Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1372/17.3T9BRG-A.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: JULGAMENTO DE INIMPUTÁVEL
COMETIMENTO PLURALIDADE CRIMES
DELIMITAÇÃO COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: ATRIBUÍDA A COMPETÊNCIA
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - Nos casos em que o inimputável comete uma pluralidade de tipos de crimes, o internamento não pode exceder o limite máximo da prisão prevista para o crime mais grave cometido. O período máximo de internamento não corresponde à soma dos períodos de internamento permitidos pelos diversos tipos de crime.

II - Por isso, na delimitação da competência para o julgamento de inimputável, entre o tribunal singular e o tribunal coletivo, apenas há que atender ao limite máximo de prisão previsto para o tipo de crime mais grave imputado.
Decisão Texto Integral:
1 - No Proc. 1372/17.3T9BRG o Ministério Público, usando a faculdade do art. 16 nº 3 do CPP, acusou em processo comum com intervenção do tribunal singular o arguido L. C., imputando-lhe autoria de:

- um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171 nº 3 al. a) do Cod. Penal (em relação à ofendida A. S.);
- um crime de importunação sexual p. e p. pelo art, 170 do Cod. Pena (em relação à ofendida I. F.; e
- dois crimes de importunação sexual p. e p. pelo art, 170 do Cod. Pena (em relação à ofendida F. M.).
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2 - Após a distribuição do processo ao do Juízo Local Criminal de Braga – J2, foi decidida a realização ao arguido de um Exame de Psiquiatria Forense.

Efetuado o exame, consta das conclusões do relatório que o “examinado padecia de anomalia psíquica grave que o incapacitava de avaliar a ilicitude dos atos por si praticados e de se determinar de acordo com essa avaliação, pelo que existe fundamento para ser considerado inimputável, para os factos de que é acusado…”.
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3 - Em face do conteúdo desse relatório, a sra. juíza do Juízo Local Criminal de Braga – J3 declarou a incompetência do Tribunal Singular para o julgamento e a competência do Tribunal Coletivo, fundamentando, em resumo:

O Ministério Público usou da faculdade prevista na norma do art. 16 nº 3 do CPP, nos termos da qual a competência para o julgamento é do tribunal singular quando o Ministério Público entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos. Porém, aquela norma não é aplicável, porque, tendo o arguido agido em estado de inimputabilidade, não está em causa a sua condenação em qualquer «pena», mas só uma medida de segurança.

Sendo inaplicável a norma do art. 16 nº 3 do CPP, vale a regra geral de que o concurso de infrações determina a atribuição da competência ao Tribunal Coletivo, sempre que, como é o caso, a soma das penas abstratamente aplicáveis às infrações parcelares for superior a 5 anos de prisão – art. 14 nº 2 al. b) do CPP.

4 - Remetidos os autos à distribuição como Processo Comum Coletivo, a sra. juíza do Juízo Central Criminal de Braga – J3, declarou incompetente para o julgamento o Tribunal Coletivo e competente o Tribunal Singular.

Fundamentou a sua decisão no entendimento de que quando o arguido inimputável comete uma pluralidade de ilícitos típicos, o limite máximo da medida de segurança de internamento não é igual à soma das penas abstratamente aplicáveis às infrações, mas só o tempo máximo de prisão previsto na moldura do tipo de crime mais grave.
A competência é do Tribunal Singular, porque o crime mais grave imputado é punível com pena de prisão até 3 anos.
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Suscitado o conflito, foi observado o disposto no art. 36 nºs 1 do CPP.

Nesta Relação de Guimarães pronunciou-se o sr. procurador-geral adjunto no sentido do julgamento ser da competência do Juízo Local Criminal de Braga – J2.
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FUNDAMENTAÇÃO

Cada um dos três crimes de importunação sexual p. e p. pelo art. 170 do Cod. Penal, imputados na acusação, é punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias;

Por sua vez, o crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171 nº 3 al. a) do Cod. Penal é punível com pena de prisão até três anos.

