Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3527/18.4T8VCT-A.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
EMISSOR DOS TÍTULOS MOBILIÁRIOS
CUMULAÇÃO DO ACTO DE EMISSÃO E DA ACTIVIDADE DE INTERMEDIAÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O nº 1 do artigo 304º-A, do CVM, ao prescrever que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública”, apresenta-se como uma norma “autosuficiente” para determinar a obrigação de indemnizar, não havendo, pois, qualquer necessidade de, neste âmbito da atuação do intermediário financeiro, recorrer ao art. 251º do CVM como “norma de imputação”;

II- Presumindo-se a culpa do intermediário financeiro quer quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais, quer quando o dano seja causado no âmbito de relações pré-contratuais, todas essas situações de responsabilidade civil pela atuação do intermediário financeiro estão sujeitas ao regime de prescrição previsto no art. 324º, nº 2, do CVM;

III- O facto de uma entidade ser simultaneamente emitente dos títulos mobiliários e intermediário só aporta riscos acrescidos para o investidor e, por isso mesmo, tal situação carece, mais do que qualquer outra, da proteção conferida pelo art. 304º-A, nº 1, do CVM;

IV- Cumulando-se na mesma entidade o papel de emitente dos títulos mobiliários transacionados e o de intermediário financeiro e estando em causa uma atuação nesta última qualidade, a situação não deverá ser subsumível ao regime da responsabilidade do emitente por informação desconforme, com a consequente sujeição ao quadro de caducidade previsto no citado art. 243º, alínea b), do CVM, mas, pelo contrário, deverá beneficiar da proteção do regime da responsabilidade do intermediário financeiro, não sujeita aos prazos de caducidade do citado artigo, mas antes ao regime de prescrição contido no art. 324º, nº 2, do CVM.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

A. G. e C. J. intentaram contra o Banco ... ação declarativa de condenação em que formularam os seguintes pedidos:

i. Ser declarada a anulabilidade do negócio de troca das obrigações por ações ocorrido em junho de 2015, e atento o seu carácter retroativo, deve o Réu ser condenado a restituir aos Autores a quantia de € 200.000,00, na data de vencimento das obrigações subordinadas, a que acrescem os juros gerados pelas obrigações em 27 de Fevereiro e 27 de Agosto dos anos de 2016, 2017 e 2018 e os juros que se vencerão em 27 de Fevereiro e 27 de Agosto de 2019 e 2020, caso a presente ação não seja julgada até essas datas; sobre os juros remuneratórios das obrigações devidos aos Autores, deverão incidir juros de mora calculados à taxa comercial em vigor contados desde a data em que se venceram/vencerão os juros das obrigações até efetivo e integral pagamento.

Subsidiariamente,

i. Ser declarada a resolução do negócio jurídico de troca das obrigações pelas ações, devendo, em consequência o Réu ser ainda condenado no pagamento dos juros gerados pelas obrigações em 27 de Fevereiro e 27 de Agosto dos anos de 2016, 2017, 2018 e os juros que se vencerão em 27 de Fevereiro e 27 de Agosto de 2019 e 2020, caso a presente ação não seja julgada até essas datas; sobre os juros remuneratórios das obrigações devidos aos Autores, deverão incidir juros de mora calculados à taxa comercial em vigor contados desde a data em que se venceram/vencerão os juros das obrigações até efetivo e integral pagamento.
ii. Se assim se não entender, ser o Réu condenado a indemnizar os Autores pela diferença entre a quantia de € 200.000,00 e o valor que tiverem as ações à data em que forem alienadas, acrescida dos juros de mora calculados à taxa comercial em vigor, em cada momento, até efetivo e integral pagamento.

