Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
894/14.2T8GMR.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
TRABALHADOR
LEGITIMIDADE
FACTOS-ÍNDICE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Um trabalhador, mesmo que o seu crédito ainda não esteja reconhecido por sentença do Tribunal de Trabalho, tem legitimidade para requerer a declaração de insolvência do devedor, justificando na petição a origem, natureza e montante do seu crédito.
2 – Os factos-índice constantes do artigo 20.º do CIRE (presuntivos da insolvência) são taxativos, mas não são cumulativos, bastando para a declaração de insolvência o preenchimento de um ou alguns dos factos contidos nas diversas alíneas desse artigo.
3 - Uma vez requerida a insolvência, com base nesses fundamentos, impende sobre o requerido o ónus da alegação e prova da sua solvência.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
F… veio requerer a declaração de insolvência de “D…, Lda.”, alegando ter sido admitida ao serviço da requerida em 18/01/2010, onde trabalhou até 09/08/2011, data em que resolveu o contrato de trabalho alegando justa causa, sendo credora da requerida por um total de € 5541,45. Alegou, ainda, que a requerida encerrou as instalações e não dispõe de trabalhadores, tendo sido retiradas todas as máquinas e utensílios que aí existiam, tendo deixado de pagar aos credores e não tendo quaisquer bens que lhe permitam cumprir o pagamento dos seus débitos.
A requerente foi notificada para, em 5 dias, corrigir vícios da petição, ao abrigo do artigo 27.º do CIRE, o que fez, por requerimento de 29/10/2014.
Foi proferida decisão de indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência.
Não se conformando com tal decisão, dela recorreu a requerente, terminando a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
1 – A Mma Juiz “a quo” indeferiu liminarmente a presente acção de insolvência, fundamentando o indeferimento na inexistência de narração de qualquer facto concreto consubstanciador dos factos índices previstos no artigo 20º do CIRE;
2 – A apelante alega ter resolvido o contrato de trabalho por justa causa, em 09/08/2011, com fundamento em falta culposa ao pagamento pontual da retribuição, sendo que em consequência dessa resolução do contrato de trabalho tem um crédito sobre a requerida a título de retribuição, férias, subsídio de férias e de natal e compensação pelo despedimento, no montante de € 5.451,45, a qual, apesar das múltiplas insistências junto da requerida, não conseguiu receber;
3 – Dispõe o art. 20º do CIRE que a declaração de insolvência de um devedor poderá ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, nesse conceito haverá de incluir-se também o credor/trabalhador;
4 - O CIRE não faz depender da propositura prévia da acção no Tribunal do Trabalho, para que um credor laboral possa requerer a insolvência da sua entidade patronal, o que, de resto, sucede relativamente aos créditos de qualquer outra natureza, cabendo ao credor a liquidação do respectivo quantum que poderá ser sempre impugnado e será, a final, objecto de apreciação judicial;
5 – O recurso prévio aos tribunais de trabalho é até impraticável nas situações em que o credor/trabalhador, confrontado com a situação de insolvência da sua entidade patronal, dispõe de um prazo curto para reclamar o seu crédito, que lhe não permite em tempo útil obter uma sentença do Tribunal de Trabalho, perdendo, nesse caso, a possibilidade de ver reconhecido o seu crédito no âmbito do Processo de Insolvência e, até, de receber do Fundo de Garantia Salarial;
6 – Dispondo, ainda, o artigo 18º, nº3 do CIRE que, quando o devedor seja titular de uma empresa, presume-se de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos 3 meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na alínea g), do nº1, do art. 20º do CIRE, entre as quais se encontra a da aqui apelante;
7 – Concluindo-se, assim, que o art. 20º do CIRE ao não fazer qualquer distinção, no que respeita à qualidade dos credores, permitiu que ali se incluíssem os credores laborais sem necessidade de instauração prévia de qualquer acção no Tribunal de Trabalho.
