Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
348/14.7T8VCT.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
BOA-FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – O iter negotii caracteriza-se por envolver duas fases distintas, a negociatória, constituída pelos actos tendentes à celebração do contrato, e a decisória, constituída pela conclusão do acordo, devendo as partes, durante todo o percurso do caminho contratual, proceder segundo as regras da boa-fé, conforme prescreve o art. 227º do CC.
II – A razão de ser deste preceito está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa-fé, na medida em que se considera que o mero facto de se entrar em negociações é susceptível de criar uma situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato.
III – A relação pré-contratual estabelecida com os contactos e negociações entre as partes e os deveres (integrados nessa relação) de elas se comportarem com lealdade, probidade, correcção e boa-fé, implicam que, se no decurso das negociações uma das partes faz surgir na outra confiança razoável de que o contrato que negoceiam será concluído e, posteriormente, interrompe as negociações ou recusa a conclusão do contrato sem justo motivo, fica obrigada a reparar os danos sofridos pela outra parte com a aludida ruptura, que é livre, mas não pode ser arbitrária.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO Tribunal de origem: Comarca de Viana do Castelo, Viana do Castelo – Inst. Central - Secção Cível – J3

A. As partes
Autora I, Ldª, com sede na… Viana do Castelo;
F, fundação de solidariedade social, com sede na…Viana do Castelo;
Interveniente Principal Provocada da Chamada: A, com sede na…Viana do Castelo.
B. Objecto do litígio
Na presente acção, fundamentou a autora a sua pretensão na responsabilidade pré-contratual, alegando que a ré - ou a chamada - frustrou de forma culposa e ilegítima as expectativas criadas de que iria formalizar um contrato de prestação de serviços, rompendo as negociações que as partes vinham mantendo com vista à formalização do dito contrato e adjudicando esses serviços a outra empresa, provocando-lhe prejuízos.
Pediu a autora a condenação da ré, e subsidiariamente da chamada, a pagar-lhe a quantia global de € 135.733,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% a contar de 23-05-2014 e até efectivo e integral pagamento.

Citada, a ré veio contestar, alegando ser parte ilegítima e impugnou de forma motivada os factos alegados, dizendo que a possibilidade de existir uma parceria entre a autora e a associação A só não foi alcançada por culpa da autora, considerando exagerados os prejuízos invocados.
Terminou a ré pedindo que a excepção invocada fosse considerada procedente por provada e, em consequência a ré absolvida do pedido e a improcedência da acção.

Admitido o pedido de intervenção principal provocada, veio a chamada apresentar a respectiva contestação, pugnando igualmente pela ilegitimidade da ré e no mais fez seu o articulado apresentado pela ré. Concluiu igualmente pedindo a improcedência da acção.

Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual e após terem sido prestados esclarecimentos pela autora, foi proferido despacho saneador e decidido julgar parte ilegítima a ré e, de seguida, foi proferido ainda o despacho a que alude o art. 596º do CPC, tendo sido identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de provas.

Realizou-se a audiência final, com observância do pertinente formalismo legal.

No final, foi proferida decisão que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
A - condenou a interveniente A a pagar à autora I, Ldª:
- a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento; e
- a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora a contar da data desta sentença até integral pagamento;
absolvendo-a do restante pedido;
B - condenou a autora e a chamada nas custas, na proporção do respectivo decaimento.
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Inconformada com essa sentença, apresentou a interveniente A recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

A. A decisão sub judice enferma de erro na apreciação da matéria de facto, não podendo ser considerados como provados (i) a parte final do ponto 6, (ii) o ponto 45 e (iii) o ponto 55, todos da matéria assente, e devendo, por seu turno ser considerados provados o ponto 5 e 6 (primeira parte) da matéria dada como não provada.
B. A alteração da matéria de facto dada como provada, nos termos ora requeridos é determinada pelos meios de prova transcritos nas alegações, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
C. A alteração da matéria de facto dada como provada, nos termos aqui expostos, tem por consequência a alteração da resposta à questão colocada ao tribunal a quo sobre a existência de pressupostos de responsabilidade pré-contratual geradora da obrigação de indemnizar.
D. Com efeito, recordando o comando normativo inserto no preceito do artigo 227º do CC, no seu n. 1, exige-se “que tenham ocorrido efectivamente negociações conduzidas de tal forma que tenham criado uma confiança razoável na conclusão de um contrato válido e a consequente obtenção dos efeitos do mesmo decorrentes, perante a seriedade de propósitos evidenciada, bem como a ruptura das referidas negociações, de forma arbitrária ou ilegítima, porquanto sem motivo justificativo”.
E. Porém, ficou demonstrado que a recorrida foi um obstáculo à angariação dos patrocínios necessários à realização do festival nem foi capaz de negociar a contratação de artistas ao melhor preço possível.
F. E tal aconteceu por não ser efectivamente uma empresa experiente e credível no meio, contrariamente à expectativa que gerou na recorrente.
G. Como tal, considera a Recorrente, que é, não esqueçamos, uma associação de cariz social, excessiva e desproporcional, sobretudo porque a actividade da recorrida não lhe gerou qualquer vantagem na organização do Festival.
H. E também porque a organização deste evento tinha uma finalidade de cariz social, e não lucrativo, não sendo esse, aliás, o escopo da recorrente.

Termos em que se requer V. Exa. se digne ordenar a imediata revogação da sentença proferida, sendo esta substituída por decisão nos termos supra explanados, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!
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Foram apresentadas contra-alegações pela autora I, Ldª, que se encontram finalizadas com a apresentação das seguintes conclusões:

I - O douto recurso interposto pelo recorrente deve ser liminarmente rejeitado, porquanto, uma vez impugnada a decisão proferida relativamente à matéria de facto, este não obedeceu ao disposto no artigo 640º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a) do Cód. Proc. Civil, ou seja, não indicou com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, porquanto, não especificou qual a cassete/ficheiro em que se encontram inseridas tais passagens, nem o início e o fim de cada uma delas – veja-se a título meramente exemplificativo o plasmado nas páginas 14, 15 e 17 do douto recurso.
II - Essa indicação também não vem mencionada nas conclusões do douto recurso, consoante lhe era legalmente exigível, atendendo ao decidido no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/03/2012, in www.dgsi.pt.
III - A douta sentença recorrida não merece qualquer censura ou reparo, satisfazendo a presente peça processual unicamente o dever de cortesia e respeito para com este Venerando Tribunal.
IV - Inexiste qualquer erro na apreciação da prova produzida por parte do douto tribunal a quo, sendo que outra não poderia ter sido a douta decisão proferida relativamente à matéria de facto provada e não provada, designadamente, quanto aos pontos 6, 45 e 55 dos factos dados como provados e os pontos/parágrafos 5 e 6 dos factos dados como não provados.
V - A recorrente sindica o sentenciado quanto a esta factualidade com base no depoimento das testemunhas M e Man...
VI – A meritíssima juiz do douto tribunal a quo, para formar a sua convicção relativamente à factualidade trazida a estes autos, socorreu-se do “(…) acordo das partes, dos documentos juntos aos autos (...)” e ainda da análise critica, objetiva e rigorosa da prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento, atendendo não só àquilo que lhe foi transmitido, mas ainda à “forma como tal informação chegou ao poder do tribunal”, conforme lhe é imposto em prol do princípio da livre apreciação da prova.
VII - Se o depoimento destas testemunhas logrou convencer o tribunal recorrido no sentido favorável à aqui recorrida não se vê, salvo o devido respeito por melhor opinião, como poderia este Venerando Tribunal da Relação, com recurso a simples e meras gravações, ficar com convencimento diverso.
VIII - A resposta à matéria de facto objeto do processo há-de pois ser o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do Juiz, pelo que, não raras vezes se constata, que o julgamento do Juiz possa não ter a correspondência direta nos depoimentos concretos (ou falta destes), mas seja o resultado lógico da conjugação de alguns outros dados, sobre os quais o seu sentido crítico se exerceu.- vide neste sentido e entre outros o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/03/2007 in www.dgsi.pt
IX - “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum” (negrito nosso) – cfr. douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/10/2008 disponível em www.dgsi.pt.
X – Relativamente ao ponto 6 da factualidade dada como provada, outra não poderia ter sido a decisão do doutro tribunal a quo, porquanto o teor do documento junto a fls. 168 e 169 e ainda os depoimentos do representante legal da recorrente (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 01/04/2016, com inicio às 10:26:13 e fim 11:28:39. Ficheiro: 20160401102610_1260815_ 2871824. Excerto com inicio às 38:38 e fim às 39:07), do representante legal da recorrida, P (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 13/04/2016, com inicio às 15:50:05 e fim às 16:57:13. Ficheiro: 20160413154919_1260815_2871824. Excerto com inicio às 06:31 e fim às 08:09) e das testemunhas L (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 19/01/2016, com inicio às 15:21:51 e fim às 17:25:05. Ficheiro: 20160119152150_1260815_ 2871824. Excerto com inicio às 11:20 e fim às 12:39), M (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 01/04/2016, com inicio às 14:46:58 e fim 16:24:48. Ficheiro: 20160401144623_1260815 _2871824. Excerto com inicio às 05:42 e fim às 06:44) apontam inequivocamente nesse sentido.
XI – Quanto ao ponto 45 da factualidade dada como provada, da análise do documento junto a fls. 168 e 169 destes autos e ainda do declarado pelo representante legal da recorrente (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 01/04/2016, com inicio às 10:26:13 e fim 11:28:39. Ficheiro: 20160401102610_1260815_ 2871824. Excerto com inicio às 47:40 e fim às 50:23) e pelas testemunhas L (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 19/01/2016, com inicio às 15:21:51 e fim às 17:25:05. Ficheiro: 20160119152150_1260815_ 2871824. Excerto com inicio às 21:25 e fim às 21:51) e M (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 01/04/2016, com inicio às 14:46:58 e fim 16:24:48. Ficheiro: 20160401144623_1260815 _2871824. Excerto com inicio às 18:02 e fim às 19:18) resulta provado que efetivamente a recorrida, por e-mail de 16/11/2013 comunicou à recorrente que, com a outorga do contrato de prestação de serviços lhe tinha de ser paga a quantia de € 30.000,00 mais IVA.
XII – No que concerne ao ponto 55 da factualidade dada como assente, decorre das declarações prestadas pelo legal representante da recorrente (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 01/04/2016, com inicio às 10:26:13 e fim 11:28:39. Ficheiro: 20160401102610_1260815_ 2871824. Excerto com inicio às 21:15 e fim às 21:57) e pelas testemunhas M (vd. registo áudio da 1ª sessão de julgamento realizada em 01/04/2016, com inicio às 14:46:58 e fim 16:24:48. Ficheiro: 20160401144623_1260815 _2871824. Excerto com inicio às 44:40 e fim às 46:32) e L (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 19/01/2016, com inicio às 15:21:51 e fim às 17:25:05. Ficheiro: 20160119152150_1260815_ 2871824. Excerto com inicio às 01:19:11 e fim às 01:19:25) que o Presidente do Conselho de Administração da recorrente comunicou verbalmente à testemunha M que tinha decidido que os serviços prestados pela recorrida iriam passar a ser efetuados por outra empresa do mesmo setor de atividade desta, designadamente pela sociedade “E… New”.
XIII – No que diz respeito ao ponto/parágrafo 5 da factualidade considerada como não provada, outro não poderia ter sido o entendimento do douto tribunal a quo uma vez que nos presentes autos inexistem quaisquer elementos probatórios que apontem em sentido diverso.
XIV – Da análise do documento junto com a petição como doc.1 e do declarado pelo representante legal da recorrida (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 13/04/2016, com inicio às 15:50:05 e fim às 16:57:13. Ficheiro: 20160413154919_1260815_2871824. Excerto com inicio às 00:53 e fim às 05:18) e pelas testemunhas L (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 19/01/2016, com inicio às 15:21:51 e fim às 17:25:05. Ficheiro: 20160119152150_1260815_ 2871824. Excerto com inicio às 01:41:00 e fim às 01:42:44 e Excerto com inicio às 01:09:26 e fim às 01:12:34) e M (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 01/04/2016, com inicio às 14:46:58 e fim 16:24:48. Ficheiro: 20160401144623_1260815 _2871824. Excerto com inicio às 41:04 e fim às 44:03) denota-se claramente que a recorrida é uma empresa com credibilidade, experiência e prestigio no meio musical e que conseguiu obter para a recorrente preços de atuação dos artistas/bandas e formas de pagamento dos mesmos deveras vantajosos para esta.
XV – Do excerto transcrito pela recorrente do depoimento da testemunha M, e de que esta se socorre para sindicar o doutamente sentenciado, não se poderá retirar a ilação que esta pretende, porquanto, esta testemunha referiu expressamente que, porventura, o facto de o Festival Vilar de Mouros não se ter realizado durante vários anos e, aquando da última edição deste, se terem verificado determinados problemas relativamente à organização, poderia ter causado alguma reticência nos agentes dos artistas com os quais a recorrida vinha a negociar (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 01/04/2016, com inicio às 14:46:58 e fim 16:24:48. Ficheiro: 20160401144623_1260815 _2871824. Excerto com inicio às 41:04 e fim às 44:03).
XVI – Relativamente ao ponto/parágrafo 6 dos factos dados como não provados da prova produzida na audiência de discussão e julgamento não ficou minimamente demonstrado que a falta de credibilidade da recorrida tenha levado a que os patrocinadores desistissem do patrocínio do Festival de Música de Vilar de Mouros.
XVII - Recorrendo à experiência comum e ainda à prova testemunhal produzida quanto a este âmbito (depoimentos das testemunhas M (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 13/04/2016, com inicio às 15:24:00 e fim às 15:45:29. Ficheiro: 20160401144623_1260815_2871824. Excerto com inicio às 12:21 e fim às 12:35) e L (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 19/01/2016, com inicio às 15:21:51 e fim às 17:25:05. Ficheiro: 20160119152150_1260815_ 2871824. Excerto inicio às 01:00:46 e fim às 01:01:53)) resulta provado que o fator preponderante na angariação de patrocínios se cinge única e exclusivamente ao cartaz do Festival, ou seja, aos artistas e bandas que irão atuar nesse evento musical, sendo irrelevante a empresa que medeia a contratação/agenciamento desses mesmos artistas.
XVIII – Se os patrocinadores efetivamente acabaram por desistir do patrocínio do Festival aqui aludido, diga-se que tal facto ocorreu por culpa exclusiva da empresa “E”, visto que a recorrente lhe atribuiu expressamente a tarefa de proceder à captação/angariação de patrocínios, sendo que a função que da recorrida (contratação/agenciamento de bandas/aristas) em nada se relacionava com esta matéria – veja-se neste sentido e a titulo meramente exemplificativo os depoimentos das testemunhas M (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 13/04/2016, com inicio às 15:24:00 e fim às 15:45:29. Ficheiro: 20160401144623_1260815_2871824. Excerto com inicio às 07:01 e fim às 08:14) e L (vd. registo áudio da sessão de julgamento realizada em 19/01/2016, com inicio às 15:21:51 e fim às 17:25:05. Ficheiro: 20160119152150_1260815_ 2871824. Excerto com inicio às 28:51 e fim às 30:11).
XIX – Se a versão trazida a juízo pela recorrente, quanto a este âmbito, correspondesse à verdade, estranha-se que esta não tenha sequer respondido – cfr. ponto 57 dos factos dados como assentes - à interpelação da recorrida – cfr. ponto 56 da factualidade dada como provada - para colocar por escrito a decisão de cessar a prestação de serviços da recorrida e de a entregar a outra empresa.
XX – Encontram-se reunidos todos os pressupostos legais (artigos 227º e 483º, ambos do Cód. Civil) de que depende a responsabilização civil da recorrente!

NESTES TERMOS e nos melhores de direito aplicáveis, requer-se a V. Exas. que se dignem julgar improcedente, por não provado, o presente recurso, mantendo, por conseguinte, a douta sentença recorrida.
Assim decidindo, farão V. Exas. INTEIRA JUSTIÇA!
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A Exmª Juíz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante A., este pretende que:
- se altere a matéria de facto dada como provada, dando-se por não provados a parte final do ponto 6, o ponto 45 e o ponto 55, e se dê por provada o ponto 5 e a primeira parte do ponto 6 dos factos não provados;
- se reaprecie a decisão de mérito da acção.
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3 – OS FACTOS