Alegaram, para o efeito e em síntese, que tendo eles um contrato de conta bancária com o Banco Réu foram por este pressionados para assinarem um documento de troca de aplicação de €: 200.000,00 por ações, mediante insistência de vários funcionários do banco, com recurso ao uso de expressões tais como “a sua aplicação acabou e se não assinar vai perder tudo. Tem de ser senão vai perder tudo”, o que os determinou a assinar a declaração negocial em causa, mediante a criação de uma situação de receio de “perder tudo”, sendo certo que, ao contrário do que lhes foi dito, poderiam ter optado por não efetuar a troca por ações, mantendo as obrigações que tinham o capital de 200.000 € garantido na data do vencimento, em agosto de 2020, tendo essa troca originado para eles um prejuízo consistente na desvalorização sofrida no valor de 200.000 € que estava aplicado em obrigações.
O Réu contestou invocando, no que para agora interessa, a exceção de caducidade a que se refere o artigo 243º, al. b), aplicável ex vi do artº 251º, ambos do Código de Valores Mobiliários, porquanto a ação foi intentada mais de dois anos volvidos sobre a data em que o Autor marido aceitou a troca – ocorrida no âmbito de uma Oferta Pública de Troca nos termos da qual o próprio Banco Réu se ofereceu para, em troca de obrigações que, emitidas por si em 2008 só tinham vencimento em 2018, entregar ações do seu próprio capital – e, portanto, sobre a data em que, na própria tese da ação, teria necessariamente ocorrido a acusada violação do dever de informação. Mais invocou a caducidade do direito de arguir a nulidade do negócio, uma vez que, segundo ele, na própria tese dos Autores, a cessação do alegado vício teria ocorrido no mesmo dia em que teria tido lugar (em 1 de junho de 2015).
Os Autores responderam, defendendo a inaplicabilidade ao caso concreto do referido regime de caducidade na medida em que através da ação intentada não pretendem pôr em causa o prospeto de operação de troca mas sim o comportamento doloso do Réu, viciador da sua vontade de contratar, como contraparte em relação bancária e intermediário financeiro. Quanto ao outro fundamento invocado, vieram dizer que o momento do conhecimento do vício ocorreu em novembro/dezembro de 2017, só esse relevando para o início da contagem do prazo, pelo que não ocorreu a invocada caducidade.
No despacho saneador, foi proferida decisão a julgar improcedente a exceção da caducidade, do exercício do direito à indemnização com fundamento na responsabilidade civil do Réu, prevista no art. 243º do CVM ex vi art. 251º do mesmo diploma legal.

Inconformado com a referida decisão veio o Réu interpor o presente recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

1ª) O presente recurso tem por objecto decidir a questão de direito que consiste em saber se, num caso como o dos autos, o direito ajuizado na lide – suposto que exista – está ou não sujeito ao prazo de caducidade contemplado no artº 243º, al. b) do Código de Valores Mobiliários;
2ª) O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Abril de 2016, citado em texto, estudando o tema que constitui objecto do presente recurso, concluiu irrefutavelmente que “a violação dos deveres de informação do emitente de títulos mobiliários, seja relativamente aos prospectos ou às informações periódicas ou eventuais, tanto incluí a informação desconforme divulgada como a omitida, sob pena de ficar esvaziado o objecto e escopo legal do artº 7º;
3ª) Este entendimento, que sancionou entendimento anterior sufragado pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 16 de Junho de 2015 e posterior da Relação do Porto de 15 de Novembro de 2018, reflectem o entendimento hermenêuticamente correcto, ou seja, o de que “não constituindo o artº 7º uma norma de imputação de responsabilidade, terá de se ir buscar, em primeira linha no Código de Valores Mobiliários, essa norma de imputação, chegando-se (assim) ao artº 251º (com a consequente remissão para o artº 243º), pois constitui a única norma atributiva de responsabilidade civil, constante do Código de Valores Mobiliários” (Ac. do STJ de 5 de Abril de 2016);
4ª) O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15 de Novembro de 2018, como dele se vê, versou, de resto, sobre um caso em que estava em causa, como nestes autos, a informação relativa à Oferta Pública de Troca de Obrigações Subordinadas por Acções levada a cabo pelo Recorrente em Maio e Junho de 2015 e concluiu que a caducidade estabelecida no artº 243º do CdVM era aplicável à responsabilidade civil que, naqueles autos, estava pedida ao Banco ...;
5ª) Estando a responsabilidade civil pedida na acção sujeita ao prazo de caducidade a que se refere o artº 243º, al. b) do Código de Valores Mobiliários, forçoso é concluir que o direito ajuizado, se existisse, já estava caducado quando a acção foi intentada por irem decorridos mais de dois anos sobre a data em que, na própria versão da petição inicial da acção, ocorreu violação do dever de informação.
6ª) O despacho recorrido, ao tomar os artº 243º e 251º do Código de Valores Mobiliários aplicáveis à responsabilidade do prospecto e apenas a ela, violou, pois, estes comandos legais;
7ª) Impõe-se, por isso e para respeito da lei, a sua revogação.

Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que, julgando procedente a excepção de caducidade deduzida pelo Recorrente na parte final da sua Contestação, julgue a acção improcedente, absolvendo o Banco ... do pedido.
Os Recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).