Ou seja, a soma das penas abstratamente aplicáveis às infrações parcelares é superior a 5 anos de prisão.
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Como decorre do relatório desta decisão, ambas as senhoras juízas em conflito aceitam que tendo o arguido atuado em estado de inimputabilidade, não estando já em causa a condenação numa «pena», mas antes a imposição duma «medida de segurança», não subiste a eficácia da declaração do Ministério Público, feita nos termos do art. 16 nº 3 do CPP, para que o julgamento seja feito pelo tribunal singular. Na realidade, esta norma apenas determina a competência do tribunal singular nos casos em que Ministério Público “entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos”.
Não sendo isso objeto de divergência, nada há a decidir nesta parte.
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A solução do conflito está em saber qual o tempo máximo de internamento permitido relativamente ao inimputável que pratica uma pluralidade de tipos de crimes.

O art. 92 nº 2 prescreve que “o internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo de crime cometido pelo inimputável”, mas não esclarece, de forma unívoca, qual o limite máximo nos casos em que o inimputável pratica uma pluralidade de tipos de crimes.

A decisão da juíza do Juízo Local Criminal de Braga – J2 pressupõe que o limite máximo de internamento corresponde à soma dos períodos de internamento permitidos pelos diversos tipos de crimes imputados, numa solução similar à regra do art. 14 nº 2 al. b) do CPP – “Compete ao tribunal coletivo julgar os processos (…) cuja pena, abstratamente aplicável, seja superior a 5 anos de prisão mesmo quando, no caso de concurso de infrações, seja inferior o limite máximo correspondente a cada crime…”.

Porém, este entendimento não é o adequado.

Vejamos:

O imputável é passível de um juízo de censura autónomo e individualizado por cada crime que comete. Relativamente a cada crime é formulado o juízo de que atuou com culpa, porque, em cada caso, podia e devia ter tido comportamento diferente daquele por que optou.

Por isso, é punido com uma pena por cada crime, havendo depois a aplicação das regras do art. 77 do Cod. Penal, para o achamento da pena única, já que o nosso legislador rejeitou uma visão atomística da pluralidade de crimes.

Não existe para os inimputáveis norma similar ao art. 77 do Cod. Penal, porque, por definição, os juízos de culpa estão arredados da aplicação das medidas de segurança aos inimputáveis.

A gravidade dos factos tipicamente criminosos praticados pelo inimputável é apenas índice do seu grau de perigosidade. Revela o grau do estado de perigosidade criminal do inimputável e das necessidades de recuperação.

É este estado de perigosidade criminal que é aferido na decisão judicial.

A perigosidade é só uma. Sobre o inimputável não é possível formular o juízo de que é portador de tantas “perigosidades”, quantos os tipos de crime que pratica, cumuláveis num raciocínio similar ao caso dos imputáveis que cometem uma pluralidade de infrações. Seria um exercício sem sentido, considerando a natureza e o fim da medida de segurança de internamento.

Por isso, a norma acima transcrita do art. 92 nº 2 do Cod. Penal, deve de ser interpretada no sentido de que, nos casos em que o inimputável comete uma pluralidade de tipos de crimes, o internamento não pode exceder o limite máximo da pena abstrata correspondente ao tipo de crime mais grave cometido.
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Sendo o tipo de crime mais grave imputado punível com pena de prisão até 3 anos, o julgamento deve ser feito pelo tribunal singular – art. 16 nº 2 al. b) do CPP. Nesta parte, transcrevo do parecer do sr. procurador geral adjunto: “é de utilizar, na falta de previsão específica quanto à aplicação de medida de segurança, as regras gerais vigentes a propósito da atribuição de competência para o julgamento, com aplicação de penas, previstas nos arts. 14 e 16 do CPP, o que é lícito, nos termos dos arts. 3 e 4 do mesmo compêndio normativo”.

A razão está, pois, do lado da juíza do Juízo Central Criminal de Braga – J3.

DECISÃO

Decido o presente conflito atribuindo a competência para efetuar o julgamento ao Juízo Local Criminal de Braga – J2.
Não é devida tributação.

Observe-se o disposto no art. 36 nº 3 do CPP.
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4-6-2019

Fernando Monterroso