A. Factos Provados:
Tendo em consideração o acordo das partes, os documentos juntos aos autos, a prova produzida em audiência final e o disposto no art.º 5º, do NCPC, o tribunal considera provados os seguintes factos, com interesse à boa decisão da causa:
1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica, com intuito lucrativo, à organização de espectáculos musicais, conforme documento de fls. 46 a 48 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. A A, é uma instituição particular de Solidariedade Social, tendo sido criada por escritura pública outorgada em 18.06.2008, exarada a fls. 14 e seguintes, do livro de notas número cento e quinze-B do cartório Notarial da Dr.ª… em Viana do Castelo, conforme documento de fls. 1394 a 1398 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. A chamada A, representada pelo Presidente da Direcção, contactou a Junta de Vilar de Mouros, para aferir da possibilidade da referida associação realizar o Festival de Musica de Vilar de Mouros.
4. Na sequência desenvolveram-se diversos contactos com a Junta de Freguesia de Vilar de Mouros e com a Câmara Municipal de Caminha com vista à realização do Festival de música de Vilar de Mouros.
5. Após várias reuniões, em 17.08.2013 foi assinado um protocolo de cooperação entre a Câmara Municipal de Caminha, a Junta de Freguesia de Vilar de Mouros e a A, no qual, foi atribuído à chamada a organização do Festival de Música de Vilar de Mouros, revertendo a favor da mesma todos os proveitos ou ganhos decorrentes do evento, conforme documento de fls. 1370 a 1373 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. Entretanto, no início de Maio de 2013, o Presidente da A face à sua inexperiência na realização deste tipo de eventos, e por intermédio de P, contactou a autora para prestação de serviços inerentes à programação e produção do referido festival de música.
7. Tendo-lhe solicitado que apresentasse e propusesse um alinhamento de artistas para o Festival e uma estimativa orçamental para a contratação dos artistas, montagem de todos os equipamentos e infra-estruturas necessárias, custos com pessoal, catering, animação do festival e produção executiva.
8. A autora enviou à chamada várias propostas de orçamento, as quais, para além do alinhamento dos artistas, contemplavam uma estimativa orçamental quanto ao cachet dos artistas, equipamentos, pessoal, estadias, catering, animação e produção executiva, as quais foram objecto de discussão entre as partes.
9. Na sequência das reuniões havidas, a autora aconselhou a chamada a contratar a empresa E para a angariação de patrocinadores, a gestão da imagem do festival e assessoria na definição do cachet dos artistas.
10. E a contratar a empresa T para a montagem de todas as infraestruturas do festival.
11. A autora e a chamada acordaram que a primeira ficava responsável pela pesquisa e selecção dos artistas a integrar no alinhamento do festival, estabelecendo o contacto entre os seus representantes ou agentes, fazendo e negociando propostas, celebrando os respectivos contratos e definindo as condições técnicas e logísticas do festival, com carácter de exclusividade.
12. E ainda pela programação da animação do espaço interior e circundante ao recinto do festival durante os dias do evento.
13. Após, foram realizadas várias reuniões de trabalho entre as partes e várias visitas ao local onde ia decorrer o festival.
14. Numa dessas reuniões, em que estiveram presentes a responsável pelo departamento financeiro da chamada e o contabilista da autora foi discutida a melhor forma de proceder ao pagamento dos artistas que iriam actuar no festival.
15. A autora a solicitação da chamada enviou, no final de Julho de 2013, dois currículos com vista à contratação pela chamada de uma pessoa para a área de comunicação.
16. A autora enviou ainda à chamada, por email de 30.07.2013, uma nova proposta de alinhamento e respectivo orçamento.
17. Em Agosto de 2013, as partes contactaram com o Maestro R, propondo-lhe que idealizasse um espectáculo para a abertura do festival e solicitaram-lhe a apresentação do orçamento com os seus honorários.
18. Após uma visita ao local, o referido Maestro enviou à autora uma proposta que foi encaminhada para a análise da chamada.
19. Em 26.08.2013, a autora enviou à chamada nova proposta de cartaz, uma com e sem valores.
20. A autora, em 29.08.2013, enviou à chamada um projecto de cartaz fictício e um projecto de cartaz real para serem utilizados na angariação de patrocinadores.
21. Foram ainda realizadas várias reuniões com vista a discutir os termos do contrato e a definir a melhor forma de proceder aos pagamentos dos artistas.
22. A autora, por email de 3.09.2013, pediu à chamada o envio dos dados da A de quem ia assinar o contrato em sua representação, a fim de os colocar na minuta do contrato de prestação de serviços que ia ser outorgado entre as partes.
23. A autora, por email de 4.09.2013, deu a conhecer à chamada o respectivo currículo, com a identificação dos espectáculos e eventos em que essa sociedade esteve envolvida, desde a sua fundação no ano de 1997.
24. A autora, em 16.09.2013, enviou à chamada uma minuta do contrato de prestação de serviços e pediu o agendamento de uma reunião com vista à discussão e análise da dita minuta.
25. A autora, em 18.09.2013, voltou a enviar a minuta do contrato, reiterando o pedido de agendamento de uma reunião.
26. Foi efectuada uma reunião no dia 30.09.2013, não tendo sido possível nessa altura formalizar o contrato.
27. Tendo em vista a formalização de tal contrato, a autora contactou agentes nacionais e internacionais dos artistas portugueses e estrangeiros que pretendia contratar para o festival, indagando da disponibilidade desses artistas para os dias em que o festival se iria realizar, apresentando e negociando condições financeiras e propostas de cachet, nomeadamente através de email.
28. Tendo disso dado conhecimento à chamada.
29. Os sócios da autora deslocaram-se a Londres, tendo aí reunido entre os dias 7 e 8.10.2013, com agentes de vários artistas.
30. Na reunião que teve com o agente R, a autora apresentou uma proposta para a contratação de Robert Plant e dos Placebo.
31. No seguimento dessas reuniões, a autora pediu à chamada o agendamento de uma reunião.
32. E após realização de tal reunião enviou propostas para vários artistas estrangeiros e foi dando conhecimento à chamada de todos os contactos e diligências que ia fazendo no sentido da contratação dos artistas, sugerindo outros nomes e propondo preços.
33. Em 16.10.2013, foi criada e constituída a sociedade S, Ldª, da qual eram sócios os sócios da autora, L e M, tendo este sido nomeado gerente.
34. Tal empresa foi criada exclusivamente para a contratação dos artistas e de forma a permitir o acesso da chamada à contabilidade e às operações financeiras a ser realizadas entre essa empresa e os artistas contratados, tendo ficado ainda acertado que no contrato a formalizar figuraria como prestadora de serviços esta empresa.
35. A autora voltou a pedir, em 23.10.2013, à chamada os dados completos das pessoas que iriam assinar o contrato em representação da A.
36. A autora, em 27.10.2013, comunicou à chamada que “atendendo ao avançado ponto de negociações com vários artistas e elevado número de propostas firmes, faz todo o sentido formalizarmos a nossa colaboração”, propondo o agendamento de uma reunião para o efeito.
37. Por email de 28.10.2013, a autora informou a chamada das diligências que vinham sendo feitas.
38. Por email de 29.10.2013, a autora reiterou a comunicação anterior e indagou da disponibilidade da chamada para a assinatura do contrato nessa semana.
39. Por email de 1.11.2013, a autora informou a chamada que Robert Plant estava 99% confirmado, que os Placebo estavam bem encaminhados e que “estava a fazer um esfoço muito grande junto dos agentes para que se consigam confirmações com mais brevidade, dentro do nosso budget e sem entrar em leilões”.
40. A chamada comunicou à autora que ainda não podia formalizar o contrato dado que ainda não se encontravam definidos os termos do novo protocolo a celebrar com o executivo da Câmara Municipal de Caminha, entretanto eleito.
41. A autora, por email de 6.11.2013 informou a chamada que o Connan Mockasin estava confirmado para o dia 31.07.2014.
42. No dia 15.11.2013, a autora recebeu a confirmação da aceitação da proposta financeira de actuação de Robert Plant para o dia 31.07.2014, do que foi dado conhecimento à chamada.
43. A autora alertou a chamada para os riscos de se falhar o pagamento de 50% do cachet de Robert Plant, conforme exigido pelo agente, o que a par do possível cancelamento da actuação dos Placebo, representados pelo mesmo agente, poderia colocar o festival em risco.
44. No mesmo dia, a autora comunicou à chamada a necessidade de ser formalizado o contrato de prestação de serviços entre as partes, sugerindo os dias18 e 19 desse mês para o efeito.
45. Por email de 16.11.2013, a autora comunicou à chamada que com a formalização do contrato de prestação de serviços tinha de ser paga pela chamada a quantia de € 30.000,00, mais IVA.
46. A autora, por email de 18.11.2013 enviou à chamada a minuta do contrato de prestação de serviços a celebrar entre a sociedade S e a A referente à contratação de artistas para as previstas quatro edições do festival e a minuta do contrato entre as mesmas relativo à actuação do Robert Plant nesse festival no dia 31.07.2014.
47. A autora, por email de 19.11.2013, voltou a alertar a chamada para as consequências do não pagamento de metade do cachet exigido pelo agente do Robert Plant.
48. A chamada respondeu à autora por email de 20.11.2013, no qual solicitou a revisão e alteração dos contratos, afirmando, para além do mais, que sempre tinha informado a autora de que não iria proceder a pagamentos dos seus honorários antes de obter o financiamento dos patrocinadores, conforme consta do documento de fls. 168 e 169 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
49. Na sequência foi realizada uma reunião entre as partes, tendo de seguida a autora remetido à chamada, por email de 25.11.2013, a minuta do contrato de prestação de serviços com as alterações acordadas entre as partes nessa reunião.
50. No dia 1.12.2013, o agente de Robert Plant comunicou à autora que o atraso no pagamento dos 50% do cachet era inaceitável e que a única maneira de garantir a sua actuação no festival seria o pagamento da totalidade do cachet, o que foi recusado pela chamada.
51. A autora intercedeu junto do referido agente para que este deferisse o pagamento dos 50% do cachet para uma data a confirmar, logo que a A possuísse os fundos necessários para fazer esse pagamento.
52. A autora propôs à chamada, em 9.12.2013, o agendamento de uma reunião para redefinir a estratégia de calendarização de futuros pagamentos a propor aos agentes, para evitar o sucedido com o Robert Plant.
53. Por email de 12.12.2013, a autora informou a chamada que o sócio P se havia deslocado novamente a Londres com o objectivo de garantir aos agentes dos artistas a realização do festival e solicitou o agendamento de uma nova reunião para se acertar uma estratégia de pagamentos faseada a propor aos agentes dos artistas.
54. A autora, por email de 8.01.2014, reiterou à chamada o pedido de agendamento de uma reunião entre as partes com a maior brevidade.
55. No dia 11.01.2014, o Presidente da A comunicou verbalmente ao sócio da autora, M, que tinha decidido que os serviços prestados pela autora iriam passar a ser efectuados por outra empresa do mesmo sector de actividade da autora.