No caso vertente, a questão a decidir é a seguinte:

- Saber se, cumulando-se na mesma entidade o papel de emitente dos títulos mobiliários transacionados e o de intermediário financeiro e não obstante estar em causa uma atuação nesta última qualidade, a situação deverá ser subsumível ao regime da responsabilidade do emitente por informação desconforme e, consequentemente, ao quadro de caducidade previsto no art. 243º, al. b), do Código de Valores Mobiliários.
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III. FUNDAMENTOS

Os Factos
- Os factos a considerar são os já descritos no relatório supra efetuado.

O Direito.

Antes de entrarmos no mérito do recurso, cremos ser importante fazer aqui uma breve referência sobre as vantagens e desvantagens de o tribunal a quo ter conhecido, como conheceu, de um dos fundamentos da exceção perentória da caducidade no despacho saneador.

Dispõe o artigo 595.º, nº 1, b), do Código de Processo Civil, que o despacho saneador destina-se a, entre o mais, “conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória”.

Paulo Ramos Faria, no artigo “Relevância das (outras) soluções plausíveis da questão de direito”, publicado em Julgar Online, outubro de 2019, pág.’s 11 e 12, apesar de defender que “o dever de julgamento imediato existe mesmo nos casos de conhecimento meramente parcial da causa, quer quando não há controvérsia sobre um pedido autonomizável – ou sobre uma exceção ao mesmo oposta –, quer quando se verifica a manifesta inconcludência de uma pretensão – incluindo de uma exceção perentória –, se for vantajosa a sua imediata apreciação, de modo a evitar uma (como tal inútil) atividade instrutória pesada e onerosa”, não deixa de sublinhar que “não há utilidade relevante numa pronúncia imediata sobre o mérito da causa, se apenas se destinar ao afastamento de um fundamento – isto é, de uma causa de pedir autónoma –, quando esta apreciação não leva à improcedência da ação, por terem sido apresentados outros fundamentos, nem permite qualquer ganho processual relevante na instrução da causa. Neste caso, não há vantagem processual em afirmar antecipadamente a irrelevância de um fundamento, a pretexto de ser manifesta a sua inconcludência”. E o mesmo vale para a afirmação da improcedência de uma exceção. Diferente será obviamente, como também enfatiza o referido autor, se relativamente a uma exceção perentória invocada não existir matéria de facto controvertida, sendo o seu julgamento de procedência.

Isto para dizer que, no caso em apreço, apesar de a decisão não ser nula – porque não ocorre o vício de prematuridade (era processualmente lícito ao julgador conhecer antecipadamente, como conheceu, do fundamento da exceção da caducidade invocado pelo Réu) –, a verdade é que, sendo o sentido da decisão antecipada a de improcedência, não havia razões de economia processual que justificassem tal conhecimento na fase do saneador, sendo até mais provável que, em casos como o ora em apreço, “a maior celeridade processual para toda a demanda” se ganhe “não aguardando o processo o tempo necessário à preparação e elaboração da pronúncia parcial”, evitando-se, ainda desse modo, a interposição de recursos autónomos das decisões parcelares proferidas.
Isto dito, passemos então a conhecer da questão colocada pelo recurso.
Defende o Recorrente a aplicabilidade ao caso em apreço do preceituado no art. 243º, b), do CVM ex vi art. 251º do mesmo diploma legal.
Segundo o Recorrente, isso mesmo determina o entendimento hermenêuticamente correcto (…) de que “não constituindo o artº 7º uma norma de imputação de responsabilidade, terá de se ir buscar, em primeira linha no Código de Valores Mobiliários, essa norma de imputação, chegando-se (assim) ao artº 251º (com a consequente remissão para o artº 243º), pois constitui a única norma atributiva de responsabilidade civil, constante do Código de Valores Mobiliários” (Ac. do STJ de 5 de Abril de 2016), invocando ainda para sustentar a posição por si defendida o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15 de Novembro de 2018 que, acentua, como dele se vê, versou (…) sobre um caso em que estava em causa, como nestes autos, a informação relativa à Oferta Pública de Troca de Obrigações Subordinadas por Acções levada a cabo pelo Recorrente em Maio e Junho de 2015 e concluiu que a caducidade estabelecida no artº 243º do CdVM era aplicável à responsabilidade civil que, naqueles autos, estava pedida ao Banco ....

Será assim?

