Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
31/09.5GCHV.G1
Relator: ISABEL CERQUEIRA
Descritores: RELATÓRIO PERICIAL
SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
REENVIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: I) Se a indemnização por facto ilícito penal é regulada quantitativamente e nos pressupostos pela lei civil, já não é nos aspectos processuais, sendo neste domínio regulada pelo processo penal.
II) Estando no processo penal, a prova pericial, em princípio, subtraída à livre apreciação do julgador e perante a existência de dois relatórios periciais elaborados pela mesma entidade pública, a divergência quanto a um deles só poderia ter sido fundamentada com base em esclarecimentos a ambos os peritos, o que no caso em apreço, não foi feito.
III) A decisão recorrida está, assim, ferida do vício do erro notório na apreciação da prova, o que implica o reenvio parcial dos autos para novo julgamento».
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal:
Relatório
No 2º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi proferida sentença, em 11/07/2014 (fls. 685 a 710), que condenou os arguidos Maria C., Liliana S. e Henri A., pela prática em co-autoria material, e no que interessa a decisão do presente recurso, de um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo art.º 143º n.º 1 do Código Penal (a partir de agora sempre indicado como CP), em penas de multa e no pagamento de uma indemnização, solidariamente, no montante de 868,07 euros, pelos danos patrimoniais, e de 700,00 euros, por cada um dos arguidos relativamente aos danos não patrimoniais, todos sofridos pela assistente Isaura M. e causados pela prática daquele ilícito criminal.
Desta sentença interpôs a assistente o presente recurso (fls. 736 a 746), no qual, e nas suas conclusões (pelas quais se afere o âmbito do recurso), sustenta deverem ter sido dados como provados os factos por si numerados como 38 a 41 e considerados como não provados na 1ª instancia, face a perícia médica efectuada e que foi parcialmente “desconsiderada”, o que integra violação do princípio da livre apreciação da prova e um erro notório na sua apreciação.
Conclui pela alteração da matéria de facto, e que em função da consideração dos factos por si indicados nas conclusões V a IX como provados, a indemnização civil pelo crime de ofensa a integridade física simples deveria ter sido fixada em 30.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais, e em mais 641,19 euros, quanto aos patrimoniais, além do montante a apurar em execução de sentença, quanto a tratamentos de fisioterapia, despesas médicas ou medicamentosas e deslocações futuras. Subsidiariamente, acrescenta, que mesmo a não se impor a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada na decisão recorrida, sempre a indemnização arbitrada seria “curta”.
Os arguidos responderam ao recurso interposto, a fls. 753 a 763, pugnando pela sua total improcedência.
O Ex.mº Sr. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal pelas razões expostas a fls. 771 não emitiu parecer.
Foram colhidos os vistos legais, e procedeu-se à conferência, cumprindo decidir.
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Foram as seguintes a fundamentação de facto e a motivação na sentença recorrida (que se transcrevem integralmente):
II. Os Factos.
Instruída e discutida a causa resultou provado que:
1. No dia 31 de Julho de 2009, da parte da tarde, a assistente Isaura M., encontrava-se numa casa sita na Rua do Bonjardim, n.º 177, em Arcossó, Chaves, na companhia de Agostinho S., seu companheiro, e a sobrinha deste, Maria M..
2. Pretendiam arrumar os últimos pertences de Agostinho S., que se encontravam nessa residência, para nela passar a habitar a arguida Maria C. de quem Agostinho V.se tinha divorciado há cerca de 4 meses àquela data.
3. A arguida Maria C., a sua filha Liliana S. e o marido deste Henri A., regressaram nesse dia de França, tendo-se dirigido para a residência referida em 1, não obstante terem combinado que apenas passariam a habitar a referida casa no dia 1 de Agosto de 2009.
4. A assistente e os arguidos encontram-se de relações cortadas, sendo a assistente a actual companheira do ex-marido da arguida Maria C. .
5. Assim, as arguidas Maria C., Liliana S. e o arguido Henri A. , entraram em discussão com a assistente, tendo, os três arguidos, em conjugação de esforços e vontades, decidido agredi-la.
6. Mal entrou na residência a arguida Maria C., ao deparar-se com a assistente na cozinha disse em voz alta: “estás aqui sua puta, sua porca”.
7. De seguida a arguida Liliana S., entrou no mesmo espaço, dirigindo à assistente as seguintes expressões: “sua vaca, sua puta, sua porca”.