56. Por correio registado de 16.01.2014 e email enviado no mesmo dia, a autora pediu que a decisão da chamada fosse comunicada por escrito até ao dia 21.01.2014, sob pena de o contrato se considerar cessado por decisão daquela a partir da referida data, conforme documentos de fls. e cujo teor se dá por reproduzido.
57. A autora não obteve resposta a essa carta e email.
58. A autora, por correio registado de 23.05.2014, enviou ao Presidente do Conselho de Administração da Fundação A uma carta cuja cópia se encontra junta a fls. 188 a 205 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, reclamando daquela o pagamento da quantia de € 110.733,00, acrescido de IVA por todo o trabalho e despesas realizadas no âmbito da prestação de serviços.
59. Não foi dada qualquer resposta a essa missiva.
60. Para a execução dos serviços acima descritos e que ocorreram entre meados do mês de Maio de 2013 e início do mês de Janeiro de 2014, a autora ocupou um dos seus sócios a tempo inteiro e os outros dois sócios a tempo parcial.
61. Nas deslocações a Londres, em elaboração e impressão de documentos e em comunicações, a autora despendeu quantia não concretamente apurada.
62. Devido ao rompimento efectuado pela chamada, a autora viu-se obrigada a dar sem efeito as propostas e os compromissos que já havia assumido com os agentes dos artistas.
63. O que comprometeu a imagem da autora junto dos mesmos, bem como futuras possibilidades de negócio entre a autora e esses agentes.
64. A chamada teve dificuldades em obter financiamento e angariar patrocínios para a realização do festival, o que era do conhecimento da autora.
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B. Factos Não Provados:
Não resultou provado qualquer outro facto com interesse para a boa decisão da causa, designadamente:
- que a autora tenha colaborado com a chamada na angariação de patrocínios para o festival;
- que cada hora de trabalho da autora ascende a € 70,00;
- que as reuniões entre a autora e a A foram realizadas no âmbito de uma parceria, que a autora pretendia realizar com esta para a realização do festival;
- que, só no último trimestre do ano de 2013, é que a ficou a saber que a autora não passava de uma mera intermediária, o que obrigava, enquanto organizadora do festival, a proceder antecipadamente ao pagamento de 60% e 80% do cachet das bandas;
- que a falta de credibilidade da empresa da autora no meio musical, levou a que as bandas a contratar, contrariamente ao habitual, solicitassem à A um preço superfacturado e o pagamento antecipado desses montantes;
- que foi, por este motivo que os patrocinadores do festival acabaram por desistir do patrocínio, em finais do ano de 2013, causando prejuízos à A na ordem dos € 600.000,00;
- que, para compensar a autora de eventuais despesas efectuadas e algum trabalho realizado, o Presidente da Direcção da A, propôs, em alternativa, ao representante daquela, a organização do cartaz do palco secundário e o pagamento de eventuais despesas efectuadas até àquela data, mediante a apresentação da respectiva facturação;
- que apesar de concordar com a proposta apresentada, o representante da autora não mais contactou o Presidente da Direcção da A.
*
C. Motivação do Tribunal:
O Tribunal formou a sua convicção com base na livre apreciação de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e junta aos autos, analisada de forma crítica e conjugada à luz das regras da experiência e critérios de normalidade e razoabilidade nos termos que a seguir se expõem.
Assim, e para além dos factos que estão assentes por documento autêntico e acordo das partes, nos termos do art.º 574º, nº 2, do NCPC, teve ainda o tribunal em consideração a demais prova produzida, nomeadamente, as declarações de parte dos legais representantes das partes e os depoimentos das testemunhas, tudo devidamente concatenado com a prova documental oferecida nos presentes autos, sendo que esta não mereceu qualquer impugnação.
Quanto às negociações e acordos estabelecidos entre as partes tivemos desde logo em consideração a confissão parcial dos factos prestada pelo legal representante da A, sendo que tal confissão se encontra devidamente exarada na acta da sessão da audiência final realizada no dia 1.04.2016 (cfr. art.º 358º, nº 1, do CC).
O referido legal representante da A confirmou que foram realizadas inúmeras reuniões entre as partes, que a sua representada travou várias negociações com a autora com vista à realização do Festival de Vilar de Mouros, tendo ficado acordado que a autora trataria da contratação de bandas nacionais e estrangeiras, acrescentando, porém, nunca ter ficado acordado qualquer valor a pagar pela prestação desse serviço.
Aliás, no que a este aspecto concerne a prova testemunhal e documental foi particularmente abundante, inequívoca e unívoca, sendo de colocar em particular realce o conteúdo da comunicação electrónica remetida pelo legal representante da A à autora, datada de 20.11.2013 e constante de fls. 168 e 169 dos presentes autos.
Com efeito, tal documento foi exaustivamente escrutinado em sede de julgamento e analisando o mesmo, dúvidas não restam, quanto ao que havia sido acordado entre as partes relativamente aos serviços a prestar pela autora.
Do escrutínio de tal documento, e ao contrário do que o legal representante da A pretendeu fazer crer, afigura-se-nos ser igualmente por demais evidente que as partes já tinham discutido os valores a pagar pela prestação dos serviços, havendo contudo dissenso quanto à forma e momento em que os pagamentos seriam feitos. Dissenso ao qual não era indiferente a questão do financiamento através da angariação de patrocínios.
Veja-se ainda o teor dos documentos juntos a fls. 153 a 184, dos quais resultam evidenciadas as várias tentativas da autora junto da demandada na formalização da prestação de serviços acordada.
Quanto aos trabalhos e serviços no entretanto levados a cabo pela autora foi mais uma vez importante a análise da vasta documentação oferecida com a petição inicial, da qual resultam patentes não só todos os contactos e negociações havidas entre as partes, como também todos os contactos e negociações havidas entre a autora e os agentes nacionais e internacionais com vista à contratação de artistas para o festival em causa.
O teor dos referidos documentos foi ainda confirmado pela testemunha L, sócio da autora que explicou de forma conhecedora, exaustiva, circunstanciada e suportada na aludida documentação (sendo grande parte dela da sua autoria) todos os trabalhos por si realizados, como sejam, as reuniões, as visitas técnicas, a troca de correspondência, as deslocações e demais diligências que efectuou no âmbito da organização do Festival de Vilar de Mouros 2014 a solicitação da demandada.
Tal depoimento encontrou eco no depoimento de parte do legal representante da autora e nos depoimentos prestados pelas testemunhas: A, responsável da empresa Trovas Soltas que confirmou ter sido contactado pela autora para integrar o projecto, que esta estava encarregue de proceder à contratação das bandas e que foram realizadas várias visitas técnicas ao local onde se iria realizar o evento com representantes da autora; S que afirmou ter sido contactada pela autora e posteriormente realizou uma entrevista com a demandada para se ocupar da parte da comunicação do festival; R, contabilista da autora, que asseverou ter estado presente em duas reuniões que ocorreram nas instalações da A com vista a discutir a forma como se iriam processar os pagamentos entre as partes; R, maestro, o qual confirmou ter reunido com representantes da autora e da A, tendo-lhe sido solicitada a realização da abertura do festival e que enviou um orçamento, não se tendo concretizado o projecto devido a alguma indefinição que observou; M, sócio da autora que descreveu igualmente de forma veemente e assertiva todos os serviços executados pela autora, nomeadamente, aqueles em que interveio directamente; M, gestor de eventos que teve a seu a cargo a área de comunicação e estratégia para angariação de patrocínios no festival em causa, e que disse que nesse âmbito teve várias reuniões comuns com os representantes da autora.
No que concerne às circunstâncias em que ocorreu a cessação da prestação dos serviços e aos danos que tal situação provocou na imagem comercial da autora foi absolutamente determinante o depoimento dos sócios da autora e designadamente da testemunha M, a quem a mesma foi comunicada verbalmente pelo legal representante da A.
Neste particular, os referidos depoimentos mereceram-nos credibilidade, porquanto não só se mostraram conformes com a normalidade das coisas, como não foram contrariados de forma alguma pela restante prova produzida a tal propósito. Muito pelo contrário.
Basta verificar o tom azedo e de crescente irritação patenteado nas comunicações electrónicas enviadas pelo agente do artista Robert Plant à autora na sequência de não ter sido observado o pagamento parcial do cachet acordado – cfr. fls. 1184 e seguintes, para concluirmos que a situação criou constrangimentos e dissabores à demandante, perdendo credibilidade e a confiança junto dos agentes com quem tinham entabulado negociações.
Por outro lado, é de fazer notar que a testemunha M que, como vimos, tratou directamente para a A da angariação de patrocínios, apenas afirmou que o projecto foi bastante bem recebido, mas sentiu alguma resistência dos mecenas contactados por existir alguma indefinição no cartaz, não tendo confirmado minimamente a posição e versão defendida pela demandada e pelo seu legal representante nos autos – de que os patrocínios foram retirados pelo facto da autora ser inexperiente e ter revelado incapacidade negocial.
A ser verdade a versão da A, muito se estranha que a mesma nem sequer tenha respondido à interpelação da autora para colocar por escrito a decisão de cessar a prestação de serviços da autora e de a entregar a outra empresa, alegadamente mais habilitada para o efeito.
Já quanto ao valor das despesas efectuadas pela autora e ao valor hora do trabalho desenvolvido pela autora, a prova oferecida pela autora mostrou-se débil e nada sustentada.
Com efeito, e quanto às despesas com deslocações, estando as viagens efectuadas a Londres devidamente documentadas, nomeadamente, através de troca de emails com os agentes (cfr. fls. 669 e 683) e, tendo a autora carreado para os autos centenas de documentos e que ocupam quase quatro volumes (desnecessariamente, diga-se, visto que após uma observação atenta de todos eles se concluiu que muitos deles são meras repetições), não se percebe que a mesma não tenha junto aos autos um único documento de suporte das despesas invocadas.
Por outro lado, e relativamente ao valor hora computado pela autora, os sócios da autora também não lograram explicar de forma cabal e congruente de que forma foi obtido tal valor, tendo cada um deles apresentado uma justificação diferente, o que a nosso ver retira sustentabilidade a tal quantitativo. Tal montante sempre redundaria injustificado, porquanto, se o contrato tivesse sido formalizado e cumprido até final, a autora iria receber uma quantia muito aproximada àquela que peticiona nestes autos.
No que à restante matéria de facto concerne, e para além do que ficou dito, importa dizer que a prova produzida não foi suficiente para dar tal factualidade como certa, ou seja, não foi produzida prova testemunhal ou documental que a sustentasse.