De harmonia com o disposto no art. 243º do CVM (que regula a responsabilidade pelo conteúdo do prospeto nas “formas organizadas de negociação”) “à responsabilidade pelo conteúdo do prospeto aplica-se o disposto nos artigos 149.º a 154.º (relativos às ofertas públicas), com as devidas adaptações e as seguintes especialidades:

a) São responsáveis as pessoas referidas nas alíneas c), d), f) e h) do n.º 1 do artigo 149.º;
b) O direito à indemnização deve ser exercido no prazo de seis meses após o conhecimento da deficiência do prospeto ou da sua alteração e cessa, em qualquer caso, decorridos dois anos a contar da divulgação do prospeto de admissão ou da alteração que contém a informação ou previsão desconforme.”

O art. 251º (“À responsabilidade pelo conteúdo da informação que os emitentes publiquem nos termos dos artigos anteriores aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 243.º”) integra-se na SECÇÃO III – Informação relativa a instrumentos financeiros admitidos à negociação - do CAPÍTULO II – Mercados regulamentados, sistemas de negociação multilateral e sistemas de negociação organizados –, que, por seu turno, integra ainda a Secção II - Mercados regulamentados – onde se insere também a Subsecção V – Prospeto – onde se encontra o citado art. 243º - que regula a responsabilidade pelo conteúdo do prospeto -, capítulo, aquele, do TÍTULO IV – Negociação – do CVM.
Por seu turno, o art. 324º - nos termos do nº 2 do qual “salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos” - surge-nos na Subsecção II - Informação contratual - da SECÇÃO I - Regras gerais - do CAPÍTULO II - Contratos de intermediação – do TÍTULO VI - Intermediação.
Na SUBSECÇÃO I - Disposições gerais – da SECÇÃO III - Organização e exercício – do referido CAPÍTULO II - Contratos de intermediação – do TÍTULO VI – Intermediação -, mostram-se consagrados no artigo 304.º os princípios que presidem à atividade dos intermediários financeiros.

Segundo este preceito:

“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3 - Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente.
4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário, sem prejuízo das exceções previstas na lei, nomeadamente o cumprimento do disposto no artigo 382.º
5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração e às pessoas que dirigem efetivamente a atividade do intermediário financeiro ou do agente vinculado e aos colaboradores do intermediário financeiro, do agente vinculado ou de entidades subcontratadas, envolvidos no exercício ou fiscalização de atividades de intermediação financeira ou de funções operacionais que sejam essenciais à prestação de serviços de forma contínua e em condições de qualidade e eficiência.”

Na mesma secção, está prevista no artigo 304º-A, a responsabilidade civil dos intermediários financeiros, nos seguintes termos:

“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Por último, o art. 7º, nº 1, do citado código – nos termos do qual “a informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita” – integra-se no capítulo III – Informação do TÍTULO I – Disposições gerais – e constitui-se como inegável fonte de um dever de informação imposto por lei quer ao intermediário financeiro, quer ao emitente.
Da análise e articulação dos citados normativos decorre claramente para nós a existência no CVM, e no que para o que agora nos interessa, de dois regimes específicos de responsabilidade civil por violação do dever de informação – a do intermediário financeiro pelo conteúdo da informação prestada ao seu cliente no âmbito da prestação de serviços de intermediação e a do emitente pelo conteúdo do prospeto de oferta pública e pelo conteúdo do prospeto nas “formas organizadas de negociação” (nesta se incluindo também, sem qualquer problema, a responsabilidade pela omissão no conteúdo de tais prospetos) – regimes de responsabilidade esses que incluem prazos distintos para o exercício dos correspondentes direitos.
E isto é necessariamente assim, mesmo para quem, como Carlos Ferreira de Almeida – segundo o qual a norma material comum contida nos artigos 153º (relativo às ofertas públicas), 243º, alínea b), e 251º do Código dos Valores Mobiliários, deverá ser lida do seguinte modo: O direito à indemnização por informação ou previsão deficientes caduca no prazo de seis meses após o conhecimento da deficiência da informação contida no prospeto ou publicada pelo emitente ou da sua alteração e caduca também, em qualquer caso, decorridos dois anos a contar da divulgação do resultado da oferta, do documento ou da alteração que contém a informação ou a previsão desconforme –, entende que a responsabilidade prevista nos citados preceitos envolve a responsabilidade por qualquer outra informação periódica ou eventual publicada pelos emitentes, sendo de assinalar que é o próprio quem diz: “Neste Código, há ainda outro preceito (o artigo 324º, nº 2) que importa considerar por se tratar de norma de prescrição aplicável também à responsabilidade civil, embora noutra matéria (indemnização por incumprimento de contratos de intermediação), com prazo muito mais curto (dois anos) do que o prazo comum de vinte anos, fixado pelo artigo 309º do Código Civil, que é aplicável à responsabilidade civil contratual.” (Caducidade do Direito a Indemnização por Informação Deficiente no Âmbito dos Mercados de Valores Mobiliários, pág. 2, publicado in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários)
A questão que se coloca é, pois, apenas, a de saber se, cumulando-se na mesma entidade o papel de emitente dos títulos mobiliários transacionados e o de intermediário financeiro e não obstante estar em causa uma atuação nesta última qualidade, como de acordo com o alegado pelos Autores, no caso dos autos sucede, a situação deverá ser subsumível ao regime da responsabilidade do emitente por informação desconforme, com a consequente sujeição ao quadro de caducidade previsto no citado art. 243º, alínea b), do CVM, ou, pelo contrário, deverá beneficiar da proteção do regime da responsabilidade do intermediário financeiro, não sujeita aos prazos de caducidade do citado artigo.
Vejamos.
A propósito da responsabilidade do intermediário financeiro prevista no citado art. 304º-A, nº 1, do CVM, refere Menezes Leitão in Direitos dos Valores Mobiliários, Vol. II, 2000 pág. 45, que “ há que ponderar, confrontando os seus pressupostos, se se deve efectuar o seu enquadramento no âmbito da responsabilidade delitual, por violação de direitos absolutos ou disposições legais de protecção (art. 483 e segs. do C. Civil) ou obrigacional, pelo incumprimento das obrigações arts. 798 e sgs. do C. Civil ou se deve ainda inseri-la no âmbito das categorias de responsabilidade que têm contribuído para abalar a rigidez da repartição entre estas duas categorias, como a da responsabilidade pré-contratual, a responsabilidade por informações e a responsabilidade civil do gestor de negócios, em relação às quais se tem falado na esteira de Canaris de uma terceira via de responsabilidade civil.”
Certo é, porém, que, embora na doutrina se discuta se a responsabilidade do intermediário financeiro é extracontratual/delitual ou contratual ou até uma responsabilidade intermédia, o legislador resolveu a questão de uma forma pragmática ao prescrever no citado artigo 304.º-A, nº 1, do CVM que os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, presumindo-se a culpa do intermediário financeiro quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação (nº 2 do citado artigo), o que claramente abarca todas as hipotéticas situações de violação do dever de informação pelo intermediário financeiro, não havendo, pois, qualquer necessidade de, neste âmbito da atuação do intermediário financeiro, recorrer ao art. 251º do CVM como “norma de imputação”.

Com efeito, como enfatiza Manuel A. Carneiro da Frada “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in www.revistadedireitocomercial.com (2018-10-12), pág. 1228, “sempre que uma norma do CVM aponte como consequência imediata da violação dos respectivos deveres a responsabilidade civil, ela é autosuficiente para determinar a obrigação de indemnizar – esfumando-se o interesse na dogmática das disposições de protecção para efeito da aplicação do art. 483, nº. 1 do CC, pois o intérprete aplicador se encontra diante de uma norma especial de responsabilidade completa e autónoma”, acrescentando em nota de rodapé (nota 3) que em tais casos assim é “ao contrário das disposições de protecção, que são tipicamente, do ponto de vista da responsabilidade que fundam, não autónomas, uma vez que são incompletas no seu teor, recebendo do art. 483, nº. 1, a estatuição”.
Nesse sentido, pode dizer-se que o nº 1 do artigo 304º-A, do CVM, ao prescrever que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública”, se apresenta claramente como uma norma “autosuficiente”.
Por outro lado, importa atentar que, no caso da norma contida no nº. 2 do art. 304º-A do CVM, a mesma “com grande amplitude, faz presumir a culpa quando o dano ocorre no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais” ( Manuel A. Carneiro da Frada, obra citada, pág. 1236), sendo exatamente a referida presunção de culpa, que, como se viu, se estende à responsabilidade pré-contratual e se aplica automaticamente no caso da violação de deveres informativos, que terá conduzido à redução dos prazos de prescrição de três e de vinte anos, fixados pelos artigos 498º e 309º do Código Civil, permitindo o art. 324º “o advento mais precoce da prescrição nos casos em que não haja dolo ou culpa grave” – “A prescrição é nestes casos de 2 anos, ao invés do que sucederia na responsabilidade pré-contratual (3 anos) ou contratual (20 anos)” – (Pedro Ávila, na dissertação de Mestrado intitulada “Sobre as consequências da violação do dever de informação do intermediário financeiro no âmbito de um contrato de gestão de carteira”, “Erro-vício e Responsabilidade”, pág. 36), defendendo-se nesta dissertação que “este prazo mais curto de prescrição, embora diga respeito à responsabilidade contratual, será também de aplicar à responsabilidade pré-contratual”, porquanto “esta é a solução que melhor se compreende e que contrabalança a quase objetivação (…) que está presente pela dificilmente afastável presunção de culpa em ambos os regimes (art. 304º-A, nº 2)”.
A confirmar que a aplicação do art. 324º, nº 2, do CVM a todas as situações de responsabilidade civil pela atuação do intermediário financeiro tem sido a posição predominantemente assumida pelas instâncias recursivas vejam-se os acórdãos identificados pelos Recorridos, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt: Ac. do TRP de 11/04/2018 relatado por Carlos Querido; Ac. TRP de 30/05/2018 relatado por Aristides Sousa Almeida; Ac. TRP de 11/10/2018 relatado por Inês Moura; Ac. TRP de 30/05/2018 relatado por Maria Cecília Agante; Ac. TRP de 06/03/2018 relatado por Rodrigues Pires; Ac. do TRL de 21/06/2018 relatado por Ondina Alves; Ac. TRL de 05/07/2018 relatado por Ondina Alves; Ac. TRL de 21/07/2018 relatado por António Santos e Ac. do TRG de 17/12/2018, relatado por António Figueiredo de Almeida; Ac. do STJ de 17.03.2016, relatado por Maria Clara Sottomayor; Ac. STJ de 10.04.2018, relatado por Fonseca Ramos.