8 – Por outro lado, considerou a Mmª Juiz “a quo” que a apelante não alegou factos “susceptíveis de fundamentar a declaração de insolvência”, isto é, capazes de consubstanciar os factos índices previstos no art. 20º do CIRE pelo que, em consequência, decidiu pelo indeferimento liminar da acção;
9 – Ora, à contrário, a apelante entende que os factos por si alegados, mormente ausência pela requerida da propriedade ou titularidade de bens (móveis, imóveis, rendimentos do trabalho, ou da actividade comercial no seu estabelecimento, depósito/crédito bancário) que possam responder pelo cumprimento das suas obrigações, apesar de carecerem de prova, justificam o prosseguimento dos autos;
10 – De facto, o único pressuposto objectivo da declaração de insolvência é a insolvência tal como definida no artigo 3º, nº1, sendo os factos - índices, elencados no artigo 20º, nº1 do CIRE fundamentos necessários (quando a insolvência é requerida por certos legitimados, como os credores do devedor), podendo, não obstante, não ser suficiente para a efectiva declaração de insolvência, já que o devedor pode ilidir a presunção de insolvência assente na ocorrência de algum desses factos (ver artigo 30º, nº3, parte final, do CIRE);
11 - Entre esses factos constam a al. a) “suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas” e al. b) “falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”;
12 - Ora, a apelante alegou que a requerida tem dívidas para com bancos, outros particulares, assim como às Finanças e Segurança Social e requereu que a mesma viesse indicar os cinco maiores credores, faculdade que lhe é concedida pelo art. 23º, nº3 do CIRE, pelo que a não alegação em concreto desses credores e dos montantes em dívida não significa que o não pudesse vir a provar, sendo indiscutível que alegou a suspensão generalizada dos pagamentos das obrigações vencidas e que essa situação de facto existe;
13 - Já no que se refere ao índice da alínea b), quando o pedido provenha do credor, deve o requerente da declaração de insolvência justificar na petição a origem, natureza e montante do crédito e oferecer com ela os elementos que possua relativamente ao activo e passivo do devedor, bem como, e ainda, todos os meios de prova de que disponha (artigo 25º do CIRE);
14 - Ora bem, na espécie, a apelante justificou o seu crédito, origem e montante (€ 5.541,45) acrescentando as tentativas falhadas para obter o cumprimento por parte da requerida e que esta deixou de responder ás suas sucessivas interpelações.
15 – Sendo que relativamente à requerida alegou que é/era comerciante e a circunstância (desconsiderada pela Mmª Juiz “ a quo”) de encerramento e abandono do estabelecimento, o que significa que aquela deixou de ter o estabelecimento a funcionar, cessando ou, ao menos, suspendendo a sua actividade, com o que, em termos de normalidade, isso significa, deixando de obter fluxos financeiros dessa actividade que são o meio com que um comerciante faz face às dívidas para com os credores;
16 - Destas alegações, não decorre, assim, apenas a existência de um crédito da apelante, cuja satisfação demanda primeiramente o recurso a uma acção declarativa e, posteriormente, executiva, mas também em termos de alegação concreta (estabelecimento encerrado e abandonado, não ter rendimento do trabalho, não ter depósitos bancários, não ter móveis ou imóveis) – que a situação económico-financeira da requerida não lhe permite o pagamento dessa e de outras dívidas;
17 – Resulta, pois que sendo o pressuposto da declaração de insolvência a situação de insolvência (para o que, no contexto alegado, apontam os factos descritos na petição), não obstante, quando pedida pelo credor, deva ser fundada em algum dos índices previstos no artigo 20º,nº1, entendemos que o que se alega, e em atenção do previsto nas als. a) e b) desse artigo 20º, nº1, vier a ser demonstrado, permite concluir por uma situação de penúria financeira da requerida bastante para afirmar a sua insolvência.
18 – Pelo que, ao decidir como decidiu, a Mmª Juiz “a quo” violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 20º, nº1 als. a), b), c) e g) (i), (ii), (iii) e 29º do CIRE.
Termos em que deverá ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outro que ordene o prosseguimento dos Autos e a citação da requerida, para querendo, deduzir oposição, conforme peticionado pelo apelante na petição inicial, tudo com as legais consequências.