[transcrição de fls. 1457 a 1463].
*

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

I) Alteração da matéria de facto

Diverge a apelante da decisão da matéria de facto dada como provada, pretendendo que se dê por não provados a parte final do ponto 6, o ponto 45 e o ponto 55, e se dê por provada o ponto 5 e a primeira parte do ponto 6 dos factos não provados.
Indica o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso, transcrevendo e indicando os trechos dos depoimentos das testemunhas em que se baseia.
Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC (cfr. as três alíneas do n.º 1). Apesar da indicação da concreta passagem da gravação em que se funda o recurso não ser a mais feliz, com alguma boa vontade é adequada à sua localização, até porque procedeu à transcrição dos excertos que considera relevantes.
Cumpre, pois, apreciar.
O art. 662º do actual CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto de uma forma mais ampla que o art. 712º do anterior Código, configurando-a praticamente como um novo julgamento.
Assim, a alteração da decisão sobre a matéria de facto é agora um poder vinculado, verificado que seja o circunstancialismo referido no nº 1, quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A intenção do legislador foi, como fez constar da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto.
Assim, mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos referidos na alínea c), do nº 2, e sem prejuízo de se ordenar a devolução dos autos ao tribunal da 1ª. Instância, reconheceu à Relação o poder/dever de investigação oficiosa, devendo realizar as diligências de renovação da prova e de produção de novos meios de prova, com vista ao apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
As regras de julgamento a que deve obedecer a Relação são as mesmas que devem ser observadas pelo tribunal da 1ª. Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções judiciais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cfr. arts. 466º/3 e 607º/4 e 5 do CPC, que não contrariam o que acerca dos meios de prova se dispõe nos arts. 341º a 396º do CC.
Deste modo, é assim inequívoco que a Relação aprecia livremente todas as provas carreadas para os autos, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua convicção.
Provar significa demonstrar, de modo que não seja susceptível de refutação, a verdade do facto alegado. Nesse sentido, as partes, através de documentos, de testemunhas, de indícios, de presunções etc., demonstram a existência de certos factos passados, tornando-os presentes, a fim de que o juiz possa formar um juízo, para dizer quem tem razão.
Como dispõe o art. 341º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.
E, como ensina Manuel de Andrade, aquele preceito legal refere-se à prova “como resultado”, isto é, “a demonstração efectiva (…) da realidade dum facto – da veracidade da correspondente afirmação”.
Não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objetivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a “um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida” - in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 191 e 192.
Quem tem o ónus da prova de um facto tem de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como escreve Antunes Varela - in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420.
O julgador, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas normalmente acontece, interpreta os factos provados e conclui que, tal como naquelas, também nesta, que está a apreciar, as coisas se passaram do mesmo modo.
Como ensinou Vaz Serra “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência” - in B.M.J. nº 112, pág. 190.
Ou seja, o juiz, provado um facto e valendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto revela a existência de outro facto.
O juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – cfr. art. 607º/5 do CPC, cabendo a quem tem o ónus da prova “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como refere Antunes Varela – obra supracitada.
Se se instalar a dúvida sobre a realidade de um facto e a dúvida não possa ser removida, ela resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, de acordo com o princípio plasmado no art. 414º do CPC, que, no essencial, confirma o que, sobre a contraprova, consta do art. 346º do CC.
De acordo com o que acima ficou exposto, cumpre, pois, reapreciar a prova e verificar se dela resulta, com o grau de certeza exigível para fundamentar a convicção, o que a apelante pretende neste recurso.
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Como já referido supra, pretende a apelante que se dê por não provados a parte final do ponto 6, o ponto 45 e o ponto 55, e se dê por provada o ponto 5 e a primeira parte do ponto 6 dos factos não provados. Isto porque entende que da prova produzida o que realmente ficou demonstrado não corresponde ao ali exarado.
*
Vamos começar pelo ponto 6 dos factos provados.
A Meritíssima Juiz a quo considerou provado, entre outros factos, que:
6. Entretanto, no início de Maio de 2013, o Presidente da A face à sua inexperiência na realização deste tipo de eventos, e por intermédio de P, contactou a autora para prestação de serviços inerentes à programação e produção do referido festival de música.
Motivando tal decisão, o tribunal consagrou o seguinte:
O Tribunal formou a sua convicção com base na livre apreciação de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e junta aos autos, analisada de forma crítica e conjugada à luz das regras da experiência e critérios de normalidade e razoabilidade nos termos que a seguir se expõem.
Assim, e para além dos factos que estão assentes por documento autêntico e acordo das partes, nos termos do art.º 574º, nº 2, do NCPC, teve ainda o tribunal em consideração a demais prova produzida, nomeadamente, as declarações de parte dos legais representantes das partes e os depoimentos das testemunhas, tudo devidamente concatenado com a prova documental oferecida nos presentes autos, sendo que esta não mereceu qualquer impugnação.
Quanto às negociações e acordos estabelecidos entre as partes tivemos desde logo em consideração a confissão parcial dos factos prestada pelo legal representante da A, sendo que tal confissão se encontra devidamente exarada na acta da sessão da audiência final realizada no dia 1.04.2016 (cfr. art.º 358º, nº 1, do CC).
O referido legal representante da A confirmou que foram realizadas inúmeras reuniões entre as partes, que a sua representada travou várias negociações com a autora com vista à realização do Festival de Vilar de Mouros, tendo ficado acordado que a autora trataria da contratação de bandas nacionais e estrangeiras, acrescentando, porém, nunca ter ficado acordado qualquer valor a pagar pela prestação desse serviço.
Aliás, no que a este aspecto concerne a prova testemunhal e documental foi particularmente abundante, inequívoca e unívoca, sendo colocar em particular realce o conteúdo da comunicação electrónica remetida pelo legal representante da A à autora, datada de 20.11.2013 e constante de fls. 168 e 169 dos presentes autos.
Com efeito, tal documento foi exaustivamente escrutinado em sede de julgamento e analisando o mesmo, dúvidas não restam, quanto ao que havia sido acordado entre as partes relativamente aos serviços a prestar pela autora.
Do escrutínio de tal documento, e ao contrário do que o legal representante da A pretendeu fazer crer, afigura-se-nos ser igualmente por demais evidente que as partes já tinham discutido os valores a pagar pela prestação dos serviços, havendo contudo dissenso quanto à forma e momento em que os pagamentos seriam feitos. Dissenso ao qual não era indiferente a questão do financiamento através da angariação de patrocínios.
Veja-se ainda o teor dos documentos juntos a fls. 153 a 184, dos quais resultam evidenciadas as várias tentativas da autora junto da demandada na formalização da prestação de serviços acordada.
Quanto aos trabalhos e serviços no entretanto levados a cabo pela autora foi mais uma vez importante a análise da vasta documentação oferecida com a petição inicial, da qual resultam patentes não só todos os contactos e negociações havidas entre as partes, como também todos os contactos e negociações havidas entre a autora e os agentes nacionais e internacionais com vista à contratação de artistas para o festival em causa.
O teor dos referidos documentos foi ainda confirmado pela testemunha L, sócio da autora que explicou de forma conhecedora, exaustiva, circunstanciada e suportada na aludida documentação (sendo grande parte dela da sua autoria) todos os trabalhos por si realizados, como sejam, as reuniões, as visitas técnicas, a troca de correspondência, as deslocações e demais diligências que efectuou no âmbito da organização do Festival de Vilar de Mouros 2014 a solicitação da demandada.
Tal depoimento encontrou eco no depoimento de parte do legal representante da autora e nos depoimentos prestados pelas testemunhas: A, responsável da empresa Trovas Soltas que confirmou ter sido contactado pela autora para integrar o projecto, que esta estava encarregue de proceder à contratação das bandas e que foram realizadas várias visitas técnicas ao local onde se iria realizar o evento com representantes da autora; S que afirmou ter sido contactada pela autora e posteriormente realizou uma entrevista com a demandada para se ocupar da parte da comunicação do festival; R, contabilista da autora, que asseverou ter estado presente em duas reuniões que ocorreram nas instalações da A com vista a discutir a forma como se iriam processar os pagamentos entre as partes; R, maestro, o qual confirmou ter reunido com representantes da autora e da A, tendo-lhe sido solicitada a realização da abertura do festival e que enviou um orçamento, não se tendo concretizado o projecto devido a alguma indefinição que observou; M, sócio da autora que descreveu igualmente de forma veemente e assertiva todos os serviços executados pela autora, nomeadamente, aqueles em que interveio directamente; M, gestor de eventos que teve a seu a cargo a área de comunicação e estratégia para angariação de patrocínios no festival em causa, e que disse que nesse âmbito teve várias reuniões comuns com os representantes da autora.
Com o que discorda a apelante, nomeadamente quanto à parte final do ponto 6, que refere que “(…) por intermédio de P, contactou a autora para prestação de serviços inerentes à programação e produção do referido festival de música.”. Entendendo que numa fase inicial as partes reuniram no sentido de ambas colaborarem com vista à organização do evento, sendo errado considerar-se que à partida seria uma prestação de serviços. Só se colocando a questão a partir de Setembro de 2013, com o envio de emails por parte dos responsáveis da A. com minuta do contrato de prestação de serviços. O que contraria os argumentos constantes da motivação do tribunal.
Que dizer?
Afigura-se-nos não assistir qualquer razão à apelante. É que na sua perspectiva, a intervenção da A. na organização do festival de música, pressuporia uma outra motivação alheia ao interesse da R., o que ninguém referiu. Não se pode ignorar que a A. é uma sociedade comercial que se dedica, com intuito lucrativo, à organização de espectáculos musicais (cfr. ponto 1 dos factos provados), tendo a R., que diligenciava com a Junta de Vilar de Mouros para realizar o Festival de Música de Vilar de Mouros, através do seu Presidente e face à sua inexperiência na realização deste tipo de eventos, iniciado contactos com a A., para a hipótese de lhe vir a ser atribuída a organização do dito Festival, o levar a efeito. Donde só se ter colocado a questão da formalização do contrato em Setembro de 2013, pois só em 17 de Agosto de 2013, após várias reuniões, foi oficialmente atribuído à R. a organização do dito Festival (cfr. pontos 4 e 5 dos factos provados). Não sendo errado concluir que se tal organização não tivesse sido atribuída à R., nunca se colocaria a questão do contrato de prestação de serviços e o inerente envolvimento da A. em tal organização. Logo, ainda que eventualmente condicionado à atribuição da organização do Festival de Música, o contacto da A. por parte do Presidente da R. visava a prestação de serviços a que se alude em 6. É o que se conclui após revisitar a respectiva prova produzida, transcrita pontualmente pela recorrida e gravada, sendo compatível com o trecho que a apelante transcreve da testemunha M.