Ainda no mesmo sentido, atente-se nos acórdãos da Relação de Coimbra, de 11.12.2018 (Relatora Maria Teresa Albuquerque) e da Relação do Porto, de 24.01.2019 (Relator Paulo Dias da Silva).
Claramente firmando a orientação de que os prazos, para o exercício do direito de indemnização por responsabilidade do intermediário financeiro, previstos no citado art. 324º, nº 2, do CVM não se restringem à responsabilidade na execução dos contratos mas se estendem à responsabilidade pela conduta anterior à celebração dos próprios contratos, pode ler-se no sumário do Acórdão da Relação do Porto de 30/05/2018 relatado por Maria Cecília Agante: “Presumindo-se a culpa do intermediário financeiro quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais, é de dois anos o prazo de prescrição, tratando-se de culpa leve ou levíssima, e de 20 anos nos casos de dolo ou de culpa grave”.
Perante a completude deste regime, estando em causa, segundo a versão apresentada pelos demandantes, uma atuação no âmbito da atividade de intermediação financeira, não há qualquer razão para recorrer ao regime da responsabilidade do emitente de títulos mobiliários – e à norma da caducidade para ele prevista – só pelo facto de o intermediário financeiro em causa ser, no caso concreto, também emitente.
Pensamos, aliás, que o facto de uma entidade ser simultaneamente emitente e intermediário só aporta riscos acrescidos para o investidor e, por isso mesmo, tal situação carece, mais do que qualquer outra, da proteção conferida pelo art. 304º-A, nº 1, do CVM.
De novo citando Carneiro da Frada, não é quando o intermediário “assume o papel de gestor, mandatário ou conselheiro do cliente no que toca a contratos que ele pretende celebrar com terceiros (dando ao intermediário as respectivas ordens)” que urge mais protegê-lo, mas sim “quando o intermediário actua por conta própria, sendo, ou querendo ser a contraparte do cliente” “que se torna mais importante proteger o cliente contra as consequências desfavoráveis de um certo contrato, e que mais tentador se torna para o intermediário financeiro ganhar iniquamente à custa do seu cliente”. (artigo citado, pág. 1232)
Como frisa o aludido autor “nem há base, seja no direito comum, seja no CVM, para sustentar que os deveres de informação ou de adequação a cargo do intermediário financeiro cessam, ou não existem, assim que ele aja na qualidade de contraparte no contrato com o cliente, dividindo de forma tão artificial, rígida e restrita, para efeitos de valoração jurídica, essas modulações da actividade dos intermediários financeiros. Na realidade, o legislador previu-os e consagrou-os como deveres gerais da actividade de intermediação” (artigo citado, pág. 1233).
A resposta à questão acima formulada deve, pois, ser dada no sentido de que, estando em causa uma atuação no âmbito da atividade de intermediário financeiro, não é pelo facto de o intermediário ser em simultâneo o emitente dos títulos mobiliários transacionados que a situação deverá ser subsumível ao regime da responsabilidade do emitente por informação desconforme, forçoso sendo, antes, aplicar-lhe o regime próprio da responsabilidade do intermediário financeiro.