Não houve contra alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com efeito devolutivo e subida imediata.
Foram colhidos os vistos legais.
As questões a resolver traduzem-se em saber se a requerente tem legitimidade para pedir a declaração de insolvência da requerida e se, em caso afirmativo, são insuficientes os factos alegados.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão sob recurso entendeu-se que “os factos alegados pela requerente não integram a previsão normativa das alíneas do artigo 20.º do CIRE, ou seja, a suspensão generalizada do pagamento das obrigações vincendas (a); a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (b); e o abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem nomeação de substituto idóneo (c); a fuga ou o abandono a que alude a al. d); a dissipação, o abandono, a insuficiência ou o incumprimento a que aludem as alíneas d) a f); o incumprimento de dívidas do tipo elencado na al. g) ou a verificação da situação a que se alude em h)”.
E continua a decisão recorrida, nos seguintes termos: “De facto e perante os factos alegados pela requerente não poderá falar-se em suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas, porquanto a requerente somente alega a sua obrigação, não especificando outros credores, apesar de ter sido notificado para esclarecer tal questão, bem como as alegadas acções a correr termos contra a requerida (sendo acessível essa consulta nos tribunais). Por outro lado a natureza (crédito controvertido laboral) e o montante (€5.541,45) não permite por forma alguma a conclusão de que os devedores estão impossibilitados de satisfazer pontualmente a generalidade das obrigações.
Isto porque sendo uma pessoa colectiva, com actividade própria e ainda em funcionamento, não é de aceitar que da circunstância do não pagamento de uma quantia tão diminuta para uma sociedade se retire a conclusão da insolvabilidade. Também não é referido qual o activo conhecido aos devedores que permita perante o montante apresentado de dívida, afirmar ser impossível de satisfazer a mesma e certamente com o passivo alegado, o activo dificilmente seria inferior, sob pena de nem estarem a laborar. Nem tampouco foi interposta acção laboral pela requerida, que invoca se ter despedido em Agosto de 2011, por justa causa, para firmar os seus alegados direitos e crédito, ao contrário do que seria expectável e que levou à questão a esse respeito colocada pelo Tribunal.
Como se referiu já, qualquer credor pode requerer a declaração de insolvência quando ocorra algum dos factos referidos nas alíneas do seu n.º 1. Face a tal pedido, caberá ao devedor provar a sua solvência ou impugnar o facto em que se fundamenta o pedido formulado, nos termos do disposto no art.º 30.º, n.ºs 3 e 4. Incumbe ao requerente provar o seu crédito e ao requerido provar a improcedência do facto alegado e a sua solvência. Crédito condicional é aquele que, existindo, não pode ainda ser exigido, pelo facto de não se ter ainda por verificada a condição. Por sua vez, o crédito controvertido é “inexistente” – no sentido de não poder ser exigido -, até ser reconhecido, nomeadamente, por decisão transitada em julgado.
Ora, “in casu” o alegado crédito que está na génese do pedido de insolvência formulado na acção, não se encontra líquido, sendo assim, no mínimo, à data da propositura da acção, um crédito controvertido e portanto ainda não exigível (Vide a este propósito, entre outros, o Ac. TRL de 05.06.2008 “in” www.dgsi.pt). Só o incumprimento de obrigações vencidas pode susceptibilizar o requerimento de insolvência por parte do credor – v.g. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “in” Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, anotado, Vol. I, Quid Júris, Lisboa – 2005, pag. 69, anotação 4 ao artº 3º -, e uma obrigação vencida é uma obrigação que devia ter sido cumprida, que se tornou exigível, conferindo ao credor a possibilidade de exigir imediatamente a prestação, isto é, o credor pode exercer o seu direito judicialmente caso o devedor não cumpra voluntariamente, executando o património do devedor para satisfação do seu crédito.