8. Ao deparar-se com as mencionadas arguidas, a assistente tentou fugir por uma passagem que dava para as traseiras da casa, tendo sido perseguida pelas arguidas que a conseguiram alcançar.
9. Na prossecução dos seus intentos, a arguida Liliana S. agarrou a assistente pelos braços, encostou-a contra uma parede, dando-lhe vários pontapés nas pernas.
10. A arguida Maria C. e o arguido Henri A. desferiram vários murros e pontapés em diversas partes do corpo da assistente.
11. O arguido Henri A. desferiu uma bofetada na assistente que lhe provocou a queda ao solo dos óculos que trazia colocados, tendo-os pisado de seguida, o que causou à assistente um prejuízo de € 600,00.
12. A certa altura o arguido Henri A. proferiu à assistente as seguintes palavras “vamos deixá-la que ela já tem que chegue”, tendo-a levado aos empurrões para fora da residência, até ao portão de saída para a rua.
13. Em virtude das agressões sofridas a assistente necessitou de receber tratamento hospitalar e sofreu «unhada de direcção antero-posterior no lado direito da base do pescoço medindo quatro centímetros, equimose de cor violácea pálida e forma arredondada medindo dois centímetros de diâmetro no lado interno superior do braço direito, edema na articulação tíbio társica, bem como dores nas áreas anatómicas atingidas, lesões estas que lhe provocaram 8 dias para a cura, sem afectação para a capacidade de trabalho geral e/ou profissional.
14. A assistente necessitou ainda de tratamento médico no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, EPE – Unidade de Chaves, nos dias que se seguiram aos factos, designadamente, nos dias 3, 7 e 18 de Agosto de 2009, por sofrer dores no braço direito, cabeça, 1º dedo da mão esquerda e no abdómen, edema no pé direito e no tornozelo.
15. Os arguidos agiram de modo livre, deliberado e consciente, com o propósito concretizado de molestarem, como molestaram, a integridade física de Isaura M., visando provocar-lhe lesões como as que causaram.
16. Agiu ainda o arguido Henri A. com o propósito concretizado de danificar, como danificou os óculos da assistente, bem sabendo que se tratava de um bem que não lhe pertencia.
17. Com as expressões referidas em 6 e 7, agiram as arguidas com o propósito de injúrias e ofender a assistente na sua honra e consideração.
18. As arguidas agiram de modo livre, deliberado e consciente, dirigindo palavras ofensivas da honra e consideração da assistente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
19. Os arguidos Maria C., Liliana S. e Henri G., ao ofenderem corporalmente a assistente, agiram sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
20. O arguido Henry G., ao pisar e destruir os óculos da assistente, sabia igualmente que tal conduta era proibida e punida por lei.
21. Os arguidos não têm antecedentes criminais.
Dos pedidos de indemnização civil.
22. Em consequência das palavras proferidas pelas arguidas a assistente sentiu-se ofendida na sua honra e consideração, tendo ficado triste e abatida.
23. No dia 28 de Agosto a assistente foi assistida no Centro de Saúde de Chaves, tendo, como as dores persistiam de consultar uma médica especialista em medicina física e reabilitação.
24. A assistente apresentava-se com dores à mobilização da coluna cervical e ao nível do ombro, com limitações muito marcadas de abdução e com rotações internas e externas praticamente impossíveis, sendo-lhe prescritos tratamento de fisioterapia à coluna e ao ombro direito.
25. A assistente fez uma ressonância magnética do ombro direito que revelou uma «tendinopatia do tendão subescapular, com aparente fissura milimétrica, bursite subacromial/subdeitoideia e franca busie subcoroide e alterações degenerativas da articulação acrómio-clavicular.
26. A assistente continua a fazer tratamentos de fisioterapia, tendo gasto até 24/05/2010 a quantia de € 376,00, deslocando-se, para o efeito, 48 vezes de Vidago para Chaves no que despendeu o montante de € 114,00.
27. Em consequência da agressão os óculos da assistente ficaram partidos e inutilizados, tendo a assistente despendido a quantia de € 600,00 na compra de uns novos.
28. Gastou, ainda a quantia de € 334,00 em consultas e € 44,07 em medicação.
29. Em consequência da agressão de que foi alvo a assistente sofreu dores físicas e psíquicas.
30. Sofreu e sofre com os tratamentos que teve de fazer.
31. A assistente ficou chocada, envergonhada e desgostosa com tudo o que se passou.
32. Na altura da agressão teve dificuldade em lavar-se, vestir-se e pentear-se, em consequência das dores, passando noites sem dormir.