Como assim e sem necessidade de mais considerações, não procede a impugnação desta matéria de facto.
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Passemos, agora, ao ponto 45 dos factos provados.
A Meritíssima Juiz a quo considerou provado, entre outros factos, que:
45. Por email de 16.11.2013, a autora comunicou à chamada que com a formalização do contrato de prestação de serviços tinha de ser paga pela chamada a quantia de € 30.000,00, mais IVA.
Motivando tal decisão, o tribunal consagrou o seguinte:
O referido legal representante da A confirmou que foram realizadas inúmeras reuniões entre as partes, que a sua representada travou várias negociações com a autora com vista à realização do Festival de Vilar de Mouros, tendo ficado acordado que a autora trataria da contratação de bandas nacionais e estrangeiras, acrescentando, porém, nunca ter ficado acordado qualquer valor a pagar pela prestação desse serviço.
Aliás, no que a este aspecto concerne a prova testemunhal e documental foi particularmente abundante, inequívoca e unívoca, sendo de colocar em particular realce o conteúdo da comunicação electrónica remetida pelo legal representante da A à autora, datada de 20.11.2013 e constante de fls. 168 e 169 dos presentes autos.
Com efeito, tal documento foi exaustivamente escrutinado em sede de julgamento e analisando o mesmo, dúvidas não restam, quanto ao que havia sido acordado entre as partes relativamente aos serviços a prestar pela autora.
Do escrutínio de tal documento, e ao contrário do que o legal representante da A pretendeu fazer crer, afigura-se-nos ser igualmente por demais evidente que as partes já tinham discutido os valores a pagar pela prestação dos serviços, havendo contudo dissenso quanto à forma e momento em que os pagamentos seriam feitos. Dissenso ao qual não era indiferente a questão do financiamento através da angariação de patrocínios.
Veja-se ainda o teor dos documentos juntos a fls. 153 a 184, dos quais resultam evidenciadas as várias tentativas da autora junto da demandada na formalização da prestação de serviços acordada.
Quanto aos trabalhos e serviços no entretanto levados a cabo pela autora foi mais uma vez importante a análise da vasta documentação oferecida com a petição inicial, da qual resultam patentes não só todos os contactos e negociações havidas entre as partes, como também todos os contactos e negociações havidas entre a autora e os agentes nacionais e internacionais com vista à contratação de artistas para o festival em causa.
O teor dos referidos documentos foi ainda confirmado pela testemunha L, sócio da autora que explicou de forma conhecedora, exaustiva, circunstanciada e suportada na aludida documentação (sendo grande parte dela da sua autoria) todos os trabalhos por si realizados, como sejam, as reuniões, as visitas técnicas, a troca de correspondência, as deslocações e demais diligências que efectuou no âmbito da organização do Festival de Vilar de Mouros 2014 e solicitação da demandada.
Tal depoimento encontrou eco no depoimento de parte do legal representante da autora e nos depoimentos prestados pelas testemunhas: A, responsável da empresa Trovas Soltas que confirmou ter sido contactado pela autora para integrar o projecto, que esta estava encarregue de proceder à contratação das bandas e que foram realizadas várias visitas técnicas ao local onde se iria realizar o evento com representantes da autora; S que afirmou ter sido contactada pela autora e posteriormente realizou uma entrevista com a demandada para se ocupar da parte da comunicação do festival; R, contabilista da autora, que asseverou ter estado presente em duas reuniões que ocorreram nas instalações da A com vista a discutir a forma como se iriam processar os pagamentos entre as partes; R, maestro, o qual confirmou ter reunido com representantes da autora e da A, tendo-lhe sido solicitada a realização da abertura do festival e que enviou um orçamento, não se tendo concretizado o projecto devido a alguma indefinição que observou; M, sócio da autora que descreveu igualmente de forma veemente e assertiva todos os serviços executados pela autora, nomeadamente, aqueles em que interveio directamente; M, gestor de eventos que teve a seu a cargo a área de comunicação e estratégia para angariação de patrocínios no festival em causa, e que disse que nesse âmbito teve várias reuniões comuns com os representantes da autora.
Com o que discorda a apelante, que alega ter resultado do depoimento da testemunha M que o pagamento da quantia de € 30.000,00 se destinaria, não ao valor da prestação de serviços, mas sim ao pagamento dos honorários solicitados pelo agente de Robert Plant.
Quid iuris?
Revisitada a respectiva prova produzida, transcrita e gravada, conclui-se não ter qualquer razão a apelante, não só não resultando o que agora pretende (ninguém o disse, nem mesmo a testemunha no trecho que a apelante transcreveu), como se trata de um facto objectivo e assente em documento: o dito email, escrutinado em audiência e tendo o próprio representante legal da R. sido confrontado com o mesmo, como bem resulta da parte gravada e transcrita pela recorrida a fls. 1527vº a 1528vº (cfr. ainda as transcrições das gravações de outras testemunhas a fls. 1529 e vº).
Como assim, também nesta parte não procede a impugnação da matéria de facto.
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Passemos, imediatamente, ao ponto 55 dos factos provados.
A Meritíssima Juiz a quo considerou provado, entre outros factos, que:
55. No dia 11.01.2014, o Presidente da A comunicou verbalmente ao sócio da autora, M, que tinha decidido que os serviços prestados pela autora iriam passar a ser efectuados por outra empresa do mesmo sector de actividade da autora.
Motivando tal decisão, o tribunal consagrou o seguinte:
No que concerne às circunstâncias em que ocorreu a cessação da prestação dos serviços e aos danos que tal situação provocou na imagem comercial da autora foi absolutamente determinante o depoimento dos sócios da autora e designadamente da testemunha M, a quem a mesma foi comunicada verbalmente pelo legal representante da A.
Neste particular, os referidos depoimentos mereceram-nos credibilidade, porquanto não só se mostraram conformes com a normalidade das coisas, como não foram contrariados de forma alguma pela restante prova produzida a tal propósito. Muito pelo contrário.
Basta verificar o tom azedo e de crescente irritação patenteado nas comunicações electrónicas enviadas pelo agente do artista Robert Plant à autora na sequência de não ter sido observado o pagamento parcial do cachet acordado – cfr. fls. 1184 e seguintes, para concluirmos que a situação criou constrangimentos e dissabores à demandante, perdendo credibilidade e a confiança junto dos agentes com quem tinham entabulado negociações.
Por outro lado, é de fazer notar que a testemunha M que, como vimos, tratou directamente para a A da angariação de patrocínios, apenas afirmou que o projecto foi bastante bem recebido, mas sentiu alguma resistência dos mecenas contactados por existir alguma indefinição no cartaz, não tendo confirmado minimamente a posição e versão defendida pela demandada e pelo seu legal representante nos autos – de que os patrocínios foram retirados pelo facto da autora ser inexperiente e ter revelado incapacidade negocial.
A ser verdade a versão da A, muito se estranha que a mesma nem sequer tenha respondido à interpelação da autora para colocar por escrito a decisão de cessar a prestação de serviços da autora e de a entregar a outra empresa, alegadamente mais habilitada para o efeito.
Com o que discorda a apelante, que alega ter resultado do depoimento da testemunha M, bem como das declarações do legal representante da R., que quem a passaria a ajudar seria não outra empresa, mas Á, a título pessoal e de forma gratuita, atento o cariz social do festival.
Quid iuris?
Revisitada a respectiva prova produzida, transcrita e gravada, conclui-se também não ter razão a apelante, como melhor resulta da audição completa do depoimento da testemunha M, que a A. parcialmente transcreve a fls. 1530vº e 1531 e das declarações do representante legal da R., cuja transcrição parcelar consta a fls. 1530.
Como assim, também nesta parte não procede a impugnação da matéria de facto.
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Vejamos agora, a questão relativa à alteração da matéria de facto que a alegante também pretende ver apreciada: dar-se por provado o ponto 5 dos factos não provados.
A Meritíssima Juiz a quo considerou não provado, entre outros factos:
- que a falta de credibilidade da empresa da autora no meio musical, levou a que as bandas a contratar, contrariamente ao habitual, solicitassem à A um preço superfacturado e o pagamento antecipado desses montantes;
Motivando tal decisão, o tribunal consagrou que:
No que à restante matéria de facto concerne, e para além do que ficou dito, importa dizer que a prova produzida não foi suficiente para dar tal factualidade como certa, ou seja, não foi produzida prova testemunhal ou documental que a sustentasse.
Com o que discorda a apelante, que perante as declarações do legal representante da recorrente e dos depoimentos das testemunhas M e M entende que essa factualidade resultou provada.
E agora?
Diga-se, desde já, que não assiste aqui razão à recorrente.
Efectivamente, como melhor resulta dos depoimentos das testemunhas indicadas, nenhuma referiu a falta de credibilidade da empresa da autora no meio musical, nem a solicitação à A de um preço superfacturado. Já quanto ao pagamento antecipado dos montantes, a testemunha M explicou como é que as coisas podem funcionar no meio em questão, mas sem ser possível extrapolar dessas declarações o que a recorrente ora pretende. As dificuldades que aludem ter existido são sempre centradas na questão dos timings e do cartaz e não na falta de credibilidade da empresa da autora no meio musical, como já dito. Não se podendo ignorar que se trata de uma empresa que se encontra no mercado desde 1997, já com longa experiência no meio (cfr. doc. nº 1 junto com a p.i. e os depoimentos das testemunhas L, M e P, designadamente nas partes transcritas pela recorrida a fls. 1531vº a 1536).
Como assim, decide-se quanto a esta questão que não ocorreu qualquer erro de julgamento, donde se decidir pela improcedência da impugnação neste particular.
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Finalmente vejamos a questão relativa à alteração da matéria de facto que a alegante pretende ver apreciada: dar-se por provado a primeira parte do ponto 6 dos factos não provados.
A Meritíssima Juiz a quo considerou não provado, entre outros factos:
- que foi, por este motivo que os patrocinadores do festival acabaram por desistir do patrocínio, em finais do ano de 2013, causando prejuízos à A na ordem dos € 600.000,00;
Motivando tal decisão, o tribunal consagrou que:
No que à restante matéria de facto concerne, e para além do que ficou dito, importa dizer que a prova produzida não foi suficiente para dar tal factualidade como certa, ou seja, não foi produzida prova testemunhal ou documental que a sustentasse.
Com o que discorda a apelante, que perante o depoimento da testemunha M entende que essa factualidade resultou provada.
Quid iuris?
Diga-se, desde já, que também aqui não assiste razão à recorrente, desconhecendo-se onde se pretende basear para chegar à conclusão que pretende, uma vez que da transcrição que faz do depoimento da testemunha, não é possível tirar tal ilação. Isto apesar de fazer uma transcrição cirúrgica do depoimento da testemunha, ignorando todo o demais contexto em que foi proferida.
Termos em que, sem necessidade de mais considerações, sendo similar à questão anterior decide-se quanto a esta questão que não ocorreu qualquer erro de julgamento, donde também se decidir pela improcedência da impugnação neste particular.

