Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2201/12.0TBFAF.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
LEGITIMIDADE
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Sem embargo de o art.º 1353.º do Código Civil (C.C.) atribuir o direito de demarcação ao proprietário, é agora inequívoco que também os titulares dos direitos reais limitados podem pedir a demarcação. O que não têm é legitimidade para o fazer desacompanhados do proprietário.
II - A causa de pedir na acção de reivindicação é o facto jurídico de que deriva o direito real e o pedido é o de reconhecimento do direito de propriedade e, por via do direito de sequela que lhe é inerente, a consequente restituição da coisa por quem a possua ou a detenha.
III - Na acção de demarcação a causa de pedir é complexa e desdobra-se na existência de prédios confinantes, pertencentes a donos diferentes, e que as estremas sejam incertas ou duvidosas e o pedido é o de fixação das estremas porque a linha divisória entre os dois prédios confinantes é incerta ou se tornou duvidosa.
IV – A distinção entre a acção de reivindicação e a acção de demarcação tem por base a diferença entre um conflito acerca do título e um conflito de prédios. Se as partes discutem o título de aquisição a acção é de reivindicação. Se não discutem o título de aquisição do prédio de que a faixa faz parte, mas a extensão do prédio possuído, a acção é já de demarcação.
V - Deste modo, não estando em causa uma incerteza ou dúvida sobre a linha divisória, não se pode recorrer à acção de demarcação.
Decisão Texto Integral: - ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES –
A) RELATÓRIO
I.- F.., dizendo-se usufrutuário de um prédio urbano e de um prédio rústico sitos no lugar.., Fafe, e que este último confronta com um prédio pertencente a J.. e mulher M.., dele destacado, intentou contra estes a presente acção de demarcação pedindo que eles sejam condenados a concorrerem para a demarcação das estremas entre os referidos prédios e a reconhecerem que o seu prédio se delimita dos prédios de que é usufrutuário pela linha paralela ao muro do vizinho nascente e dele afastado 6,30 m2 em todo o frontispício do seu prédio urbano e fica restrito ao rectângulo com a mesma largura nas traseiras, a confrontar do norte, nascente e poente com ele, Autor e do sul com A.., com a área total de 450 m2.
Contestaram os Réus excepcionando a ilegitimidade activa do Autor por, configurando-se uma situação de litisconsórcio necessário, deverem intervir nos autos os radiciários dos prédios, e ainda o caso julgado já que, invocando a mesma causa de pedir, o ora Autor intentou contra eles Réus uma acção sumária, que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, com o n.º 207/02, nela pedindo que lhe fosse reconhecida a propriedade de uma faixa de terreno, que agora também aqui reclama, de 150 m2, e os ora Réus fossem condenados a reconhecerem o seu direito de propriedade, pretensões que lhe foram recusadas por sentença há muito transitada em julgado.
O Autor respondeu, e juntas que foram as certidões extraídas dos processos que os Réus mencionaram, foi proferido douto saneador-sentença que, conhecendo das arguidas excepções, julgou parcialmente procedente a de ilegitimidade activa do Autor, e totalmente procedente a excepção de caso julgado, absolvendo da instância os Réus.
Inconformado, o Autor impugna aquela decisão pretendendo que ela seja “anulada”, proferindo-se outra que “ordene a demarcação de acordo com o pedido e de harmonia com os títulos”.
Contra-alegaram os Réus propugnando para que se mantenha o decidido.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II.- O Autor/Apelante funda o seu recurso nas seguintes conclusões:
1ª - O autor alega que é o proprietário dos prédios que são confinantes com o dos réus que deles quer demarcar, e os réus não se opõem ao direito de propriedade do autor.
2ª - A decidir-se que os réus impugnam o direito de propriedade do autor, vale a declaração de ser o proprietário até prova do direito invocado.
3ª- O autor é parte legítima na acção.
4ª- O autor invoca, e prova nos autos, a confrontação entre os seus prédios e o do réu, destacado de um dos prédios do autor.
5ª- Autor e réu aceitam que os prédios de cada um são confinantes.
6ª- Autor e réu admitem que o prédio dos réus é o constituído por uma parcela de terreno comprada ao autor e mulher com 450 m2, e por uma outra comprada a terceiros para arredondamento do quintal do prédio construído na parcela adquirida ao casal do autor.