Donde resulta, que só tem legitimidade substantiva (e não legitimidade processual, já que a legitimidade para pedir a declaração de insolvência respeita à existência do direito invocado pelo requerente), para requerer a insolvência, os credores com créditos vencidos e exigíveis – cf. Artºs 3º nº 1, 20º n.º 1 e 25º n.º 1 do C.I.R.E..
No caso dos autos, verifica-se que o crédito que a requerente invoca como fundamento da sua legitimidade (substantiva) para requerer a insolvência, não se encontra à data da propositura da acção (nem na data da presente prolação da sentença) ainda vencido, sendo antes um crédito controvertido, litigioso, e como tal ainda não exigível.
Aliás as regras de experiência comum dizem-nos que a existirem mais dívidas às Finanças e a Bancos, de valores certamente superiores a este, não seria plausível que a requerida, a se encontrarem na situação que a requerente retrata, não tivesse já visto surgir outro processo idêntico por parte desses credores.
Mais dizem-nos as regras da normalidade e bom senso que uma sociedade que não consiga pagar dívidas de um montante de €5.541,45, (controvertido) aguente sequer em laboração.
Entendemos assim que a matéria alegada é manifestamente insuficiente para o resultado pretendido, não integrando qualquer dos fundamentos que permite a declaração de insolvência. Mais entendemos que não existe qualquer convite ao aperfeiçoamento que cumpra efectuar. De facto, não está deficiente alegação, mas antes uma insuficiência fáctica para o pedido deduzido, insuficiência essa que só lograria ser suprida mediante a alegação de factos inteiramente novos. Diga-se em abono de verdade que a presente petição nada mais alega do que numa acção executiva (precedida de uma acção laboral, que se nos afigura vir a ser extemporânea), que deverá ser o meio, se já não o é, de obter o pretendido ressarcimento.
Por tudo o exposto, nos termos conjugados dos artigos 20º a contrario e 27º do CIRE indefiro liminarmente o pedido de declaração de insolvência”
Entende a recorrente que não lhe era exigível instaurar previamente ação no Tribunal de Trabalho para, posteriormente, requerer a insolvência da sua entidade patronal, cabendo-lhe, apenas, a liquidação do quantum do seu crédito, que poderá ser sempre impugnado.
Por outro lado, entende que alegou factos que são suscetíveis de integrar os factos-índice previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.
Vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do CIRE, a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, acrescentando o artigo 25.º, n.º 1 do mesmo diploma legal que, nesse caso, o requerente da declaração de insolvência deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito e oferecer com ela os elementos que possua relativamente ao activo e passivo do devedor. Veja-se, ainda, o artigo 23.º, n.º 3, onde se refere que, não sendo possível ao requerente fazer as indicações e junções referidas no número anterior (por exemplo, identificar os administradores do devedor e os seus cinco maiores credores), solicita que sejam prestadas pelo próprio devedor.
Ao estabelecer que a declaração de insolvência pode ser requerida por qualquer credor (qualquer que seja a natureza do seu crédito), apenas justificando na petição a origem, natureza e montante daquele, pensamos que o legislador não estava a pensar exigir ao credor/trabalhador a instauração prévia da competente ação no Tribunal de Trabalho, só podendo requerer a declaração de insolvência da sua ex-entidade patronal, após a obtenção de sentença transitada em julgado onde esteja reconhecido o seu crédito.
Um trabalhador, mesmo que o seu crédito ainda não esteja reconhecido por sentença do Tribunal de Trabalho, tem legitimidade para requerer a declaração de insolvência do devedor, desde que, claro, se verifique algum dos factos referidos nas diversas alíneas do artigo 20.º do CIRE – neste sentido, veja-se os Acórdãos deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 18/12/2006 (processo n.º 2338/06-2) e de 18/05/2005 (processo n.º 664/05-2), e da Relação de Évora de 10/05/2007 (processo n.º 840/07-3), todos disponíveis em www.dgsi.pt e Luís M. Martins, in “Processo de Insolvência”, 2.ª edição, pág. 102.
Com a verificação de qualquer das situações de incumprimento negocialmente admitidas, a dívida torna-se exigível e o credor apenas está obrigado a especificar a origem, natureza e montante do seu crédito para poder requerer a declaração de insolvência, sem necessidade de se munir de sentença judicial para poder provar a existência do seu crédito.
Não sendo necessário esse título, não pode a ausência do mesmo ser causa de indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência, procedendo, nesta parte, o recurso da apelante.

Outra questão é a da indiciação dos factos-índice ou presuntivos da insolvência enumerados no n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.
Os factos-índice são factos presuntivos da insolvência (tal como definida no artigo 3.º do CIRE), através dos quais esta se manifesta. A sua verificação permite presumir a insolvência do devedor.
São condição necessária para a iniciativa processual dos credores e uma vez alegada a sua verificação, cabe ao devedor ilidi-la, trazendo ao processo factos e circunstâncias que atestem que não está insolvente – veja-se Luís M. Martins, in “Processo de Insolvência”, 2.ª edição, pág. 101.
Ora, analisada a petição inicial, vemos que a requerente, para além de justificar a sua posição de credora (origem, natureza e montante do seu crédito), alegou o encerramento das instalações da devedora, a situação de abandono – sem qualquer sinal de atividade ou laboração e com retirada de máquinas e utensílios das instalações – e o facto de já não dispor de trabalhadores (alínea c) do n.º 1 do artigo 20.º); alegou a suspensão do pagamento de obrigações – não só a si como a outros credores, designadamente, bancos, fornecedores, Finanças e Segurança Social, alguns com dívidas vencidas já há mais de 6 meses (alíneas a) e g) do n.º 1 do artigo 20.º); alegou a inexistência de bens móveis ou imóveis, propriedade da requerida, que lhe permitam cumprir o pagamento dos seus débitos (apesar de não verificada em processo executivo).
Sendo certo que os factos-índice constantes do artigo 20.º do CIRE são taxativos, mas não são cumulativos, para a declaração de insolvência basta o preenchimento de um ou alguns dos factos contidos nas diversas alíneas do artigo e, por outro lado, uma vez requerida a insolvência, com base nestes fundamentos, impende sobre o requerido o ónus da alegação e prova da sua solvência – artigo 30.º, n.ºs 3 e 4 do CIRE.
Assim, não há motivo para o indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência, devendo dar-se oportunidade ao devedor para se opor, afastando a declaração de insolvência não só através da demonstração de que não se verifica o facto indiciário alegado pela requerente, mas também mediante a invocação de que, apesar da verificação do mesmo, ele não se encontra efetivamente em situação de insolvência, ilidindo, assim, a presunção constante daqueles factos-índice – veja-se, neste sentido, Acórdãos da Relação de Lisboa de 12/05/2009 (Processo n.º 986/08.7TBRM.L1), da Relação do Porto de 03/11/2005 (JTRP00038460), de 26/10/2006 (JTRP00039648) e de 12/05/2007 (JTRP00040256), o primeiro disponível em www.dgsi.pt e os restantes citados em João Botelho “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Notas de Jurisprudência”, 2.ª edição revista e aumentada, páginas 70, 72 e 73.
Do que fica dito resulta a procedência da apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida.

Sumário:
1 - Um trabalhador, mesmo que o seu crédito ainda não esteja reconhecido por sentença do Tribunal de Trabalho, tem legitimidade para requerer a declaração de insolvência do devedor, justificando na petição a origem, natureza e montante do seu crédito.
2 – Os factos-índice constantes do artigo 20.º do CIRE (presuntivos da insolvência) são taxativos, mas não são cumulativos, bastando para a declaração de insolvência o preenchimento de um ou alguns dos factos contidos nas diversas alíneas desse artigo.
3 - Uma vez requerida a insolvência, com base nesses fundamentos, impende sobre o requerido o ónus da alegação e prova da sua solvência.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, que se substitui por outra que, determinando o prosseguimento dos autos, ordene a citação da requerida, nos termos do artigo 29.º do CIRE.
Sem custas.
Guimarães, 17 de dezembro de 2014
Ana Cristina Duarte
Fernando Freitas
Purificação Carvalho