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II) Reapreciação da decisão de mérito da acção

Mantendo-se incólume o quadro factual julgado provado e não provado pelo Tribunal a quo, adere-se à apreciação jurídica da causa nos seus precisos termos, uma vez que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis.
Pressupondo as conclusões das alegações da Recorrente a alteração da matéria de facto como impugnada no recurso, o que não ocorreu.

Faremos, apenas umas breves considerações sobre o objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (cfr. arts. 635º e 639º/1 do CPC) e que consiste em determinar se, como decidiu a sentença recorrida, a R. terá de indemnizar a A. nos montantes fixados, por culpa in contrahendo, ou seja, apurar se aqueles incorreram em responsabilidade pré-contratual.
O fundamento normativo de tal tipo de responsabilidade reside na culpa na formação dos contratos prevista no art. 227º do CC que preceitua, no seu nº 1, que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à contraparte”.
Como se sabe, muitos contratos formam-se rapidamente «pelo mero encontro de uma oferta e de uma aceitação Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12ª edição, pág. 299.», ou seja, quase instantaneamente pelas «coincidentes manifestações de vontade das partes que as emitem sem intervalo apreciável e, até, sem diálogo ou com diálogo reduzido ao mínimo Cfr. Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 7ª edição, reimpressão, pág. 69.». Contudo, decorre da experiência quotidiana que nem sempre a realização dos contratos obedece a este modelo ou esquema tão simples e imediato, sendo até frequente que a sua formação se processe de forma lenta e progressiva em que a sua génese começa pelos primeiros contactos das partes, tendo como objectivo a realização de um negócio, e se prolonga, por vezes com negociações complexas e duradouras, até ao momento da sua efectiva celebração Os contratos do primeiro tipo são considerados simples ou de formação instantânea, enquanto os da segunda espécie dizem-se de formação progressiva, mas estes, conforme assinala João Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. I, pág. 529, também são, em bom rigor, de formação instantânea. .
Nesse processo de formação lenta e progressiva cabem «vários e sucessivos trâmites, tais como entrevistas e outras formas de diálogo, estudos individuais ou em conjunto, experiências, consultas de técnicos….incitamentos recíprocos a propostas contratuais e, por último, a oferta e a aceitação definitivas Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12ª edição, pág. 300. ». A tal respeito, diz-nos Inocêncio Galvão Telles In Direito das Obrigações, 7ª edição, reimpressão, págs. 69 e 70. que «as partes aproximam-se, sondam-se, realizam conversações múltiplas, fazem ou encomendam estudos, chegam a entendimentos sobre aspectos determinados……celebrando por fim o contrato em vista», que, saliente-se, em caso algum fica concluído sem que as partes tenham acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo (art. 232º do CC).
Sucede que, enquanto as partes se mantêm em negociações com vista à concretização do contrato, estabelecem entre si um relacionamento muito particular em que avulta a revelação das suas necessidades e conveniências, das suas apetências negociais e dos objectivos que as movem. A esse propósito, assinala Pedro Pais de Vasconcelos In Teoria Geral do Direito Civil, 2010, 6ª edição, pág. 490. que as partes em negociações «incorrem em despesas, assumem riscos, colocam-se muitas vezes em posições de fragilidade e expõem-se a perigos», estabelecendo entre si «relações de confiança» que podem ser mais ou menos intensas.
Nesse iter negotii caracterizado por envolver duas fases distintas, a negociatória «constituída pelos actos tendentes à celebração do contrato, desde os primeiros contactos estabelecidos entre as partes até à conclusão do acordo por fusão da proposta e da aceitação, se as negociações não tiverem sido abandonadas, e a decisória, constituída pela conclusão do acordo, resultante da emissão de duas declarações vinculativas, simultâneas ou sucessivas, a proposta e a aceitação» Cfr., sobre esta temática, Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 7ª edição, reimpressão, pág. 71, Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12ª edição, pág. 302, Ana Prata, in Notas sobre responsabilidade pré-contratual, Coimbra, 2005 (reimpressão), págs. 40 e ss, Carlos Ferreira de Almeida, in Contratos I, 3ª edição, págs. 185 e 186, e João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, pág. 269, onde equipara a primeira dessas fases aos preliminares (terminologia ínsita no art.º 227º do CC) ou das trattative (terminologia usada em Itália), abrangendo a última o momento decisivo e crucial da redacção final das cláusulas do contrato celebrado. . Em ambas as fases, ou seja, durante todo o percurso do caminho contratual devem, pois, as partes proceder segundo as regras da boa-fé, conforme prescreve o art. 227º do CC, de tal modo que, se alguma delas assim não agir, responderá pelos danos que culposamente causar à outra Cfr., neste sentido, Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12ª edição, pág. 301, José de Oliveira Ascensão, in Direito Civil Teoria Geral, Volume II, 2ª edição, págs. 442 e 443, e Heinrich Ewald Höster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 474. .
A razão de ser deste preceito está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa-fé (fides servare), na medida em que se considera que o mero facto de se entrar em negociações é susceptível de criar uma situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato. Escreve, a este propósito, João Baptista Machado In Obra Dispersa, Vol. I, págs. 526 a 528. que «quem participa numa interacção negocial em que os parceiros se expõem a riscos ao porem em jogo interesses económicos e planos de vida, adopta uma conduta (ou assume um papel) particularmente responsabilizante, acompanhada da consciência da responsabilidade pela expectativa formada no plano da comunicação interpessoal e pelo risco de dano a que essa expectativa pode induzir.
Por isso mesmo, para viabilizar o tráfico negocial, exige-se esse tipo de responsabilização por essa conduta comunicativa e pelas expectativas por esta geradas». Essa ordem normativa de protecção da confiança, concebida e assente «basicamente em critérios de razoabilidade e de boa-fé, faz moldura funcional à actividade e à relação negocial», envolvendo «desde logo em tecido normativo a conduta comunicativa das partes na fase de formação do negócio».
Aliás, sobre este ponto, José de Oliveira Ascensão In Direito Civil Teoria Geral, Volume II, 2ª edição, pág. 440. ensina, bem assertivamente, que «a fase que precede a formação de um contrato não é um vazio jurídico. Mesmo fora do que representa propriamente o processo formativo do contrato – que desemboca no acordo – há já disciplina jurídica. E isto ainda quando as partes não tenham celebrado nenhum contrato preliminar nem estejam doutro modo sujeitas a um dever de contratar».