7ª- Os réus, ao juntarem a certidão do registo e a caderneta predial, com a sua declaração contraditória com a da escritura de compra do terreno de 450 m2 ao autor e mulher, no que respeita à confrontação norte da parcela adquirida, admitem, que a confrontação da escritura não consta correctamente indicada.
8ª – Os réus aceitam que a confrontação norte do seu prédio é com o prédio do autor do qual foi desanexada a parcela de terreno que adquiriram inicialmente.
9ª- Os réus na presente acção abdicam da área de que o Tribunal se convenceu na acção do processo n.º 207/2002 que tinham adquirido sem título, por usucapião.
10ª- Os réus nesta acção admitem que a sua posse incide sobre as áreas que compraram por escrituras notariais.
11ª- Os pedidos das acções do processo número 207/2002, 1626/07.7TBFAF, e da presente acção, não correspondem minimamente entre si quanto ao objecto, porque enquanto na acção mais velha se pede o reconhecimento de metade da área de 150 m2 na frente poente da casa dos réus, na da acção do processo n.º 1626 pede-se o reconhecimento dos 150 m2, e nesta pede-se a área com o afastamento do frontispício da casa dos réus.
12ª- O caso julgado da primeira determina a improcedência da acção, mas não determina o reconhecimento da área de 150 m2 de que o autor pede o reconhecimento de metade.
13ª- A decisão da primeira acção não determina que o autor não tem área de passagem na frente da casa dos réus.
14ª- Autor e réus perfilham-se nesta acção de modo diferente das acções anteriores e situam o objecto do litígio nos títulos.
15ª- Impõe-se analisar os títulos admitidos, designadamente, a autorização do destaque de 450 m2, as plantas do prédio, e as declarações de que resultaram o registo e a inscrição do prédio na matriz.
16ª- Estão preenchidos os requisitos necessários para se proceder à demarcação pedida na acção.
17ª- A douta sentença faz errada interpretação dos factos dos autos, e confunde caso julgado formal com decisão de mérito, ao julgar procedentes a excepções de ilegitimidade e de caso julgado.
18ª- Viola, além de outras disposições legais, o disposto nos artigos 352º, 355º, 358º, 1353º, 1354º e 1355º do Código Civil; 574º, 577º, alíneas e) e j), 619º e 620º do Código de Processo Civil.
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III.- Por sua vez, os Réus defendem a decisão impugnada fundamentando:
I. O Apelante alega, juntando o respectivo título, a sua qualidade de usufrutuário relativamente aos prédios descritos sob o artigo 1.º da Petição Inicial, que doou aos filhos (seus legítimos proprietários);
II. Pelo que litiga na presente Acção na qualidade de usufrutuário, tanto mais que não alegou factos susceptíveis de descrever a aquisição derivada dos aludidos prédios e nem deduz qualquer pedido de reconhecimento da aquisição dos mesmos;
III. Como refere o art.º 1353.º do Código Civil, só o proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação de estremas, pelo que é forçoso concluir pela ilegitimidade activa do Apelante;
IV. Porém, independentemente de se considerar, ou não, que o Apelante tem legitimidade para intentar a presente Acção, certo é que este “camuflou” uma verdadeira acção de reivindicação com as vestes de uma acção demarcação;
V. Porquanto, conforme alega à saciedade na Petição Inicial, o Apelante não tem a menor dúvida acerca dos limites confinantes dos seus prédios e do prédio dos Recorridos, de modo que identifica “a régua e esquadro” a parcela de terreno que afirma pertencer-lhe e fazer parte integrante do prédio que descreve no artigo 1.º, alínea b), e aponta, com rigor, o local por onde deve ser traçada a linha divisória entre os seus prédios e o prédio dos Recorridos;
VI. Mais alegando que essa parcela está a ser ocupada pelos Recorridos;
VII. Sucede que a parcela de terreno que identifica é exactamente a mesma que foi objecto das acções com os n.os 207/2002 e 1626/07.7TBFAF;
VIII. O Apelante intentou contra os Recorridos a acção n.º 207/2002, pedindo que o Tribunal o declarasse proprietário da aludida parcela de terreno;
IX. Porém aí se provou que os aqui Recorridos ocupam tal parcela de terreno há cerca de 20 anos, nela praticando actos de posse com o animus de proprietário, sendo tal posse exercida de boa fé, de forma pacífica e pública;
X. Concluindo-se verificados todos os requisitos da usucapião para que se julgue adquirido pelos Recorridos o direito de propriedade sobre a aludida parcela e, consequentemente, julgando a acção totalmente improcedente;