33. A assistência hospitalar prestada pelo Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, à assistente, orçou em € 441,00.
34. A arguida Maria C. é reformada auferindo € 270,00 mensais.
35. Vive em casa própria.
36. Os arguidos Liliana S. e Henri A. vivem em França.
37. E suportam um empréstimo bancário devido à aquisição de habitação.
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Com relevância para a decisão nada mais se provou, designadamente que:
a) A arguida Liliana A. tenha desferido pontapés no abdómen da assistente.
b) Os arguidos Maria C. e Henri A. tenham agarrado a assistente.
c) A assistente viveu e vive com receio de ser novamente agredida pelos arguidos.
d) A assistente não consegue, ainda hoje, passar a ferro, lavar vidros, lavar o chão, e de fazer a lida da casa.
e) Deixou de poder conduzir qualquer veículo automóvel.
f) A assistente tenha de continuar, em consequência da agressão de que foi vítima, a fazer tratamentos de fisioterapia.
g) As lesões que a assistente apresentava no ombro direito à data da ressonância magnética fossem, todas elas, consequência da agressão de que foi vitima.
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Fundamentação.
A matéria dada como provada teve como base a apreciação crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento.
Desde logo, quer os arguidos, quer a assistente, quer a testemunha Maria M. (que todos aceitam que se encontrava presente) coincidem com a localização espacio-temporal dos acontecimentos.
Assim, todos aceitam que, na parte de tarde do dia 31 de Julho de 2009, a ofendida Isaura R. e a testemunha Maria M. encontravam numa casa sita na Rua do Bonjardim, n.º 177, em Arcossó, sendo que, nessa altura, chegaram ao local, vindos de França, os três arguidos.
Aceitaram ainda que, segundo o acordo outorgado em sede de divórcio entre a Maria C. e seu ex-marido Agostinho V., este permaneceria na habitação até ao dia 31 de Julho, tendo de proceder à sua entrega à aqui arguida no dia 1 de Agosto de 2009.
Não obstante os arguidos terem negado a generalidade dos factos de que são imputados, o certo é que acabaram por admitir a existência de confrontos entre eles e a assistente.
A assistente, por sua vez, prestou um depoimento sério, conciso e isento, afigurando-se ao Tribunal que relatou os factos tal qual estes aconteceram.
Assim, no dia e hora constantes da acusação deslocou-se com o seu companheiro (Agostinho V.) à casa em que este tinha habitado com a sua ex-mulher, a fim de proceder à recolha de alguns pertences deste antes de proceder à entrega da casa à arguida Maria C. conforme tinha sido acordado nos termos do divórcio.
Como, segundo afirmou, não se sentia muito à vontade para proceder a tal diligência, pediu ao seu companheiro para solicitar a uma sobrinha dele que os acompanhasse, o que este fez.
Chegados ao local, o seu companheiro foi apanhar uns pêssegos ficando ambas (a assistente e a sobrinha do companheiro) na cozinha a conversar.
A certa altura entra na cozinha a arguida Maria C., e assim que a viu dirigiu-lhe as seguintes expressões: “puta”, “porca” e “coldre”. De seguida, entrou no local a arguida Liliana tendo dito: “a puta está aí”; “é hoje que dou cabo dela”.
Ao deparar-se com tal situação, a assistente tentou fugir por uma porta que existia nas traseiras, tendo para o efeito descido umas escadas que davam para um pequeno portão. No entanto, quando conseguiu alcançar o referido portão constatou que o mesmo estava fechado. Por força de tal circunstância, os arguidos conseguiram encurralá-la nesse pequeno espaço.
Assim, a arguida Liliana S. agarrou-a pelo braço direito, tendo-a empurrado contra uma parede, tendo-lhe dado pontapés, murros, joelhadas e pisou-lhe os pés. Por sua vez, o arguido Henri A., também lhe deu pontapés e murros, sendo que lhe desferiu uma bofetada que fez com que os óculos que trazia lhe caíssem. Ao ver que a assistente fez um gesto na tentativa de os conseguir apanhar, o arguido Henri A. afastou-os com o pé, tendo-os pisado de seguida, fazendo com que os óculos ficassem completamente inutilizados.
Depois desta situação, o arguido Henri empurrou-a até à rua, tendo-a feito subir as escadas aos encontrões e empurrando-a até à rua principal.