Na verdade, pelo facto de se relacionarem e de entrarem em contactos com vista a determinado negócio, as partes assumem certos deveres, ficando reciprocamente obrigadas a comportar-se nas negociações com boa-fé objectiva e ética, traduzida «no dever de actuação honesta, leal e transparente, como pessoas de bem – honestae agere – e procurar evitar causar danos ao seu parceiro negocial – alterum non laedere» Cfr., sobre o recorte de boa fé, Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 2010, 6ª edição, págs. 490 a 495, Carlos Ferreira de Almeida, in Contratos I, 3ª edição, pág. 190, e Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12ª edição, págs. 306 a 310.. É que a liberdade de negociação de que gozam as partes não implica, de forma alguma, que a fase negociatória ou do pré-contrato seja abandonada ou entregue «à malícia dos negociadores» Cfr, neste sentido, José de Oliveira Ascensão, in Direito Civil Teoria Geral, Volume II, 2ª edição, pág. 441., muito embora não seja possível, como refere Mariana Fontes da Costa In Ruptura de Negociações Pré-Contratuais e Cartas de Intenção, 2011, pág. 56., «fixar em abstracto o momento temporal» em que nascem esses deveres pré-contratuais, «essa aferição tem necessariamente de ser casuística, tendo por base um método indiciário, que no caso da responsabilidade por ruptura injustificada de negociações assenta, nomeadamente, na duração do período negocial, no grau de desenvolvimento das negociações, na existência de relações contratuais anteriores entre as partes, na natureza profissional de um ou ambos os contraentes, no tipo de contrato em causa».
Esse dever geral de boa-fé na formação dos contratos desdobra-se, por seu turno, em vários deveres de actuação, tais como o dever de informação, o dever de segredo, os deveres de protecção e conservação, entre eles se destacando o dever de clareza, o dever de lealdade e probidade, que impõem a qualquer das partes que não ocultem uma à outra as suas respectivas intenções negociais nem os elementos no seu entender susceptíveis de conduzirem à decisão de contratar ou não, esclarecendo a contraparte do que efectivamente pretendem no tocante à celebração do contrato e não faltando aos compromissos que no decurso das negociações vão assumindo, de forma tácita ou expressa Cfr., para melhor desenvolvimento, Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 7ª edição, reimpressão, pág. 73, João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, págs. 268 e 270, José de Oliveira Ascensão, in Direito Civil Teoria Geral, Volume II, 2ª edição, págs. 443 a 446, Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12ª edição, pág. 302, Carlos Ferreira de Almeida, in Contratos I, 3ª edição, págs. 190 a 193, 196, 198, e Ana Prata, in Notas sobre a responsabilidade pré-contratual, in “Revista da Banca”, 16, Outubro/Dezembro, 1990, págs. 75 e segs..
A ilicitude nessa fase resultará, assim, da violação das regras da boa-fé subjacentes aos deveres de protecção (que impõem às partes a obrigação de se absterem de actuações susceptíveis de causar danos à outra parte) aos deveres de informação verdadeira (sobre todas as circunstâncias relevantes para a decisão da outra parte) e aos deveres de lealdade (prevenindo comportamentos desleais para a outra parte, de que é exemplo a ruptura unilateral e injustificada de negociações quando a outra parte já adquirira plena confiança na conclusão do negócio) Cfr, neste sentido, Carlos Ferreira de Almeida, in Contratos I, 3ª edição, págs. 201 e 202..
Com efeito, a relação (jurídica Cfr., sobre a juricidade deste tipo de relação, entre outros, Heinrich Ewald Höster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 473, Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 2010, 6ª edição, pág. 490. ) pré-contratual estabelecida com os contactos e negociações entre as partes e os deveres (integrados nessa relação) de elas se comportarem com lealdade, probidade, correcção e boa fé implicam que, se no decurso das negociações uma das partes faz surgir na outra confiança razoável de que o contrato que negoceiam será concluído e, posteriormente, interrompe as negociações ou recusa a conclusão do contrato sem justo motivo, fica obrigada a reparar os danos sofridos pela outra parte com a aludida ruptura, que é livre, mas não pode ser arbitrária Cfr. Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 7ª edição, reimpressão, pág. 76. . Pressupostos dessa obrigação de reparação são:
- a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato;
- o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações;
- a produção de um dano no património de uma das partes; e
- a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada Cfr., neste sentido, Carlos Ferreira de Almeida, in Contratos I, 3ª edição, págs. 200 e 201, e Diez-Picazo, in Fundamentos del Derecho Civil Patrimonial, I, 1996, Madrid, pág. 278..

Revertendo para o caso em análise, e vista a factualidade provada e não provada, logo vemos que a actuação apurada e supra descrita da interveniente – rompendo de forma inesperada as negociações tidas com a autora com vista à celebração do contrato de prestação de serviços, quando as ditas negociações estavam num estado muito avançado e quando a autora já havia encetado inúmeras diligências com vista à contratação dos artistas para o festival cuja organização tinha sido atribuída à primeira -, não se mostra justificada e é contrária ao que fora estabelecido entre as partes, pelo que se tem de entender como culposa e violadora dos deveres que incumbiam àquela, sendo inevitável que a mesma sabia e não podia ignorar que agia contra aquilo a que se obrigara.
Não pode, por outro lado, retirar-se da factualidade apurada que a autora tenha concorrido para a conduta da interveniente e, muito menos, que lhe tenha provocado prejuízos. Não se provou, designadamente, que a não obtenção dos patrocínios para o festival seja imputável à autora. Veja-se que a interveniente contratou uma outra empresa para a angariação de patrocinadores.
Por conseguinte, o que se verifica, sem dúvida, em face dos factos assentes, é que a chamada/interveniente deu causa exclusiva à ruptura das negociações violando, de forma ilícita e culposa, o que impediu a conclusão do negócio aprazado.
Deste modo, tornou-se responsável pelos prejuízos causados à autora de acordo com o disposto no citado art. 227º/1 do CC.
Restam, assim, a determinação dos danos a indemnizar e sua quantificação.
Sendo ajustados, equilibrados e equitativos os valores fixados na sentença a título de indemnização por todas as despesas em que a A. incorreu e pelos danos não patrimoniais.

Improcede, pois, o recurso com custas a pagar pela recorrente (art. 527º do CPC).
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – O iter negotii caracteriza-se por envolver duas fases distintas, a negociatória, constituída pelos actos tendentes à celebração do contrato, e a decisória, constituída pela conclusão do acordo, devendo as partes, durante todo o percurso do caminho contratual, proceder segundo as regras da boa-fé, conforme prescreve o art. 227º do CC.
II – A razão de ser deste preceito está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa-fé, na medida em que se considera que o mero facto de se entrar em negociações é susceptível de criar uma situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato.
III – A relação pré-contratual estabelecida com os contactos e negociações entre as partes e os deveres (integrados nessa relação) de elas se comportarem com lealdade, probidade, correcção e boa-fé, implicam que, se no decurso das negociações uma das partes faz surgir na outra confiança razoável de que o contrato que negoceiam será concluído e, posteriormente, interrompe as negociações ou recusa a conclusão do contrato sem justo motivo, fica obrigada a reparar os danos sofridos pela outra parte com a aludida ruptura, que é livre, mas não pode ser arbitrária.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.

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Guimarães, 26-01-2017

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(José Cravo)
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(António Figueiredo de Almeida)
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(Maria Cristina Cerdeira)