XI. O Apelante intentou contra os Recorridos a acção n.º 1626/07.7TBFAF, na qualidade de usufrutuário, peticionando ser restituído à posse da aludida parcela de terreno;
XII. Porém, aí se julgou verificada a excepção de caso julgado, em virtude da sentença proferida naquela acção n.º 207/2002;
XIII. Pelo exposto, considere-se a presente acção de demarcação, ou de reivindicação (que é), não havendo dúvida que se discute, mais uma vez, a dominialidade sobre a dita parcela, cujo conteúdo espacial já foi judicialmente declarado como pertencente ao prédio dos Recorridos, é forçoso concluir estarmos perante uma tentativa de contornar o caso julgado material da sentença proferida na acção n.º 207/2002;
XIV. Porém frustrada, porquanto “demarcar seria aqui fazer tudo voltar atrás e, no caso da cobertura do caso julgado material, abrir um processo que comportaria a possibilidade de conduzir à contradição, por um novo pronunciamento judicial”, isto é, demarcar espaço que, por sentença transitada em julgado, se sabe pertencer a um só proprietário;
XV. Pelo que sempre se verifica a excepção de caso julgado material;
XVI. E por isso a presente Apelação tem de improceder, mantendo-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos.
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IV.- Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2; 635º., nº. 4; 639º., nos. 1 a 3; 641º., nº. 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre decidir:
- da legitimidade do Apelante para intentar a presente acção; e
- da excepção de caso julgado em face do que foi alegado e decidido nas anteriores acções que o Apelante moveu aos Réus.
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B) FUNDAMENTAÇÃO
V.- O Tribunal a quo seleccionou os seguintes factos que considerou assentes e provados nos autos:
1. Pela presente acção, proposta a 14.12.2012, o autor formula o seguinte pedido: a presente acção ser julgada procedente e provada, e, por via disso, os réus condenados a concorrerem para a demarcação das estremas entre os prédios do autor e o prédio dos réus, e a reconhecerem que o seu prédio delimita-se dos prédios do autor pela linha paralela ao muro do vizinho nascente e dele afastada 6,30 m2 em todo o frontispício do seu prédio urbano, e fica restrito ao rectângulo com a mesma largura nas traseiras a confrontar de norte, nascente e poente com o autor e do sul com A.., com a área total de 450 m2.
2. O autor, na petição inicial, alegou, de entre o mais, o seguinte:
“1º
O autor consta no registo como usufrutuário dos seguintes prédios:
A
Prédio urbano, sito no lugar de.., Fafe, constituído de uma casa de rés-do-chão com a área coberta de 97 m2, anexo com 24 m2 e logradouro com 923 m2, a confrontar de todos os lados com R.., J.., M.. e H.., descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob a ficha n.º.. e inscrito na matriz respectiva sob o artigo .. urbano.
B
Prédio rústico, sito no mesmo lugar de.., composto de uma parcela de terreno com 3.740 m2, a confrontar do norte com J.. e outro, do sul com A.., do nascente com S.. e carreiro e do poente com R.., J.., M.. e H.., descrito na citada Conservatória sob a ficha n.º.. e inscrito na matriz sob o artigo.. rústico.
(…)
14º
Os prédios A) e B) do artigo primeiro são contíguos.
15°
O autor e sua ex-mulher venderam, aos réu, UM LOTE DE TERRENO, destinado a construção urbana, com a área de 450 m2, a desintegrar da BOUÇA DO VELHO, já demarcado do prédio rústico, para construção urbana com a área de 450 m2, destacado do prédio B), descrito sob a ficha n.º.., e inscrito sob o artigo.. rústico por escritura de 14 de Dezembro de 1983 do Cartório Notarial de Fafe, que se dá por integralmente reproduzida. Doc. 3
16°
Venderam o lote de terreno, ao réu, a pedido dos réus, por mero favor, tendo em conta que os compradores precisavam da parcela de terreno para nela construírem a morada de família.
17º
A parcela de terreno que o casal do autor alienou, ao réu, foi medida e marcada no local, ficando constituída de 450 m2 e a confrontar do norte, nascente e poente com os vendedores e do sul com A... (Doc. 2)
18º
O destaque do terreno foi autorizado por despacho do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Fafe de 11 de Outubro de 1983, com 450 m2, para permitir a venda efectuada. Doc.4
19º
Os réus construíram a sua morada de família na parcela adquirida, ocupando a parte norte com a construção e ficando com o quintal a sul.
20º
A norte da casa fica um terreno, pertença do autor, que serve de passagem do terreno da alínea A) do artigo 1 ° para a Bouça que constitui o da alínea B) do qual foi destacada a parcela dos réus.
21º
O terreno que serve de passagem do prédio A) para o terreno B) do artigo 1° está delimitado do enclave vendido, aos réus, pela parte sul com a casa dos réus, do norte com J.. e outro e dos mais lados com o autor. R.. e outros.
22º
O terreno da passagem é parte integrante do prédio B).
23º
A delimitação do terreno B) faz-se a nascente pela profundidade de 6,30 metros, contados do muro do vizinho daquele ponto cardeal
ISTO POSTO,
24º
Os réus, tendo comprado ao casal do autor 450 m2 registaram a compra feita com a área total de 690 m2, com mais 240 m2 do que compraram ao casal dos autores. Doc. 5
25º
Não compraram nenhuma parcela para arredondamento ao confinante sul, A...
26º
Nem compraram mais do que 450 m2, ao casal do autor, ou ao autor.
27º
Os réus, sem título justificativo da sua actuação, ocuparam a faixa de terreno que confina, a poente, com a parcela de 450 m2 que compraram ao casal do autor e serve de passagem do prédio A para o B e vice-versa, e de ambos para o domínio público.
28º
O autor pretende demarcar o seu prédio, da parcela de terreno que o seu casal vendeu ao réu, onde os réus construíram a morada de família.
29º
A demarcação dos prédios é feita de acordo com o título de venda.
30º
Os prédios do autor delimitam-se do prédio dos réus pela exclusão do espaço rectangular de 450 m2, que dista do muro do vizinho, a nascente, 6,30 m2, onde sempre se processou a passagem do terreno que sofreu o destaque para o domínio público.
31º
Ou seja, os prédios do autor delimitam-se da construção dos réus, pela parcela que sempre deu passagem para a via pública dos mesmos, na frente da casa dos réus, por uma largura de 6,30 m2, a contar do vizinho nascente, e no mais pela exclusão, no total, de 450 m2 vendidos, de implantação da casa dos réus, com a salvaguarda do terreno de passagem a nascente da casa.
32º
Assim, o critério de prova de delimitação entre os prédios do autor e a casa dos réus deve ser a do título aquisitivo do réu, e da passagem dos prédios do autor para o domínio público, numa largura de 6,30 m2 na frente da casa dos réus”.
3. O mesmo autor propôs contra os mesmos réus a acção ordinária a que foi atribuído o n.º 207/2002, que correu termos neste Tribunal Judicial, a qual terminou por sentença transitada em julgado em 29.09.2005.
4. Em tal acção o autor peticionou a declaração de que é proprietário de metade de uma faixa de terreno com a área de 150 m2 que identifica.
Tal faixa de terreno situa-se a Poente do prédio dos réus e confina com este.
Os réus vêm ocupando abusivamente tal faixa de terreno.
5. Em tal acção ficou provado o seguinte:
“1. Na Conservatória do Registo Predial de Fafe, sob o n°.., encontra-se descrito o prédio rústico "uma parcela de terreno com a área de 3740 m2, sito no lugar da.., a confrontar de poente com F.., nascente com S.. e carreiro, sul com A.. e norte com J.. e outro", inscrito na matriz como parte do artigo ...
2. E aí se encontra registada a aquisição a favor dos autores sob a inscrição G-1, ap. 12/040987.
3. A 19 de Dezembro de 1979, no Cartório Notarial de Fafe, foi celebrada escritura pública de compra e venda, lavrada a fls. 35v a 36v livro A-162, pela qual J.. e mulher M.. declararam vender ao autor e este, através de representante, declarou comprar, o prédio descrito em 1.
4. Por escritura de compra e venda celebrada a 14 de Dezembro de 1983, no Cartório Notarial de Fafe e exarada a fls. 80 a 81 do Livro 202-A, o autor e sua ex-mulher M.. declararam vender aos réus e estes comprar um lote de terreno, destinado à construção, com a área de 450 m2, já dividido e demarcado, a desintegrar da Bouça do Ve1 situada no lugar da.., inscrita na matriz sob o artigo .. (e não descrito à data na Conservatória) a confrontar do nascente e poente com vendedores, sul com Á.. e norte com J...
5. O autor, por si e passados, usa o prédio descrito em 1. há mais de 20, 30 e 50 anos, roçando mato e cortando lenha.
6. Fazendo obras de conservação, pagando as contribuições autárquicas e outros impostos.
7. E tudo isto à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja e com o ânimo, em exclusivo, de verdadeiro proprietário.
8. Os réus ocupam uma parcela de terreno de 150 m2 que se situa na parte Norte do prédio descrito em 4.
9. Tendo lá plantado videiras e ladrilhado em parte o terreno para melhor acesso a sua casa de habitação.
10. E retirado um automóvel que o autor lá tinha estacionado.
11. O que aconteceu em Janeiro de 2001.
12. Há cerca de 20 anos os réus plantaram videiras e fizeram um bardo no lado norte da parcela de terreno adquirida ao autor, no lado que confronta com J...
13. Tendo-as vindo a podar, sulfatar e a colher as uvas ao longo dos anos, à vista e com o conhecimento de todos, designadamente do autor, sem oposição e interrupção.
14. Na convicção de que estão e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre todo o prédio, designadamente da parte norte até ao vizinho confinante J..”.
6. Em tal acção decidiu-se:
“Estão, pelo exposto, verificados todos os requisitos da usucapião a que aludem os artigos 1287º e 1296º, para que se julgue adquirido pelos réus o direito de propriedade sobre a parcela de terreno em discussão.
Consequentemente, têm que decair as pretensões do autor na presente acção.
Decisão:
Nestes termos, decide-se julgar a acção improcedente e, consequentemente, absolver os réus dos pedidos”.
7. O mesmo autor propôs contra os mesmos réus a acção ordinária a que foi atribuído o n.º 1626/07.7TBFAF, que correu termos neste Tribunal Judicial, a qual terminou por sentença transitada em julgado em 09.05.2012.
8. Em tal acção foi peticionado pelo autor:
“a) Reconhecer o direito real do autor dos prédios A e B do artigo 1º com tudo o que os compõe e integra, designadamente a parcela de terreno com 150 m2 confinante a norte com os prédios dos réus.
b) Reconhecer que eles, réus são detentores ilegítimos e abusivos dos prédios que ocupam.
c) A entregarem, por isso, a parcela de terreno do autor com 150 m2, situada a norte do seu prédio”.
9. Em tal acção foi decidido, em sede de saneador-sentença transitado em julgado:
“Ora, ainda que se considere não se verificar a excepção de caso julgado entre este processo e o anterior por falta da referida tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, sempre a autoridade de caso julgado da sentença anterior se impõe a este processo, impedindo a procedência do pedido deduzido pelo autor.
Com efeito, para que aqui se pudesse concluir pela existência do direito de usufruto do autor sobre a parcela de terreno de 150m2 que é invocada, teria o autor de provar que essa parcela de terreno pertence aos prédios dos quais é usufrutuário e que sobre ela foram exercidos actos de posse característicos do usufruto (que, como acima se disse, têm as mesmas características dos actos de posse do proprietário).
Ora, basta atentar na leitura da sentença proferida no outro processo, na parte acima transcrita, para concluir que entre estas mesmas partes já foi discutida essa questão e que além de o autor não ter feito a mínima prova de pertencer a parcela aos referidos terrenos e de sobre ela ter praticado quaisquer actos, ainda lograram os réus provar ter sobre ela praticado actos de posse típicos dos proprietários, o que logicamente exclui que o aqui autor sobre essa mesma parcela possa ter exercido qualquer posse de usufrutuário.
Assim, e em conclusão, existe caso julgado entre a sentença proferida no processo n.º 207/2002, que correu termos no 2.º Juízo deste tribunal, e este processo, no que toca aos pedidos deduzidos sob as alíneas a) a c).
O caso julgado é uma excepção dilatória (art. 494º, alínea i) do Código de Processo Civil) que leva à absolvição do réu da instância (art. 493º, n.º 2 do Código de Processo Civil), sendo este o momento adequado ao seu conhecimento.
Assim, e pelo exposto, julgo procedente a excepção dilatória de caso julgado invocada pelos réus e, consequentemente, absolvo-os da instância quanto aos pedidos deduzidos pelo autor sob as alíneas a), b) e c) da petição inicial.”.
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VI.- Impugna o Apelante a decisão que o considerou parte ilegítima para intentar a presente acção.
Como se sabe, a reforma do C.P.C. de 1995/1996 terminou de vez com a querela que se vinha desenvolvendo em torno do conceito de legitimidade enquanto pressuposto processual.
Havendo vingado a tese do Prof. Barbosa de Magalhães, é pela configuração dada pelo autor à relação material controvertida que se aferirão quem são os titulares dos interesses em confronto.
Assim, sendo partes legítimas quem tem interesse directo em demandar e quem tem interesse directo em contradizer, exprimindo-se este interesse, para o autor, pela utilidade derivada da procedência da acção, e para o réu, pelo prejuízo que dessa procedência advenha, se a lei não dispuser de modo diverso, a legitimidade há-de aferir-se tendo apenas em consideração o pedido e a causa de pedir.
Foi afastada a tese do Prof. Alberto dos Reis que advogava a determinação da legitimidade pela determinação da pessoa que pode fazer valer o direito, pressupondo-se que exista este direito, mas considerando, para o efeito, todos os factos que sejam trazidos ao processo e as provas que fossem produzidas.
Como referem o Prof. Antunes Varela et al. “Ser parte legítima na acção é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível. A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista; e terá legitimidade como réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é directamente atingida pela providência requerida” (in “Manual de Processo Civil”, ed. de 1984, pág. 122).
Por vezes a relação material controvertida respeita a mais do que uma pessoa, podendo a lei ou o negócio exigir ou não a intervenção na acção dos vários interessados.
Se for exigida a intervenção de todos e a acção só for proposta por um deles ou contra apenas um, há uma omissão do litisconsórcio necessário, verificando-se a ilegitimidade do demandante ou do demandado.
O Apelante intentou esta acção a que deu os contornos de demarcação.
Sem embargo de o art.º 1353.º do Código Civil (C.C.) atribuir o direito de demarcação ao proprietário, é agora inequívoco que também os titulares dos direitos reais limitados podem pedir a demarcação. O que não têm é legitimidade para o fazer desacompanhados do proprietário (cfr., neste sentido, e por todos, o Ac. da Rel. do Porto de 23/09/1997, in C.J., ano XXII, Tomo IV, págs. 198-200, e Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, 2ª. ed. revista e actualizada, vol. III, pág. 200, e Santos Justo, in “Direitos Reais”, ed. 2007, pág. 250).
Ora, na situação sub judicio, o Apelante, como se vê das conclusões 1.ª e 2.ª, firma a sua legitimidade reafirmando ser o proprietário dos prédios confinantes com o dos Réus, e afirmando que estes não se opõem ao seu direito de propriedade. Mais acrescenta que “a decidir-se que os réus impugnam o direito de propriedade do autor, vale a declaração de ser o proprietário até prova do direito invocado.
Parece ter o Apelante olvidado que ele próprio ofereceu nos autos a prova de que já não é o proprietário, e sim usufrutuário, visto ter junto a certidão de uma escritura pública (documento autêntico, que faz prova plena nos termos e limites referidos no art.º 371.º, do C.C.) de “partilha e doação”, na qual declara que “em comum e partes iguais, e por força da sua quota disponível, mas reservando para si o usufruto vitalício (negrito nosso), faz doação a seus filhos ... dos dois identificados imóveis, que acabam de lhe ser adjudicados”, imóveis que são, nem mais nem menos, que os alegadamente confrontantes com o dos Réus.
Ora, a doação é um acto de disposição, por espírito de liberalidade, de uma coisa ou de um direito em benefício de outra, e transmite a propriedade da coisa ou a titularidade do direito logo que seja aceite ou se verifique a tradição material para o donatário – cfr., designadamente, art.os 940.º a 955.º. – sendo certo que, como se vê de fls. 21 dos autos (folha 19 do documento) a doação foi aceite por declaração emitida no próprio acto, como vem reproduzido na escritura.
Assim, por contrato formal e materialmente válido, o Apelante doou aos seus filhos a raiz ou nua propriedade dos referidos imóveis, ficando para si, apenas, com o usufruto.
A sua declaração de “ser o proprietário”, não estando, provadamente, conforme com a realidade, não pode ser positivamente valorada para efeitos de aferição da sua legitimidade na presente acção.
E não tendo feito intervir nos autos os radiciários, seus filhos, incorreu em preterição de litisconsórcio necessário activo.
Impondo-se, assim, confirmar a decisão impugnada, consequentemente se julga improcedente esta parte do recurso.
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VII.- Impugna igualmente o Apelante a decisão que julgou procedente a excepção de caso julgado.
Nos termos que vêm referidos no art.º 580.º, do C.P.C. o caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, quando a primeira já foi decidida por sentença que não admite recurso ordinário.
Só haverá caso julgado se se verificar uma tríplice identidade entre ambas as acções: de sujeitos, do pedido e da causa de pedir.
De acordo com o que vem referido no art.º 581.º do C.P.C.:
- há identidade de sujeitos se as partes no processo forem as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica;
- há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico;
- há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.
Na situação sub judicio temos como adquirido que transitaram em julgado as sentenças proferidas nas acções acima referidas, n.os 207/2002 e 1626/07. 7TBFAF-A, sendo que nesta foi decidido proceder a excepção de caso julgado em face do que nela se invocava e se pedia e o que constituiu o objecto da decisão proferida naquela.
Sendo inequívoca a identidade dos sujeitos naquelas e nesta acção, cumpre analisar os outros dois requisitos.
A causa de pedir na acção de reivindicação, sendo, como é, uma acção real, é o facto jurídico de que deriva o direito real (n.º 4 do art.º 581.º do C.P.C.).
Na acção de demarcação a causa de pedir é complexa e desdobra-se na existência de prédios confinantes, pertencentes a donos diferentes, e que as estremas sejam incertas ou duvidosas (cfr. Ac. do S.T.J. de 26/09/2000, in B.M.J., n.º 499, págs. 294-297 e Ac. desta Rel. de Guimarães de 17/11/2004, in C.J., ano XXIX, tomo V, págs. 279-283). A qualidade de proprietário ou titular do domínio de um dos prédios confinantes, que invoca quem pede a demarcação, é, pois, simplesmente uma condição de legitimidade para a acção, não integrando a causa de pedir o facto que originou a propriedade ou o domínio sobre tal prédio.
No que se refere aos pedidos, a acção de reivindicação funda-se, como se sabe, na existência do direito de propriedade, tendo como finalidade a obtenção da coisa objecto desse direito (cfr. Rodrigues Bastos, in “Direito das Coisas Segundo o Código Civil de 1966” vol. I, pág. 137) e, por isso, o pedido é o de reconhecimento do direito de propriedade e, por via do direito de sequela que lhe é inerente, a consequente restituição da coisa por quem a possua ou a detenha.
Na acção de demarcação o pedido é o de fixação das estremas porque a linha divisória entre os dois prédios confinantes é incerta ou se tornou duvidosa.
Como cristalinamente refere o Prof. Alberto dos Reis, na acção de demarcação “Há dois prédios contíguos pertencentes a proprietários diferentes; a linha divisória entre eles é incerta e duvidosa; não há marcos, nem muros, nem sebes, nem quaisquer sinais exteriores que indiquem as extremas de cada prédio; qualquer dos proprietários tem direito a recorrer ao tribunal, a fim de que se fixem as extremas ou se trace a linha divisória dos dois prédios.
É o que se chama a acção de tombamento ou demarcação (finium regundorum)” (in “Processos Especiais”, vol. II – Reimpressão, pág. 13).
Os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela elegem como critério de distinção entre a acção de reivindicação e a acção de demarcação “a diferença entre um conflito acerca do título e um conflito de prédios. Se as partes discutem o título de aquisição, como se, por exemplo, o autor pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a faixa ou sobre uma parte dela, porque a adquiriu por usucapião, por sucessão, por compra, por doação, etc., a acção é de reivindicação. Está em causa o próprio título de aquisição. Se, pelo contrário, se não discute o título, mas a relevância dele em relação ao prédio, como por exemplo, se o autor afirma que o título se refere a varas e não a metros ou discute os termos em que deve ser feita a medição, ou, mesmo em relação à usucapião, se não discute o título de aquisição do prédio de que a faixa faz parte, mas a extensão do prédio possuído, a acção é já de demarcação”. Esta é, pois, “uma acção de acertamento ou de declaração da extensão da propriedade, sem que estejam em causa os títulos de aquisição” sendo por isso que, seguindo a tradição justinianeia “esse acertamento pode ter lugar por uma repartição equitativa do terreno em causa” (in “Código Civil Anotado”, 2.ª ed. revista e actualizada, pág. 199).
Assim, como refere o Ac. da Rel. Coimbra de 30/01/2007, “quando uma das partes pretende que uma determinada parcela de terreno do seu prédio se encontra usurpada pelo vizinho, sempre que haja debate sobre a propriedade de certa faixa de terreno confinante e sobre os títulos em que se baseia, discutindo-se o título de aquisição, em vez da sua relevância em relação ao prédio, tratando-se de um conflito de títulos e não de um conflito entre prédios, a acção correspondente não é a acção de demarcação, mas antes a acção de reivindicação” e, prossegue, “Efectivamente, se as dúvidas ultrapassam a zona de fronteira entre os dois prédios contíguos para atingirem uma parcela bem definida na posse do vizinho, sai-se da esfera da acção de demarcação para se entrar no âmbito da acção de reivindicação, significando a subversão dos princípios que a ambas estão subjacentes a propositura da primeira, em lugar da última, pois que naquela respeitam-se os títulos existentes, não se admitindo prova contra os mesmos, apenas se definindo a linha divisória que ofereça dúvidas, face aos títulos existentes. (in C.J., ano XXXII, Tomo I/2007, pág. 14).
Deste modo, e como vimos, não estando em causa uma incerteza ou dúvida sobre a linha divisória, não se pode recorrer à acção de demarcação.
Acompanhando aquele aresto, concordamos que “a acção de demarcação não pode ser utilizada para, a pretexto de definir confrontações, constituir um meio hábil de obter o reconhecimento da propriedade sobre qualquer parcela de terreno bem definida, que está na titularidade de outra pessoa, com desrespeito dos respectivos títulos e posse, escondendo o objecto de uma verdadeira reivindicação, por parte do seu autor”.
E é, precisamente, o que sucede na situação sub judicio.
O Apelante invoca os seus títulos de aquisição dos prédios confinantes com o dos Réus e invoca igualmente o título de aquisição destes e, fundando-se neles, traça uma linha divisória precisa, definindo claramente as estremas: “uma linha paralela ao muro do vizinho nascente e dele afastada 6,30 m2 em todo o frontispício do seu (referindo-se aos Réus) prédio urbano, e fica restrito ao rectângulo com a mesma largura nas traseiras a confrontar de norte, nascente e poente com o autor e do sul com A.., com a área total de 450m2”.
E alegando que os Réus estão a ocupar e usufruir indevidamente daquela parcela de terreno, pedem que estes sejam condenados “a concorrerem para a demarcação”, o mesmo é dizer, a restituírem-lhe a posse da parcela que identifica.
Contudo, por sentença já transitada em julgado, foi reconhecido que a dita parcela de terreno havia sido adquirida pelos Réus.
Ora, mesmo que admitida a presente acção como de demarcação, atenta a possibilidade da repartição equitativa do terreno ali identificado, em igual medida sempre se correria o risco de contrariar a decisão anterior, ofendendo os valores da certeza e da segurança que enformam o caso julgado (como refere o Ac. da Rel. do Porto de 29/10/2013, proferido no Proc.º 882/12.5TBSJM.P1, Desemb. Vieira e Cunha, que a sentença transcreve).
A admitirmos a solução do Ac. da Rel. de Coimbra de 30/01/2007, também diríamos que o fundamento que o Apelante invoca está em contradição com o pedido que formula o que torna inepta a petição, determinando a anulação de todo o processo, com a consequente absolvição da instância, nos termos do disposto nos art.os 278.º, n.º 1, alínea b) e 186.º, n.os 1 e 2, alínea b), ambos do C.P.C., estando vedado ao juiz convidar o Apelante a suprir esta excepção dilatória (alínea b) do art.º 577.º, do C.P.C.), nos termos permitidos pelo art.º 590.º n.º 2, alínea a), do C.P.C. porque isso implicaria, como se disse, reabrir a discussão sobre a propriedade da parcela de terreno em causa, com o risco da ofensa do caso julgado.
Resta, assim, concluir que também esta parte da decisão impugnada é de manter, devendo recusar-se provimento ao recurso.
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C) DECISÃO
Considerando tudo quanto acima fica exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação e, por isso, confirmar integralmente a decisão impugnada.
Custas pelo Apelante.
Guimarães, 13/10/2014
Fernando Fernandes Freitas
Maria Purificação Carvalho
Espinheira Baltar