Nesse entretanto a arguida Maria C. continuava sempre a insultá-la com as expressões supra mencionadas.
Grande parte do depoimento da assistente é confirmado pelas declarações prestadas pela testemunha Maria M..
Esta testemunha não tem qualquer interesse na causa, estando no local apenas por pedido do companheiro da assistente, ex-marido da arguida Maria C. e pai da arguida Liliana.
Prestou um depoimento descontraído, linear, claro e completamente coerente.
Segundo esta testemunha o tio – Agostinho V.– no dia 31 de Julho de 2009 pediu-lhe para ir a sua casa, sendo que, quando lá chegou se deparou com a assistente na cozinha.
Soube pelo tio que era o último dia em que podia estar na casa tendo de a deixar até à meia-noite. Ficou a conversar com a assistente na cozinha enquanto o seu tio foi apanhar uns pêssegos.
A certa altura ouviu um barulho e, quase de imediato, entrou a arguida Maria C. na cozinha começando a berrar chamando à arguida “safada” e “puta”.
Em face de tal situação a assistente fugiu na direcção de umas escadas que davam acesso a uma outra saída.
A arguida Maria C. continuou a gritar para a filha e para o genro dizendo “está aqui a puta, a porca, o coldre”. Chegou a ver a arguida Maria C. , a filha e o genro, a descerem as referidas escadas atrás da assistente, indo a Liliana S. à frente, seguida do Henri A. e da Maria C.
Nessa altura a testemunha saiu, pela porta principal por onde tinha entrado e foi procurar o tio a fim de solicitar por ajuda.
Uma vez que não consegui encontrar o seu tio, regressou ao local, tendo nessa altura visto o Henri a empurrar a assistente e a dizer: “sai daqui! Sai do que é meu”.
Nessa altura apercebeu-se que a assistente se encontrava batida.
A arguida Maria C. foi para uma janela continuando a insultar a assistente. Por sua vez, a arguida Liliana S., encontrava-se sentada nas escadas tendo efectuado uma chamada no telemóvel.
A testemunha, que se encontrava a cerca de 1,5 metros, chegou a ouvir parte do conteúdo da referida chamada tendo relatado que a arguida disse que tinham batido à assistente e que esta tinha levado a conta certa. Contou também que os óculos tinham caído e que o Henri os pisou.
Seguidamente a testemunha foi ter com a assistente ao caminho e perguntou-lhe se tinha chamado a guarda, ao que esta respondeu que sim. Em face de tal resposta foi mais para diante do caminho a fim de ver se a guarda vinha.
Quando falou com a assistente constatou que a mesma ostentava marcas de ter sido trepada ou pontapeada, tendo também arranhões no braço e no pescoço. Tinha na mão os óculos partidos.
Entretanto a testemunha saiu de local.
Afirmou ainda que mais tarde, nesse dia, se cruzou com a assistente e com o seu tio, tendo-lhe os mesmos dito que iam ao hospital.
Em consequência do que descreveu a assistente ficou muito triste e nervosa, ficando com dificuldade em mexer o braço.
Esta testemunha, quando foi à procura do seu tio terá passado, perto do portão através do qual a assistente tentou fugir, e onde acabou por se dar a agressão, sendo que não se apercebeu do que se estava a passar no local
Ora, tendo em conta que a testemunha iria algo aflita com a situação procurando o tio. Além do mais, conforme referiu, convenceu-se que a assistente tinha conseguido fugir do local, razão pela qual, não se terá apercebido de que algo se encontrava a passar nesse local.
Também a testemunha Agostinho S. (ex-marido da arguida Maria C., pai da arguida Liliana S. e sogro do arguido Henri A.) confirmou a versão da assistente e da testemunha Maria M. ao afirmar que no dia aqui em crise, pediu a Isaura R. para o ajudar a retirar os últimos pertences da casa a fim de entregar à sua ex-mulher, bem como, que solicitou à sua sobrinha Maria M. que fosse lá a casa.
Chegados ao local, deixou a assistente e sua sobrinha em casa e foi a um terreno perto apanhar uns pêssegos.
Apenas quando regressou a casa, viu o carro do genro e da filha parado no quintal, tendo logo deduzido que tinha havido problemas.
Ligou de imediato para a assistente, sendo que esta quando atendeu o telefone já se encontrava na rua, depois de ter sido batida pelos arguidos.
Quando chegou perto da assistente, constatou que esta tinha um arranhão no pescoço, um pé inchado e pisaduras pelo corpo. Apresentava-se despenteada e desarranjada.
Atestou ainda que a assistente se sentiu humilhada, vexada e ofendida com a situação. Disse ainda que tem muita dificuldade em mexer o braço, o que lhe acarreta grandes complicações na altura de fazer a sua higiene pessoal, de se vestir e de tratar da lida da casa.
Esta testemunha, não obstante ser companheiro da assistente, não se pode esquecer que foi casado com a arguida Maria C. e que é pai da arguida Liliana. Assim, não se afigura que esta testemunha fosse faltar à verdade, favorecendo a sua companheira e prejudicando a sua filha.
Acresce que o seu depoimento, quer quanto ao momento em que abandonou a casa quer quanto ao momento em que regressou após ter apanhado os pêssegos é perfeitamente coerente e compatível com o relato dos factos por parte da testemunha Maria M.
Logo, o Tribunal deu credibilidade ao seu depoimento.
É certo que os arguidos negaram, grosso modo, a prática dos factos pelos quais se encontram acusados, sendo que o arguido Henri admitiu que, por acidente, partiu os óculos à assistente e a arguida Maria C. que lhe chamou “safada” e “porca”.
No entanto, as suas declarações não se afiguraram como suficientes para afastar a credibilidade dos depoimentos das testemunhas mencionadas.
Desde logo porque foi evidente o mal-estar que a arguida Maria C. vivem em virtude de se ter divorciado do seu marido, entendendo que a assistente é a responsável de tal ter acontecido. Foi visível o nervosismo e agitação da arguida, na sala de audiência, enquanto a assistente e o seu ex-marido prestavam depoimento.
Por outro lado, ficou também claro que os arguidos bem sabiam que a casa só seria entregue à arguida Maria C. no dia seguinte, não se vislumbrado qualquer razão para que lá tenham ido no dia anterior.
Admitiu que, quando chegou a casa entrou em primeiro lugar, sendo que, na cozinha da habitação se encontrava a assistente e a testemunha Maria M. Ao ver a assistente dentro da casa que considera sua, reconheceu que lhe chamou “safada” e “porca”, tendo aquela tentado fugir por um portão que existia nas traseiras, tendo para o efeito descido por umas escadas que existiam na cozinha.
A arguida Liliana S. entrou atrás da arguida Maria C., tendo ido atrás da assistente.
Até este ponto as declarações prestadas pela arguida são coincidentes com as das demais testemunhas a cujo depoimento se fez referência, à excepção dos nomes que foram dirigidos à assistente.
No entanto, negou a arguida que, quer ela, quer a sua filha quer o seu genro tenham, por algum modo, agredido a assistente.
Admitiu, porém, que a sua filha agarrou a assistente pela camisola e que a encostou contra uma parede, tendo-a levado de volta para cima e obrigado a abandonar a casa.
Também a arguida Liliana negou que tenha agredido a assistente do modo descrito na acusação admitindo apenas que lhe deu um empurrão em consequência de um pontapé que esta lhe deu. Foi nessa altura que a assistente deixou cair os óculos e que o seu marido, sem querer os trepou, tendo-os destruído.
Também o arguido Henri relatou os factos de modo coincidente com o da arguida Liliana reconhecendo que estragou os óculos, sendo que, no entanto, disse que o fez sem querer.
Ora, pelos motivos supra indicados, não acreditou o Tribunal que os factos se tivessem desenrolado do modo como os arguidos os descrevem. Os mesmos tentaram fazer passar a ideia de que a assistente se encontrava “no local errado à hora errada”. Porém, os arguidos é que não deviam estar no local, tendo de modo inoportuno se apresentado na referida residência.
Apresenta-se bem mais plausível a versão dos factos trazida pela assistente e corroborada pela testemunha Maria M., que nenhum interesse tem nesta causa.
Porém, não deixa de se chamar a atenção para os depoimentos prestados pelos elementos da GNR que, acorreram ao local, chamados pela assistente.
Assim, a testemunha Manuel S., não obstante ter afirmado que não sabia a razão pela qual foram chamados ao local, o certo é que, entre dentes, acabou por mencionar as agressões.
Disse também que não vislumbrou qualquer ferimento na assistente, sendo que esta apenas tinha os óculos partidos e que se encontrava nervosa. Teve um depoimento titubeante e evasivo.
Por sua vez, a testemunha Luís M., afirmou igualmente que a assistente apenas lhe disse que lhe tinham partido os óculos não se tendo queixado de mais nada.
Afirmou ainda que a mesma se encontrava composta, sem qualquer sinal de ter sido agredida.
Desde já se diz que se estranha que os elementos da GNR se tenham deslocado ao local sem saber para o que iam, conforme afirmaram. Mais se estranha ainda que, alguém, neste caso a assistente, tenha clamado a GNR apenas por causa de uns óculos partidos. Finalmente, mesmo tendo em conta os factos admitidos pelos arguidos, designadamente, pela arguida Liliana que puxou e empurrou a assistente, tendo-a conduzido até à rua, aquele não poderia deixar de se apresentar, pelo menos, desalinhada.
Deste modo, tendo em conta as inúmeras imprecisões e o modo distante como foram prestados, não deu o Tribunal crédito aos seus depoimentos.
No que se refere à matéria constante dos pedidos de indemnização civil a testemunha Cármen M., amiga da assistente, que se encontra nos Estados Unidos tendo regressado a Portugal na semana seguinte ao acontecimento dos factos aqui em discussão, deparou-se com a sua amiga muito abalada, sendo que quase não podia mexer um braço, tendo muita dificuldade em fazer a lida da casa
No que concerne às testemunhas apresentadas pela defesa, nenhuma delas presenciou os factos aqui em discussão, dizendo apenas que, alguns dias após os acontecimentos aqui em crise viram a assistente a apanhar a azeitona bem como a dançar numa festa da localidade.
No entanto, estas testemunhas não lograram precisar se a assistente estava efectivamente a trabalhar, ou se apenas acompanhava o seu companheiro no local.
Não pode deixar de se chamar a atenção para o depoimento da testemunha Maria D., vizinha da casa que agora pertence à arguida Maria C., disse ter visto a assistente no local, à porta de sua casa, dizendo-lhe que estava preocupada e que ia chamar a GNR.
Estranha-se que a assistente tivesse, sem mais nem menos dirigido tais palavras à testemunha, uma vez que, como segundo esta afirmou, não a conhecia, bem como que a Maria D. tivesse regressado ao interior da sua habitação sem se inteirar do que estava a acontecer. Por tais razões não se entendeu o depoimento desta testemunha como sendo esclarecedor.
Em relação às suas condições pessoais valoraram-se as declarações da arguida Maria C. em sede de audiência de julgamento, as quais, em relação a tal ponto, se afiguraram como sendo credíveis.
No que toca à prova documental junta aos autos, valorou-se:
- O relatório do IML de fls. 42 e ss do qual constam as lesões sofridas pela assistente, bem como o tempo de incapacidade de que a mesma padeceu.
- Os CRC de fls. 67, 68 e 115.
- Os documentos do atendimento prestado à assistente pelo Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, dos quais resulta que a assistente ali foi assistida por quatro vezes, sendo a primeira dela no dia dos factos aqui em discussão pelas 21h30m, queixando-se sempre, e alem do mais, do braço e do ombro direito.
- O documento de fls. 153 em relação ao custo da assistência hospitalar de que a assistente beneficiou.
- O relatório medido de fls. 167 e ss, o relatório da ressonância magnética de fls. 170 e ss, dos quais resulta que a assistente sofreu lesões no ombro e braços direitos. No entanto, de tais documentos não se consegue estabelecer o nexo de causalidade com os factos aqui em apreciação, antes se afigurando que, a arguida já padecia de algumas dificuldades e limitações antes da agressão e que poderão ter sido por esta potenciadas.
- Os documentos de fls. 175 a 177 que contabilizam o montante de € 376,00 suportado pela assistente em sessões de fisioterapia.
- A factura de € 600,00 de fls. 178 referente ao valor que a assistente pagou pelos óculos que teve de substituir em virtude de terem sido danificados.
- Recibos da assistência hospitalar de fls. 179 a 185 que ascende a € 57,50.
- Facturas da farmácia.
Os depoimentos e documentos juntos foram ainda conjugados com as regras de experiência comum, na medida em que, é razoável e expectável que quem sofre agressões e insultos do tipo dos que aqui se encontram em causa, fique triste, magoada, envergonhada e humilhada.