Ora, no caso em apreço, face ao alegado pelos Autores, em causa está a atuação do Banco Réu na qualidade de intermediário financeiro e não qualquer informação desconforme por este prestada como mero emitente. Assim sendo, não lhe é aplicável a norma que prevê a caducidade do exercício do direito contra o emitente, ou seja, não lhe é aplicável o art. 243º, al. b), do Código de Valores Mobiliários.

Aqui chegados, importa ainda esclarecer que, devidamente analisado o acórdão do STJ citado pelo Recorrente, se vê que a questão ali tratada prende-se não com a responsabilidade do ali Réu/Recorrido como intermediário financeiro – já que a esse nível se considerou faltar, no caso, factualidade bastante para imputar àquele a violação de qualquer dever –, mas sim com a hipotética consideração, no âmbito da ação cível em causa, dos factos que estiveram na base da aplicação pela Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) de coimas ao, no processo sob recurso, Réu/Recorrido, na qualidade de emitente das ações em causa, aqui se recordando que na ali referida situação, a CMVM tinha “considerado, em síntese, que o R., entre 1999 e 2006, praticou factos e realizou operações que nunca deu a conhecer ao mercado, comportamento que integrou uma acção planificada e orientada no sentido de alterar o juízo dos investidores em relação à real situação do BBB, sendo que a informação financeira divulgada pelo Banco reflectia a contabilização de juros e receitas que não correspondiam de facto a proveitos, omitia perdas realizadas e potenciais acções adquiridas pelas referidas sociedades, assim sobreavaliando os resultados líquidos e os capitais próprios. Além disso, em momento algum o BBB assumiu publicamente essas sociedades offshore como próprias e a actuação delas em mercado como sendo uma actuação do próprio BBB, assim a aquisição de acções BBB, pelas offshore Cayman e PP, permitiu ao BBB, adquirir e controlar acções BBB correspondentes a mais de 5% do seu capital social, manter a estrutura accionista (fragmentária) do BBB - sem que o seu modelo de governação fosse questionado, procurar defender o comportamento das acções BBB no mercado, realidade que não foi dada a conhecer ao mercado. As operações e respectivos prejuízos supra descritos foram sucessivamente ocultados das contas do BBB, quer individuais quer consolidadas, referentes aos anos de 1999 a 2006 e 3° trimestre de 2007, divulgadas ao mercado, não reflectindo aquelas a imagem verdadeira e apropriada da posição financeira e da respectiva performance do BBB em cada uma das datas referidas, em quantias materialmente significativas, designadamente, o valor declarado de capitais próprios chegou a estar sobreavaliado em 21% em 2002 e 2003 e em 17% em 2004”.
Sendo essa a hipotética situação em análise, não se pode dizer que quando no citado acórdão se concluiu que “o regime de responsabilidade do emitente aplica-se, nas suas linhas gerais, não só aos deveres de informação através do prospecto (quer seja um prospecto de oferta ou de admissão à negociação), como também aos diversos deveres de informação relativa a valores mobiliários admitidos à negociação, previstos nos arts. 244º a 251º”, para além da responsabilidade do emitente pelo conteúdo do prospeto de oferta pública, pelo conteúdo do prospeto nas “formas organizadas de negociação” e até por qualquer outra informação periódica ou eventual publicada, se estava a ponderar também a aplicação de tal regime à questão da violação pelo intermediário financeiro, simultaneamente emitente do título mobiliário, do dever de informação perante o seu cliente no âmbito da prestação de serviços de intermediação.
Veja-se que ali se enfatiza que, do art. 7º do CVM, “para o que aqui interessa, resulta que a informação, em relação à oferta pública de valores mobiliários (e nestes devem ser incluídas as acções, como decorre do art. 1º do mesmo Código) a efectuar pela emitente, deve ser “completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”.
E num outro ponto, ao densificar o dever cuja violação estaria em causa: “para além dos deveres de informação relacionados com o prospecto, os emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação estão sujeitos a deveres mais exigentes de informação periódica sobre os seus documentos de prestação de contas, quer no que se refere ao conteúdo dos documentos a divulgar, quer no que se refere à maior periodicidade da informação, a qual, além dos documentos de prestação de contas anuais (art. 245º), abrange também informação semestral (art. 246º) e até trimestral, para as empresas de maior dimensão (art. 246º-A), como é o caso da R.. A par destes deveres periódicos de prestação de informação, emerge um permanente dever de informação privilegiada (art. 248º) relativamente a toda a informação que diga directamente respeito aos emitentes de valores mobiliários ou aos valores mobiliários por eles emitidos que tenha carácter preciso, que não tenha sido tornada pública, e que, se lhe fosse dada publicidade, seria idónea para influenciar de maneira sensível o preço desses valores mobiliários”.
O que corrobora a ideia de que a particular questão que ali se versa é a da responsabilidade do Banco Réu na qualidade de emitente e não na de intermediário financeiro.
Veja-se, aliás, que os regimes contrapostos naqueles autos pelas próprias partes são o do citado art. 243º, b), do CVM e o regime geral da responsabilidade civil estabelecido no Cód. Civil, “e assim, o prazo de prescrição a que se refere o art. 498º”, nunca tendo sido aventada a possibilidade de aplicação ao caso do art. 324º, nº 2, do CVM.
Não cremos, pois, curial concluir que o dito acórdão suporta a tese de que “a partir da citada norma, o legislador criou um regime de responsabilidade aplicável à generalidade dos deveres de informação relativa à negociação de valores mobiliários, que consta dos artºs 243º a 251º CVM, aplicável mesmo ao Banco Réu, quando se considere este Banco (ou a respectiva agência ou sucursal) um mero intermediário na colocação de acções no mercado, e não enquanto emitente das mesmas” (como parece suposto no Acórdão da Relação do Porto de 15.11.2018).
O que do sumário do citado aresto do STJ consta é que “a violação dos deveres de informação do emitente (de) títulos mobiliários, seja relativamente aos prospectos ou às informações periódicas ou eventuais, tanto inclui a informação desconforme divulgada como a omitida, sob pena de ficar esvaziado o objecto e escopo legal do art. 7º”, sendo, pois, a respeito dos deveres de informação do emitente (e não do intermediário financeiro) que ali se afirma que “não constituindo o art. 7º uma norma de imputação de responsabilidade civil, terá que se buscar, em primeira linha no Código de Valores Mobiliários, essa norma de imputação, chegando-se (assim) ao art. 251º (com a correspondente remissão para o art. 243º), pois constitui a única norma atributiva de responsabilidade civil, constante no Código de Valores Mobiliários”.
Assim sendo, independentemente da posição que se tome quanto à questão tratada no citado acórdão do STJ, a nosso ver, certo é que a mesma não coincide com aquela que exige resposta para efeito da decisão do mérito da ação que ora pende contra o aqui Recorrente.
Face ao que se expôs, deve confirmar-se a decisão recorrida.

