II. DECISÃO

Em face do exposto, julgo improcedente o recurso interposto e, em consequência:
Condeno J. C. pela prática de uma contraordenação 198º-A, nº 1, al. a), da lei nº 23/2007, de 04-07, em virtude de utilização de atividade de um cidadão estrangeiro não habilitado para trabalhar em Portugal, punida a título negligente, nos termos do art.º 204º da mesma lei, em coima que se fixa em €1.000,00 (mil euros).
As custas serão suportadas pelo recorrente, atento o disposto pelo n 3 do art.º 93º do RGCOC, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
(…)».
2.4. Antes de entrarmos na apreciação das concretas questões suscitadas pelo recorrente, importa frisar que, tal como o recorrente salienta, o presente recurso é restrito à matéria de direito, nos termos do art.º 75, do RGCO e que em relação à matéria de facto, apenas pode ser impugnada, por via, da invocação dos vícios (que também são de conhecimento oficioso), previstos no artigo 410º n.º 2 do Código Processo Penal, aplicável ex vi, art.º 74º n.º 4 do RGCO, quais sejam: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova.
Estamos perante vícios que têm que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos estranhos à decisão, para fundamentar a existência do vício, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos.
Ora, analisado o texto da decisão recorrida não se vislumbra que a mesma enferme de qualquer dos enunciados vícios.
Assim, tem-se por definitivamente fixada a matéria factual dada como provada, na decisão recorrida.
2.5. Apreciemos, então, as questões suscitadas:

Da falta de consciência da ilicitude do seu comportamento, por parte do arguido/recorrente
Sustenta o arguido/recorrente que não tinha conhecimento do significado antijurídico da sua atuação, não sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, nem sequer tendo representado que a ilicitude do seu comportamento, nem agiu com a consciência dessa ilicitude.
Defende, ainda, o arguido/recorrente ser a sua conduta desculpável, face ao desconhecimento da lei, pelo que, deverá ser absolvido da contraordenação cuja prática lhe é imputada.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de não assistir razão ao arguido/recorrente, acolhendo os fundamentos aduzidos na sentença recorrida, considerando que o arguido/recorrente não agiu com a diligência necessária, pelo que a sua conduta se enquadra no conceito de negligência, não sendo de considerar que o desconhecimento da lei possa ser aproveitado a favor do arguido/recorrente.
Vejamos:
Na sentença recorrida, foi dado como provado que «Ao agir pela forma descrita, permitindo que um cidadão não autorizado documentalmente a permanecer e a exercer uma atividade laboral em território nacional, sem ter diligenciado juntamente com o referido cidadão, desde o início, pela verificação da sua situação documental, o recorrente não procedeu com o cuidado a que, segundo as regras da experiência e do senso comum, estava obrigado e de que era capaz
A negligência traduz-se em o agente atuar sem que proceda com o cuidado a que segundo as circunstâncias concretas está obrigado e de que é capaz (artigo 15º, do C. Penal).
No facto negligente não é correto falar-se em consciência da ilicitude, enquanto conhecimento, por parte do agente, do caráter ilícito da sua conduta, pois que, aquele elemento respeita a comportamentos dolosos.
De harmonia com o disposto no artigo 8º, nº.s 2 e 3, do Regime Geral das Contra Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 433/83, de 27 de outubro, na redação do DL nº. 244/95, de 14 de setembro: O erro sobre a proibição exclui o dolo, ficando ressalvada a proibição da negligência nos termos gerais.
Como bem refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da Republica Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, págs. 63, 65 e 66, no domínio do direito das contraordenações, devido «à natureza eticamente neutral do objeto do ilícito contraordenacional, o conhecimento da proibição é indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto» e atuar com dolo. O erro sobre a proibição, neste âmbito, inclui, pois, entre outras, situações, a do erro sobre a ilicitude da ação.
Relativamente ao erro sobre a ilicitude (previsto no artigo 9º do RGCO), «no domínio do direito das contraordenações strictu sensu, que incluem as condutas eticamente irrelevantes, o erro sobre a ilicitude tem um campo de aplicação muito reduzido, uma vez que o artigo 8º já prevê o “erro sobre a proibição”, como causa de exclusão do dolo do tipo», ficando o erro sobre a ilicitude «restringido às seguintes situações típicas: (1) o erro sobre a existência e os limites de uma causa de justificação ou de exclusão da culpa e (2) o erro sobre a validade da norma.»
Aplicando as considerações que se deixam expendidas ao caso vertente, temos que a falta de consciência da ilicitude, que o arguido/recorrente convoca, sendo causa de exclusão do dolo, não tem aplicação à situação dos autos, na medida em que está em causa uma atuação negligente.
E, relação ao erro sobre a ilicitude, para que pudesse ser considerada a sua existência, teria de resultar dos factos provados (cfr, citado Ac. da RC de 4/3/2009, proferido no proc. nº. 184/08.5TBCBR.C1), o que, in casu, não acontece.
Assim, em face dos factos que foram dados como provados, é de concluir que o arguido/recorrente ao admitir a trabalhar, sob as suas ordens, direção e fiscalização e mediante remuneração, nos viveiros de sua propriedade, um cidadão estrangeiro, brasileiro, que encontrava em situação ilegal em território nacional, sem qualquer título que o habilitasse a permanecer ou a exercer qualquer atividade profissional em Portugal e sem que o arguido/recorrente se certificasse ou se informasse previamente sobre a sua situação documental em Portugal, não procedeu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, pois que, devia e podia ter atuado de outro modo, diligenciando por obter a informação sobre a situação documental do cidadão estrangeiro, brasileiro, cujo trabalho utilizou, mediante remuneração e sobre os requisitos necessários a que pudesse admiti-lo a prestar a atividade que prestava.
Não pode, assim, existir qualquer dúvida de que a o arguido/recorrente atuou com negligência, cometendo o ilícito contraordenacional p. e p. pelo artigo 198º-A, nº. 1, al. a) da Lei nº. 23/2007, de 4 de julho, introduzido pela Lei nº. 29/2012, de 9 de agosto.
Improcede, assim, neste segmento, o recurso.

Da substituição da coima por admoestação
Manifesta o arguido/recorrente que a censurabilidade da sua conduta é muito reduzida e que a admoestação satisfaz in casu as necessidades de prevenção geral e especial.
Na decisão recorrida entendeu-se que a aplicação de uma mera admoestação não satisfaria as necessidades de prevenção geral e especial e considerou-se não estarmos perante uma infração de reduzida gravidade.
Vejamos:
A sanção de admoestação, no regime contraordenacional, encontra-se prevista no artigo 51.º do RGCO, que dispõe:

1. Quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.
2. A admoestação é proferida por escrito, não podendo o facto voltar a ser apreciado como contraordenação.
Ao que julgamos é hoje pacificamente aceite que no âmbito contraordenacional, pese embora, a norma do citado artigo 51º esteja inserida no Capitulo III - “Da aplicação da coima pelas autoridades administrativas” -, Parte II, do RGCO, a admoestação pode ser aplicada, quer na fase administrativa, quer na fase judicial, de recurso da decisão administrativa (neste sentido, cfr., entre outros, Ac.s da RC de 27/02/2013, proc. 984/12.6TBTNV.C1 e de 27/06/2012, proc. 49/12.0TCBVL.C1, Ac. da R.E. de 11/09/2012, proc. 29/12.6TBARL.E1 e Ac. RL de 08/11/2012, proc. 1293/10.0TELSB.L1-5. António Beça Pereira, Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas, Almedina, 2014, 10º Edição, pág. 137 e Paulo Pinto de Albuquerque, Cometário do Regime Geral das Contra Ordenações, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Portuguesa, pág. 223).
Tal como decorre do citado artigo 51º, nº. 1, a aplicação da sanção de admoestação é reservada aos casos em que a gravidade da contraordenação e a culpa do agente sejam reduzidas.
Ora, no caso vertente, entendemos que a contraordenação praticada pelo arguido/recorrente não poderá considerar-se de reduzida gravidade, em termos de se poder justificar que seja sancionada com uma mera admoestação, sendo que estamos perante um tipo de contraordenação que tutela, simultaneamente, o interesse público do Estado, no controlo dos imigrantes que entraram e/ou permanecem em território nacional, em condições ilegais, exercendo trabalho subordinado e da prevenção das consequências negativas daí decorrentes, para a sociedade e para a economia e a defesa dos direitos dos cidadãos estrangeiros, que estando em situação de ilegalidade em território nacional, vêm a sua força de trabalho utilizada e, não raro, explorada, estando condicionados na defesa dos seus interesses, pela situação de ilegalidade em que se encontram, não podendo olvidar-se que estamos perante um ilícito contraordenacional em relação ao qual a lei prevê a possibilidade de aplicação de sanções acessórias de gravidade considerável (cfr. artigo 198º-A, nº.
Por outro lado, ainda que a conduta do arguido/recorrente assuma a forma negligente, entendemos que, tal como se considerou na sentença recorrida, a sua culpa não poderá ser tida como reduzida, posto que, inexiste suporte factual provado que possa levar a considerar que essa conduta tenha tido subjacente circunstâncias ou elementos que possam fundamentar um juízo de censurabilidade que se afaste daquele que corresponde ao grau médio para situações idênticas.
Acresce que, neste âmbito, não podem também ser descuradas as finalidades da punição, máxime as exigências de prevenção geral, que se revelam acentuadas, atenta a frequência com que vêm sendo cometidas contraordenações da natureza daquela que está em causa nos autos, sendo que em muitas das situações, os cidadãos estrangeiros em situação de permanência ilegal em território português, cujo trabalho é utilizado por empregadores estabelecidos neste território, encontram-se em situação de grande vulnerabilidade «que os levam a aceitar o trabalho que lhe é oferecido em condições diferentes dos cidadãos nacionais ou dos estrangeiros em situação legal, condições estas muitas e muitas vezes desvantajosas (em termos, v.g., de salários, duração do trabalho, higiene, segurança e salubridade), senão mesmo desumanas (“escravos dos tempos modernos” (…), “na medida em que ficam inteiramente dependentes dos seus empregadores (…)” – Paulo Pinto de Albuquerque, in Cometário das Leis Penais Extravagantes, Volume 1, Universidade Católica Portuguesa, págs. 125 e 126 –, devendo a sanção aplicada, sem que a respetiva medida concreta, ultrapasse a culpa do arguido/recorrente, constituir fator de dissuasão da assunção de condutas idênticas à adotada pelo arguido/recorrente e contribuir para o reforço da norma jurídica violada.
Neste quadro, entendemos, não estarem reunidos os pressupostos para que ao arguido/recorrente seja aplicada a sanção de admoestação.
A coima a aplicar ao arguido/recorrente foi fixada no limite mínimo legalmente previsto, correspondente a €1.000,00 (cfr. artigo 204º, nº. 2 e 198º-A, nº. 1, al. a), ambos da Lei nº. 23/2007, de 4 de julho, introduzido pela Lei nº. 29/2012, de 9 de agosto).

Da redução da taxa de justiça

Por último, pugna o arguido/recorrente para que a taxa de justiça em que foi condenado na 1ª instância, fixada em 2 (duas) UC´s seja reduzida para 1 (uma) UC.
Apreciando:
De harmonia com o disposto no artigo 8º, nº. 9 do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça a aplicar em processo contraordenacional, na impugnação judicial da decisão administrativa, sendo a decisão desfavorável ao arguido (cfr. nº. 3 do artigo 93º do RGCO), é fixada pelo juiz dentro dos limites estabelecidos pela Tabela III anexa ao mesmo diploma legal, ou seja, entre 1 a 5 UC, em vista da complexidade da causa.
Ora, no caso vertente, tendo em conta, nomeadamente, que teve lugar a realização de audiência de discussão e julgamento, com a inquirição de testemunhas e considerando que o limite mínimo da taxa de justiça aplicável é de 1 UC, entendemos que se mostra ajustado e adequado o valor de 2 UC fixado pelo Sr. Juiz a quo, que, por isso, se mantém.
Consequentemente, não merecendo censura a decisão recorrida, tem de ser negado provimento ao recurso.

3 – DISPOSITIVO

Nestes termos e pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido/recorrente J. C., confirmando, na íntegra, a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s (cfr. artigos 93.º n.º 3 e 94.º, do RGCO, e artigo 8.º n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais, com referência à Tabela III anexa ao mesmo diploma legal).

Notifique.


Guimarães, 20 de novembro de 2017