No que se refere à matéria dada como não provada, tendo em conta que segundo o relatório do IML a assistente, sofreu apenas 8 dias de doença sem afectação da capacidade para o trabalho, afigura-se que a existência actual das lesões e limitações dadas como assentes, não resulta, ou pelo menos tal não foi demonstrado, de modo directo e imediato, da agressão de que foi alvo por parte dos aqui arguidos.
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Fundamentação de facto e de direito
A primeira e única questão a apreciar é a do pedido de indemnização civil formulado pela assistente, que discorda quanto a esta matéria, de não terem sido dados como provados os prejuízos por si referidos na sua conclusão III, ou seja, que como consequência da conduta dos arguidos tivesse além dos prejuízos dados como provados, sofrido um défice funcional temporário parcial de 280 dias, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 8 pontos e que tivesse sofrido dores de grau 4, como consta do relatório pericial de fls. 304 a 308 e 332 e seguinte, alegando que tal omissão integra um erro notório na apreciação da prova e violação do princípio da livre apreciação da prova, por a prova pericial estar subtraída a este ultimo princípio, nos termos do art.º 163º do CPP.
Na verdade, a julgadora não “aderiu” a esse relatório pericial, em síntese, por “Do relatório médico de fls. 167 e ss, o relatório da ressonância magnética de fls. 170 e ss, dos quais resulta que a assistente sofreu lesões no ombro e braço direitos. No entanto não se consegue estabelecer o nexo de causalidade com os factos aqui em apreciação, antes se afigurando que, a arguida já padecia de algumas dificuldades e limitações antes da agressão e que poderão ter sido por esta potenciadas.
… No que se refere à matéria dada como não provada, tendo em conta que segundo o relatório do IML a assistente, sofreu apenas 8 dias de doença sem afectação da capacidade para o trabalho, afigura-se que a existência actual das lesões e limitações dadas como assentes, não resulta, ou pelo menos tal não foi demonstrado, de modo directo e imediato, da agressão de que foi alvo por parte dos aqui arguidos.”.
Não há, pois, dúvidas de que a julgadora divergiu da prova pericial cuja realização tinha sido requerida, em sede de pedido de indemnização civil pela assistente, aderindo na totalidade ao exame pericial feito pela mesma entidade (IML), em sede de inquérito, e que se encontra junta a fls. 41 e seguintes.
Só que, o fez fundamentando a sua divergência no facto de não se conseguir estabelecer o nexo de causalidade entre as lesões descritas a fls. 303 a 308, não obstante neste relatório não se pôr em dúvida tal nexo de causalidade, e tecendo considerações de ordem técnica e cientifica como a pré-existência de limitações anteriores à agressão e apenas por esta potenciadas.
No caso sub judice, como já se disse, está apenas em causa o pedido de indemnização civil, que por força do princípio da adesão consagrado no art.º 71º do CP, foi deduzido no processo crime, indemnização que, nos termos do 129º do CP é regulada pela lei civil.
Porém, se a indemnização por facto ilícito penal é regulada quantitativamente e nos seus pressupostos pela lei civil, já não é nos aspectos processuais, sendo neste âmbito regulada pelo processo penal (Ac. do STJ de 12/01/2005, CJ III, I, 181).
Assim, e estando no processo penal, a prova pericial, em princípio, subtraída à livre apreciação do julgador (n.º 1 do art.º 163º do CPP), e perante a existência de dois relatórios periciais elaborados pela mesma entidade pública (IML), a divergência quanto a um deles só poderia ter sido fundamentada com base em esclarecimentos a ambos os peritos, o que não foi feito, pelo que, tendo-se o tribunal a quo pronunciado sobre matéria sobre a qual não se devia ter pronunciado, sem a realização daquele diligência, implica que a decisão recorrida, esteja ferida quanto à parte civil do vício do erro notório na apreciação da prova (alínea c) do n.º 2 do art.º 410º do CPP), o que implica o reenvio parcial dos autos para novo julgamento, restrito aos danos sofridos com a agressão perpetrada pelos arguidos.
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Decisão
Pelo exposto, os juízes deste Tribunal acordam em julgar procedente o recurso interposto pela assistente Isaura M., e pela ocorrência do vício do erro notório da apreciação da prova, reenviar os autos para novo julgamento, restrito ao aspecto dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais por aquela sofridos com a agressão em causa nos autos, e no qual, serão pelo menos prestados esclarecimentos por ambos os autores dos dois relatórios periciais juntos aos autos.
Sem custas.
Guimarães, 26 de Janeiro de 2015