Sumário:

I – O nº 1 do artigo 304º-A, do CVM, ao prescrever que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública”, apresenta-se como uma norma “autosuficiente” para determinar a obrigação de indemnizar, não havendo, pois, qualquer necessidade de, neste âmbito da atuação do intermediário financeiro, recorrer ao art. 251º do CVM como “norma de imputação”;
II – Presumindo-se a culpa do intermediário financeiro quer quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais, quer quando o dano seja causado no âmbito de relações pré-contratuais, todas essas situações de responsabilidade civil pela atuação do intermediário financeiro estão sujeitas ao regime de prescrição previsto no art. 324º, nº 2, do CVM;
III – O facto de uma entidade ser simultaneamente emitente dos títulos mobiliários e intermediário só aporta riscos acrescidos para o investidor e, por isso mesmo, tal situação carece, mais do que qualquer outra, da proteção conferida pelo art. 304º-A, nº 1, do CVM;
IV – Cumulando-se na mesma entidade o papel de emitente dos títulos mobiliários transacionados e o de intermediário financeiro e estando em causa uma atuação nesta última qualidade, a situação não deverá ser subsumível ao regime da responsabilidade do emitente por informação desconforme, com a consequente sujeição ao quadro de caducidade previsto no citado art. 243º, alínea b), do CVM, mas, pelo contrário, deverá beneficiar da proteção do regime da responsabilidade do intermediário financeiro, não sujeita aos prazos de caducidade do citado artigo, mas antes ao regime de prescrição contido no art. 324º, nº 2, do CVM.

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 14.11.2019

Margarida Sousa Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues